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A “pilula do dia seguinte” e o direito das mulheres de decidir

The “morning after pill” and women’s right to decide

Resumo

O artigo reescreve a partir de uma perspectiva feminista voto vencido proferido em ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal que proibiu a distribuição de anticoncepção de emergência nos serviços públicos do município. Apontam-se inconstitucionalidades formais no tocante à competência e à iniciativa para legislar e materiais como violação aos direitos constitucionais de saúde sexual e reprodutiva de mulheres, especialmente negras e pobres, igualdade, dignidade e autonomia, bem como se afasta a alegada violação do direito à vida em virtude da ação do medicamento e da necessidade de garantir a laicidade estatal.

Palavras-chave:
Anticoncepção de emergência; “Pílula do dia seguinte”; Saúde sexual e reprodutiva

Abstract

The article rewrites from a feminist perspective an unsuccessful vote handed down in a direct action of unconstitutionality of a municipal law that prohibited the distribution of emergency contraception in public services in the municipality. Formal unconstitutionalities are pointed out regarding the competence and initiative to legislate and materials such as violation of the constitutional rights of sexual and reproductive health of women, especially black and poor, equality, dignity and autonomy, as well as the alleged violation of the right to life is removed due to the action of the medicine and the need to guarantee state secularity.

Keywords:
Emergency contraception; “Morning after pill”; Sexual and reproductive health

1. Comentário do Caso

Este artigo reescreve, de uma perspectiva feminista e com o marco legal existente na data do julgamento, voto vencido proferido na Ação Direta de Inconstitucionalidade Estadual (ADI) n° 990.10.000569-3, julgada em 3 de novembro de 2010 (BRASIL, 2010), pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. O Município de Vargem aprovou a lei 424 de 15 de maio de 2006, que proibiu a distribuição de medicamento de anticoncepção de emergência (AE), conhecido popularmente por “pílula do dia seguinte”, na rede pública de saúde municipal. O Procurador-Geral de Justiça ingressou com a ADI para que a lei municipal fosse julgada inconstitucional e as mulheres do município pudessem ter acesso à medicação fornecida pelo Sistema Único de Saúde (SUS) apontando diversas violações à Constituição Estadual e Federal, além da normativa internacional e nacional, cometidas pela legislação municipal em questão.

Sustentou inconstitucionalidade por invasão da municipalidade de competência legislativa concorrente da União e dos estados federados; invasão pela municipalidade de competência material da União; bem como violação aos artigos 1º, 5º, 24, 111, 144, 219, parágrafo único, e 223, V da Constituição do Estado de São Paulo; violação à separação de poderes e ao pacto federativo; ausência de interesse local da municipalidade em tratar do assunto. Sustentou, ainda, que o medicamento questionado era elemento fundamental da política constitucional de planejamento familiar e que sua proibição carecia de razoabilidade.

Na época tramitavam no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo uma série de ADIs idênticas a respeito de leis municipais diversas, todas com a mesma vedação.1 1 ADI 166.129 (Jundiaí, j. 19.02.09); ADI 9053596-62.2008.8.26.0000 (Pirassununga, j. 23/02/11); ADI 000387850.2011.8.26.0000 (Bastos, j. 24/08/11); ADI 990.10.000569-3 (Vargem, j. 03/11/10); ADI 126.502.0/0-00 (Cachoeira Paulista); ADI 124.920.0/3-00 (Jacareí, j. 24/05/2006). Todas acabaram sendo julgadas procedentes, embora tenhamos o caso de Jundiaí, por exemplo, no qual não foi deferida medida liminar e a ação foi julgada um ano após a vedação de distribuição da medicação, ou seja, durante um ano as mulheres do município não puderam utilizar a anticoncepção de emergência naquele Município no sistema público.

A anticoncepção de emergência passou a ser oferecida, de forma regular, no Sistema Único de Saúde a partir de 2005 (PERES, 2015PERES, Vanusa Baeta Figueiredo. “Distribuição da Contracepção de Emergência pelo Ministério da Saúde”. Panorama da contracepção de emergência no Brasil. Regina Figueiredo; Ana Luiza Vilela Borges; Silvia Helena Bastos de Paula; orgs. São Paulo: Instituto de Saúde, 2015. Disponível em http://www.ee.usp.br/divulga/2016/panorama_contracepcao.pdf. Acesso em 16/06/2021.
http://www.ee.usp.br/divulga/2016/panora...
, p. 74). Logo após, por pressão principalmente de setores da igreja católica, vários municípios passaram a aprovar leis proibindo em seus territórios a distribuição pela rede pública de saúde (AGÊNCIA FOLHA, 2005). Setores da igreja católica afirmavam que a política do Ministério da Saúde vinha numa escalada rumo à liberação do aborto no Brasil.

Segundo pesquisa realizada no município de São Paulo, em 2016, pelo Instituto de Saúde do Estado de São Paulo em parceria com o Núcleo de Estudos em População da Unicamp, mais da metade das mulheres em idade fértil de São Paulo já havia usado a pílula do dia seguinte:

Segundo o levantamento inédito, 50,9% das mulheres do município entre 15 e 44 anos, que já iniciaram a vida sexual, tinham tomado a contracepção de emergência. Entre as mais jovens, de 20 a 29 anos, essa taxa ultrapassa 67%. A pesquisa entrevistou 3.896 mulheres na capital, de abril a dezembro de 2015 (Marina ESTARQUE, 2018ESTARQUE, Marina. “Metade das mulheres em idade fértil em SP já usou pílula do dia seguinte”. Folha de São Paulo, São Paulo, 27/08/2018. Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/08/metade-das-mulheres-em-idade-fertil-em-sp-ja-usou-pilula-do-dia-seguinte.shtml. Acesso em 5/01/2020.
https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/...
; Julia Maria OLSEN et. al., 2018OLSEN, Julia Maria et al. “Práticas contraceptivas de mulheres jovens: inquérito domiciliar no Município de São Paulo”. Cadernos de Saúde Pública [online]. São Paulo, 2018, v. 34, n. 2, e00019617. Disponível em https://www.scielo.br/pdf/csp/v34n2/en_1678-4464-csp-34-02-e00019617.pdf. Acesso em 5/01/2020.
https://www.scielo.br/pdf/csp/v34n2/en_1...
).

A pesquisa também demonstra que a anticoncepção de emergência é utilizada porque ocorrem falhas na utilização dos contraceptivos regulares e não por irresponsabilidade das mulheres no planejamento familiar.

