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Constituição e independência do Banco Central

Constitution and independency of the Central Bank

Resumo

O artigo desenvolve análise interdisciplinar, entre direito e economia, indagando sobre eventual “independência” do Banco Central quanto à fixação da taxa Selic. A partir da perspectiva marxista e de conceitos do approach keynesiano, sustenta que, à luz dos dispositivos constitucionais reguladores da ordem econômica, a autoridade monetária deve buscar o pleno emprego, adequando sua função a esse objetivo.

Palavras-chave:
Marxismo e direito; Crítica marxista do constitucionalismo; Independência do Banco Central

Abstract

The article develops an interdisciplinary analysis, between law and economics, inquiring about the “independence” of the Central Bank in relation to the Selic rate. From the Marxist perspective and the concepts of the Keynesian approach, he argues that, in the light of the constitutional provisions regulating the economic order, the monetary authority must seek full employment, adjusting its function to that objective.

Keywords:
Marxism and law; Marxist critique of constitutionalism; Independence of the Central Bank

I. Introdução ** A pesquisa sobre as implicações jurídicas envolvendo a fixação da taxa de juros está inserida em projeto maior da Profa. Leda Paulani sobre financeirização e sobre a relação entre juros e renda que conta com o auxílio de uma bolsa de produtividade do CNPq.

O debate sobre a “independência” do Banco Central (BC) tem ocupado lugar de destaque não apenas no meio acadêmico, mas também na mídia, sobretudo escrita. O motivo de tanto interesse não chega a ser mistério: o Brasil ostenta uma das maiores taxas básicas de juros de todo o globo terrestre. 1 1 No momento em que escrevemos, a taxa Selic está fixada nominalmente em 11,15% ao ano. Fonte: http://www.bcb.gov.br/Pec/Copom/Port/taxaSelic.asp . Acesso em 20/06/2017. Considerada a inflação, o Brasil apresenta a segunda maior taxa real de juros do mundo (4,30%), ficando atrás apenas da Rússia (4,57%), mas à frente da Turquia (3,63%), Indonésia (3,63%) e Colômbia (2,75%). Fonte: http://moneyou.com.br/wp-content/uploads/2017/05/rankingdejurosreais310517.pdf . Acesso: 20/06/2017. Por que essa situação se arrasta há tanto tempo? Que razões explicam, ou justificam, esse fenômeno? Economistas de vários matizes, ortodoxos e heterodoxos, enfrentam a questão e oferecem seus diagnósticos.

Uma vez que o Banco Central cumpre o papel de autoridade monetária, cabendo-lhe a prerrogativa de fixar a taxa básica de juros da economia (taxa Selic), a discussão a respeito de sua “independência” ou subordinação aos poderes políticos estabelecidos é uma consequência lógica e necessária. Os defensores daquela que seria sua função precípua – o “controle da inflação” – socorrem-se, como regra, de argumentos “técnicos” segundo os quais a autoridade monetária precisa ser independente para que tenha a capacidade de adotar a decisão mais adequada ao controle dos preços (estando assim, leia-se, numa posição menos vulnerável a argumentos de outra ordem). Os críticos desta autonomia, por outro lado, assinalam que o aspecto técnico não pode ser separado das razões políticas, motivo pelo qual a autoridade monetária deve vincular-se, obrigatoriamente, ao conjunto das decisões governamentais que perfazem a gestão política da macroeconomia. 2 2 Maria Cristina Penido de Freitas (2006) elabora competente descrição dessas duas tendências, a da Escola Novo-Clássica, favorável à autonomia do BC, e a da Escola Pós-Keynesiana, crítica desta independência.

O debate pode ser iluminado de diversas formas e múltiplos aspectos podem ser suscitados. Assim, pesquisas recentes revelam que as elevadas taxas de juros praticadas pelo BC teriam relação, por exemplo, com a credibilidade da política monetária e fiscal adotada pelo governo, de modo que, quanto maior esta, tanto menor aquela (MONTES et al , 2014 MONTES, Gabriel Caldas; ASSUMPÇÃO, Antonio Carlos de Jesus. “Uma nota sobre o papel da credibilidade da política monetária e fiscal: evidências para o Brasil”. Revista Brasileira de Economia, Rio de Janeiro, vol. 64, nº 04, 2014, pp. 497-415. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rbe/article/view/24609/41169> Acesso em: 12/08/2016.
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). Leituras mais tradicionais apontam também para uma forma de risco não comumente lembrada, que seria a incerteza no que concerne ao cumprimento de contratos quando submetidos à jurisdição brasileira. A inexistência de um mercado doméstico para a liquidação de contratos de longo prazo no Brasil explicaria a manutenção da taxa básica de juros em patamares elevados (ARIDA et al, 2005 ARIDA, Persio; BACHA, Edmar Lisboa; LARA-RESENDE, André. “Credit, interest, and jurisdictional uncertainty: Conjectures on the case of brazil”. Instituto de Estudos de Política Econômica, Casa das Garças, Rio de Janeiro, 2004. Disponível em: <http://iepecdg.com.br/wp-content/uploads/2016/03/TPD2IEPE.pdf> Acesso em: 12/08/2016.
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). 3 3 Esse foi, aliás, o argumento maior a justificar a reforma da Lei de Falências empreendida pelo governo federal em 2005, já no primeiro mandato do Presidente Luís Inácio Lula da Silva (Lei nº 11.101/05). Anote-se que nenhuma diferença substantiva se sentiu na operação da política monetária por conta das modificações operadas, sob tal argumento, no citado dispositivo legal. Há também aqueles que relacionam o nível da taxa Selic à inércia da inflação ou ao montante da dívida pública federal. No primeiro caso, sustenta-se que o BC estaria, por assim dizer, “ancorado” nos índices de inflação, de modo que, uma vez que estes se mantenham elevados, a taxa de juros deve seguir a mesma tendência, sob pena de instabilidade ( BARBOSA, 2004 BARBOSA, Fernando de Holanda. “A inércia da taxa de juros na política monetária”. Ensaios Econômicos, nº 534, Escola de Pós-Graduação em Economia da Fundação Getúlio Vargas, 2004. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/667/1567.pdf;jsessionid=D1A6BF3DE38658C527EDB4FBDCE54D85?sequence=1> Acesso em: 12/08/2016.
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). 4 4 Não custa lembrar que, acompanhando-se a série dos últimos 20 anos, a taxa nominal esteve sempre muito acima do piso determinado pela taxa de inflação, produzindo, assim, uma taxa real de juros muito elevada. No segundo, destaca-se que a elevada proporção da dívida pública com relação ao produto interno bruto traria, como consequência, uma percepção de risco também elevada, o que teria impacto no “preço” do dinheiro a ser emprestado e, como decorrência, na taxa de juros praticada (FAVERO et al, 2002 FAVERO, Carlo A.; GIAVAZZI, Francesco. “Why are Brazil’s Interest Rates so High?”. IGIER, Universit`a Bocconi, Milano, 2002. Disponível em: <file:///C:/Users/Solu%C3%A7%C3%A3o%20Inform%C3%A1tica/Downloads/SSRN-id326781%20(1).pdf> Acesso em: 13/08/2016. ). 5 5 Ocorre que ao longo do período 1994-2014, por exemplo, a relação Dívida/PIB no Brasil passou por todas as situações: estabilizou, subiu, caiu, voltou a subir e não se viu redução efetiva da taxa real de juros em resposta aos movimentos de declínio; o mesmo se pode dizer de outra variável amiúde utilizada como argumento para sustentar as elevadas taxas: o resultado primário das contas públicas foi positivo e substantivo ao longo de um largo período de tempo (de 2002 até 2014) e a taxa de juros foi indiferente a isso. Não obstante a pletora de teorias situadas no campo da ortodoxia, parece que razão assiste a Chernavsky (2007) CHERNAVSKY, Emílio. Sobre a Construção da Política Econômica: uma discussão sobre os determinantes da taxa real de juros no Brasil. Dissertação (mestrado). Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2007. 6 6 O autor observa: “Como conclusão geral desta seção, podemos dizer que não foram encontradas evidências suficientes que nos permitam aceitar a afirmação que pretende que fatores normalmente associados às considerações de risco, especialmente as medidas associadas à situação fiscal e à solvabilidade do país, ou variáreis que procurem captar de forma direta o risco associado aos títulos da dívida, como o índice EMBI e as classificações de risco, seriam os principais determinantes das elevadas taxas de juros praticadas no Brasil” ( CHERNAVSKY, 2007: 72). que, passando em revista muitas delas, concluiu pela inaptidão geral em explicar de modo consistente as razões de fundo pelas quais o BC seria “obrigado” a sustentar elevadas taxas de juros por período tão longo de tempo.

Para além de questões teóricas mais substanciais ou pesquisas empíricas estritamente econômicas, que sem dúvida são importantes para a análise do tema, dois problemas que geralmente escapam aos estudiosos especializados nos movem neste artigo:

1. Não obstante as hipóteses econômicas explicativas das elevadas taxas de juros praticadas pelo BC, seria possível, do ponto de vista jurídico, isto é, tendo como pano de fundo a Constituição de 1988, atribuir à autarquia “independência” para fixar a taxa Selic em patamares que julga os mais adequados, ainda que sob o pretexto “técnico” de controle da inflação? Não seria necessário questionar a possibilidade jurídico-constitucional desta “independência” antes mesmo de se encaminharem questões econômicas mais aprofundadas?

2. Ainda que esta prerrogativa fosse admitida, seria possível sustentar, à luz do art. 170, caput e inc. VIII, da CF/88, que estabelece a busca do pleno emprego como princípio geral da atividade econômica, a validade jurídica de taxas fixadas em níveis que contrariem esse princípio? O próprio conteúdo da função monetária já não estaria vinculado à Constituição?

Tais indagações colocam em evidência certo “vácuo teórico” no que concerne a uma necessária e inescusável interdisciplinaridade, que envolva não apenas o diálogo, mas sobretudo o entrelaçamento de duas importantes esferas de conhecimento, a ciência econômica e a ciência do direito. Nesse sentido, não se concebe que hipóteses supostamente justificadoras desse comportamento no plano da economia sejam construídas com abstração total das questões jurídicas que envolvem a atuação da autarquia, especialmente quando se sabe que o texto constitucional brasileiro situa-se no contexto das chamadas constituições dirigentes, cujo conteúdo é formado por normas que não apenas admitem, como determinam uma atuação estatal conformadora das relações econômicas, com vistas a determinados objetivos previamente estabelecidos, tais como a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (CF/1988, art. 3º).

Sob a perspectiva jurídica a situação é ainda menos alentadora. Do ponto de vista teórico aqui adotado, o desconhecimento dos aspectos relacionados à economia é sensivelmente mais grave, uma vez que, como se sabe, as condições econômicas conformam a infraestrutura social a partir da qual se elevam as esferas política, jurídica, cultural, ideológica etc., que, apreendidas dialeticamente, são, em maior ou menor medida, determinadas por aquela. 7 7 A referência aqui é, obviamente, Karl Marx (2003: 03-08); (2011: 39-64). Confira-se também: ( PRADO, 2013 ). Assim, qualquer teorização jurídica que não leve em conta as determinações econômicas, isto é, as formas econômico-sociais por meio das quais o capital se põe em movimento e as respectivas categorias que expressam seu devir, está fadada a assumir caráter essencialmente ideológico. Esse é, no entanto, o “estado da arte” que se encontra no meio jurídico acadêmico. Alheio à substância econômica que, em última análise, confere sentido às formas jurídicas, ganha corpo um constructo teórico que advoga uma plena “independência” do BC na condução da política monetária, sob o pretexto da assim denominada “accountability”, isto é, uma “modalidade (dentre outras possíveis) de supervisão, avaliação e responsabilização da autoridade monetária na prática de sua política – uma moldura jurídica para o exercício do poder monetário” ( DURAN, 2013 DURAN, Camila Vilard. A moldura jurídica da política monetária: um estudo do Bacen, do BCE e do Fed. São Paulo: Saraiva, 2013. : 30).

Pois bem, a hipótese que nos move a iniciar os esforços no sentido de suprir esse “vácuo teórico” desdobra-se em duas vertentes e pode ser assim enunciada: (1) à luz da força normativa da Constituição e no que concerne ao princípio da separação de poderes, afigura-se equívoco cogitar de qualquer espécie de “independência” para o BC no que concerne à tarefa de fixar a taxa básica de juros da economia. A noção de independência aponta para uma autonomia haurida imediatamente da Constituição e não entremeada por lei ou ato normativo inferior; (2) ademais, o texto constitucional determina também a vinculação de conteúdo da própria função regulatória da autoridade monetária, de modo que as decisões eventualmente adotadas pelo BC no que toca à fixação da taxa Selic estão antecipadamente vinculadas aos mandamentos constitucionais, sobretudo ao princípio da busca do pleno emprego. Assim, o artigo tem como objetivo demonstrar que as taxas de juros devem, no sentido jurídico do termo, gravitar em torno de patamares que incentivem a atividade econômica produtiva, verdadeira responsável pela criação de postos de trabalho.

Finalmente, sob o aspecto metodológico, registre-se que a perspectiva materialista aqui adotada não trata a hipótese apresentada como simples abstração lançada como dado inicial – necessária, por motivos lógicos, ao desenrolar dedutivo – mas como parte de um contexto teórico mais amplo e prévio, cujo momento inicial situa-se na crítica da economia política elaborada por Karl Marx em O Capital ______ . O capital. Livro I. São Paulo: Boitempo, 2013. . Assim, as categorias a serem utilizadas no desenvolvimento do artigo não representam apenas “abstrações teóricas”, mas se constituem como momentos conceituais que têm suas raízes nos fundamentos da estrutura produtiva da sociedade atual, cuja efetividade possui a “textura do conceito”: 8 8 Confira-se: ( FAUSTO, 1987 ), especialmente ensaio II. são as abstrações reais, encarnadas no trabalho em geral – substância do valor urdida no dia-a-dia das trocas, e na riqueza abstrata (monetária) que, em última instância, movem o sistema.

