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Os desafios da assistência jurídica aos povos indígenas no Brasil: o caso do povo Xukuru

The challenges of legal assistance to indigenous peoples in Brazil: the case of Xukuru people

Resumo

Este artigo investiga os desafios que as comunidades indígenas no Brasil enfrentam para a garantia do acesso à justiça, a partir de um estudo de caso em que é analisada a atuação da Defensoria Pública da União (DPU) no caso do Povo Xukuru v. Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos. Argumenta-se que a garantia do art. 25 da Convenção Americana de Direitos Humanos demanda uma assistência jurídica gratuita com características multidimensionais, que contemple as esferas legislativas e de controle da implementação de políticas públicas.

Palavras-chave:
Assistência Jurídica; Defensoria Pública da União; Povo Xukuru

Abstract

This paper investigates the challenges that indigenous communities in Brazil face to guarantee access to justice, based on a case study, in which the performance of the Public Defender's Office (DPU) in the case of the Xukuru People v. Brazil in the Inter-American Court of Human Rights is analyzed. It is argued that the art. 25 of the American Convention on Human Rights demands legal assistance with multidimensional characteristics, which includes the legislative sphere and the control of the implementation of public policies.

Keywords:
Legal Assistance; Public Defender's Office; Xukuru People

1. Introdução

Conforme dados do Instituto Socioambiental (ISA, 2020), é possível reconhecer, no Brasil, a existência de 726 Terras Indígenas. Desse total, 239 unidades não foram ainda devidamente homologadas1 1 O procedimento para demarcação, homologação e registro das terras indígenas é complexo e extremamente burocrático. Ele está regulamentado no Decreto nº 1.775, de 1996. Inicia-se com os estudos de identificação por equipe de antropólogos(as) da FUNAI (Fundação Nacional do Índio), que é responsável pela elaboração de um relatório. Esse relatório técnico de identificação e delimitação é apresentado à Presidência da FUNAI, a quem incumbe a sua avaliação e, se for o caso, aprovação. Uma vez aprovado, esse relatório é publicado oficialmente e, então, é aberto um prazo de 90 dias para eventuais contestações de partes possivelmente interessadas. Encerrada essa fase, o Poder Público inicia a fase de declaração de limites da área indígena. Estabelecidos os limites territoriais, inicia-se o processo de demarcação física desses limites. O procedimento é, por fim, encaminhado à Presidência da República para homologação por Decreto e encerra-se com o registro em cartório de imóveis e na Secretaria de Patrimônio da União. , mesmo depois de decorridos mais de 33 anos desde a promulgação da Constituição brasileira, que impõe ao poder público o dever de conclusão da demarcação no prazo de 5 anos.

As omissões no processo de demarcação de terras contribuem também para ampliar a situação de tensão nos territórios. Consoante relatório do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), a violência pessoal contra indígenas dobrou entre 2018 e 2019, com o registro, nesse último ano, de 230 casos de violência pessoal, dos quais 113 foram assassinatos (CIMI, 2020, p. 124).

O caso do Povo Indígena Xukuru e seus membros v. Brasil, julgado recentemente na Corte Interamericana de Direitos Humanos (“Corte IDH” ou “Corte”), exemplifica os números acima mencionados. Nele, como se verá com mais detalhes adiante, a Corte IDH determinou que fossem concluídos os processos de demarcação e que fosse assegurada indenização pela violação de direitos desse povo indígena.

Entre os fundamentos da decisão da Corte, está o reconhecimento da violação ao art. 25 da Convenção Americana de Direitos Humanos, que assegura o acesso a recursos judiciais céleres e efetivos. Vê-se, portanto, que um dos eixos fundamentais desse caso está ligado ao tema do acesso à justiça e à efetividade de direitos reconhecidos na Constituição brasileira e em tratados internacionais de que o Brasil é signatário.

A Constituição de 1988 previu três mecanismos de garantia de acesso à justiça para comunidades indígenas. O art. 232 possibilita a representação autônoma das comunidades indígenas na defesa de seus direitos e, em conjunto com o art. 129, confere também ao Ministério Público o dever de atuar em demandas relacionadas à coletividade indígena. Além disso, a Carta de 1988 incumbiu, de forma ampla, à Defensoria Pública prestar assistência jurídica, integral e gratuita, a todos os que demandam proteção especial do Estado.