É interessante observar que na temática dos direitos sexuais e reprodutivos não cessam as tentativas de sua limitação e de controle dos corpos das mulheres e do exercício de sua autonomia e liberdade a respeito das decisões sexuais e reprodutivas, ou seja, há uma tensão permanente e outras iniciativas legislativas surgiram e surgem, no Brasil, desde então. Cabe destacar que em 24 de fevereiro de 1999 a Deputada Federal do Partido dos Trabalhadores, Iara Bernardi, apresentou na Câmara dos Deputados o projeto de lei n° 60/1999 sobre o atendimento no sistema de saúde às vítimas de violência sexual (BRASIL, 1999). O art. 4, IV previa o atendimento imediato, obrigatório em todos os hospitais públicos que tivessem Pronto Socorro e Serviço de Ginecologia e compreendia os seguintes serviços: IV - medicação com eficiência precoce para prevenir gravidez resultante de estupro. Este projeto de lei demorou 14 anos para ser aprovado transformando-se na lei 12.845 de 1° de agosto de 2013 com alteração de redação em relação à prevenção da gravidez resultante de violência sexual para: art. 3°: “o atendimento imediato, obrigatório em todos os hospitais integrantes da rede do SUS, compreende os seguintes serviços: IV - profilaxia da gravidez”. Dessa forma a anticoncepção de emergência passava a ter previsão legal para utilização no sistema público de saúde em caso de violência sexual. Ao sancionar o projeto de lei, imediatamente o Executivo envia projeto de lei à Câmara dos Deputados para alterar a redação quanto à expressão “profilaxia da gravidez” por entender que não seria a mais adequada tecnicamente e não expressava com clareza que se tratava de uma diretriz para a administração de medicamentos para as vítimas de estupro, propondo o retorno à redação original dada pela Deputada Iara Bernardi em 1999. A justificativa apresentada pontuava que

Essa redação esclarece que se trata, nesse caso, de assegurar o acesso das vítimas de estupro à contracepção de emergência, evitando que venham a engravidar em consequência da violência sexual que sofreram. Dessa forma, a nova Lei estaria alinhada com a política pública já adotada no Sistema Único de Saúde - SUS e com as recomendações da Organização Mundial de Saúde em matéria de violência contra a mulher. Os dados do Ministério da Saúde atestam o sucesso dessa política na proteção da saúde da mulher. Desde 2008, quando passou a haver uma expansão expressiva no número de serviços do SUS voltados para atenção à saúde das vítimas de violência sexual, o número de abortos realizados no país, em conformidade com o disposto no art. 128 do Código Penal, caiu mais de 50%. Ou seja, a implementação efetiva no SUS da política de administração de medicação com eficiência precoce para prevenir gravidez resultante de estupro, como a que está sendo proposta neste projeto de lei, reduziu o número de abortos legais no Brasil de 3.285, em 2008, para 1.626, em 2012 (BRASIL, 2013a).

Em 7 de agosto de 2013, um conjunto de deputados, dentre eles, o atual presidente da república apresentou o projeto de lei 6055 (BRASIL, 2013b) que num único artigo propunha a revogação da lei 12.845/13 sob a justificativa que a

A Lei n. 12.845, de 1º de agosto de 2013, tem manifestamente como principal objetivo preparar o cenário político e jurídico para a completa legalização do aborto no Brasil. Sua eficácia se estende também aos hospitais mantidos por entidades religiosas ou que sejam contrárias ao aborto cirúrgico ou químico, este último inclusive na forma da vulgarmente chamada de pílula do dia seguinte. Assim, a Lei foi realmente promulgada tendo como principal objetivo introduzir o aborto no Brasil.

Na justificativa do projeto de lei a anticoncepção de emergência é tratada como “aborto químico”.

Mais recentemente, em 2019, a câmara de vereadores do Município de Luziânia em Goiás também apresentou projeto de lei para impedir a utilização e distribuição da “pílula do dia seguinte”.2 2 O Núcleo Especializado de Defesa e Promoção dos Direitos da Mulher, da Defensoria Pública do Estado de Goiás (DPE-GO), expediu Recomendação Administrativa à Câmara Municipal de Luziânia acerca do Projeto de Lei de 14 de agosto de 2019 sugerindo que seja retirado de pauta e rejeitado (DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE GOIÁS, 2019).

Nota-se, portanto, que a proposta de reescrever voto vencido da ADI 990.10.000569-3, que entendeu ser constitucional a proibição da utilização e distribuição da anticoncepção de emergência no sistema público de saúde do Município de Vargem, continua atual e candente, uma vez que a disputa em torno da liberdade e autonomia sexual e reprodutiva das mulheres segue a todo vapor.

1.1. Considerações ao voto vencedor

O voto vencedor do Desembargador Relator Palma Bissom é pela procedência da ação de inconstitucionalidade com fundamento nos artigos 1°, 5º, 24, § 2º, 2 e 144 da Constituição do Estado de São Paulo, suspendendo a vigência e eficácia da lei municipal 424 de 15 de maio de 2006 de Vargem. O julgamento ocorreu em 3 de novembro de 2010 e o Des. Viana Santos era o Presidente do Tribunal à época.

O voto vencedor que foi seguido pelos demais desembargadores do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, com exceção de dois desembargadores (Barreto Fonseca e Renato Nalini) acaba por citar textualmente longos trechos de votos anteriores de outros desembargadores proferidos em ADIs anteriores sobre a mesma temática. Os argumentos estão centrados nas inconstitucionalidades formais apontadas (vício de iniciativa legislativa e invasão de competências de outras unidades da federação). No único momento em que a questão de fundo é abordada é também a partir de referência de outro voto, do Des. Nalini, que busca justificar a invasão de competência pela necessidade de proteção do supra valor da vida. O desembargador relator constrói todo o voto a partir de referências expressas ao conteúdo de outros votos para somente na parte final, já na parte dispositiva do voto, julgar a ação procedente citando vários artigos da Constituição do Estado de São Paulo que estariam violados pela lei do Município de Vargem, sem, porém, sequer dizer o conteúdo de nenhum deles, muito menos, desenvolver em que a lei municipal violaria os referidos artigos. Portanto, quase nada de voz própria tem o voto vencedor. Os trechos citados em nenhum momento aprofundam a questão de mérito, tampouco há qualquer consideração a respeito de quais direitos estariam ou não sendo violados, bem como de quem. Não há menção em nenhum momento às mulheres que seriam as prejudicadas pela não distribuição da anticoncepção de emergência no sistema público de saúde, uma vez que o sistema acaba sendo utilizado pelo extrato social mais vulnerável das mulheres: pobres e negras.

É mencionado o direito à vida, de passagem e indiretamente, quando se faz referência a outro julgamento (Jundiaí) em que o Des. Nalini teria sustentado a improcedência da ação sob esse fundamento e cujo voto vencido no caso deste artigo será reescrito.