Consequentemente, certas concepções são reformuladas, de maneira que o direito não é concebido como usualmente faz a teoria tradicional – simples conjunto de normas postas por uma autoridade competente –, mas como expressão superestrutural do movimento de produção, reprodução e acumulação do capital. Desse modo, se as formas jurídicas, cujos fundamentos repousam na relação mercantil, projetam, por um lado, a aparência de um ordenamento normativo que se baseia na igualdade de posições, por outro, não fazem senão assegurar, em sua essência, a perpetuação de um sistema fundado na desigualdade material e que se move pela incessante extração de mais-valor à classe trabalhadora ( PACHUKANIS, 1988 PACHUKANIS, Evgeny. Teoria geral do direito e marxismo. São Paulo: Acadêmica, 1988. ). Caminhamos, pois, com Ruy Fausto: “O Estado guarda apenas o momento da igualdade dos contratantes, negando a desigualdade das classes, para que, contraditoriamente, a igualdade dos contratantes seja negada e a desigualdade das classes posta” ( FAUSTO, 1987 FAUSTO, Ruy. Marx: Lógica & Política. Tomo II. São Paulo: Brasiliense, 1987. : 299-300). Assim, a passagem do direito (que rege a relação jurídica entre os agentes que contratam no interior da sociedade civil, sendo, portanto, anterior ao Estado) ao Direito, isto é, à relação jurídica legalizada pelo Estado, impõe-se como necessidade, para que a desigualdade material que funda o sistema possa operar.

II. A força normativa da Constituição

A noção de força normativa da Constituição veio a lume com o famoso opúsculo de Konrad Hesse, fruto de sua aula inaugural na Universidade de Freiburg em 1959. Nele, o autor, a propósito de um diálogo conceitual com Lassalle, 9 9 Veja-se: ( LASSALLE, 2007: 17-18). apresenta a célebre concepção segundo a qual a Constituição de um país significa algo mais do que um simples “pedaço de papel”, de modo que os conflitos entre forças materiais constitutivas de uma sociedade – capital, indústria, militares etc. – e que eventualmente se movimentem em sentido contrário àquilo que determina o texto constitucional, podem, sim, ser solucionados a partir da Constituição, que, desse modo, regula as situações conflituosas, afirma a eficácia de seus dispositivos e assegura a prevalência de sua normatividade. Hesse anota:

Embora a Constituição não possa, por si só, realizar nada, ela pode impor tarefas. A Constituição transforma-se em força ativa se essas tarefas forem efetivamente realizadas, se existir a disposição de orientar a própria conduta segundo a ordem nela estabelecida, se, a despeito de todos os questionamentos e reservas provenientes dos juízos de conveniência, se puder identificar a vontade de concretizar essa ordem ( HESSE, 1991 HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. São Paulo: Sergio Antonio Fabris, 1991. : 19) 10 10 Uma problematização do paradigma, no interior da teoria tradicional, encontra-se em: ( GRIMM, 2006: 03-22). .

O conceito de força normativa da Constituição ganhou corpo na doutrina e jurisprudência alemãs, penetrou de modo incisivo no pensamento constitucional português e, a partir deste, foi recepcionado pelo constitucionalismo brasileiro, sobretudo após 1988. Adquiriu, então, status de verdadeiro paradigma ou pressuposto do que se convencionou chamar “novo constitucionalismo”. 11 11 Nesse sentido: ( SARMENTO, 2009 ). Significa, grosso modo, a ideia segundo a qual a Constituição qualifica-se como autêntica norma jurídica e, tal qual as leis em geral, obriga à observância, é dotada de imperatividade e, como consequência, de mecanismos asseguradores de sua eficácia. Sendo assim, impõe-se como norma jurídica fundante de todo o sistema, submetendo os Poderes Executivo, Judiciário e, especialmente, Legislativo.

Não há que se cogitar, pois, de espaço de discricionariedade ilimitada para o legislador no momento em que elabora as leis ou atos normativos primários. Deve permanecer dentro dos quadrantes normativos postos pelo texto constitucional e segui-lo fielmente. Precisa, ademais, fazer cumprir as normas que estabelecem projetos de longo prazo – outrora chamadas “programáticas” –, sendo vedado o imobilismo legislativo. Para tanto, as Constituições qualificam o Poder Judiciário ao controle de constitucionalidade por ação e, mais importante ainda, por omissão. Esse paradigma, que hoje soa trivial, esteve longe de ser algo “óbvio” ou “evidente”. Foi fruto de lenta e paciente construção teórica, cujo impulso inicial remonta ao pós-guerra e aos eventos autoritários que tiveram lugar ao longo do conflito beligerante em território europeu.

É importante salientar, contudo, que não aderimos ao conceito de força normativa da Constituição em sua “pureza”. Tampouco aceitamos a maneira acrítica como tem sido recepcionado pelo constitucionalismo tradicional. De fato, verifica-se que o tratamento teórico corriqueiro leva à fetichização da Constituição, vendo emanar dela uma “força sensível-suprasensível” capaz de fazer valer, por si mesma, seus dispositivos. O texto constitucional é tratado como “objeto” dotado de poderes mágicos auto-executórios. Por outro lado, abordagens supostamente “críticas” deslocam a força normativa da Constituição para os “encarregados” de fazê-la valer, isto é, os “operadores” do direito, em cuja vontade repousaria a eficácia dos dispositivos constitucionais. 12 12 O próprio Hesse faz isso ao propugnar por uma “vontade de Constituição”: ( HESSE, 1991: 19). A famosa “vontade” seria capaz de atribuir eficácia à Constituição, o que constitui evidente equívoco.

Nesse ponto, devemos recorrer a Lassalle para afirmar um conceito de Constituição que inclua como elemento fundamental de seu sentido os chamados “fatores reais de poder”, isto é, as forças econômico-políticas materiais que movem a sociedade. Mesmo esta perspectiva, no entanto, é insuficiente. Primeiro, porque não torna concretos os tais “fatores reais de poder”, deixando de situá-los no momento da luta de classes, ou seja, do conflito entre capital e trabalho. Em segundo lugar, porque, se acerta ao afirmar a existência de uma Constituição “real” e uma “escrita”, erra ao não lograr salientar, com o devido relevo, o nexo dialético que as une, vale dizer, o sentido normativo que emana dos fatores reais de poder, quer dizer, as normas pelas quais se auto-organizam e se perpetuam como estrutura vigente de poder. Em suma, Lasalle não vai até o ponto de reconhecer que as duas “Constituições” refletem a antinomia constitutiva do próprio Estado em sua necessidade de pôr a igualdade e a identidade, justamente para que a desigualdade e a contradição possam operar. 13 13 Fausto anota: “A posição da relação jurídica enquanto lei do Estado ‘nega’ o segundo momento e só faz aparecer o primeiro, exatamente para que, de maneira contraditória, a interversão do primeiro momento no segundo possa operar na ‘base material’” ( FAUSTO, 1987: 299).

Caminhamos, então, com Bercovici (2005 BERCOVICI, Gilberto. Constituição econômica e desenvolvimento: uma leitura a partir da Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. : 11-13), para quem as definições normativas são insuficientes para caracterizar uma Constituição, tanto quanto a noção de “fatores reais de poder”, de modo que a abordagem mais adequada consiste em não a decompor em uma pluralidade de núcleos isolados e autônomos, mas aplicá-la como unidade aos vários campos específicos, inclusive a economia. Permitimo-nos, não obstante, radicalizar esta posição, afirmando que o segredo recôndito do conceito de Constituição e de sua “força normativa” situa-se nas profundezas da estrutura produtiva social, na relação conflituosa capital-trabalho . Lembramos, aqui, o argumento de Pachukanis:

Marx mesmo salienta, contudo, que as relações de propriedade, que constituem a camada fundamental e mais profunda da superestrutura jurídica, se encontram em contato tão estreito com a base, que surgem como sendo “as próprias relações de produção” das quais são a “expressão jurídica”. O Estado, ou seja, a organização do domínio de classe, nasce no terreno de dadas relações de produção e de propriedade. As relações de produção e sua expressão jurídica formam aquilo que Marx chamava de, na sequência de Hegel, a sociedade civil. A superestrutura política e, notadamente, a vida política estadual oficial constituem um momento secundário e derivado. ( PACHUKANIS, 1988 PACHUKANIS, Evgeny. Teoria geral do direito e marxismo. São Paulo: Acadêmica, 1988. : 52; 2003 ______. Allgemeine Rechtslehre und Marxismus. Freiburg: ça ira-Verlag, 2003. : 90).

Assim, a Constituição é a forma política de dominação do capital, o que não exclui, evidentemente, o acolhimento de certas demandas da classe trabalhadora, não só porque necessárias à manutenção do sistema produtivo e reprodutivo do capital, mas também porque o Estado, em sua universalidade concreta, funciona como uma “comunidade ilusória”, devendo o termo “ilusória”, que adjetiva “comunidade”, ser entendido – e continuamos a seguir, aqui, o argumento de FAUSTO (1987) FAUSTO, Ruy. Marx: Lógica & Política. Tomo II. São Paulo: Brasiliense, 1987. – no sentido de Aufhebung, ou seja, de uma negação que conserva, ou, de outro modo, uma ilusão que tem o seu momento de verdade. Uma expressão clara desse momento é o desenvolvimento de um direito particular, o chamado “direito do trabalho”, onde a desigualdade, que opera na essência do sistema, acaba aparecendo e é posta como tal pelo próprio Estado. 14 14 Fausto esclarece: “A aparência-forma se desvela de certo modo. É o próprio sistema que reconhece a desigualdade das partes no contrato de trabalho, e quanto à forma, o seu caráter ‘não atomístico’. O próprio sistema desmistifica sua aparência. Desmistifica, mas só esta aparência. Com efeito, não é a realidade da contradição de classes que será revelada” ( FAUSTO, 1987: 318).

III. Independência dos poderes

Assentadas estas questões iniciais, cabe agora compreender o significado de “independência” à luz do texto constitucional. Subsequentemente, poderemos enfrentar o problema no que concerne, em particular, ao Banco Central. Para tanto, devemos partir da famosa teoria da separação dos poderes, cuja origem remota encontra-se em Aristóteles, e a próxima em Montesquieu. 15 15 Registre-se que não recepcionamos a teoria da separação de poderes tal como o faz a teoria tradicional, vale dizer, de modo abstrato e não-histórico. No sentido crítico, veja-se: (MARX; ENGELS, 2009: 47). De fato, o art. 2º da CF/1988 estabelece: “São poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

A atribuição de poder a determinadas estruturas orgânicas significa a aptidão para mobilizarem, com exclusividade, parcelas de soberania estatal – desde o monopólio da força até a destinação de recursos econômicos –, com a condição de que o façam rigorosamente dentro das esferas de competências reconhecidas pela Constituição. 16 16 Valemo-nos do conceito jurídico de soberania, já que constitui fundamento da República Federativa do Brasil (CF/88, art. 1º, I). Não ignoramos o debate clássico e as críticas modernas e pós-modernas que, entretanto, estão fora de nosso alcance. Para uma análise detalhada, confira-se: ( BOBBIO et al., 2010 : 1179-1188). Sob a perspectiva clássica da tripartição de poderes, o Legislativo o faz com a produção de normas gerais e abstratas, capazes de inovar no ordenamento jurídico; o Executivo, aplicando estas normas aos casos concretos e singulares, sem provocação e visando ao “interesse público”; o Judiciário, solucionando conflitos de interesses de forma definitiva, com submissão à lei e desde que previamente acionado. Obviamente esse esquema não é estanque, de modo que cada estrutura exerce suas funções típicas de modo predominante. Admite-se, entretanto, o exercício de funções atípicas, sempre nos termos do que preceitua o texto constitucional. O Executivo, por exemplo, está apto a valer-se do chamado poder normativo ou regulamentar; certas autarquias dispõem do denominado poder regulatório. São prerrogativas de emanar normas gerais, desde que não inovem no ordenamento jurídico e limitem-se a dar execução às leis – no primeiro caso – ou atendam a questões técnicas – no segundo. 17 17 Tem-se trabalhado com uma “nova” concepção sobre a separação de poderes, que se pode chamar de “pós-moderna”. Conferir: ( ARAGÃO, 2001 ). Tais perspectivas não afetam o conteúdo de nossa análise.

No que concerne à independência dos poderes, a Constituição assegura que Legislativo, Executivo e Judiciário desincumbam-se de suas atribuições sem terem que se reportar uns aos outros e fora do alcance da supervisão hierárquica ou disciplinar recíproca. É claro que esta aptidão não é ilimitada, de modo que há todo um desenho institucional de freios e contrapesos, acionados na medida em que os poderes ajam em desacordo com a Constituição. Entretanto, pressuposta uma ação compatível com o desígnio constitucional, cada estrutura atua dentro de sua esfera de atribuições e sem ter que se reportar às demais. Em sua essência, portanto, o conceito de independência aponta para a aptidão de agir sem ter que se submeter a uma autoridade superior, mas, tão somente, à norma constitucional.18 18 Essa concepção, trivial, encontra-se sedimentada na teoria tradicional. José Afonso da Silva observa: “Os órgãos do Estado são supremos (constitucionais) ou dependentes (administrativos). Aqueles são os a quem incumbe o exercício do poder político, cujo conjunto denomina-se ‘governo’ ou ‘órgãos governamentais’. Os outros estão em plano hierárquico inferior, cujo conjunto forma a Administração Pública, considerados de natureza administrativa” ( SILVA, 2007: 43-44, passim). Justamente por isso, pelo elevado grau de discricionariedade de que gozam, independentes são apenas os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário – e ninguém mais.