Assim, as comunidades indígenas podem defender seus interesses com o seu próprio corpo de advogados, por meio da Defensoria Pública ou, ainda, em demandas coletivas, com a assistência do Ministério Público.

O presente artigo pretende examinar especificamente de que forma a Defensoria Pública da União (DPU) pode assegurar a implementação e a aplicação prática dos direitos dos povos indígenas do Brasil. Para responder esse questionamento, neste trabalho, será realizado um estudo sociojurídico (análise crítica do conteúdo de leis e da bibliografia sobre acesso à justiça) combinado com um estudo de caso, baseado na análise qualitativa dos dados obtidos por meio da intervenção da Defensoria Pública da União na qualidade de amicus curiae2 2 A figura jurídica do amicus curiae (amigo da Corte, em tradução livre) representa uma forma de intervenção de terceiros nos processos que estão submetidos a um Tribunal. Assim, uma pessoa ou instituição que não é parte do processo pode contribuir com o julgamento por meio de petições, relatórios ou escritos sobre um determinado caso, desde que possua conhecimentos técnicos ou tenha representatividade adequada no tema em discussão. No âmbito da Corte Interamericana de Direitos Humanos, essa forma de intervenção está respaldada pelo art. 44 da Convenção Americana de Direitos Humanos. no caso Povo Xukuru v. Brasil, perante a Corte IDH, colhidos através da experiência prática dos autores.

Primeiramente, apresentar-se-á a estrutura normativa e administrativa da Defensoria Pública da União, identificando-se as potencialidades do oferecimento às comunidades indígenas daquilo que pode ser chamado, a partir dos estudos sociológicos dos serviços legais inovadores, de assistência jurídica multidimensional, e também os desafios para sua efetiva implementação.

Em seguida, serão analisados o contexto de intervenção da DPU na qualidade de amicus curiae no Caso do Povo Xukuru v. Brasil, o conteúdo da manifestação e quais eram as expectativas a partir dela produzidas.

Por fim, abordar-se-á o efeito catalisador da decisão da Corte na aproximação entre a Defensoria Pública e as comunidades indígenas em Pernambuco, apresentando os passos que foram dados a partir da publicação da decisão e quais os desafios que se apresentam de agora em diante.

2. A estrutura normativo-administrativa da DPU e a garantia da assistência jurídica multidimensional para os povos indígenas.

A Defensoria Pública da União é uma instituição relativamente nova no sistema jurídico brasileiro e suas atribuições vêm sendo incrementadas na medida em que se aperfeiçoam suas estruturas normativas e administrativas.

De um lado, essa jovialidade da instituição permite a modulação reflexiva de suas recém incorporadas atribuições (ROCHA, 2013ROCHA, Amélia Soares da. Defensoria Pública: fundamentos, organização e funcionamento. São Paulo: Atlas, 2013., p. 49-50), mas exige, por outro, uma melhor sistematização e um constante aperfeiçoamento de suas ações.

Apresentar-se-ão, desse modo, nas linhas que seguem, o arcabouço normativo e a estrutura institucional efetivamente existente para o enfrentamento dos desafios para a garantia de acesso à justiça aos povos indígenas no Brasil.

2.1 A base legal para a atuação da Defensoria Pública da União em favor das comunidades indígenas.

No senso comum, a principal missão da Defensoria Pública é garantir aos pobres a assistência judicial, isto é, funcionar como uma espécie de “advogado dos pobres”, por meio de uma representação individualizada, perante o Judiciário, dos interesses daqueles que não possuam condições de constituir um advogado particular3 3 De fato, se examinada a atuação da Defensoria Púbica desde uma perspectiva histórica, tradicionalmente, a instituição foi desenhada para oferecer primordialmente o serviço de assistência judicial. Sobre a história de formação da Defensoria Pública no Brasil, confiram-se, entre outros: MORAES; SILVA, 1984; ALVES, 2005; CHIARETTI, 2014; PAIVA; FENSTERSEIFER, 2019. .