O voto vencedor fundamenta-se nas inconstitucionalidades formais e não entra no mérito da discussão nem de forma subsidiária, deixando de enfrentar temas importantes como o direito à saúde, direito à saúde sexual e reprodutiva, direito à vida, direito ao planejamento familiar, direito à dignidade humana, autonomia e liberdade das mulheres, violação à igualdade entre as mulheres, na medida em que a medicação é retirada do sistema público de saúde com implicações para as mulheres mais vulneráveis, pretas e pobres. Seria possível, mesmo na análise das inconstitucionalidades formais, fazer referência que o respeito às competências legislativas e administrativas, no que concerne ao direito à saúde, especialmente à saúde reprodutiva das mulheres deve ser observado, fazendo-se referência expressa às mulheres na análise do caso. Nesse aspecto, o voto vencedor poderia ser reescrito no sentido de fortalecer a perspectiva feminista na análise que realiza da violação de competência do Município para restringir o direito das mulheres à uma política nacional de saúde reprodutiva.

Frances Olsen (1990), ao analisar o tema do sexo no Direito, ressalta que, desde o pensamento liberal clássico, o pensamento estrutura-se através de dualismos ou pares opostos (racional/irracional, ativo/passivo, razão/emoção, natureza/cultura, abstrato/concreto, objetivo/subjetivo etc.). Esse sistema de dualismos, segundo a autora, acaba por ser sexualizado e hierarquizado, ou seja, uma metade do dualismo considera-se masculina e a outra feminina. Os dualismos não são iguais, pois estariam hierarquizados, sendo a metade identificada como masculino, superior. Essa identificação sexual dos dualismos ora é descritiva e ora é normativa. O Direito se identificaria com o lado masculino dos dualismos. Supõe-se que o Direito é racional, objetivo, abstrato e universal, tal como os homens consideram a si mesmos. Pelo contrário, supõe-se que o Direito não é irracional, subjetivo ou personalizado, tal como os homens consideram que são as mulheres. Defende a autora que o Direito, portanto, tem sexo, é sexuado e se identifica com o masculino. Isso é observado em ambos os votos (vencedor e vencido).

A partir do momento em que a diferença sexual se converte em desigual tratamento legal das diferenças e o sexo masculino como “modelo de humano”, como assinala Alda Facio e Lorena Fries (1999FACIO, Alda; FRIES, Lorena. “Feminismo, género y patriarcado”. In: LA MORADA CORPORACIÓN DE DESARROLLO DE LA MUJER. Genero y Derecho. Santiago de Chile. 1999. p. 6-38., p. 6), é que se revela que o Direito, enquanto produto de uma época, de uma determinada cultura, reflete a desigualdade de tratamento entre os sexos, não havendo neutralidade alguma.

As autoras afirmam que é o feminismo que vai possibilitar esse olhar crítico a respeito dessa estrutura patriarcal. O feminismo enquanto movimento social e político, enquanto uma ideologia e uma teoria que parte da tomada de consciência das mulheres como coletivo humano subordinado, discriminado e oprimido pelo coletivo de homens no patriarcado. O feminismo não se circunscreve a lutar pelos direitos das mulheres, mas a questionar profundamente todas as estruturas de poder, incluídas as de gênero.

O objetivo deste artigo será reescrever o voto vencido, de uma perspectiva feminista, pois é nele que encontramos os aspectos mais misóginos, mais discriminatórios e sexistas, ao partir de afirmações sem fundamentação científica e desconsiderar direitos constitucionais e de tratados internacionais sobre a saúde sexual e reprodutiva das mulheres e seus direitos de vida digna, autonomia e liberdade.

O voto vencido em nenhum momento acolhe as histórias e experiências das mulheres, não responde às questões de gênero, ou as diferenças de sexo, já que são as mulheres que engravidam. Não há menção a dados sobre saúde reprodutiva. Não se busca saber quem seriam as mulheres a não terem acesso a anticoncepção de emergência, bem como as consequências de uma gravidez inesperada, a qual ainda poderia advir de uma violência sexual.

1.2. O voto vencido: misógino e fundamentalista

O voto vencido começa por criticar o que entende por preservação de uma tendência tecnicista e excessivamente formalista que inibe de maneira evidente a competência legislativa dos municípios ao inibir o poder legislativo municipal de dispor sobre temas que interessem à comunidade. Expõe o desembargador serem os municípios parte da federação brasileira e partindo do princípio de presunção de constitucionalidade das normas, que afirma determinar que se uma norma está afinada com a Constituição não deverá ser declarada inconstitucional, pontua que, no caso, a lei 424/06 do Município de Vargem atende o princípio constitucional da inviolabilidade da vida. Outra argumentação utilizada diz que a vida é pressuposto de fruição de todos os demais direitos, que só poderão ser fruídos se o titular estiver em pleno gozo de seu ciclo vital. Nesse sentido, o direito à vida se situaria numa categoria superior, como um verdadeiro supra direito:

[...] se o Município não puder prestigiar a vida no âmbito de seu território e vedar que o dinheiro do povo possa impedir o desenvolvimento do ciclo vital, haverá uma nítida perversão do sistema constitucional. Temas existem que não podem permanecer subordinados à convencional compartimentação das competências. O legislador local tem o dever de verificar se o erário - resultante da contribuição de todos - será destinado a favor da vida. É titular da obrigação de zelar para que o povo não sustente a indústria da morte. Outra coisa não é distribuir contraceptivo de urgência (BRASIL, 2010).

No voto contraceptivo é apresentado como substância que impede a continuidade da fecundação e sua ingestão interromperia em caráter definitivo e irreversível o desenvolvimento do ciclo vital de seres humanos nos primeiros instantes de sua existência. Compara-se, no voto, o termo contraceptivo com o termo abortivo concluindo que abortar seria matar quem ainda não nasceu.

Alega, ainda, que no momento do encontro do espermatozoide com o óvulo se formam todas as características genéticas de um novo indivíduo, sendo uma pessoa.

Defende o voto que o aborto seria crime mesmo nas hipóteses descritas no Código Penal (estupro e para salvar a vida da gestante) pois estes permissivos legais não teriam sido recepcionados pelo Tratado de São José da Costa Rica.

Ao tratar das especificações da “substância antinidatória” diz que é legítimo ao Município obstar a disseminada entrega nos serviços públicos de saúde, nos seguintes termos:

O levenorgestrel é um anticonceptivo oral de urgência, que o vulgo conhece como pílula do dia seguinte, do tipo progestágeno com síntese e ligeira atividade estrogênica e androgênica. Atua de maneira a evitar a ovulação e a fertilização se a relação sexual teve lugar na fase preovulatória, que é o momento em que a possibilidade de fertilização é mais elevada (BRASIL, 2010).

O voto não indica referência bibliográfica para o trecho acima, mas cai em contradição em relação ao argumento que até então vinha sendo empregado, no sentido de que o medicamento atuaria na fase pós concepção, após a fertilização do óvulo pelo espermatozoide impedindo sua nidação no útero. Ou seja, no voto o medicamento até então vinha sendo tratado como se fosse exclusivamente antinidatório, mas depois aparece essa descrição em sentido oposto.