Nesse sentido, e no que se refere particularmente ao Poder Executivo, é importante frisar que independência é atributo que assiste apenas a seu chefe, o Presidente da República. Sem dúvida, o art. 76 da CF/1988 dispõe: “ O Poder Executivo é exercido pelo Presidente da República, auxiliado pelos Ministros de Estado”. Na mesma toada, o art. 84, II, estabelece: “ Compete privativamente ao Presidente da República (...) exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da Administração Pública”. Nota-se, pois, que, independente para a tomada de decisão, no sentido de que não possui o dever de reportar-se a qualquer autoridade superior em termos hierárquicos, é apenas o chefe do Executivo.

Ora, se independência é atributo que a Constituição confere somente aos órgãos supremos, e não aos dependentes, não é difícil compreender a absoluta impossibilidade de se reconhecer qualquer grau desta prerrogativa ao BC. Criado pela Lei nº 4.595/64, possui natureza de simples autarquia federal, 19 19 Lei nº 4.595/64, art. 8º. mero serviço autônomo vinculado à supervisão do Ministério da Fazenda 20 20 Decreto-Lei nº 200/67, art. 19 e 189, I c.c. art. 1º da Portaria nº 84.287/2015 (Regimento Interno do BC). . Assim, ainda que se admita alguma autonomia no desempenho de suas funções, não resta dúvida de que a autarquia deve submeter-se integralmente à supervisão ministerial, que consiste em assegurar, entre outras, “a harmonia com a política e a programação do governo no setor de atuação da entidade”. 21 21 Decreto-Lei nº 200/67, art. 26, II. Ademais, a prerrogativa da supervisão envolve, também, a possibilidade de “intervenção por motivo de interesse público22 22 Decreto-Lei nº 200/67, art. 26, parágrafo único, alínea “i”. , o que significa, na prática, a eliminação temporária da autonomia da entidade sempre que houver desvio de finalidade. Em suma, a natureza jurídica de autarquia exclui qualquer possibilidade de independência, devendo o BC reportar-se, obrigatoriamente, ao Ministério da Fazenda e, em última instância, ao Presidente da República.

No que tange à fixação da taxa básica de juros da economia (taxa Selic),23 23 Circular BC nº 2.900/99, art. 1º, §1º: “Define-se Taxa SELIC como a taxa média ajustada dos financiamentos diários apurados no Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC) para títulos federais”. o âmbito de atuação é ainda mais restrito. Primeiro, porque a Constituição não atribui ao BC esta prerrogativa. O art. 164, fundamento de validade jurídica da instituição, determina, em seu caput, que a competência da União para emitir moeda será exercida exclusivamente pela autarquia. Seus parágrafos, entre os quais o §1º e o §3º, vedam a concessão de empréstimo ao Tesouro Nacional e determinam que as disponibilidades de caixa da União sejam ali depositadas. O que nos interessa, entretanto, é o §2º, que prescreve: “O Banco Central poderá comprar e vender títulos de emissão do Tesouro Nacional, com o objetivo de regular a oferta de moeda ou a taxa de juros”. Perceba-se que a Constituição não atribui ao BC a prerrogativa de fixar a taxa básica de juros da economia. Menciona apenas uma função regulatória, a ser executada pela compra e venda de títulos do Tesouro Nacional. Em síntese, não há autorização constitucional explícita para o exercício desta prerrogativa. 24 24 É verdade que, praticamente, tal “fixação” não pode se dar de outra forma que não por intermédio da compra e venda de títulos (daí falar-se em emissão de títulos “com o objetivo de regular a taxa de juros”). Mas, tecnicamente, o que acontece é que as compras e vendas ocorrem, a cada período, de forma a efetivar uma taxa pré-determinada, de modo que é esta que condiciona aquelas e não o contrário. Isto posto, quisera o constituinte conferir à autarquia, de modo firme, essa atribuição, poderia tê-lo feito explicitamente.

É possível que se alegue, no entanto, o exagero desta leitura, na medida em que não se exige que o texto constitucional autorize absolutamente todas as tarefas de uma autarquia, mas tão somente que trace as linhas gerais de atuação da Administração Pública. Sem dúvida, nada há que possa objetar quanto a esta afirmação. Justamente nesse sentido, a Lei nº 4.595/64, sobretudo nos artigos 8º a 16, estabelece o rol de funções a serem desempenhadas pelo BC, com vistas a concretizar o dispositivo constitucional. Analisando cuidadosamente a lei, entretanto, não se encontra qualquer autorização para a fixação da taxa básica de juros da economia. Quer dizer, a lei simplesmente não relaciona o BC a esta função – o que nos conduz, portanto, a duplo vácuo normativo: constitucional e legal.

Não se afasta, entretanto, a hipótese de “radicalismo” desta interpretação, na medida em que também não se exige da lei uma delimitação absolutamente precisa das funções a serem desempenhadas pela autarquia. Basta uma autorização geral do legislador para que o Presidente da República, com fundamento no art. 84, IV, da CF/1988, exerça poder normativo e, a partir dele, estabeleça a autoridade competente e o conteúdo da atividade a ser desempenhada. Sem dúvida, reconhecemos esta hipótese e assinalamos a vigência do Decreto nº 3.088/99, que estabelece a sistemática de metas para a inflação como diretriz para a fixação do regime de política monetária. O Decreto prevê, no art. 2º, o seguinte: “Ao Banco Central do Brasil compete executar as políticas necessárias para cumprimento das metas fixadas”. Verifica-se, pois, que o Decreto também não atribui ao BC a função de fixar a taxa básica de juros da economia, autorizando, apenas, a adoção das “políticas necessárias” ao cumprimento das metas fixadas.

É de conhecimento geral, contudo, que a Administração Pública, por mandamento constitucional (CF/1988, art., 37, caput), deve, obrigatoriamente, pautar sua atividade pelo princípio da legalidade, o que exige autorização normativa expressa para a prática de atos decisórios. Por isso, a Circular nº 2.900/99, adotada pela Diretoria Colegiada do BC, recepcionou a Circular nº 2.698/1996, que criou o Comitê de Política Monetária (COPOM) para, no art. 2º, atribuir-lhe a prerrogativa de “ fixar, como instrumentos de política monetária, meta para a Taxa SELIC e seu eventual viés, visando o cumprimento da meta para a inflação, estabelecida pelo Decreto nº 3.088, de 21 de junho de 1999”.

E eis que surge o fundamento de validade jurídica da função monetária do BC: uma circular! Não a Constituição; tampouco a lei; menos ainda o Decreto; mera circular de uma autarquia . Este ato juridicamente subalterno atribuiu ao COPOM, estrutura administrativa interna do BC, a prerrogativa de fixar a taxa Selic, índice que determina, entre outras variáveis macroeconômicas essenciais, o “preço” pago pelo Tesouro Nacional como retorno à compra de títulos da dívida pública federal alienados no mercado financeiro.

Em suma, constata-se que é absolutamente impossível, do ponto de vista formal, conceber qualquer espécie de “independência” para o Banco Central no que concerne à fixação da taxa básica de juros da economia, a menos que se queira violentar todo o escalão normativo que regulamenta sua atuação, culminando com a negativa de vigência do próprio texto constitucional.

IV. Princípios da atividade econômica e vinculação da política monetária

Ainda que admitíssemos – como argumento e não como hipótese – a viabilidade de alguma “independência” formal do BC no que concerne ao estabelecimento da taxa Selic, seria necessário indagar, em seguida, sobre a possibilidade jurídica material desta prerrogativa. O texto constitucional, interpretado do ponto de vista de sua unidade sistêmica e teleológica, não delimitaria, de modo prévio e vinculante, o arco de possibilidades de ação da autoridade monetária? Caso se pretenda conferir eficácia à Constituição, a reposta só pode ser positiva.

Nesse sentido, é importante reiterar, antes de tudo, o caráter prolixo e dirigente do texto constitucional; sobretudo, a presença de uma Constituição econômica no bojo de sua estrutura. De fato, o constituinte originário não se ocupou apenas de organizar os poderes e a forma do Estado, tampouco se contentou em simplesmente elencar os direitos e garantias individuais e sociais; avançou em direção à disciplina normativa das relações que conformam a infraestrutura da economia brasileira. Em outras palavras, as Constituições econômicas e dirigentes, como a Constituição de 1988, pretendem conformar a realidade econômica, impondo padrões que constranjam os agentes privados a adequarem suas decisões à realização de valores reputados fundamentais pelo texto constitucional. 25 25 A propósito, Bercovici observa: “A Constituição de 1988 tem expressamente uma Constituição Econômica voltada para a transformação das estruturas sociais, como veremos adiante. O capítulo da ordem econômica (arts. 170 a 192) tenta sistematizar os dispositivos relativos à configuração jurídica da economia e à atuação do Estado no domínio econômico, embora esses temas não estejam restritos a este capítulo do texto constitucional (...) A diferença essencial que surge a partir do ‘constitucionalismo social’ do século XX, e vai marcar o debate sobre a Constituição Econômica, é o fato de que as Constituições não pretendem mais receber a estrutura econômica existente, mas querem alterá-la. Elas positivam tarefas e políticas a serem realizadas no domínio econômico e social para atingir certos objetivos” ( BERCOVICI, 2005: 30/33, passim).

Desse modo – e retomando as observações de Fausto –, devemos salientar que a desigualdade que o Estado de alguma forma põe, ao admitir que os átomos constitutivos da sociedade civil podem ser diferentes (na realidade ele atenua a contradição em diferença), faz com que ele não mais apareça como mero árbitro entre iguais, mas “como tendo ainda a tarefa de corrigir as diferenças” ( FAUSTO, 1987 FAUSTO, Ruy. Marx: Lógica & Política. Tomo II. São Paulo: Brasiliense, 1987. : 321). Isso implica, por um lado, que o Estado não aparece mais apenas como comunidade política, mas também como comunidade econômica e, por outro, que o papel do Estado vai além de sua posição como mero guardião da identidade de um sistema que se funda na contradição. Ele vai atuar também como força de equilíbrio desse sistema, concorrendo com as tendências disruptivas internas à sociedade civil e dela constitutivas (FAUSTO, ibidem: 313).

Isso posto, não é difícil perceber que o caráter econômico da Constituição depende de sua “força normativa”, isto é, da capacidade de fazer valer, na realidade, seus dispositivos. As noções de Constituição dirigente, vinculação do legislador etc., apontam, todas, para um mesmo sentido, qual seja, a imposição prévia de certas opções aos poderes constituídos com vistas ao alcance de determinados objetivos. 26 26 Nesse sentido: ( CANOTILHO, 1994: 11). No que concerne à Constituição econômica , tais poderes devem orientar suas atuações visando à conformação da atividade econômica aos objetivos estipulados pelo texto constitucional. Legislativo, Executivo e Judiciário devem desincumbir-se de suas funções emanando normas constritivas da vontade dos agentes privados, induzindo-os à adoção de decisões que visem à realização dos valores albergados em âmbito constitucional. É precisamente nesse contexto que o art. 170 da CF/1988 – que inaugura o Capítulo I, do Título VII, denominado Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica – estipula, em seu caput , que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados, ainda, alguns princípios, dentre os quais – o que mais interessa a este artigo –, a busca do pleno emprego, positivado no inciso VIII.

Perceba-se que o caput do dispositivo estabelece o fundamento e a finalidade da assim denominada “ordem econômica”. O primeiro reside no trabalho humano e na livre iniciativa; a segunda aponta para a existência digna, conforme os ditames da justiça social. Aqui, mais uma vez caminhando com Fausto, podemos dizer que, ao trazer para si também o papel de força equilibradora do sistema, o Estado “deve zelar não só para que cada um tenha as garantias das partes iguais dos contratos, ele deve, ao mesmo tempo, garantir o bem-estar (welfare) de cada um” ( FAUSTO, 1987 FAUSTO, Ruy. Marx: Lógica & Política. Tomo II. São Paulo: Brasiliense, 1987. : 321). Contudo, por representar esse “interesse coletivo” no interior do modo de produção capitalista, contraditório por definição e assentado na exploração de uma classe por outra, a comunidade econômica pressuposta nessa atuação mostra a que se reduz: a garantia de um mínimo a todos os membros da “comunidade”. Esse resultado contraditório, porém, não invalida o fato de que o Estado, pressupostamente, serve à coletividade mesmo dentro do capitalismo.

Verifica-se, pois, que o conceito fundamental utilizado pela Constituição de 1988, e que remete ao núcleo daquilo que a caracteriza como Constituição econômica, é o de “ordem econômica”. Cabe, portanto, averiguar seu sentido. Eros Roberto Grau explica:

Evidente que, no contexto de um discurso jurídico, espera-se esteja a expressão a conotar o derradeiro sentido indicado por Vital Moreira: é de supor que a alusão, nesse contexto, a “ordem econômica” indique uma parcela da ordem jurídica. Isso, contudo, nem sempre ocorre. Tomo, para demonstrá-lo, do preceito escrito no art. 170 da Constituição de 1988 (...) Ora, é natural que o leitor da Constituição nutra a expectativa de, ao tomar conhecimento de seu Título VII, nele encontrar, desde logo, no preceito que o encabeça, enunciado no qual compareça para conotar – ela, a expressão – porção da ordem jurídica, isto é, do mundo do “dever-ser”. A leitura do art. 170, que introduz aquele Título VII, o deixará, entretanto – se tiver ele o cuidado de refletir a propósito do que lê –, no mínimo perplexo. E isso porque neste art. 170 a expressão é usada não para conotar o sentido que supunha nele divisar (isto é, sentido normativo), mas sim para indicar o modo de ser da economia brasileira, a articulação do econômico, como fato, entre nós (isto é, “ordem econômica” como conjunto das relações econômicas). Analisado porém com algum percuciência o texto, o leitor verificará que o art. 170 da Constituição, cujo enunciado é, inquestionavelmente, normativo, assim deverá ser lido: as relações econômicas – ou a atividade econômica – deverão ser (estar) fundadas na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo por fim (fim delas, relações econômicas ou atividade econômica) assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios ... (GRAU, 2012: 66).