A Constituição de 1988, contudo, previu, em seu art. 5º, LXXIV, que o Estado prestará a assistência jurídica, integral e gratuita, a todos os que comprovarem insuficiência de recursos. O conceito de assistência jurídica é mais amplo do que o de assistência judicial. Inclui, assim, a defesa no Judiciário dos interesses dos assistidos, mas também a assistência extrajudicial e a orientação jurídica (ALVES; PIMENTA, 2004ALVES, Cléber Francisco; PIMENTA, Marilia Gonçalves. Acesso à justiça em preto e branco: retratos institucionais da Defensoria Pública. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.). Além disso, o princípio da integralidade da assistência jurídica revela dimensões da atuação da Defensoria que ainda não foram totalmente exploradas.

Com efeito, o art. 134 da Constituição, com a redação conferida pela Emenda Constitucional nº 80/14, prescreve que a Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, sendo instrumento e expressão do regime democrático, incumbindo-lhe a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de todos os necessitados.

Os povos indígenas, em razão do processo histórico de perseguição e extermínio, constituem um grupo social que tem direito a uma especial proteção do estado. Nesse sentido, a Constituição de 1988 garantiu aos indígenas, ao menos normativamente, três mecanismos para a defesa de seus direitos. Assim, como já mencionado, eles podem defender seus interesses com o seu próprio corpo de advogados, por meio da Defensoria Pública ou, ainda, em demandas coletivas, com a assistência do Ministério Público.

A garantia ampla do acesso à justiça para as comunidades indígenas está prevista no plano internacional. Em primeiro lugar, o art. 12 da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), adotada em Genebra, em 27 de junho de 1989, reafirma a possibilidade de os indígenas se representarem pessoalmente ou por organismos representativos e também impõe aos Estados a adoção de medidas e mecanismos de proteção dessas comunidades contra a violação de seus direitos.

Do mesmo modo, a Convenção Americana de Direitos Humanos, de 22 de novembro de 1969, contempla a garantia do acesso à justiça tanto no seu art. 8º como em seu art. 25, assegurando que toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela constituição, pela lei ou pela presente Convenção.

Esses dispositivos, aliás, estão diretamente relacionados aos princípios que orientam o ideal do acesso à justiça, quais sejam: (i) o da simplicidade, que norteia o Estado no sentido da superação dos obstáculos jurídicos, econômicos, linguísticos e culturais frequentemente associados ao acionamento do Poder Judiciário; (ii) o da razoável duração do processo, que, como se verá adiante, foi utilizado expressamente pela Corte IDH no caso do Povo Xukuru para determinar a celeridade nos processos de demarcação e desintrusão; e (iii) o da efetividade, que se refere aos mecanismos que devem estar à disposição do Poder Judiciário para fazer valer suas decisões. Nesse ponto, a Defensoria pode servir como instrumento facilitador para os povos indígenas manejarem os recursos jurídicos disponíveis de maneira simplificada, célere e efetiva.

No plano infraconstitucional, a Lei Complementar nº 80/94, que é a Lei Orgânica da Defensoria Pública (LODP), com a redação conferida pela Lei Complementar nº 132/09, reafirmou a possibilidade de a Defensoria Pública propor ações coletivas (como a ação civil pública) e prescreveu, expressamente, que compete a essa instituição exercer a defesa dos interesses individuais e coletivos da criança e do adolescente, do idoso, da pessoa com deficiência, da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de “outros grupos sociais vulneráveis [ou vulnerabilizados] que mereçam proteção especial do Estado4 4 Essa é, na literalidade, a parte final do art. 4º, X, da LODP, com a redação dada pela Lei Complementar nº 132/09. Sobre os impactos da Lei Complementar nº 132/09 na atuação da Defensoria Pública, confira-se a coletânea de artigos coordenada por José Augusto Garcia de Sousa: SOUSA, 2011. . Não havendo dúvida de que as comunidades indígenas merecem no Brasil especial proteção do Estado, forçoso é concluir, portanto, que elas estão inteiramente incluídas no grupo de destinatários dos serviços da Defensoria Pública.