Em nenhum momento são apontadas as referências científicas ou médicas que teriam sido utilizadas na argumentação expendida no voto vencido.

Em síntese, o voto argumenta que a inconstitucionalidade de qualquer norma deve ser sempre vista como excepcional e no caso não há inconstitucionalidades, tampouco no processo legislativo. Segundo o desembargador o Legislativo e o Executivo locais teriam prestigiado o valor maior tutelado pelo constituinte de 1988 que é a inviolabilidade da vida. Afirma ser o direito à vida um direito natural e preexistente a toda legislação positiva sendo o homem o eixo de todo o sistema jurídico. Dessa forma, entende que o argumento de vício de iniciativa deveria ser suplantado por ter o Prefeito sancionado a referida lei, pois impedir o aborto de futuros munícipes locais interessaria ao Município.

No voto cita-se o autor Roland Arazi para fundamentar a importância da utilização das verdadeiras máximas de experiência no julgamento de algo que guarde pertinência com a vida comunitária. Explica que as máximas de experiência seriam o conjunto de conhecimentos que o juiz obteve culturalmente com o uso, a prática ou só com o coexistir. Tal certeza integraria o patrimônio de noções comum e pacificamente acolhidas em um determinado círculo social que, genericamente, poderia ser denominado cultura. Não seria necessário alegá-las, nem as provar, pois o julgador poderia e deveria aplicá-las em seu julgamento. Com base em suas máximas de experiência o desembargador afirma que:

A experiência mostra que o fato de haver distribuição gratuita da pílula incentiva relações sexuais revestidas de imprudência, assim como a oferta gratuita e intensificada de preservativos é um convite à promiscuidade. [...]. A distribuição gratuita desse medicamento incentivará a multiplicação de relações sexuais principalmente entre jovens (BRASIL, 2010).

Nessa parte do voto utiliza-se, de forma muito clara, valores morais individuais que até podem ser compartilhados por determinados grupamentos de pessoas, mas que não podem se confundir com o papel do Estado-Juiz de aplicar a legislação vigente na qual não há nenhuma determinação de quantidade de relações sexuais que alguém possa ter durante sua vida ou com quantas pessoas, ou a forma do exercício dessa sexualidade. Não se ignora que a gravidez precoce na adolescência pode consistir num problema de saúde pública a ser enfrentado. Entretanto, nos parece que a educação sexual e reprodutiva, bem como a ampla informação no tocante aos métodos contraceptivos é o que aponta a legislação brasileira para o enfrentamento da questão como é possível observar na Constituição Federal e demais legislação infraconstitucional.

Por fim, em nenhum momento no voto se menciona (ainda que para discordar ou dar outra interpretação) os direitos constitucionais ou decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos, assegurados às mulheres no âmbito da saúde sexual e reprodutiva e planejamento familiar existentes desde a prolação da decisão. Tampouco que consequências poderiam advir para as mulheres, de um ponto de vista de raça e classe, a manutenção da proibição da distribuição da anticoncepção de emergência no município. Não há menção aos estudos existentes ou orientações técnicas da Organização Mundial de Saúde, do Ministério da Saúde, ou estudos científicos sobre a ação não abortiva da anticoncepção de emergência, também existentes no momento em que ação foi julgada.

Todos esses fatores deveriam ter sido trazidos à tona na argumentação construída no voto vencido se houvesse a mínima preocupação em visibilizar as mulheres e seus direitos. O voto vencido não só passou longe de parecer “neutro” ou “imparcial”, como assumiu uma posição totalmente sexista e contrária aos direitos das mulheres como veremos a seguir na reescrita do voto.

2. Julgado feminista. O voto reescrito de uma perspectiva feminista e de gênero.

DECLARAÇÃO DE VOTO VENCIDO N. 17.418

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI Nº 990.10.000569-3 - VARGEM

Requerente: PROCURADOR GERAL DE JUSTIÇA

Requeridos: PREFEITO DO MUNICÍPIO DE VARGEM E PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE VARGEM

1. Do Direito - dos fundamentos

Cabe enfrentar, primeiramente, os argumentos do autor no que diz respeito às arguidas inconstitucionalidades formais na elaboração da norma municipal.

Questiona-se a competência do Município de Vargem para legislar sobre a matéria e a iniciativa legislativa, que no caso foi da própria Câmara, quando a inicial defende ser do Chefe do Poder Executivo Municipal.

Caso haja concordância desta magistrada quanto a estes pontos sequer haveria necessidade de enfrentamento das apontadas inconstitucionalidades materiais, ou seja, de que a anticoncepção de emergência não é medicação abortiva segundo entendimento científico sobre o tema, que não pode haver uma interpretação do direito à vida que viole a laicidade do Estado e que há violação das normas da Constituição Estadual no que se refere à garantia do direito à saúde. Entretanto, entende essa magistrada que é fundamental tratar, por completo, da matéria. Como já noticiado nestes autos inúmeros municípios tem aderido à essa prática e como se trata, no mérito, da interpretação de normas constitucionais que asseguram direitos fundamentais, que se violados impactarão parcela considerável das pessoas beneficiárias: mulheres em idade fértil usuárias do serviço público de saúde, penso ser necessário enfrentar também o mérito desta ação, o que farei a seguir.

2. Inconstitucionalidades formais. Competência para legislar em saúde sexual e reprodutiva e iniciativa legislativa sobre atribuições de órgãos da administração pública

A Constituição Federal de 1988, no que se refere à saúde, estabeleceu basicamente duas formas de repartição de competências: competência de execução das políticas públicas de saúde e competência para legislar sobre saúde.

Em relação às competências executivas das políticas públicas de saúde a Constituição estabelece que: “Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: II - Cuidar da saúde” (BRASIL, 1988). Ou seja, em relação à execução de políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde os três entes da Federação, União, Estados e Municípios têm responsabilidade conjunta e no âmbito territorial de atuação de cada um ficam obrigados a destinar verba orçamentária para fazer frente a essas atribuições.

Ainda ao tratar da competência comum no cuidado com a saúde a Constituição dispõe que compete aos Municípios prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população (art. 30, VII).

Em relação à competência legislativa para tratar da saúde a Constituição Federal de 1988 optou pela competência concorrencial, ou seja, concorrem a União e os estados-membros na edição de leis que tratarão da proteção e defesa da saúde (art. 24, XII). No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limita-se a estabelecer normas gerais. Essa competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados. E inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades. Por fim, a superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário. Esse arranjo permite que o Congresso Nacional e as Assembleias Legislativas de cada estado da federação conjuguem esforços na proteção legislativa da saúde. E o Município também poderá legislar sobre saúde na medida de seu interesse local, suplementando a legislação federal e estadual no que couber (art. 30, I, II).