Note-se que a expressão “ordem econômica”, utilizada pelo art. 170, caput, da CF/88, designa parcela da realidade ; aspecto do mundo do ser, do complexo de relações econômicas concretas, protagonizadas, sobretudo, por agentes privados. Ocorre que, do ponto de vista materialista que aqui esposamos, não podemos nos contentar com definições abstratas, que associam o sentido da expressão a enunciados vagos, tais como relações ou atividades “econômicas”. É evidente que a expressão, ao designar parcela da realidade, não designa senão a moderna economia capitalista, portanto, o modo capitalista de produção , tal como se apresenta no Brasil hic et nunc. O sentido remete, pois, à maneira específica como, em âmbito econômico, o capital subjuga o trabalho com vistas à produção de mercadorias e extração de mais-valor. Trata-se, então, de inserir o significado da expressão no contexto da apresentação exposta por Marx em O capital. Logo, o comando inserto no art. 170 aparece como abrangendo todos os momentos do modo de produção capitalista: produção e circulação de mercadorias; circulação do capital; comércio de mercadoria e dinheiro; comércio de capital (capital portador de juros); uso capitalista da terra e renda fundiária; em suma: a forma econômica em que se apresenta a luta de classes no Brasil.

Com isso, a carência de sentido normativo do título VII, que deixa perplexo o leitor, revela-se como a síntese da contradição constitutiva do Estado em seu papel de força de equilíbrio do sistema (supostamente capaz de reduzir diferenças): se, por um lado, como guardião da identidade, ele permite a operação de uma realidade que se funda na contradição, por outro, como força de equilíbrio, ele deve intervir na ordem econômica capitalista (alterá-la), para que ela se afirme como ordem . Dito de outro modo, é preciso violar a ordem para que a ordem permaneça e as naturais tendências à crise e ao colapso, que são constitutivas dessa ordenação material, possam ser refreadas.

Assim, ao prescrever que a ordem econômica está fundada na valorização do trabalho humano, a Constituição não faz senão afirmar que a economia brasileira somente é legítima do ponto de vista político-jurídico, isto é, sob a perspectiva constitucional, se estiver estruturada como capitalismo, sem dúvida, mas com predomínio do capital produtivo (matéiras-primas + força de trabalho), ou seja, da atividade precípua de produção de bens e serviços que envolva mão de obra humana na maior intensidade possível. Percebe-se, pois, desde logo, que o setor financeiro da economia, por fundar-se em formas de capital fictício, se não resta totalmente desprotegido – o que seria inadmissível, na medida em que a Constituição tutela a propriedade privada – tem a proteção de sua existência submetida ao serviço que cumpre à esfera produtiva e apenas na medida em que cumpra algum serviço viabilizador dela. Em outras palavras, um setor financeiro autônomo ou desconectado da lógica da produção não goza da proteção institucional assegurada pela Constituição.

Esse mandamento de proteção institucional do capitalismo enquanto atividade produtiva é reiterado na disposição prevista no inciso VIII do art. 170, vale dizer, o princípio geral da atividade econômica que impõe a busca do pleno emprego. Assim, além de assinalar que a “ordem econômica”, ou melhor, a economia capitalista brasileira, apenas desfruta de legitimidade, portanto, de proteção político-jurídica, se estiver fundada na valorização do trabalho humano, a Constituição ainda determina que um dos vetores desta legitimidade é a busca do emprego pleno , isto é, da atividade econômica que produza o maior número possível de postos de trabalho. O comando traduz não apenas a autorização, como também o mandamento para que o Estado intervenha no domínio econômico sempre que verifique ser necessário induzir os agentes privados à adoção de condutas que representem a opção pela atividade produtiva, que agregue, ao máximo, a mão de obra humana. 27 27 Nesse sentido, Eros Grau anota: “Princípio constitucional impositivo (Canotilho), cumpre também dupla função; como objetivo particular a ser alcançado, assume, igualmente, a feição de diretriz (Dworkin) – norma-objetivo – dotada de caráter constitucional conformador, a justificar a reivindicação pela realização de políticas públicas. ‘Expansão das oportunidades de emprego produtivo’ e, corretamente, ‘pleno emprego’ são expressões que conotam o ideal keynesiano de emprego pleno de todos os recursos e fatores da produção. O princípio informa o conteúdo ativo dos princípios da função social da propriedade. A propriedade dotada de função social obriga o proprietário ou o titular do poder de controle sobre ela ao exercício desse direito-função (poder-dever), até para que se esteja a realizar o pleno emprego” (GRAU, 2012: 252-253).

Pois bem, resta saber se a autoridade monetária está submetida ao comando inscrito no art. 170, caput, e inciso VIII, do texto constitucional. 28 28 Perceba-se que dissemos autoridade monetária, e não Banco Central, porque a pesquisa, neste ponto, envolve problema de conteúdo e não de forma, de maneira que pouco importa se a função regulatória está concentrada, desconcentrada ou descentralizada. Quer dizer, caiba ao Presidente da República, ao Ministro da Fazenda, ao Presidente do Banco Central ou ao Comitê de Política Monetária a prerrogativa de fixar a taxa básica de juros da economia, estão todos vinculados aos enunciados constitucionais, sobretudo aos princípios que constam do art. 170 da CF/88, ou, pelo contrário, seriam todos “independentes” para estabelecer a taxa Selic nos patamares que julgam os mais adequados? Ora, reconhecido o status dirigente e vinculante da Constituição de 1988, não há alternativa senão concluir que os poderes constituídos, bem como as autoridades encartadas direta ou indiretamente na estrutura da Administração Pública estão, todos, plenamente vinculados aos mandamentos constitucionais. Assim, quer se concorde ou não com a possibilidade de alguma “autonomia” formal no que concerne à prerrogativa de fixar a taxa Selic, ao fim e ao cabo isso acaba sendo irrelevante, pois o conteúdo da decisão está prévia e amplamente vinculado aos dispositivos da Constituição. O arco de possibilidades da autoridade monetária está antecipadamente limitado pelo texto constitucional ao estabelecer como fundamento da ordem econômica o trabalho humano e determinar, como princípio-vetor, a busca do pleno emprego. O resultado prático é a abertura em grau elevado para o controle de constitucionalidade das condutas adotadas pela autoridade monetária no exercício de sua função regulatória. 29 29 Grau anota: “Atingido, porém, este ponto de minha exposição, devo salientar aspecto de extrema importância, em vista do que me permito referir a circunstância de o Direito ser prescritivo. O Direito não descreve situações ou fatos senão para a eles atribuir consequências jurídicas (...) A perfeita compreensão dessa obviedade é essencial, na medida em que informará a plena compreensão de que qualquer prática econômica (mundo do ser) incompatível com a valorização do trabalho humano e com a livre iniciativa, ou que conflite com a existência digna de todos, conforme os ditames da justiça social, será adversa à ordem constitucional. Será, pois, institucionalmente inconstitucional. Desde a compreensão desse aspecto poderão ser construídos novos padrões não somente de controle de constitucionalidade, mas, em especial, novos e mais sólidos espaços de constitucionalidade. A amplitude dos preceitos constitucionais abrange não apenas as normas jurídicas, mas também condutas (GRAU, 2012: 192-193, grifo nosso).

Enfim, uma vez que a Constituição afirma-se como Constituição econômica; que se admita a existência de sua “força normativa”; que se reconheça que o conteúdo das decisões adotadas pela autoridade monetária está vinculado ao conteúdo firmado pelo texto constitucional; resta averiguar em que patamares a taxa Selic deve ser fixada caso se pretenda efetivar tanto o fundamento da ordem econômica no trabalho humano, quanto o princípio da busca do pleno emprego. É hora de retornar à teoria econômica para dar conta da questão.

V. Taxa básica de juros, pleno emprego e função monetária do Banco Central

A “ordem econômica” à qual se refere a Constituição, afastada a mistificação do conceito, remete à economia capitalista ou modo de produção capitalista, tal como se apresenta no Brasil aqui e agora. Trata-se, portanto, de compreender as características desta forma de produção para, a partir de então, assimilar os sentidos possíveis dos comandos positivados no texto constitucional. É que existe, ao lado da ordem econômica concreta, uma ordem econômica normativa , isto é, um complexo de normas constitucionais disciplinadoras da atividade econômica real. Esta última, a ordem econômica normativa, eleva-se a partir daquela, ou seja, do capitalismo brasileiro, e supõe, caso se almeje a eficácia de seus dispositivos, a exata compreensão deste último. Eros Grau observa:

Bem definida, destarte, como me parece ter restado, a distinção entre ordem econômica – mundo do ser – e ordem econômica – mundo do dever-ser – e estipulado que este ensaio tem caráter jurídico e não econômico, é nítida a qualificação desta última (que é a ordem econômica da qual cogito) como parcela da ordem jurídica (...) O conceito de ordem econômica, se é de ordem econômica constitucional que cogitamos – e, de fato, é –, é próximo, bastante próximo, do conceito de Constituição Econômica, do qual adiante tratarei (GRAU, 2012: 68, passim).

Sob perspectiva mais rigorosa, devemos assinalar que há uma contradição objetiva entre a ordem econômica normativa e a concreta. A primeira funda a disciplina jurídica da economia na valorização do trabalho humano e determina a busca do pleno emprego; a segunda estrutura-se como forma de produção fundada na exploração do trabalho humano e engendra, como consequência, a tendência à desigualdade e ao desemprego estrutural. Se é verdade que a Constituição não resolve a contradição, senão que tem nela sua razão de ser – como lembra Fausto (1987 FAUSTO, Ruy. Marx: Lógica & Política. Tomo II. São Paulo: Brasiliense, 1987. : 300), se a lei jurídica fosse idêntica a si mesma não precisaria ser posta como lei –, é nos marcos dessa contradição, e da ordenação econômica concreta que a suscita, que temos que enfrentar nossa questão.

Desse modo, em uma síntese que não tem a pretensão de ser bastante ou suficiente, mas que se mostra necessária para começar a dar cabo dessa tarefa, talvez possamos afirmar que, do ponto de vista da apresentação marxiana, a economia capitalista constitui-se como modo de produção historicamente delimitado, em que o metabolismo entre homem e natureza é comandando pelo capital, isto é, pela relação entre classe sociais, mediada pela propriedade privada, através da qual, por intermédio da produção e circulação mercantil, opera-se a exploração da força de trabalho posta como mercadoria e, portanto, de seu proprietário, o trabalhador, com vistas à obtenção e extração de valor e mais-valor (trabalho e mais-trabalho sem equivalente), num fluxo contínuo e incessante, em patamares cada vez mais elevados, que correspondem à acumulação e reprodução do próprio capital.

Nesse contexto, é preciso considerar os momentos ou ciclos que o capital percorre na busca de valorização. Em princípio, na forma de dinheiro (capital monetário), o valor percorre a primeira etapa de seu caminho na esfera da circulação, transformando-se em meios de trabalho, matérias-primas e força de trabalho, com vistas à elaboração de mercadorias (que podem ser tangíveis ou intangíveis, bens ou serviços). Adquiridos como tais, isto é, sob a forma mercantil, os meios de produção e a força de trabalho saem da esfera da circulação e vão continuar seu caminho, numa segunda etapa, na esfera privada do consumo, que só pode ser, neste caso, consumo produtivo. Este é o momento do capital produtivo, a fase em que, como regra, se agrega, às máquinas e matérias-primas, o trabalho humano, a força viva de trabalho. O resultado do processo são as mercadorias prontas, que, a partir de então, são postas a circular. Ingressando novamente na esfera da circulação, este valor, já engordado de mais-valor, agora sob a forma de capital mercadoria, vai percorrer seu ciclo, que envolve as trocas empresariais e as destinadas ao consumo final. Cada forma de capital (monetário, produtivo e mercadoria) engendra seu próprio ciclo, tendo como objetivos, respectivamente, a valorização do valor sob a forma de riqueza abstrata, a reprodução das condições materiais para a continuidade da produção capitalista e a continuidade das condições de realização do valor e do mais-valor. O processo geral da produção capitalista, tomado como um todo, unidade de produção e circulação, engendra formas concretas de rendimento, tais como o salário, lucro, o juro, a renda etc. À luz da exposição marxiana, é preciso ressaltar, finalmente, que, quanto mais distante do ciclo monetário – que tem o ciclo produtivo como seu intermediário –, portanto, quanto mais próximo de formas fictícias de valorização (direitos creditícios, títulos de dívida, ações etc.), tanto menor é o contingente de mão de obra humana agregada ao processo econômico, já que a produção de capital fictício possibilita a valorização do valor de um ponto de vista externo à produção enquanto tal.

Considerando, no entanto, que o objeto de nosso estudo reside numa eventual “independência” do Banco Central no que concerne à fixação da taxa básica de juros da economia, devemos, por ora, deixar a análise da produção e circulação de mercadorias e de capital – que ficam pressupostas –, para nos concentrarmos na figura e na natureza do juro e de sua taxa. Para tanto, é preciso recorrer ao Livro III de O capital, sobretudo à famosa seção V, que trata do chamado capital portador de juros .