Tais serviços, no sentido mais tradicional de acesso ao Judiciário para proteção de direitos, podem ser oferecidos pela Defensoria às comunidades indígenas por dois caminhos. O primeiro é o que se visualiza quando a comunidade indígena escolhe defender em nome próprio seus interesses no Judiciário (caso de legitimação ordinária). Nessa hipótese, se elas não dispuserem de seu próprio corpo de advogados, podem recorrer à Defensoria Pública para a assistência judicial. Neste caso, a Defensoria atua apenas como representante processual que supre a capacidade postulatória de quem eventualmente não esteja habilitado na Ordem dos Advogados do Brasil e não possa (ou não queira) indicar advogado de sua confiança.

O segundo caminho, compartilhado com o Ministério Público, é o da chamada legitimação extraordinária, hipótese na qual a Defensoria Pública atuaria, processualmente, em nome próprio, defendendo os interesses das comunidades indígenas, devendo tal atuação ser, de qualquer modo, sempre coordenada com as próprias comunidades interessadas.

Essa dimensão do acesso à justiça, como acesso à representação judicial, é, contudo, apenas uma das possíveis facetas da assistência jurídica que a Defensoria Pública pode prestar às comunidades indígenas. O conceito mais amplo de acesso à justiça traduz a noção de acesso a uma ordem jurídica justa (CAPPELLETTI; GARTH, 1998, p. 71; WATANABE, 2019WATANABE, Kazuo. Acesso à ordem jurídica justa: conceito atualizado de acesso à justiça, processos coletivos e outros estudos. Belo Horizonte: Del Rey, 2019., p. 109) e, portanto, pressupõe a garantia de acesso a direitos fundamentais, por meio do Judiciário ou para além e independentemente dele, por outros meios extrajudiciais possíveis. Em Portugal, é comum a utilização da expressão “acesso à justiça e a direitos” (PEDROSO, 2011PEDROSO, João António Fernandes. Acesso ao direito e à justiça: um direito fundamental em (des)construção. O caso do acesso ao direito e à justiça da família e das crianças. Tese de doutorado. Coimbra: Universidade de Coimbra, 2011.) para enfatizar essa possibilidade de garantir direitos diretamente e de forma extrajudicial.

É justamente essas outras dimensões, menos exploradas, do acesso à justiça que serão a seguir apresentadas.

2.2 A assistência jurídica multidimensional como decorrência do princípio da integralidade do acesso à ordem jurídica justa.

A garantia fundamental do acesso à Justiça para os povos indígenas pode ser inferida da interpretação conjunta dos arts. 5º, XXXV e LXXIV, 134 e 232 da Constituição Brasileira; dos arts. 8º e 25 da Convenção Americana de Direitos Humanos e do art. 12 da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho. Considerando as particularidades e a vulnerabilização histórica imposta aos povos indígenas, para que esse acesso à justiça seja verdadeiramente integral e efetivo, é necessário que o apoio jurídico tenha características multidimensionais.

A construção do conceito de assistência jurídica multidimensional se baseia na teoria dos chamados serviços legais inovadores (FALCÃO, 1985FALCÃO, Joaquim. Democratização e os serviços legais. In: Anais do 9º Encontro da ANPOCS. Águas de São Pedro-SP: APOCS, 1985. Disponível em: https://www.anpocs.com/index.php/encontros/papers/9-encontro-anual-da-anpocs/gt-10/gt15-8/6095-joaquimfalcao-democratizacao/file Acesso em: 20 abr. 2020.
https://www.anpocs.com/index.php/encontr...
; JUNQUEIRA, 2002JUNQUEIRA, Eliane. Los abogados populares: en busca de una identidade. Revista El Otro Derecho, n. 26-27, abr., p. 193-226, Bogotá, 2002; CAMPILONGO, 2011CAMPILONGO, Celso Fernandes. Assistência jurídica e advocacia popular: serviços legais em São Bernardo do Campo. In: O Direito na Sociedade Complexa. São Paulo: Saraiva, 2011.). Embora essa categoria sociológica tenha por fundamento o pensamento sobre acesso à justiça construído na América Latina ainda na década de 1990, já ali se destacava a necessidade de aprendizagem com a prática dos movimentos sociais e de ir além da defesa individualizada e estritamente judicial das demandas desses grupos.