Em relação às competências administrativas comuns da área da saúde das unidades federadas, na qual o município se insere, convém observar que os serviços municipais têm que ser prestados com a cooperação técnica da União e do Estado, nos termos do art. 30, VII da Constituição Federal de 1988. Ou seja, no âmbito das competências comuns administrativas cumpre ao Município observar o que dispõe tecnicamente a União e o Estado da federação em que estiver inserido.

Norma técnica do Ministério da Saúde (BRASIL, 2002, p. 7) sobre assistência em planejamento familiar traz a seguinte orientação:

A atuação dos profissionais de saúde, no que se refere ao Planejamento Familiar, deve estar pautada no Artigo 226, Parágrafo 7, da Constituição da República Federativa do Brasil, portanto, no princípio da paternidade responsável e no direito de livre escolha dos indivíduos e/ou casais. Em 1996, um projeto de lei que regulamenta o planejamento familiar foi aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pela Presidência da República. A Lei estabelece que as instâncias gestoras do Sistema Único de Saúde (SUS), em todos os seus níveis, estão obrigadas a garantir à mulher, ao homem ou ao casal, em toda a sua rede de serviços, assistência à concepção e contracepção como parte das demais ações que compõem a assistência integral à saúde. Do ponto de vista formal, essa medida democratiza o acesso aos meios de anticoncepção ou de concepção nos serviços públicos de saúde, ao mesmo tempo que regulamenta essas práticas na rede privada, sob o controle do SUS. Neste sentido, o Planejamento Familiar deve ser tratado dentro do contexto dos direitos reprodutivos, tendo, portanto, como principal objetivo garantir às mulheres e aos homens um direito básico de cidadania, previsto na Constituição Brasileira: o direito de ter ou não filhos/as.

Há, ainda, Norma Técnica do Ministério da Saúde (BRASIL, 2005, p. 17) específica sobre anticoncepção de emergência a ser observada pelas unidades federadas, inclusive os Municípios. Ao tratar da normatização da anticoncepção de emergência no Brasil esclarece que:

Entre os muitos organismos internacionais, a AE está aprovada pela Organização Mundial de Saúde, pela International Planned Parenthood Federation (IPPF), pela Family Health International (FHI), pela Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO) e pelas agências reguladoras da maioria dos países, incluindo a Food and Drug Administration (FDA). No Brasil, a AE é medicação aprovada pelos órgãos de vigilância sanitária e disponível, comercialmente, mediante receita médica. Além disso, a AE está incluída pelo Ministério da Saúde nas normas técnicas de Planejamento Familiar (1996) e Violência Sexual (1998). A AE também faz parte das recomendações e orientações da Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO) e da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana (SBRH). O Conselho Regional de Medicina de São Paulo, no caderno de ética em ginecologia e obstetrícia, assegura que a AE é um direito da mulher. Acrescenta que negar sua prescrição sem justificativa aceitável, mediante suas possíveis e graves consequências, constitui infração ética passível das medidas disciplinares pertinentes.

Ou seja, do ponto de vista técnico, a Constituição Federal de 1988 determina que os Municípios observem a normativa nacional do Ministério da Saúde (art. 30, VII). A política de planejamento familiar faz parte das ações da Política de Assistência Integral à Saúde da Mulher do Ministério da Saúde desde 1984. A determinação da Norma Técnica de Assistência ao Planejamento Familiar é que os serviços de saúde devem fornecer todos os métodos anticoncepcionais fornecidos pelo Ministério da Saúde. A anticoncepção de emergência faz parte desta política e é tratada em Norma Técnica específica desde 2005.

Essa cooperação técnica que se realiza através das mais diversas normas técnicas para a prestação dos serviços de saúde no Município é produzida pelo Poder Executivo, na medida em que envolve organização de serviços públicos, atuação de servidores públicos da saúde etc. Portanto nesse ponto configurada a violação da separação de poderes, por invasão de atribuição da esfera do Poder Executivo. A lei do Município de Vargem foi de iniciativa da Câmara Municipal, do Legislativo Municipal e tratou de atribuições da esfera do Poder Executivo de organização de seus serviços.

De todo o exposto é patente a violação por parte do Município de Vargem de suas competências constitucionais administrativas eis que no âmbito da saúde está vinculado às orientações técnicas da União e do Estado, bem como a violação das atribuições do Poder Executivo pela invasão da iniciativa legislativa que lhe é reservada.

No que se refere à competência do Município de Vargem para legislar sobre saúde este deve observar as normas gerais da União a respeito da matéria e a legislação estadual. Sendo que a competência do município será sempre suplementar, nos exatos termos do artigo 30, I da Constituição Federal de 1988.

No âmbito da saúde reprodutiva foi elaborada a lei nacional 9.263/96 para regulamentar o artigo 226, § 7º, da CF/88 que determina o direito ao planejamento familiar, fundado nos princípios da dignidade humana e da paternidade responsável. Sendo de livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar os recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito.

A lei nacional de planejamento familiar, que deve ser respeitada em âmbito municipal, por força da competência concorrente para legislar sobre saúde, competindo à União a elaboração das normas gerais, define o planejamento familiar como o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal, dentro de uma visão de atendimento global e integral à saúde. Cabe, segundo o art. 3º, I, da lei, às instâncias gestoras do Sistema Único de Saúde, em todos os seus níveis, garantir em toda a sua rede de serviços, no que respeita a atenção à mulher, ao homem ou ao casal, programa de atenção integral à saúde, em todos os seus ciclos vitais, que inclua, como atividades básicas, entre outras: a assistência à concepção e contracepção.

Ou seja, lei nacional a quem compete trazer as normas gerais sobre saúde, sendo permitido aos Município apenas a suplementação no que couber, já que não participa da legislação concorrente em matéria de saúde como os estados da federação, definiu previamente a anticoncepção como um direito ínsito ao planejamento familiar. A anticoncepção de emergência é prevista em Norma Técnica de Assistência ao Planejamento Familiar do Ministério da Saúde de 2005.

Assim, também sob a ótica de quem é a unidade federada competente para legislar sobre saúde, sendo a saúde reprodutiva parte desta, houve violação da competência municipal por parte do Município de Vargem Grande.

Neste sentido, em ambos os aspectos: iniciativa legislativa, competências administrativa e legislativa municipais há violação aos arts. 1°, 5º, 24, § 2°, 111 e 144 da Constituição do Estado de São Paulo, merecendo destaque o art. 144:

Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição (BRASIL, 1989).

Fica patente que o Município de Vargem ao aprovar lei proibindo a distribuição da anticoncepção de emergência nos serviços públicos do Município violou as normas de competência e atribuições, portanto os princípios estabelecidos na Constituição Federal de 1988 e na Constituição Estadual de 1989.