No início desta seção, Marx explica que, suposta uma taxa anual de lucro de 20%, uma máquina que valha 100 libras esterlinas, operando adequadamente, proporcionará, no final do período de um ano, um lucro de 20 libras esterlinas à pessoa que a adquiriu e a fez funcionar. Trata-se do poder de transformar £100 em £120, fazer, portanto, uma porção de valor multiplicar-se, ou seja, funcionar como capital. Neste caso, a operação da máquina depende, como regra, do consumo de matérias-primas e de força de trabalho humana , consubstanciando momento produtivo, em que postos de trabalho são criados. É possível, entretanto, que o proprietário das £100 prefira, no lugar de adquirir e movimentar uma máquina, emprestar a quantia a outra pessoa que, com mais aptidão ou dotado de maior espírito “empreendedor”, lance-se à produção e, consequentemente, à obtenção de lucro. Nesta hipótese, pode-se pactuar um retorno ou “preço” que o primeiro recebe do segundo como contraprestação ao uso da quantia monetária emprestada. Aplicando-se, por exemplo, uma taxa de retorno de 5%, o proprietário do dinheiro transformou £100 em £105; fê-lo, portanto, funcionar como capital sem ter que correr os riscos da produção. Marx anota:

Se essa pessoa deixa as 100 libras esterlinas por 1 ano a outra, que realmente as emprega como capital, dá a esta o poder de produzir 20 libras esterlinas de lucro, mais-valia que nada lhe custa, pela qual não paga equivalente. Se ao final do ano essa pessoa pagar ao proprietário das 100 libras esterlinas uma soma de talvez 5 libras esterlinas, isto é, parte do lucro produzido, então paga com isso o valor de uso das 100 libras esterlinas, o valor de uso de sua função-capital, a função de produzir 20 libras esterlinas de lucro. A parte do lucro que lhe paga chama-se juro, o que, portanto, nada mais é que um nome particular, uma rubrica particular para uma parte do lucro, a qual o capital em funcionamento, em vez de pôr no próprio bolso, tem de pagar ao proprietário do capital (MARX, 1986 ______ . O capital. Livro III. Tomo 01. São Paulo: Nova Cultural (Os economistas), 1986. : 256).

Perceba-se, pois, que o conceito marxiano de juro remete a uma fração do lucro, uma rubrica sua, que é transferida daquele que tomou o empréstimo para aquele que emprestou, como pagamento ou retorno pela cessão da função-capital , potência sempre presente, na base da produção capitalista, em determinada quantia de dinheiro. A noção é importante porque aponta para uma conexão necessária entre produção e propriedade; 30 30 Em O capital, Marx chama o primeiro de capitalista funcionante e o segundo de prestamista. Paulani alerta para o fato de que, nas Teorias da mais-valia, Marx alcunha o primeiro de capitalista econômico e o segundo de capitalista jurídico: “Para completar nosso quadro, falta avaliar o juro. Como já adiantado, o juro é a renda que o capital monetário propicia a seu detentor pelo mero efeito da propriedade. É bem conhecida a passagem do capítulo 23 do Livro III de O Capital em que Marx se pergunta por que razão a mera divisão do valor excedente entre dois personagens resulta em duas coisas de natureza distinta” (...) “Em outras palavras, Marx indaga por que razão nada muda na história se esses dois personagens (que nas Teorias da Mais-Valia ele chama de capitalista jurídico e capitalista econômico) forem interpretados pela mesma pessoa” (PAULANI, 2016: 525). entre o funcionamento do capital produtivo ou comercial (portanto, a obtenção de lucro) e o subsequente redirecionamento de parte deste ao proprietário que “emprestou”. 31 31 Esse “empréstimo” está entre aspas para diferenciá-lo daquele que ocorre no âmbito da circulação simples. Neste o dinheiro funciona como dinheiro; naquele, como capital. As substâncias são diferentes; a forma do contrato é idêntica. Essa aparência é a origem remota de absurdas ilusões jurídicas, como a concepção segundo a qual o BC é mero “regulador” da atividade monetária. A propósito: (CASALINO, 2011 e 2015). A análise marxiana é rica e limitamo-nos a apontar aqui apenas o sentido que mais nos interessa: ressaltar a oposição entre capital produtivo e capital portador de juros, permitindo, desse modo, a compreensão do “condomínio” que entre eles se forma para a exploração da força viva de trabalho e de sua proprietária, a classe trabalhadora. Assim, quanto mais extenso e intenso o capital portador de juros, com seu caráter externo à produção enquanto tal, maior será a pressão pela ampliação da produção e extração de mais-valor. Seu movimento configura a ilusão fetichista de que o dinheiro tem a propriedade mágica de se autovalorizar por si mesmo, sem precisar entrar em contato com as agruras e problemas da produção de bens e serviços. Em suma, o capital portador de juros é apenas a face exterior, mais fetichizada e, portanto, mais imperceptível, da exploração do trabalho pelo capital.

Não resta dúvida de que a forma do juro, isto é, a valorização de certa quantia de valor a partir do empréstimo de dinheiro , embora encontre seu fundamento na produção, espraia-se por toda a sociedade, impactando relações que aparentemente estão distantes daquele momento. É o que ocorre com o empréstimo para consumo, expediente utilizado de maneira agressiva nos últimos tempos para “desfibrilar” economias em estagnação. Assim, o juro alcança distintos momentos da economia capitalista e adquire dimensão cada vez mais estratégica no interior desta sociedade. Esta ampliação quantitativa produziu uma modificação qualitativa no capitalismo de fins do Século XX e início do Século XXI, fenômeno que vem sendo chamado de “financeirização”. 32 32 Chesnais observa: “O mundo contemporâneo apresenta uma configuração específica do capitalismo, no qual o capital portador de juros está localizado no centro das relações econômicas e sociais” ( CHESNAIS, 2005: 36). Confira-se, ainda: ( HARVEY, 2013 ). No Brasil, sobretudo: (BELLUZZO, 2009 e 2013). De toda forma, o que nos importa agora é compreender o conceito marxiano de taxa de juros, já que ela é o parâmetro a partir do qual se deve medir a conveniência ou não do “empréstimo”. Marx observa:

O capital se manifesta como capital mediante sua valorização; o grau de sua valorização expressa o grau quantitativo em que se realiza como capital. A mais-valia, ou o lucro, por ele produzida – sua taxa ou nível – só pode ser medida comparando-o com o valor do capital adiantado. A maior ou menor valorização do capital portador de juros só é mensurável comparando o montante dos juros, a parte que lhe cabe do lucro global, com o valor do capital adiantado. Por conseguinte, se o preço expressa o valor da mercadoria, o juro expressa a valorização do capital monetário e aparece por isso como o preço que se paga pela mesma ao prestamista (MARX, 1986 ______ . O capital. Livro III. Tomo 01. São Paulo: Nova Cultural (Os economistas), 1986. : 266, grifo nosso).

Ora, se o juro aparece como “preço” que se paga por determinada quantia de capital, a taxa de juros só pode aparecer como o nível ou índice desse preço; a expressão numérica (a razão entre o valor do juro e o valor do capital cedido como empréstimo) que corresponde à valorização do valor adiantado. 33 33 Para nossos propósitos, convém trazer à cena também a definição de Keynes: “A taxa monetária de juros – queremos chamar a atenção do leitor – outra coisa não é que a percentagem do excedente de uma soma de dinheiro contratada para entrega futura, por exemplo, a um ano de prazo, sobre o que podemos chamar de preço ‘spot’ ou à vista da dita soma contratada para entrega futura” ( KEYNES, 2009: 175). Portanto, quanto maior a taxa de juros, tanto maior será o valor resgatado ao final do período fixado contratualmente. Uma vez que o juro não passa, em sua essência, de uma parte do lucro, uma rubrica sua, as variações na taxa de juros serão afetadas pelas variações na taxa de lucro. Esta é o centro gravitacional daquela. Assim, não há que se cogitar de uma taxa “natural” de juros porque, como regra, quanto menor a taxa de lucro, tanto menor a taxa de juros. 34 34 Diz Marx: “A taxa média de juros predominante num país – em contraste com as taxas de mercado sempre flutuantes – não é de modo algum determinável por qualquer lei. Não existe nenhuma taxa natural de juros no sentido em que os economistas falam de uma taxa natural de lucro ou de uma taxa natural de salário” (MARX, 1986: 272). Mais tarde Keynes daria “o braço a torcer”: “Agora já não sou da opinião de que o conceito de uma ‘taxa natural’ de juros, que antes pareceu uma ideia das mais promissoras, possa trazer à nossa análise uma contribuição verdadeiramente útil ou importante. Ela é simplesmente a taxa que manterá o status quo; e, em geral, não temos interesse predominante no status quo como tal” ( KEYNES, 2009: 189). Marx anota:

Com as demais circunstâncias constantes, isto é, supondo mais ou menos constante a relação entre juro e lucro global, o capitalista funcionante estará capacitado e disposto a pagar juros mais altos ou mais baixos em proporção direta ao nível da taxa de lucro (...). Nesse sentido pode-se dizer que o juro é regulado pelo lucro, ou, mais precisamente, pela taxa geral de lucro. E esse modo de regulação vale até mesmo para a sua média” (MARX, 1986 ______ . O capital. Livro III. Tomo 01. São Paulo: Nova Cultural (Os economistas), 1986. : 270).

À medida que se considere as múltiplas taxas de juros praticadas no quotidiano da sociedade capitalista, e que diferem entre si basicamente em função de considerações relativas ao risco de cada operação, pode-se estabelecer uma taxa básica de juros, a menor taxa praticada na economia e que serve de referência a todos os demais contratos. Uma vez que esta serve de parâmetro não apenas para negócios privados, como também para operações envolvendo o Estado, tais a cobrança de tributos e a remuneração de títulos da dívida pública, convém que uma autoridade dotada de razoável “confiança” fique responsável pela decisão última a respeito de seu montante preciso. Esta “precisão” está relacionada, entre outros, às exigências de previsibilidade imposta pelos agentes privados (leia-se: quanto vão ganhar em determinado período de tempo) que, do ponto de vista da ciência do direito, traduz-se no mítico princípio da segurança jurídica. Essa “autoridade” pode ser delegada a ente com características privadas, como ocorre com o Federal Reserve (FED) norte-americano 35 35 Duran explica: “As modernas autoridades monetárias tiveram origem em bancos privados que se destinavam a financiar o Estado em troca da concessão de prerrogativas especiais, como o monopólio da emissão da moeda” (...) “A história do Federal Reserve, de certa forma, pode ser considerada um exemplo dessa trajetória de banco central” ( DURAN, 2013: 144-145). O Banco da Inglaterra tem história semelhante. Ele começou como banco privado e fez enorme fortuna financiando a dívida pública do Estado inglês e produzindo nova moeda (capital novo) em cima desses ativos de crédito. Mas não foi sua função de emissor da moeda do reino que o colocou historicamente como entidade pública, mas seu papel de emprestador de última instância (lending of last resource), que ele foi obrigado a desempenhar na crise comercial e bancária que tomou de assalto o espaço britânico em meados do século XIX. , ou estar encartada numa estrutura institucional ou estatal, como se dá com Banco Central Europeu (BCE) e com o Banco Central do Brasil (BC) .

O BC, como vimos, é uma autarquia federal, encarregada, entre outras funções, de estabelecer a taxa básica de juros da economia brasileira (taxa Selic). Tal qual assinalado, a prerrogativa foi conferida, por mera circular , ao Comitê de Política Monetária (COPOM). Quer dizer, uma decisão fundamental, que tem a aptidão de mobilizar parcela considerável de soberania estatal na forma de drenagem de substanciais montantes de riqueza nacional, foi posta nas mãos de nove indivíduos, 36 36 Confira-se: Circular BC nº 3.593/2012. agentes burocráticos, cuja confiança provém de uma suposta competência “técnica” e cuja “independência” tem sido defendida sob o manto de uma categoria importada da common law, alcunhada de accountability. 37 37 Camila Duran observa: “O termo accountability, em língua inglesa, não tem tradução exata para a língua portuguesa. Ele pode ser compreendido como modalidade específica de responsabilização e de prestação de contas de determinada instituição. (...) De maneira geral, essa reflexão se insere, em termos teóricos, na reflexão weberiana sobre as condições de responsabilização das burocracias” ( DURAN, 2013: 30). Trata-se, grosso modo, de assegurar plena “discricionariedade” ao BC para o exercício da política monetária que bem lhe convém, sob pretexto do “controle da inflação”, estipulando supervisão a posteriori, isto é, depois que a taxa Selic foi fixada neste ou naquele patamar e parcelas mais ou menos substanciais da riqueza nacional foram direcionadas aos “investidores”. 38 38 Duran anota: “Este estudo sustenta que o principal papel do direito deslocou-se da definição de regras instrumentais de conduta da burocracia monetária (sobretudo regras ex ante) para a construção de normas de supervisão, prestação de contas e sanção de bancos centrais (principalmente ex post)” ( DURAN, 2013: 80).

Pois bem, a esta altura de nossa exposição devemos enfrentar a questão principal: à luz do art. 170, caput, e inciso VIII, do texto constitucional, isto é, uma vez que a Constituição funda a ordem econômica na valorização do trabalho humano e determina, como princípio geral da atividade econômica, a busca do pleno emprego, em que patamares o BC deve (no sentido jurídico do termo), estabelecer a taxa básica de juros? Se a autoridade monetária pretende, de fato, cumprir a Constituição, buscando o emprego pleno, deve desincumbir-se de seu poder regulatório estabelecendo a taxa Selic em níveis elevados ou reduzidos?

Ora, como observa Marx, o juro é uma parte do lucro, uma rubrica sua. O capital portador de juros, portanto, opõe-se ao capital produtivo, no sentido de que a existência daquele pressupõe a deste. Nesta relação, em condições normais de temperatura e pressão, a taxa de juros será mais ou menos elevada, quanto mais ou menos elevada seja a taxa de lucro. E isto porque o capitalista funcionante estará disposto a desembolsar uma quantia maior ou menor a título de juros, conforme sua lucratividade seja maior ou menor. Assim, em princípio, a taxa de juros tende a variar no sentido da taxa de lucro, e não o contrário. Caso se pretenda, de algum modo, “manipular” a primeira com um propósito específico – por exemplo, a criação de postos de trabalho – deve-se agir no sentido de diminuir ou minorar o impacto que produz o juro no que tange à parte do lucro a ser deslocada sob aquela rubrica.