A partir da noção atualizada de serviços legais inovadores, é possível construir o conceito de assistência jurídica multidimensional (AJM), entendida como um modelo-tipo ideal, no qual a assistência jurídica deve ser prestada de forma gratuita e proativa, orientada para a proteção, individual e coletiva, dos direitos humanos nas esferas do Judiciário, do Legislativo e do Executivo, assim como no plano dos meios de comunicação e das mídias sociais, por meio de ações articuladas em rede com os movimentos sociais (LEÃO, 2018LEÃO, André Carneiro. No foro e fora dele: uma cartografia do ativismo jurídico contra o encarceramento em massa no Brasil. Tese de doutorado. Recife: UFPE, 2018.).

A primeira característica marcante dessa assistência jurídica multidimensional refere-se, portanto, à proatividade. Diferentemente do modelo tradicional, em que os Defensores Públicos aguardam nas unidades da Defensoria (e em seus gabinetes) a chegada dos assistidos; no modelo da AJM, é ressaltada a necessidade da prospecção de demandas, da busca ativa e do trabalho de rua dos Defensores.

É no campo, no território das comunidades, nos espaços de privação de liberdade e nas periferias onde mais frequentemente ocorrem as violações de direitos. As dificuldades físicas e simbólicas são muitas vezes obstáculos que desestimulam, quando não impedem, o acesso à justiça. A Defensoria precisa, pois, deslocar-se. Sair da zona de conforto e conhecer as zonas de exclusão e de marginalização. Os Defensores devem sentipensar (FALS BORDA, 2009FALS BORDA, Orlando. Una sociologia sentipensante para America Latina. Bogotá: CLACSO, 2009.) o sofrimento de seus assistidos e as lesões graves aos direitos humanos.

Não é possível compreender a importância do território indígena sem estar presente, literalmente, de corpo e alma, em suas terras sagradas. O significado e o sentido de sua cultura não podem ser devidamente valorizados sem observação com todos os sentidos dos seus rituais. É impossível conhecer a cosmologia desses povos sem sentar e ouvir a sabedoria dos mais velhos.

A AJM, portanto, deve começar com esse processo de saída dos muros das sedes das Defensorias e com a escuta ativa das demandas dos grupos sociais atendidos, o que, no caso das comunidades indígenas, pressupõe a abertura para realizar o diálogo com as comunidades em seu próprio território, sempre que isso for por elas requerido (SILVA, 2017SILVA, Juliano Gonçalves da. O acesso à justiça dos povos indígenas a partir da atuação da Defensoria Pública sob a perspectiva do multiculturalismo emancipatório. Dissertação (Mestrado em Direito), Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2017., p. 184).

A AJM se caracteriza também pela ressignificação do princípio do acesso à justiça e do devido processo legal. Há, a partir dessa nova forma de assistência jurídica, uma reorientação para a atuação extrajudicial da Defensoria, compreendendo-se que o Poder Judiciário não é nem o único (nem o melhor espaço) para a proteção efetiva dos direitos humanos.

No modelo legal brasileiro (Civil Law), os direitos são primariamente reconhecidos (e também limitados) por meio do processo legislativo. Assim, se a Defensoria Pública é, nos termos do supracitado art. 134 da Constituição, instrumento e expressão do regime democrático, não pode estar excluída nem se abster de participar ativamente dos debates no Parlamento sobre projetos de leis que sejam do interesse dos grupos beneficiários de seus serviços.

Assim, em todo projeto de lei que verse sobre direitos indígenas ou de interesse dos indígenas, é possível a intervenção da Defensoria Pública da União, seja com a defesa oral nas sessões e comissões que discutam projetos de lei de interesse das comunidades indígenas, como também mediante a elaboração de notas técnicas, que apresentem a leitura sócio-jurídica sobre os temas que eventualmente sejam objeto de projetos de lei, prestando, assim, em favor e em auxílio às comunidades indígenas o serviço de advocacy5 5 Sobre essa dimensão da atuação da Defensoria Pública, Jorge Bheron e Bruno Cavalcante destacam que: “Para bem cumprir simultaneamente as missões precípuas defensoriais, é fundamental que a instituição possa atuar ativamente juntos aos demais poderes e órgãos de modo preventivo e colaborativo, de modo extrajudicial e sempre no intuito de evitar violações a direitos de seu público alvo. Neste sentido que sobressai a atuação da Defensoria Pública como Amicus Democratiae (ombudsman), demonstrando sua expertise teórica e empírica em determinadas matérias que podem ter o condão de gerar milhares de demandas judiciais completamente evitáveis. Noutros termos, a Defensoria Pública como Amiga da Democracia pode colaborar de modo respeitoso e proativo no debate sobre formulação e implementação de políticas públicas e propostas legislativas que visem a concretizar direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, em especial dos vulneráveis” (CAVALCANTE; ROCHA, 2020). .