Neste aspecto a ação direta de inconstitucionalidade merece total procedência. Mas, não é só e como já destacado merece análise o mérito da ação no qual se argumenta violação ao direito constitucional da saúde como será visto a seguir.

3. Inconstitucionalidades materiais.

3.1. Direito à saúde sexual e reprodutiva

Alega-se violação ao direito à saúde. A Constituição do Estado de São Paulo em seu art. 219 menciona a saúde como direito de todos e dever do Estado e determina que esse direito deve ser garantido mediante políticas sociais, econômicas e ambientais que visem ao bem-estar físico, mental e social do indivíduo e da coletividade e à redução do risco de doenças e outros agravos.

O direito à saúde passou a ter status constitucional a partir da Constituição Federal de 1998. Foi caracterizado como direito fundamental de mulheres e homens, constando do rol dos direitos sociais (art. 6o).

Somente a partir de 1946, a saúde foi reconhecida como parte integrante dos direitos humanos passando a ser objeto da Organização Mundial de Saúde (OMS) que a definiu, em sua constituição, como o completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou outros agravos (DALLARI, 1995DALLARI, Sueli Gandolfi. Os estados brasileiros e o direito à saúde. São Paulo: Hucitec, 1995., p. 19).

Em nossa Constituição por força de seu reconhecimento como direito social fundamental ela é referida em diversos outros momentos espelhando a preocupação da sociedade com a sua proteção.

Dessa forma a ordem social ao tratar da saúde consignou que:

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação3 3 O Supremo Tribunal Federal (BRASIL, 2001) no julgamento do agravo no recurso extraordinário n. 255.627-1/RS ressaltou que a norma constante do art. 196 configura-se como de eficácia imediata. .

Nota-se, portanto, que a proteção da saúde abrange a prevenção, proteção e recuperação, com acesso universal, integral e igualitário a todas as ações e serviços, independentemente de qualquer contribuição. A prevenção é, inclusive, uma das diretrizes do Sistema Único de Saúde (art. 198, I).

Com base no art. 196 que dispõe que a saúde é direito de todos e dever do Estado, tem-se que a obrigação é de todos os entes da federação, uma vez que a referência contida no preceito, “Estado” mostra-se abrangente, a alcançar a União Federal, os Estados propriamente ditos, o Distrito Federal e os Municípios.

No mesmo sentido os dispositivos que tratam do direito à saúde na Constituição do Estado de São Paulo. A distribuição, nos serviços de saúde, da anticoncepção de emergência faz parte de norma técnica do Ministério da Saúde em cumprimento ao seu dever constitucional de garantir o direito à saúde, em especial, a saúde reprodutiva das mulheres. Não garantir essa política em âmbito municipal significa violar o direito constitucional à saúde reprodutiva das munícipes previsto na Constituição do Estado de São Paulo.

Com relação à saúde reprodutiva, antes de adentrar o exame da legislação interna, convém destacar os parâmetros de proteção internacional, na qual o Brasil se insere, até mesmo porque a expressão “direitos sexuais e reprodutivos” foi projetada internacionalmente e a Constituição de 1988 utiliza a expressão “planejamento familiar”, não tão abrangente.

Começo por destacar o Princípio 4 da Declaração da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento do Cairo de 1994, um dos marcos internacionais sobre a saúde reprodutiva, na perspectiva da garantia de direitos reprodutivos. Pela primeira vez 184 Estados reconheceram os direitos reprodutivos como direitos humanos, concebendo o direito a ter controle sobre questões relativas à sexualidade e à saúde sexual e reprodutiva, assim como a decisão livre de coerção, discriminação e violência, como direito fundamental (Flávia PIOVESAN, 1998PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. São Paulo: Max Limonad, 1998., p. 170):

Promover a equidade e a igualdade dos sexos e os direitos da mulher, eliminar todo o tipo de violência contra a mulher e garantir que seja ela quem controle sua própria fecundidade são a pedra angular dos programas de população e desenvolvimento.

Em outro momento, no item VII, o documento procura definir o que vem a ser saúde sexual e reprodutiva:

A saúde reprodutiva é um estado de completo bem-estar físico, mental e social em todas as matérias concernentes ao sistema reprodutivo, suas funções e processos, e não a simples ausência de doença ou enfermidade. A saúde reprodutiva implica, por conseguinte, que a pessoa possa ter uma vida sexual segura e satisfatória, tendo a capacidade de reproduzir e a liberdade de decidir sobre quando e quantas vezes deve fazê-lo. Está implícito nesta última condição o direito de homens e mulheres de serem informados e de terem acesso aos métodos eficientes, seguros, aceitáveis e financeiramente compatíveis de planejamento familiar, assim como outros métodos de regulação da fecundidade cuja escolha não contrarie a lei, bem como ao direito de acesso a serviços apropriados de saúde que propiciem às mulheres condições de passar com segurança pela gestação e pelo parto, proporcionando aos casais uma chance melhor de ter um filho sadio. Em conformidade com a definição acima de saúde reprodutiva a assistência à saúde reprodutiva é definida como a constelação de métodos, técnicas e serviços que contribuem para a saúde e bem-estar reprodutivo, prevenindo e resolvendo os problemas de saúde reprodutiva. Isso inclui igualmente a saúde sexual, cuja finalidade é a melhoria da qualidade de vida e das relações pessoais, e não o mero aconselhamento e assistência relativos à reprodução e às doenças sexualmente transmissíveis.

Essa definição é repetida no Programa de Ação da Conferência de Pequim de 1995 (item 94).

A saúde reprodutiva, no aspecto referente ao planejamento familiar, também consta de tratado internacional ratificado pelo Brasil em 1o de fevereiro de 1984, art. 12.1 da Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher:

Os Estados-partes adotarão todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher na esfera dos cuidados médicos, a fim de assegurar, em condições de igualdade entre homens e mulheres, o acesso a serviços médicos, inclusive referentes ao planejamento familiar.

Por fim, no âmbito interno a Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) ao dispor que:

Art. 226 § 7.º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

Portanto, conhecer e utilizar os métodos, meios e técnicas para planejar a família faz parte do direito à saúde reprodutiva sendo um direito garantido pela Constituição. Dessa maneira, a possibilidade de decidir livremente a respeito de quantos filhos se quer ter, o espaçamento entre eles, ou mesmo que não se quer ter filhos é um direito fundamental assegurado à mulher, ao homem ou ao casal. Portanto, a saúde reprodutiva pressupõe a capacidade de desfrutar de uma vida sexual segura e satisfatória (PIOVESAN, 1998PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. São Paulo: Max Limonad, 1998., p. 173).

Para o exercício desse direito é fundamental o papel do Poder Público, informando, pesquisando e dando acesso aos métodos de controle da fecundidade, para que as mulheres, os homens ou os casais possam exercitar o seu direito de livre escolha, informado e consciente.