Deve-se notar, desde já, que essa intervenção é tão mais importante quanto mais próximo se estiver, no ciclo de negócios, daquela fase em que a realização do mais-valor, depois de um momento de euforia, começa a refluir e o capital produtivo a se mostrar excessivo, sem que a taxa de juros tenha começado ainda a esboçar o seu movimento de queda. Essa primeira fase da crise é a fase em que o impacto do juro sobre o lucro é máximo e a desaceleração cíclica desemboca naturalmente numa recessão. Nesses momentos, o ciclo do capital social total está problematizado, porque o ciclo do capital mercadoria encontra dificuldades em sua realização, obstaculizando a continuidade do ciclo do capital monetário e do ciclo do capital produtivo. A “manipulação” da taxa de juros, colocando a taxa básica em patamar mais baixo do que normalmente estaria, pode minorar os efeitos deletérios dessa conjuntura sobre a produção e o emprego, num movimento contracíclico.

Uma vez que a procura de trabalho é igual à oferta de capital – e considerando que a produção de empregos depende, como regra, do momento produtivo – conclui-se, sem dificuldades, que, quanto maior o “incentivo” à produção, tanto maior será a geração de postos de trabalho. Portanto, quanto menor o impacto dos juros no que tange ao lucro, maior a tendência à contratação de mão de obra trabalhadora. Em síntese, a produção de empregos depende, ainda que indiretamente, de baixas taxas de juros, e de taxas ainda mais reduzidas a depender da fase do ciclo em que se encontra o processo de acumulação. Décadas depois de Marx, Keynes apresentou essa mesma lei em seus próprios termos:

A taxa de juros sobre o dinheiro parece, portanto, representar um papel especial na fixação de um limite ao volume de emprego, visto marcar o nível que deve alcançar a eficiência marginal de um bem de capital para que ele se torne objeto de nova produção (...) Assim sendo, um aumento da taxa monetária de juros retarda a produção de riquezas em todos os ramos em que ela é elástica, sem estimular a produção de moeda (que, por hipótese, é perfeitamente inelástica). A taxa monetária de juros, determinando o nível de todas as demais taxas de juros de mercadorias, refreia o investimento para produzir essas mercadorias, sem poder estimular o investimento necessário para produzir moeda que, por hipótese, não pode ser produzida (...) ( KEYNES, 2009 KEYNES, John Maynard. Teoria geral do emprego, do juro e da moeda. São Paulo: Atlas, 2009. : 175/179; 183-184, passim).

À luz do que foi exposto, a autoridade monetária tem à sua disposição alguns comportamentos possíveis no que concerne à fixação da taxa básica de juros. Num primeiro momento, pode simplesmente seguir a tendência “natural”, verificando o comportamento da taxa de lucro e orientando sua decisão no mesmo sentido, agindo, portanto, de forma “neutra”. Mas pode também, indiferente ao comportamento da taxa de lucro, “manipular” a taxa de juros. Neste caso, é possível , por exemplo, que, à luz da queda da lucratividade, determine a elevação da taxa básica. A consequência óbvia será a paralisação da atividade econômica produtiva, pois o capitalista funcionante não estará disposto a transferir parte de seu lucro, já em queda, ao prestamista. A autoridade monetária, neste caso, estará agindo no sentido de acentuar o ciclo, ao invés de contrarrestá-lo.

Mas é possível também, ainda no caso da queda da taxa de lucro, uma intervenção no sentido contrário, que determine o rebaixamento da taxa de juros, de modo que se tente reverter os efeitos daquela. Esta opção reduz a margem a ser deslocada do capitalista econômico para o jurídico e, como consequência, mantém-se ou aumenta-se o “incentivo” para que o primeiro continue investindo na produção, mesmo num momento desfavorável à acumulação. Neste caso, a autoridade monetária estará agindo contraciclicamente. Ressalte-se que não muda nada na coisa se o capitalista trabalha com capital próprio ao invés de emprestado. Se assim for, ele encarna a dupla persona: de proprietário e empreendedor. Enquanto proprietário terá tanto menos disposição de investir quanto piores forem as expectativas de lucro e/ou o tamanho da taxa de juros. Uma taxa persistentemente elevada vai tornando nosso personagem cada vez mais capitalista jurídico (proprietário) e cada vez menos capitalista econômico (produtor). Assim, dado o contexto econômico específico de cada momento, a manipulação da taxa básica de juros produzirá resultados determinados de acordo com as opções adotadas pela autoridade monetária.

Ocorre, no entanto, que o direito não lida com aquilo que é , mas com aquilo que deve ser. As normas jurídicas têm como objeto uma realidade, mas apenas na medida em que visam a uma determinada conduta e não a outras quaisquer. Há uma seleção prévia das ações admissíveis à luz de determinados eventos fáticos. Por isso, do ponto de vista jurídico, muito mais importante do que simplesmente compreender o que a autoridade monetária pode fazer, é averiguar o que ela deve fazer à luz das normas constitucionais. A Constituição seleciona as possíveis opções do BC, ou de quem lhe faça as vezes, no que concerne à condução da política monetária. Como vimos, as condutas de todos quantos submetam-se à Constituição estão plenamente vinculadas aos desígnios constitucionais.

No que toca ao estabelecimento da taxa básica de juros, sua fixação em patamares elevados ou diminutos deve (sentido jurídico ) obediência ao comando constitucional segundo o qual a ordem econômica está fundada na valorização do trabalho humano e na busca do pleno emprego (CF, art. 170, caput e inciso VIII). Ora, um e outro, tanto o fundamento quanto o vetor constitucional, apontam para a proteção do momento produtivo do capitalismo e ao “incentivo” ao capitalista funcionante, ou, nos termos de Keynes, à manutenção de um preço de demanda elevado para o capital produtivo, o que depende crucialmente de uma taxa de juros reduzida.

A política monetária, portanto, deve ser orientada no sentido de viabilizar uma economia “real” saudável e a geração de postos de trabalho na maior intensidade possível. A taxa de juros deve seguir esta determinação constitucional. Neste caso, isto é, uma vez que se almeje a criação de empregos, a taxa de juros precisa ser fixada em patamares diminutos, substancialmente menores do que a taxa de lucros vigente. Em outras palavras, não há opção à autoridade monetária, senão manter a taxa básica em patamares sempre inferiores àqueles vigentes para a taxa de retorno da economia real . Keynes, a propósito, observa:

Há, contudo, um segundo aspecto do nosso argumento cujas consequências são muito mais importantes para o futuro da desigualdade de riqueza, a saber, a nossa teoria da taxa de juros. A justificativa de uma taxa de juros moderadamente elevada foi encontrada, até aqui, na necessidade de proporcionar estímulo suficiente à poupança. Demonstramos, porém, que a extensão da poupança efetiva é rigorosamente determinada pelo montante de investimento, e que este montante cresce por efeito de uma taxa de juros baixa, desde que não tentemos levá-lo por esse caminho além do nível que corresponde ao pleno emprego. Assim sendo, o que mais nos convém é reduzir a taxa de juros até o nível em que, em relação à curva de eficiência marginal do capital, se realize o pleno emprego. ( KEYNES, 2009 KEYNES, John Maynard. Teoria geral do emprego, do juro e da moeda. São Paulo: Atlas, 2009. : 286, grifo nosso).

Em suma, de acordo com o que preceitua a teoria econômica mais autorizada, o comando constitucional de valorização do trabalho humano e busca do pleno emprego impõe ao BC uma única conduta admissível: a fixação da taxa Selic em patamares os mais reduzidos possíveis . O conteúdo da decisão, independentemente de sua forma, está prévia e completamente vinculado aos ditames do texto constitucional.

VI. Conclusão

As conclusões que provêm das páginas anteriores variam conforme o enfoque que se pretenda dar à questão. Em princípio, e considerando que a análise parte do ponto de vista jurídico, constata-se que o BC vem incorrendo em evidente desrespeito à Constituição desde o momento em que se designou sua competência para a fixação da taxa Selic, ou seja, a partir de janeiro de 1998. Daí em diante, a autarquia ingressou numa zona de inconstitucionalidade institucional porque tem ignorado sistematicamente o disposto no art. 170 da CF/88. 39 39 Eros Grau ressalta: “Daí por que desejo afirmar, vigorosamente, serem constitucionalmente inadmissíveis não somente normas com ele incompatíveis, mas ainda qualquer conduta adversa ao disposto no art. 170 da Constituição” ( GRAU, 2013: 193, grifo nosso).

À luz do debate sobre sua “independência”, duas conclusões despontam: sob o aspecto formal e tendo em vista o princípio da independência dos poderes, não há que se cogitar de qualquer grau desta aptidão, uma vez que, nos termos da CF/88, a prerrogativa é conferida apenas aos Poderes da República. Pode-se até vislumbrar alguma autonomia no que concerne à fixação da taxa Selic; independência , porém, no sentido de estar dispensado de reportar-se a autoridade superior, é inadmissível. 40 40 Lembre-se que os poderes não têm a prerrogativa de afastar as garantias que a Constituição lhes atribuiu. Ainda que se aprovasse lei assegurando ao BC independência de jure, esta seria inconstitucional por ofensa ao art. 2º. Mencione-se, ainda, que o princípio da separação de poderes é cláusula pétrea (CF/88, art. 60, §4º, III), de modo que nem mesmo por emenda se poderia assegurar “independência” ao BC. Sob o aspecto material a conclusão é ainda mais definitiva, pois o conteúdo de sua decisão encontra-se prévia e completamente vinculado à Constituição. Uma vez que o art. 170, caput , e inciso VIII, impõem a valorização do trabalho humano e a busca do pleno emprego como fundamento e vetores essenciais da ordem econômica – e tendo em vista que a taxa básica de juros é elemento fundamental para incentivar o investimento produtivo e, consequentemente, a contratação de mão de obra humana, de forma que, quanto menor aquela, tanto maiores estes – não há alternativa senão a fixação da taxa Selic em patamares os mais reduzidos possíveis. À autoridade monetária cabe apenas averiguar as taxas de retorno da economia “real” e estabelecer a taxa básica sempre em nível inferior, para permanentemente induzir os empresários a investirem. 41 41 A intervenção por indução é forma tradicional de atuação do Estado no domínio econômico. Veja-se: ( GRAU, 2013: 143). Ressalte-se a importância da sinalização dada pelo BC, já que a taxa de juros é, sobretudo, fenômeno de convenção. Keynes anota: “Talvez fosse mais exato dizer que a taxa de juros seja um fenômeno altamente convencional do que basicamente psicológico, pois o seu valor observado depende sobremaneira do valor futuro que se lhe prevê. Qualquer taxa de juros aceita com suficiente convicção como provavelmente duradoura será duradoura; sujeita, naturalmente, em uma sociedade em mudança a flutuações originadas por diversos motivos, em torno do nível normal esperado” ( KEYNES, 2009: 162). Tal atuação seria particularmente devida nos momentos de descenso cíclico, ou de crises intempestivas produzidas, seja por choques de oferta, seja pelos movimentos estocásticos dos cada vez mais vultosos fluxos internacionais de capital.

Considerando, ademais, o ponto de vista materialista e marxista aqui abraçado, segundo o qual as formas econômicas predominam e são determinantes das superestruturas (a jurídica, inclusive), aparecendo a economia, portanto, como o fundamento sistêmico cuja compreensão permite desvendar a essência e o papel desempenhado pelo Estado, pelo direito etc., pode-se afirmar que o BC, ao contrário do que se esperaria de seu papel de força de equilíbrio do sistema, tem funcionado, ao arrepio do disposto na CF/88, como “posto avançado” do capital portador de juros e, nessa medida, como elemento disruptivo, a afirmar a antinomia constitutiva da ordem econômica capitalista, mais do que refreá-la.

Incrustadas no centro nevrálgico das decisões estatais, as finanças, que abarcam hoje toda a produção de capital fictício, dentro ou fora do setor bancário-financeiro stricto sensu, têm poder desmesurado no Brasil, fixando a taxa básica de juros em níveis injustificáveis, mesmo se, pela força do argumento, possamos admitir como necessidade o regime de metas de inflação. Referindo-se a trabalho que tem já quase uma década sem que esse estado de coisas tenha se alterado de forma substantiva, Paulani afirmou:

Chernavsky (2007) CHERNAVSKY, Emílio. Sobre a Construção da Política Econômica: uma discussão sobre os determinantes da taxa real de juros no Brasil. Dissertação (mestrado). Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2007. vasculha toda a literatura ortodoxa recente à caça de estudos que demonstrem de modo rigoroso, teórica e/ou empiricamente, a razão supostamente científica que justificasse a magnitude da taxa real de juros no Brasil dos últimos 12 ou 13 anos. E absolutamente nada encontra. A única alternativa que parece trazer algum alento atende pelo sugestivo nome de “função de reação do Banco Central”. Mas dessa função podemos extrair o seguinte tipo de explicação: a taxa real de juros é o principal determinante da credibilidade da política monetária; a credibilidade da política monetária determina, por sua vez, a influência que as metas de inflação exercem sobre as expectativas inflacionárias, as quais constituem, segundo a função de reação, o determinante principal da própria taxa de juros. Ora, é evidente o caráter autorreferencial de tal “justificação”, mas esse não é o principal problema. O principal problema é que, sendo assim, justifica-se qualquer taxa real de juros que promova a conversão das expectativas em relação à meta estabelecida. Isto significa que a magnitude em si que essas taxas efetivamente assumem é produto de um fenômeno puramente convencional. Em outras palavras, aquilo que se pensa e se convenciona torna-se realidade. Mas aquilo que se pensa não cai do céu, pois o dito mercado financeiro está no board do Banco Central e convenciona aquilo que lhe convém. (PAULANI, 2010 ______. “Ciência econômica e modelos de explicação científica: retomando a questão”. Revista de Economia Política, São Paulo, vol. 30, nº 01 (117), 2010, pp. 27-44. Disponível em: <http://www.rep.org.br/PDF/117-2.PDF> Acesso em: 18/08/2016.
http://www.rep.org.br/PDF/117-2.PDF ...
: 40-41).