No plano do Poder Executivo, a ideia de democracia participativa pressupõe um controle amplo e o monitoramento constante da implementação das políticas públicas (ARRUDA, 2020ARRUDA, Igor Araújo. Defensoria Pública na efetivação de direitos fundamentais mediante controle de políticas públicas: um olhar preventivo, extrajudicial e coletivo. In: OLIVEIRA, Alfredo Emanuel Farias de. et al. [orgs.]. Teoria Geral da Defensoria Pública. Belo Horizonte: D’Plácido, 2020.). Como se sabe, a concretização dos direitos sociais depende frequentemente de ações positivas do Poder Executivo, em atenção ao princípio do effet utile, segundo o qual os direitos (mesmo os direitos sociais, que dependem de obrigações de fazer do Estado) devem ser implementados e aplicados efetivamente, não bastando sua previsão abstrata nas leis e nos demais atos normativos, devendo, pois, ser assegurados recursos efetivos para essa implementação.

As políticas públicas em favor dos indígenas são executadas particularmente por meio da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e, no campo do direito à saúde, pelo subsistema representado pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI). O acompanhamento das ações desses órgãos e o questionamento administrativo (e eventualmente judicial) das omissões indevidas do Poder Público na implementação dos direitos dos povos indígenas são funções também da Defensoria Pública.

A AJM implica também uma remodulação da atuação da Defensoria no âmbito do Poder Judiciário. Para além da defesa atomizada dos interesses individuais, em uma assistência jurídica que se pretenda multidimensional e inovadora, é necessário incorporar os elementos da litigância estratégica em direitos humanos, que envolve a seleção de casos emblemáticos, o planejamento adequado do litígio judicial e o uso de ferramentas jurídicas que permitam repercussões coletivas e generalizáveis de demandas, nacionais ou internacionais, em busca de resultados de maior impacto (MORAIS, 2020MORAIS, Monaliza Maelly Fernandes Moninegro. Defensoria Pública e litigância estratégica na promoção dos direitos humanos. In: OLIVEIRA, Alfredo Emanuel Farias de. Et al. [orgs.]. Teoria Geral da Defensoria Pública. Belo Horizonte: D’Plácido, 2020.).

No que pertine à pauta indígena, essa litigância estratégica se revela na atuação da Defensoria Pública União em ações coletivas seja como representante legal das comunidades ou como entidade com legitimação extraordinária, atuando em nome próprio, ou ainda, em ações propostas pelo Ministério Público ou diretamente pelas comunidades, com seus próprios advogados, como amicus curiae ou custos vulnerabilis (OLIVEIRA; MAIA, 2020OLIVEIRA, Alfredo Emanuel Farias; MAIA, Maurilio Casas. Um breve ensaio sobre os avanços da Defensoria Pública como custos vulnerabilis. In: OLIVEIRA, Alfredo Emanuel Farias de. Et al. [orgs.]. Teoria Geral da Defensoria Pública. Belo Horizonte: D’Plácido, 2020; GONÇALVES FILHO; ROCHA; MAIA, 2020).

Foi, a propósito, no plano dessa litigância estratégica que se decidiu pela intervenção da DPU como amicus curiae no Caso do Povo Xukuru v. Brasil, que tramita na Corte Interamericana de Direitos Humanos, e que será a seguir comentada.

A AJM não se limita à incidência nas instituições formais de produção do direito. A efetiva garantia de acesso à justiça e aos direitos fundamentais pressupõe também o acesso à informação e a conscientização sobre os direitos. Como visto, incumbem à Defensoria Pública a orientação jurídica, o que pode ser feito por meio da educação em direitos, da divulgação e promoção dos direitos humanos nos grandes meios de comunicação social e pelo enfretamento do discurso do ódio nas mídias sociais.