Direitos reprodutivos, define Flávia Piovesan (1998PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. São Paulo: Max Limonad, 1998., p. 168) correspondem ao conjunto dos direitos básicos relacionados ao livre exercício da sexualidade e da reprodução humana. Aponta a autora que:

historicamente, constata-se que a luta pelos direitos reprodutivos tem seu ponto de partida nas reivindicações femininas em torno da questão reprodutiva. Nesse sentido, os direitos reprodutivos refletiam a tensão entre a maternidade obrigatória, concebida como elemento de dominação do homem em relação à mulher, e a anticoncepção, entendida como forma de libertação. E a constante atenção que a questão dos direitos reprodutivos tem recebido no âmbito do movimento feminista deve-se à importância na vida da mulher, a quem incumbe, muitas vezes exclusivamente, arcar com as consequências da vida sexual - a gravidez, a criação dos filhos etc.

É a lei n. 9.263 de 12 de janeiro de 1996 que regulamenta o planejamento familiar no Brasil. De acordo com essa lei o planejamento familiar orienta-se por ações preventivas e educativas e pela garantia do acesso igualitário a informações, meios, métodos e técnicas disponíveis para a regulação da fecundidade.

O planejamento familiar se insere na proteção global e integral da saúde, compreendendo a assistência à concepção e anticoncepção, o atendimento pré-natal, a assistência ao parto, ao puerpério e ao neonato, o controle das doenças sexualmente transmissíveis e o controle e prevenção do câncer cérvico-uterino, do câncer de mama e do câncer de pênis.

Para que o direito ao planejamento familiar seja exercido é dever do Poder Público oferecer todos os métodos e técnicas de concepção e anticoncepção cientificamente aceitos e que não coloquem em risco a vida e a saúde das pessoas, garantida a liberdade de opção. Os profissionais da saúde deverão avaliar cada paciente, acompanhar o caso clinicamente, conversar e esclarecer sobre os riscos, vantagens, desvantagens e eficácia.

Por fim, ainda em âmbito regulatório, as normas técnicas do Ministério da Saúde de Assistência ao Planejamento Familiar de 2002 e a específica sobre a Anticoncepção de Emergência, de 2005 que completam o marco normativo.

De todo o exposto resta claro que a anticoncepção de emergência está inserida em todo o marco normativo internacional, no qual o Brasil se insere e no nacional, incluída aqui as Constituições Federal e Estadual, lei federal de planejamento familiar e normas técnicas do Ministério da Saúde.

Todas essas normas permitem concluir que a anticoncepção de emergência está inserta na proteção da saúde sexual e reprodutiva e no direito ao planejamento familiar. Proibir a distribuição da anticoncepção de emergência nos serviços públicos de saúde municipais viola todas as normas expostas e viola a Constituição do Estado de São Paulo, tal como arguido nesta ação direta de inconstitucionalidade.

A anticoncepção de emergência tem indicações médicas claras dentro da necessidade de se evitar uma gravidez indesejada, quando os outros métodos anticonceptivos falham, como explica Jefferson Drezett (2010DREZETT, Jefferson. “Contracepção de emergência: normativas, usos, mitos e estigmas”. In: ARILHA, Margareth et al (Orgs.). Contracepção de Emergência no Brasil e América Latina: dinâmicas políticas e direitos sexuais e reprodutivos. São Paulo: Oficina Editorial, 2010. p. 63-89., p. 63):

As indicações da CE se restringem a situações especiais, como a relação sexual inesperada sem uso de anticonceptivo, falha ou uso inadequado do método, ou em casos de violência sexual. A falha do anticonceptivo, conhecida ou presumida, é observada no rompimento do preservativo masculino, no deslocamento do diafragma durante a relação sexual, ou na posição incorreta do DIU. O uso inadequado se verifica no esquecimento prolongado da ingestão da pílula anticoncepcional, ou no atraso na aplicação do injetável mensal ou trimestral. Outra situação relaciona-se ao cálculo incorreto do período de fertilidade ou dos dias necessários de abstinência sexual, ou à interpretação equivocada da temperatura basal ou do muco cervical (BRASIL, 2005a e c; FAÚNDES; BRACHE; ALVAREZ, 2003; KOZARIC-KOVACIC et al., 1995; SCHIAVON, 2002). O objetivo fundamental da CE é prevenir a gravidez indesejada que decorre, principalmente, de necessidades não satisfeitas de planejamento reprodutivo para milhões de casais, seja por falta de acesso aos métodos anticonceptivos modernos e seguros, seja por informação e apoio insuficientes para utilizá-los (LANGER; ESPINOZA, 2002). Soma-se a isso o fato de que todos os métodos anticonceptivos falham, sem exceção. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que, mesmo que todas as mulheres sexualmente ativas utilizassem métodos anticonceptivos de forma rigorosamente correta, ainda ocorreriam mais de 6 milhões de gestações inesperadas a cada ano, resultado direto da falha desses métodos (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2003). Além disso, muitas mulheres nem sempre têm relações sexuais voluntárias ou desejadas. A violência sexual, fenômeno que atinge ampla e virulentamente mulheres em todo o mundo, não permite escolhas. A gravidez forçada destaca-se entre seus agravos, com desdobramentos severos para a vida das mulheres. Outra forma mais sutil da violência de gênero surge nas relações conjugais assimétricas permeadas pela coerção, medo ou intimidação (DREZETT; BALDACINI; FREITAS; PINOTTI,1998; FAÚNDES; BRACHE; ALVAREZ, 2003).

É imperioso ainda analisar a violação ao princípio da igualdade que também deve ser observado pelos estados e municípios em seus serviços e legislação.

A proibição de distribuição da anticoncepção de emergência atinge que pessoas? As mulheres que querem evitar uma gravidez indesejada e que necessitam dos serviços públicos de saúde, pois não podem custear a medicação e o atendimento nos serviços privados de saúde. E quem são essas mulheres? São mulheres em maior situação de vulnerabilidade social: mulheres negras e pobres. A vedação de distribuição do medicamento atingirá essas mulheres, pois as que tiverem recursos poderão comprar nos serviços privados e contarão com atendimento médico privado para sua utilização. Nesse universo estarão as mulheres e jovens vítimas de violência sexual e que querem se prevenir de uma gravidez decorrente desta violência, sendo que no caso delas é admitido, por lei, inclusive o aborto. Nesse sentido importa destacar que a Constituição Federal coloca como objetivo fundamental do Brasil reduzir as desigualdades sociais e promover o bem de todos, sem preconceitos de raça ou sexo/gênero (art. 3º, III e IV).

Argumenta o autor da inicial que o fato da medicação continuar a ser vendida nas farmácias do Município viola a razoabilidade com o que se concordamos, porém, pelo aspecto da violação ao direito de igualdade entre mulheres, em relação à sua raça e classe social.