Se nos fosse permitido parafrasear Marx e Engels no famoso Manifesto Comunista , afirmaríamos que o BC tem se portado como verdadeiro “comitê gestor dos negócios do capital financeiro”. 42 42 A forma de funcionamento do BC e do Copom já há quase três décadas causa tanta estupefação que acaba involuntariamente dando azo à interpretação marxista mais rasteira sobre a natureza do Estado e de seu papel na ordenação do modo de produção capitalista. Essa leitura vulgar, que não se dá conta da forma de operar de sua contradição constitutiva, parece encontrar no Brasil um momento de verdade. Sua função parece resumir-se a esta: fixar a taxa básica da economia, essa “renda mínima” do capital,43 43 A expressão encontra-se em: (SAYAD, 2001). em um nível o mais elevado possível, superior, quase sempre, àquele que vigora em todo o globo terrestre. Quer dizer: viabilizar, a cada decisão do COPOM, o redirecionamento da riqueza nacional, via orçamento público, às mãos de grandes fundos de investimentos nacionais e internacionais e a meia dúzia de famílias. 44 44 Nesse sentido: (POCHMANN, 2007).

É verdade que essa situação tem raízes profundas nas transformações experimentadas pelo próprio capitalismo em nível mundial a partir da década de 70. Como lembram Bercovici e Massonetto, as mudanças ocorridas no processo de acumulação de capital, notadamente aquelas associadas ao assim chamado processo de “financeirização”, alteraram a função do fundo público: ao invés de ser destinado exclusivamente à garantia das condições de reprodução da força de trabalho, ele passa a ser disputado também pelo capital. 45 45 Confira-se: (BERCOVICI; MASSONETTO, 2006: 68) Dessa forma, tudo se passa como se, nessa nova etapa da história capitalista, o Estado funcionasse menos – ou precisasse funcionar menos – como a posição, no interior desse modo de produção, para além da mera agregação dos agentes contratantes da sociedade civil, de uma comunidade pressuposta. Por conta disso, sua intervenção na ordem econômica, para que ela justamente seja preservada como ordem, também muda de intensidade e, na maior parte dos casos, de sentido. Ainda assim, porém, a forma como essa transformação vem acontecendo no Brasil parece ultrapassar todas as medidas e todos os limites, visto que o país raramente abandonou, em quase três décadas, o papel de campeão na remuneração do capital fictício, e que esse protagonismo nada confortável praticamente não se alterou independentemente do matiz ideológico dos governos que assumiram o executivo federal ao longo de todo esse período. Não cabe no escopo deste trabalho buscar as razões desta idiossincrasia nacional, mas podemos adiantar que ela seguramente tem que ver com a história de nossa formação e, em particular da formação de nossas elites. 46 46 Veja-se a esse respeito: ( ARANTES, 2004 ), sobretudo o ensaio “Nação e Reflexão” e ( PAULANI, 2001 ).

Cabe-nos retomar a questão original: ao atuar dessa forma, o BC atua a despeito da Constituição? A resposta varia conforme o ponto de vista segundo o qual se enxerga o texto constitucional. Ao assumir-se, criticamente, o pressuposto de sua força normativa, deve-se concluir que a conduta da autarquia é inconstitucional . Assim, sob perspectiva estritamente jurídica, a melhor resposta é aquela que apontam Bercovici e Massonetto (2006) ______; MASSONETTO, Luís Fernando. “A Constituição dirigente invertida: a blindagem da Constituição financeira e a agonia da Constituição econômica”. Separata do Boletim de Ciências Econômicas da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Vol. XLIX, 2006, pp. 1-23. : a erosão da constituição econômica em prol da constituição financeira. A ordem econômica intervencionista e dirigente da Constituição de 1988 restou apartada dos instrumentos financeiros que poderiam lhe dar efetividade. A própria Lei de Responsabilidade Fiscal, ao impedir ou inviabilizar a busca do pleno emprego e de uma outra política financeira, seria, nesse sentido, uma forma de excluir o orçamento da deliberação pública, garantindo, por outro lado, a remuneração do capital financeiro objetivado na dívida pública. A Constituição Financeira foi, portanto, “blindada”, enquanto que a implementação da ordem econômica e da ordem social da CF/1988 ficou refém das sobras orçamentárias do Estado.

De nossa perspectiva, isso significa que o Estado brasileiro vem desempenhando seu papel de guardião da identidade de um sistema fundado na contradição, sem ter que, para isso, operar como força de equilíbrio do sistema, e sem ter, portanto, que encarnar, mesmo em sua versão mais realista, que significa tão somente um mínimo de garantias a todos os seus membros, a comunidade econômica pressuposta em sua existência.