Por fim, pode-se ainda destacar a importância da contribuição da Defensoria para a formação e a articulação das redes de movimentos sociais (SCHERER-WAREN, 2006SCHERER-WAREN, Ilse. Das mobilizações às redes de movimentos sociais. Sociedade e Estado, Brasília, v. 21, n.1, p. 109-130, jan./abr., 2006.), reforçando as trocas de saberes (SANTOS, 2010SANTOS, Boaventura de Sousa. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia dos saberes. In: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula (orgs.). Epistemologias do Sul. Coimbra: Almedina, 2010.) e o diálogo entre as comunidades indígenas e as entidades parceiras, estimulando a fluidez do contato, a solidariedade entre os diversos segmentos da sociedade e a velocidade de reação nos casos de violações aos direitos humanos6 6 A interação com entidades como a APOINME (Articulação dos Povos e das Organizações Indígenas do Nordeste, de Minas Gerais e do Espírito Santo), a APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) ou como o CIMI (Conselho Indigenista Missionário) é essencial para o fortalecimento das ações judiciais ou extrajudiciais. Para as possibilidades de interação da Defensoria Pública com os movimentos sociais, confira-se também: SANTOS, 2017. .

Há, entretanto, obstáculos concretos à implementação desse modelo multidimensional de acesso à justiça.

2.3 Os obstáculos/desafios concretos para a assistência jurídica aos povos indígenas.

Em estudo realizado no Brasil especificamente sobre o problema do acesso à justiça para os povos indígenas, Daize Fernanda Wagner (2020WAGNER, Daize Fernanda. Acesso à justiça e povos indígenas. Revista Cidadania e Acesso à Justiça, v. 6, n. 2, p. 92-113, jul./dez. 2020. Disponível em: https://www.indexlaw.org/index.php/acessoajustica/article/view/7028/pdf Acesso em: 11 fev. 2022.
https://www.indexlaw.org/index.php/acess...
) ressaltou que esse grupo social enfrenta uma comunhão significativa de obstáculos para ver respeitados seus direitos no Judiciário. Em suma, ela destacou os seguintes: (i) diferenças culturais e linguísticas, que muitas vezes simplesmente são ignoradas no Poder Judiciário; (ii) natureza das demandas, que frequentemente são coletivas e têm natureza estrutural; (iii) o poder econômico dos adversários no litígio, que são geralmente fortes detentores do capital, como mineradoras e grandes produtores rurais, ou o próprio Estado (WAGNER, 2020WAGNER, Daize Fernanda. Acesso à justiça e povos indígenas. Revista Cidadania e Acesso à Justiça, v. 6, n. 2, p. 92-113, jul./dez. 2020. Disponível em: https://www.indexlaw.org/index.php/acessoajustica/article/view/7028/pdf Acesso em: 11 fev. 2022.
https://www.indexlaw.org/index.php/acess...
, p. 93-95).

Em sentido semelhante, Maciel (2016MACIEL, Luciano Moura. O acesso à justiça dos povos indígenas e o necessário diálogo com o novo constitucionalismo latino-americano. In: LIMA, Eduardo Martins de; DIAS, Maria Tereza Fonseca; MORAES, Filomeno. Esfera pública e constitucionalismo contemporâneo. cap. 5, p. 137-167, 2016. Disponível em: Disponível em: https://livroaberto.ufpa.br/jspui/handle/prefix/858. Acesso em: 07 fev. 2022.
https://livroaberto.ufpa.br/jspui/handle...
, p. 138-139) também ressalta a distância física dos poucos fóruns da Justiça Federal na Amazônia, por exemplo, e sublinha que, mesmo quando os indígenas conseguem acesso ao Judiciário, encontram ali frequentemente um conjunto de magistrados com formação conservadora, que ignora os direitos e os fenômenos sociais decorrentes do processo colonial de extermínio, destruição e apagamento cultural imposto às comunidades indígenas no país. De acordo com sua perspectiva, o Brasil, diferentemente de Bolívia e Equador, não implementou uma jurisdição indígena (MACIEL, 2016MACIEL, Luciano Moura. O acesso à justiça dos povos indígenas e o necessário diálogo com o novo constitucionalismo latino-americano. In: LIMA, Eduardo Martins de; DIAS, Maria Tereza Fonseca; MORAES, Filomeno. Esfera pública e constitucionalismo contemporâneo. cap. 5, p. 137-167, 2016. Disponível em: Disponível em: https://livroaberto.ufpa.br/jspui/handle/prefix/858. Acesso em: 07 fev. 2022.
https://livroaberto.ufpa.br/jspui/handle...
, p. 138).