Do exposto, também por violação à igualdade, a lei do Município de Vargem se apresenta inconstitucional.

Por fim, examino o derradeiro argumento trazido pela Câmara Municipal e pela Prefeitura do Município de Vargem de que a lei é constitucional por defender o direito à vida, que seria inviolável. Nesse ponto defende o autor da ação que não deve haver uma concepção confessional sobre o tema do direito à vida, o que será abordado a seguir.

3.2. Anticoncepção de emergência, direito constitucional à vida e laicidade do Estado

Embora o Município de Vargem traga em defesa da constitucionalidade da lei proibitória da distribuição da anticoncepção de emergência nos serviços públicos de saúde do Município, a defesa do direito à vida ou sua inviolabilidade desde o momento da fecundação, tendo por base a Constituição Federal, tenho que o argumento não se aplica em benefício da arguida constitucionalidade da lei.

Há inúmeras evidências científicas que apontam que a anticoncepção de emergência atua impedindo a fecundação, caso se interprete que a inviolabilidade do direito à vida comece a partir da fecundação. Jefferson Drezett (2010DREZETT, Jefferson. “Contracepção de emergência: normativas, usos, mitos e estigmas”. In: ARILHA, Margareth et al (Orgs.). Contracepção de Emergência no Brasil e América Latina: dinâmicas políticas e direitos sexuais e reprodutivos. São Paulo: Oficina Editorial, 2010. p. 63-89., p. 71), do ponto de vista médico e científico, busca desvendar usos, mitos e estigmas da anticoncepção de emergência:

Poucos profissionais de saúde ainda acreditam em impossíveis “mecanismos de ação” da CE hormonal, que adotam ideias, no mínimo, fantasiosas. A mais comum delas afirma que a CE se pautaria em administrar “altas doses de hormônios” após a “implantação da gravidez, cujo efeito principal seria “espessar o endométrio”. A “interrupção abrupta” no fornecimento desses hormônios levaria a uma “rápida descamação do endométrio”. Junto com a eliminação do tecido endometrial seria “descartada a gravidez”, recém-implantada, tipificando o “aborto” (BRASIL, 2005a). Distante do descrito nos mitos, o mecanismo de ação principal da CE hormonal varia conforme o momento do ciclo menstrual em que é administrada. Quando utilizada na primeira fase do ciclo menstrual, antes do pico do hormônio luteinizante (LH) e, portanto, antes da ovulação, o levonorgestrel, associado ou não ao etinil-estradiol, tem capacidade demonstrável de suprimir o pico hormonal do LH, impedindo a ovulação ou postergando-a por vários dias. Contudo, a administração muito próxima da ovulação não se mostra capaz de modificá-la, o que explica parte dos casos de falha da CE hormonal (CROXATTO et al., 2002 e 2004; DURAND et al., 2001; MARIONS et al., 2002). Se for administrado na segunda fase do ciclo menstrual, ocorrida a ovulação, o levonorgestrel apresenta capacidade demonstrável de interferir na fase sustentada de migração dos espermatozoides, aumentando a viscosidade do muco cervical. Com isso, o muco cervical se torna hostil, impedindo o deslocamento dos espermatozoides até a trompa. Esse efeito também reduz significativamente a probabilidade de fecundação nos casos em que não foi possível inibir a ovulação (KESSERÜ et al., 1974).

Apenas estes dois mecanismos estão cientificamente demonstrados e amplamente documentados. Eles ocorrem ao mesmo tempo, prevalecendo um deles ou ambos, conforme o período do ciclo menstrual em que a CE hormonal é utilizada. Por meio deles a CE hormonal impede somente a fecundação, impossibilitando o encontro entre óvulo e os espermatozoides. A legitimidade desses mecanismos é largamente reconhecida e aceita pela comunidade científica. No entanto, esses efeitos anticonceptivos da CE hormonal ainda são pouco conhecidos por muitas pessoas, mesmo profissionais de saúde, o que colabora para o surgimento de crenças e fantasias sobre suposto “efeito abortivo” (BRASIL, 2005a).

Observa-se, portanto, que o argumento de que a anticoncepção de emergência seria abortiva e violaria o direito constitucional à vida não se sustenta do ponto de vista médico e científico.

Ainda que a anticoncepção de emergência tivesse o efeito sugerido de interromper a fecundação violando o direito à vida desde a concepção, cabe destacar que essa é uma das interpretações possíveis do alcance da inviolabilidade do direito à vida, considerando que a Convenção Interamericana de Direitos Humanos da OEA, da qual o Brasil faz parte, protege a vida desde a concepção, porém, “em geral”, ou seja, possibilita que o direito à vida possa ser protegido num momento posterior à concepção. Essa interpretação é a que dialoga com o respeito ao direito à saúde sexual e reprodutiva das mulheres e que impõe uma proteção à uma fase do desenvolvimento humano de forma mais proporcional se considerarmos a proteção que merece a pessoa já nascida, no caso concreto as mulheres que têm que arcar, muitas vezes sozinha, muitas vezes ainda adolescente e muitas vezes vítimas de violência sexual, com os custos sociais e emocionais de uma gravidez indesejada. Dar um sentido absoluto à inviolabilidade do direito à vida desde o momento da concepção é adotar um sentido defendido insistentemente por concepções religiosas específicas em detrimento da laicidade estatal prevista em nossa Constituição.

4. Dispositivo

Por todo o exposto julgo procedente a ação direta de inconstitucionalidade proposta para declarar inconstitucional a lei nº 424 de 15 de maio de 2006 do Município de Vargem pelos motivos expostos.

Referências

  • 1
    ADI 166.129 (Jundiaí, j. 19.02.09); ADI 9053596-62.2008.8.26.0000 (Pirassununga, j. 23/02/11); ADI 000387850.2011.8.26.0000 (Bastos, j. 24/08/11); ADI 990.10.000569-3 (Vargem, j. 03/11/10); ADI 126.502.0/0-00 (Cachoeira Paulista); ADI 124.920.0/3-00 (Jacareí, j. 24/05/2006).
  • 2
    O Núcleo Especializado de Defesa e Promoção dos Direitos da Mulher, da Defensoria Pública do Estado de Goiás (DPE-GO), expediu Recomendação Administrativa à Câmara Municipal de Luziânia acerca do Projeto de Lei de 14 de agosto de 2019 sugerindo que seja retirado de pauta e rejeitado (DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE GOIÁS, 2019).
  • 3
    O Supremo Tribunal Federal (BRASIL, 2001) no julgamento do agravo no recurso extraordinário n. 255.627-1/RS ressaltou que a norma constante do art. 196 configura-se como de eficácia imediata.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2024

Histórico

  • Recebido
    14 Dez 2023
  • Aceito
    21 Jan 2024
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