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    No momento em que escrevemos, a taxa Selic está fixada nominalmente em 11,15% ao ano. Fonte: http://www.bcb.gov.br/Pec/Copom/Port/taxaSelic.asp . Acesso em 20/06/2017. Considerada a inflação, o Brasil apresenta a segunda maior taxa real de juros do mundo (4,30%), ficando atrás apenas da Rússia (4,57%), mas à frente da Turquia (3,63%), Indonésia (3,63%) e Colômbia (2,75%). Fonte: http://moneyou.com.br/wp-content/uploads/2017/05/rankingdejurosreais310517.pdf . Acesso: 20/06/2017.
  • 2
    Maria Cristina Penido de Freitas (2006) FREITAS, Maria Cristina Penido. “Banco Central independente e coordenação das políticas macroeconômicas: lições para o Brasil”. Revista Economia e Sociedade, Campinas, vol. 05, nº 02 (27), 2006, pp. 262-293. Disponível em: <http://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/ecos/article/view/8642916/10487> Acesso em: 11/08/2016.
    http://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/in...
    elabora competente descrição dessas duas tendências, a da Escola Novo-Clássica, favorável à autonomia do BC, e a da Escola Pós-Keynesiana, crítica desta independência.
  • 3
    Esse foi, aliás, o argumento maior a justificar a reforma da Lei de Falências empreendida pelo governo federal em 2005, já no primeiro mandato do Presidente Luís Inácio Lula da Silva (Lei nº 11.101/05). Anote-se que nenhuma diferença substantiva se sentiu na operação da política monetária por conta das modificações operadas, sob tal argumento, no citado dispositivo legal.
  • 4
    Não custa lembrar que, acompanhando-se a série dos últimos 20 anos, a taxa nominal esteve sempre muito acima do piso determinado pela taxa de inflação, produzindo, assim, uma taxa real de juros muito elevada.
  • 5
    Ocorre que ao longo do período 1994-2014, por exemplo, a relação Dívida/PIB no Brasil passou por todas as situações: estabilizou, subiu, caiu, voltou a subir e não se viu redução efetiva da taxa real de juros em resposta aos movimentos de declínio; o mesmo se pode dizer de outra variável amiúde utilizada como argumento para sustentar as elevadas taxas: o resultado primário das contas públicas foi positivo e substantivo ao longo de um largo período de tempo (de 2002 até 2014) e a taxa de juros foi indiferente a isso.
  • 6
    O autor observa: “Como conclusão geral desta seção, podemos dizer que não foram encontradas evidências suficientes que nos permitam aceitar a afirmação que pretende que fatores normalmente associados às considerações de risco, especialmente as medidas associadas à situação fiscal e à solvabilidade do país, ou variáreis que procurem captar de forma direta o risco associado aos títulos da dívida, como o índice EMBI e as classificações de risco, seriam os principais determinantes das elevadas taxas de juros praticadas no Brasil” ( CHERNAVSKY, 2007 CHERNAVSKY, Emílio. Sobre a Construção da Política Econômica: uma discussão sobre os determinantes da taxa real de juros no Brasil. Dissertação (mestrado). Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2007. : 72).
  • 7
    A referência aqui é, obviamente, Karl Marx (2003 ______ . “Prefácio”. In: Contribuição à crítica da economia política. São Paulo: Martins Fontes, 2003, pp. 03-08. : 03-08); (2011 MARX, Karl. “O método da economia política”. In: Grundrisse: manuscritos econômicos de 1857-1858. São Paulo: Boitempo; Rio de Janeiro, Ed. UFRJ, 2011, pp. 54-61. : 39-64). Confira-se também: ( PRADO, 2013 PRADO, Eleutério. “Dois métodos ou duas antropologias?”. Revista de Economia Política, São Paulo, vol. 33, nº 04 (133), 2013, pp. 649-658. In: <http://www.rep.org.br/PDF/133-6.PDF> Acesso em: 19/08/2016.
    http://www.rep.org.br/PDF/133-6.PDF ...
    ).
  • 8
    Confira-se: ( FAUSTO, 1987 FAUSTO, Ruy. Marx: Lógica & Política. Tomo II. São Paulo: Brasiliense, 1987. ), especialmente ensaio II.
  • 9
    Veja-se: ( LASSALLE, 2007 LASSALLE, Ferdinand. A essência da Constituição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. : 17-18).
  • 10
    Uma problematização do paradigma, no interior da teoria tradicional, encontra-se em: ( GRIMM, 2006 GRIMM, Dieter. Constituição e política. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. : 03-22).
  • 11
    Nesse sentido: ( SARMENTO, 2009 SARMENTO, Daniel. “O neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e possibilidades”. Revista Brasileira de Estudos Constitucionais, Belo Horizonte, vol. 09, 2009, pp. 95-133. Disponível em: <http://www.editoraforum.com.br/ef/index.php/conteudo-revista/?conteudo=56993> Acesso em: 26/08/2016.
    http://www.editoraforum.com.br/ef/index...
    ).
  • 12
    O próprio Hesse faz isso ao propugnar por uma “vontade de Constituição”: ( HESSE, 1991 HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. São Paulo: Sergio Antonio Fabris, 1991. : 19).
  • 13
    Fausto anota: “A posição da relação jurídica enquanto lei do Estado ‘nega’ o segundo momento e só faz aparecer o primeiro, exatamente para que, de maneira contraditória, a interversão do primeiro momento no segundo possa operar na ‘base material’” ( FAUSTO, 1987 FAUSTO, Ruy. Marx: Lógica & Política. Tomo II. São Paulo: Brasiliense, 1987. : 299).
  • 14
    Fausto esclarece: “A aparência-forma se desvela de certo modo. É o próprio sistema que reconhece a desigualdade das partes no contrato de trabalho, e quanto à forma, o seu caráter ‘não atomístico’. O próprio sistema desmistifica sua aparência. Desmistifica, mas só esta aparência. Com efeito, não é a realidade da contradição de classes que será revelada” ( FAUSTO, 1987 FAUSTO, Ruy. Marx: Lógica & Política. Tomo II. São Paulo: Brasiliense, 1987. : 318).
  • 15
    Registre-se que não recepcionamos a teoria da separação de poderes tal como o faz a teoria tradicional, vale dizer, de modo abstrato e não-histórico. No sentido crítico, veja-se: (MARX; ENGELS, 2009 ______; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Boitempo, 2007. : 47).
  • 16
    Valemo-nos do conceito jurídico de soberania, já que constitui fundamento da República Federativa do Brasil (CF/88, art. 1º, I). Não ignoramos o debate clássico e as críticas modernas e pós-modernas que, entretanto, estão fora de nosso alcance. Para uma análise detalhada, confira-se: ( BOBBIO et al., 2010 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Volume 2. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2010. : 1179-1188).
  • 17
    Tem-se trabalhado com uma “nova” concepção sobre a separação de poderes, que se pode chamar de “pós-moderna”. Conferir: ( ARAGÃO, 2001 ARAGÃO, Alexandre Santos. “Princípio da legalidade e poder regulamentar no Estado contemporâneo”. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, vol. 225, 2001, pp. 109-129. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/47568/44782> Acesso em: 02/09/2016.
    http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/ind...
    ). Tais perspectivas não afetam o conteúdo de nossa análise.
  • 18
    Essa concepção, trivial, encontra-se sedimentada na teoria tradicional. José Afonso da Silva observa: “Os órgãos do Estado são supremos (constitucionais) ou dependentes (administrativos). Aqueles são os a quem incumbe o exercício do poder político, cujo conjunto denomina-se ‘governo’ ou ‘órgãos governamentais’. Os outros estão em plano hierárquico inferior, cujo conjunto forma a Administração Pública, considerados de natureza administrativa” ( SILVA, 2007 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. Malheiros: São Paulo, 2007. : 43-44, passim).
  • 19
    Lei nº 4.595/64, art. 8º.
  • 20
    Decreto-Lei nº 200/67, art. 19 e 189, I c.c. art. 1º da Portaria nº 84.287/2015 (Regimento Interno do BC).
  • 21
    Decreto-Lei nº 200/67, art. 26, II.
  • 22
    Decreto-Lei nº 200/67, art. 26, parágrafo único, alínea “i”.
  • 23
    Circular BC nº 2.900/99, art. 1º, §1º: “Define-se Taxa SELIC como a taxa média ajustada dos financiamentos diários apurados no Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC) para títulos federais”.
  • 24
    É verdade que, praticamente, tal “fixação” não pode se dar de outra forma que não por intermédio da compra e venda de títulos (daí falar-se em emissão de títulos “com o objetivo de regular a taxa de juros”). Mas, tecnicamente, o que acontece é que as compras e vendas ocorrem, a cada período, de forma a efetivar uma taxa pré-determinada, de modo que é esta que condiciona aquelas e não o contrário. Isto posto, quisera o constituinte conferir à autarquia, de modo firme, essa atribuição, poderia tê-lo feito explicitamente.
  • 25
    A propósito, Bercovici observa: “A Constituição de 1988 tem expressamente uma Constituição Econômica voltada para a transformação das estruturas sociais, como veremos adiante. O capítulo da ordem econômica (arts. 170 a 192) tenta sistematizar os dispositivos relativos à configuração jurídica da economia e à atuação do Estado no domínio econômico, embora esses temas não estejam restritos a este capítulo do texto constitucional (...) A diferença essencial que surge a partir do ‘constitucionalismo social’ do século XX, e vai marcar o debate sobre a Constituição Econômica, é o fato de que as Constituições não pretendem mais receber a estrutura econômica existente, mas querem alterá-la. Elas positivam tarefas e políticas a serem realizadas no domínio econômico e social para atingir certos objetivos” ( BERCOVICI, 2005 BERCOVICI, Gilberto. Constituição econômica e desenvolvimento: uma leitura a partir da Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. : 30/33, passim).
  • 26
    Nesse sentido: ( CANOTILHO, 1994 CANOTILHO, Joaquim J. G. Constituição dirigente e vinculação do legislador. Coimbra: Coimbra Editora, 1994. : 11).
  • 27
    Nesse sentido, Eros Grau anota: “Princípio constitucional impositivo (Canotilho), cumpre também dupla função; como objetivo particular a ser alcançado, assume, igualmente, a feição de diretriz (Dworkin) – norma-objetivo – dotada de caráter constitucional conformador, a justificar a reivindicação pela realização de políticas públicas. ‘Expansão das oportunidades de emprego produtivo’ e, corretamente, ‘pleno emprego’ são expressões que conotam o ideal keynesiano de emprego pleno de todos os recursos e fatores da produção. O princípio informa o conteúdo ativo dos princípios da função social da propriedade. A propriedade dotada de função social obriga o proprietário ou o titular do poder de controle sobre ela ao exercício desse direito-função (poder-dever), até para que se esteja a realizar o pleno emprego” (GRAU, 2012: 252-253).
  • 28
    Perceba-se que dissemos autoridade monetária, e não Banco Central, porque a pesquisa, neste ponto, envolve problema de conteúdo e não de forma, de maneira que pouco importa se a função regulatória está concentrada, desconcentrada ou descentralizada. Quer dizer, caiba ao Presidente da República, ao Ministro da Fazenda, ao Presidente do Banco Central ou ao Comitê de Política Monetária a prerrogativa de fixar a taxa básica de juros da economia, estão todos vinculados aos enunciados constitucionais, sobretudo aos princípios que constam do art. 170 da CF/88, ou, pelo contrário, seriam todos “independentes” para estabelecer a taxa Selic nos patamares que julgam os mais adequados?
  • 29
    Grau anota: “Atingido, porém, este ponto de minha exposição, devo salientar aspecto de extrema importância, em vista do que me permito referir a circunstância de o Direito ser prescritivo. O Direito não descreve situações ou fatos senão para a eles atribuir consequências jurídicas (...) A perfeita compreensão dessa obviedade é essencial, na medida em que informará a plena compreensão de que qualquer prática econômica (mundo do ser) incompatível com a valorização do trabalho humano e com a livre iniciativa, ou que conflite com a existência digna de todos, conforme os ditames da justiça social, será adversa à ordem constitucional. Será, pois, institucionalmente inconstitucional. Desde a compreensão desse aspecto poderão ser construídos novos padrões não somente de controle de constitucionalidade, mas, em especial, novos e mais sólidos espaços de constitucionalidade. A amplitude dos preceitos constitucionais abrange não apenas as normas jurídicas, mas também condutas (GRAU, 2012: 192-193, grifo nosso).
  • 30
    Em O capital, Marx chama o primeiro de capitalista funcionante e o segundo de prestamista. Paulani alerta para o fato de que, nas Teorias da mais-valia, Marx alcunha o primeiro de capitalista econômico e o segundo de capitalista jurídico: “Para completar nosso quadro, falta avaliar o juro. Como já adiantado, o juro é a renda que o capital monetário propicia a seu detentor pelo mero efeito da propriedade. É bem conhecida a passagem do capítulo 23 do Livro III de O Capital em que Marx se pergunta por que razão a mera divisão do valor excedente entre dois personagens resulta em duas coisas de natureza distinta” (...) “Em outras palavras, Marx indaga por que razão nada muda na história se esses dois personagens (que nas Teorias da Mais-Valia ele chama de capitalista jurídico e capitalista econômico) forem interpretados pela mesma pessoa” (PAULANI, 2016 ______ . “Acumulação e rentismo: resgatando a teoria da renda de Marx para pensar o capitalismo contemporâneo”. Revista de Economia Política, São Paulo, vol. 36, nº 03, (144), 2016, pp. 514-535. Disponível em: <http://www.rep.org.br/PDF/144-4.PDF> Acesso em: 02/10/2016.
    http://www.rep.org.br/PDF/144-4.PDF ...
    : 525).
  • 31
    Esse “empréstimo” está entre aspas para diferenciá-lo daquele que ocorre no âmbito da circulação simples. Neste o dinheiro funciona como dinheiro; naquele, como capital. As substâncias são diferentes; a forma do contrato é idêntica. Essa aparência é a origem remota de absurdas ilusões jurídicas, como a concepção segundo a qual o BC é mero “regulador” da atividade monetária. A propósito: (CASALINO, 2011 CASALINO, Vinícius. “O direito e o capital portador de juros: fundamentos jurídicos da crise”. In: Cadernos de pesquisa marxista do direito. São Paulo: Expressão Popular, 2011, pp. 103-127. e 2015 ______ . “Ideologia jurídica e capital portador de juros: apontamentos para estudos iniciais”. In: Para a crítica do direito: reflexões sobre teorias e práticas jurídicas. São Paulo: Outras Expressões; Editorial Dobra, 2015, pp. 289-329. ).
  • 32
    Chesnais observa: “O mundo contemporâneo apresenta uma configuração específica do capitalismo, no qual o capital portador de juros está localizado no centro das relações econômicas e sociais” ( CHESNAIS, 2005 CHESNAIS, François. “O capital portador de juros: acumulação, internacionalização, efeitos econômicos e políticos”. In: A finança mundializada: raízes sociais e políticas, configuração, consequências. São Paulo: Boitempo, 2005, pp. 35-67. : 36). Confira-se, ainda: ( HARVEY, 2013 HARVEY, David. Os limites do capital. São Paulo: Boitempo, 2013. ). No Brasil, sobretudo: (BELLUZZO, 2009 BELLUZZO, Luiz Gonzaga. Os antecedentes da tormenta: origens da crise global. São Paulo: Editora UNESP; Campinas: Facamp, 2009. e 2013 ______. O capital e suas metamorfoses. São Paulo: Editora UNESP, 2013. ).
  • 33
    Para nossos propósitos, convém trazer à cena também a definição de Keynes: “A taxa monetária de juros – queremos chamar a atenção do leitor – outra coisa não é que a percentagem do excedente de uma soma de dinheiro contratada para entrega futura, por exemplo, a um ano de prazo, sobre o que podemos chamar de preço ‘spot’ ou à vista da dita soma contratada para entrega futura” ( KEYNES, 2009 KEYNES, John Maynard. Teoria geral do emprego, do juro e da moeda. São Paulo: Atlas, 2009. : 175).
  • 34
    Diz Marx: “A taxa média de juros predominante num país – em contraste com as taxas de mercado sempre flutuantes – não é de modo algum determinável por qualquer lei. Não existe nenhuma taxa natural de juros no sentido em que os economistas falam de uma taxa natural de lucro ou de uma taxa natural de salário” (MARX, 1986 ______ . O capital. Livro III. Tomo 01. São Paulo: Nova Cultural (Os economistas), 1986. : 272). Mais tarde Keynes daria “o braço a torcer”: “Agora já não sou da opinião de que o conceito de uma ‘taxa natural’ de juros, que antes pareceu uma ideia das mais promissoras, possa trazer à nossa análise uma contribuição verdadeiramente útil ou importante. Ela é simplesmente a taxa que manterá o status quo; e, em geral, não temos interesse predominante no status quo como tal” ( KEYNES, 2009 KEYNES, John Maynard. Teoria geral do emprego, do juro e da moeda. São Paulo: Atlas, 2009. : 189).
  • 35
    Duran explica: “As modernas autoridades monetárias tiveram origem em bancos privados que se destinavam a financiar o Estado em troca da concessão de prerrogativas especiais, como o monopólio da emissão da moeda” (...) “A história do Federal Reserve, de certa forma, pode ser considerada um exemplo dessa trajetória de banco central” ( DURAN, 2013 DURAN, Camila Vilard. A moldura jurídica da política monetária: um estudo do Bacen, do BCE e do Fed. São Paulo: Saraiva, 2013. : 144-145). O Banco da Inglaterra tem história semelhante. Ele começou como banco privado e fez enorme fortuna financiando a dívida pública do Estado inglês e produzindo nova moeda (capital novo) em cima desses ativos de crédito. Mas não foi sua função de emissor da moeda do reino que o colocou historicamente como entidade pública, mas seu papel de emprestador de última instância (lending of last resource), que ele foi obrigado a desempenhar na crise comercial e bancária que tomou de assalto o espaço britânico em meados do século XIX.
  • 36
    Confira-se: Circular BC nº 3.593/2012.
  • 37
    Camila Duran observa: “O termo accountability, em língua inglesa, não tem tradução exata para a língua portuguesa. Ele pode ser compreendido como modalidade específica de responsabilização e de prestação de contas de determinada instituição. (...) De maneira geral, essa reflexão se insere, em termos teóricos, na reflexão weberiana sobre as condições de responsabilização das burocracias” ( DURAN, 2013 DURAN, Camila Vilard. A moldura jurídica da política monetária: um estudo do Bacen, do BCE e do Fed. São Paulo: Saraiva, 2013. : 30).
  • 38
    Duran anota: “Este estudo sustenta que o principal papel do direito deslocou-se da definição de regras instrumentais de conduta da burocracia monetária (sobretudo regras ex ante) para a construção de normas de supervisão, prestação de contas e sanção de bancos centrais (principalmente ex post)” ( DURAN, 2013 DURAN, Camila Vilard. A moldura jurídica da política monetária: um estudo do Bacen, do BCE e do Fed. São Paulo: Saraiva, 2013. : 80).
  • 39
    Eros Grau ressalta: “Daí por que desejo afirmar, vigorosamente, serem constitucionalmente inadmissíveis não somente normas com ele incompatíveis, mas ainda qualquer conduta adversa ao disposto no art. 170 da Constituição” ( GRAU, 2013 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2013. : 193, grifo nosso).
  • 40
    Lembre-se que os poderes não têm a prerrogativa de afastar as garantias que a Constituição lhes atribuiu. Ainda que se aprovasse lei assegurando ao BC independência de jure, esta seria inconstitucional por ofensa ao art. 2º. Mencione-se, ainda, que o princípio da separação de poderes é cláusula pétrea (CF/88, art. 60, §4º, III), de modo que nem mesmo por emenda se poderia assegurar “independência” ao BC.
  • 41
    A intervenção por indução é forma tradicional de atuação do Estado no domínio econômico. Veja-se: ( GRAU, 2013 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2013. : 143). Ressalte-se a importância da sinalização dada pelo BC, já que a taxa de juros é, sobretudo, fenômeno de convenção. Keynes anota: “Talvez fosse mais exato dizer que a taxa de juros seja um fenômeno altamente convencional do que basicamente psicológico, pois o seu valor observado depende sobremaneira do valor futuro que se lhe prevê. Qualquer taxa de juros aceita com suficiente convicção como provavelmente duradoura será duradoura; sujeita, naturalmente, em uma sociedade em mudança a flutuações originadas por diversos motivos, em torno do nível normal esperado” ( KEYNES, 2009 KEYNES, John Maynard. Teoria geral do emprego, do juro e da moeda. São Paulo: Atlas, 2009. : 162).
  • 42
    A forma de funcionamento do BC e do Copom já há quase três décadas causa tanta estupefação que acaba involuntariamente dando azo à interpretação marxista mais rasteira sobre a natureza do Estado e de seu papel na ordenação do modo de produção capitalista. Essa leitura vulgar, que não se dá conta da forma de operar de sua contradição constitutiva, parece encontrar no Brasil um momento de verdade.
  • 43
    A expressão encontra-se em: (SAYAD, 2001).
  • 44
    Nesse sentido: (POCHMANN, 2007 POCHMANN, Marcio. “O País dos Desiguais”. Le Monde Diplomatique - Brasil. In: <http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=30>, acesso em 1º/12/2016.
    http://www.diplomatique.org.br/artigo.p...
    ).
  • 45
    Confira-se: (BERCOVICI; MASSONETTO, 2006 ______; MASSONETTO, Luís Fernando. “A Constituição dirigente invertida: a blindagem da Constituição financeira e a agonia da Constituição econômica”. Separata do Boletim de Ciências Econômicas da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Vol. XLIX, 2006, pp. 1-23. : 68)
  • 46
    Veja-se a esse respeito: ( ARANTES, 2004 ARANTES, P. E. Zero à Esquerda. São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2004. ), sobretudo o ensaio “Nação e Reflexão” e ( PAULANI, 2001 PAULANI, Leda. “A Utopia da Nação: esperança e desalento”. In: BRESSER-PEREIRA, L.C., org. A Grande Esperança em Celso Furtado. São Paulo: editora 34, 2001. ).

Referências bibliográficas

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    » http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/47568/44782
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    » http://iepecdg.com.br/wp-content/uploads/2016/03/TPD2IEPE.pdf
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      Apr-Jun 2018
    • Data do Fascículo
      Jun 2018

    Histórico

    • Recebido
      16 Dez 2016
    • Aceito
      03 Jul 2017
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