Além desses desafios mais gerais, é possível identificar obstáculos ainda mais concretos no patrocínio do acesso à justiça pela Defensoria para as comunidades indígenas. Em primeiro lugar, verifica-se uma distância física significativa também entre os territórios tradicionais dos povos indígenas e as sedes das unidades da Defensoria Pública (o mesmo se aplica, aliás, ao Ministério Público). Com efeito, de um lado, justamente em razão do processo de perseguição que lhes foi historicamente imposto, as aldeias estão situadas longe dos grandes centros urbanos. De outro, as poucas unidades da DPU, por exemplo, estão situadas especialmente nas capitais e em reduzidas cidades do interior, o que demonstra uma política institucional que contribui para a manutenção do distanciamento físico entre a DPU e as aldeias.

Como dito anteriormente, essa política institucional constitui-se em verdadeiro fato impeditivo para que a população indígena se beneficie do regular atendimento individualizado para questões cíveis, previdenciárias ou criminais na Justiça Federal.

A composição pouco heterogênea dos membros da Defensoria Pública da União também é um problema que precisa ser enfrentado. Não há nenhum Defensor de origem indígena nos quadros da DPU e, além disso, a ampla maioria dos membros é formada por homens (59%), brancos (76,3%), oriundos de famílias que recebiam mais de 4 salários-mínimos (ESTEVES et al., 2022ESTEVES, Diogo. AZEVEDO, Júlio Camargo de Azevedo. GONÇALVES FILHO, Edilson Santana. JIOMEKE, Leandro Antonio. LIMA, Marcus Edson de. MENEGUZZO, Camylla Basso Franke. SADEK, Maria Tereza. SILVA, Franklyn Roger Alves. SILVA, Nicholas Moura e.TRAVASSOS, Gabriel Saad. WATANABE, Kazuo. Pesquisa Nacional da Defensoria Pública 2022. Brasília: DPU, 2022., p. 52). A adoção de políticas afirmativas no processo de seleção da DPU é, pois, fundamental para alterar urgentemente esse cenário.

Além disso, considerando que os quadros da DPU são oriundos majoritariamente de cursos tradicionais de direitos, que adotam modelos formalistas e pouco interdisciplinares de ensino jurídico, a capacitação permanente e o diálogo contínuo para o aprendizado com os saberes indígenas é imprescindível. Os desafios para a Defensoria Pública da União (DPU) implementar os mecanismos de uma assistência jurídica multidimensional passam, assim, também pelo déficit estrutural, pela formação elitista predominante entre seus membros e pela composição pouco diversa de seus quadros, o que contribui para uma “espiral elitista de afirmação corporativa” (CARDOSO, 2017CARDOSO, Luciana Zaffalon Leme. Uma espiral elitista de afirmação corporativa: blindagens e criminalizações a partir do imbrincamento das disputas do Sistema de Justiça paulista com as disputas da política convencional. 2017. Tese (Doutorado) - Fundação Getúlio Vargas, Escola de Administração de Empresas de São Paulo, 2017.).

Deve ser também ressaltado que a DPU não dispõe, ainda, de um grupo de antropólogos em seus quadros. Há apenas um antropólogo atualmente na instituição, que é, evidentemente, incapaz de atender a todas as demandas das comunidades indígenas que chegam à DPU. Quando necessário, os Defensores recorrem a colaborações de Universidades e de profissionais vinculados a outras entidades.

Apesar desses obstáculos, é preciso reconhecer que a DPU tem construído paulatinamente atos normativos internos que possibilitam, ainda de forma incipiente, a prestação de um serviço de assistência jurídica com essas características de multidimensionalidade e de inovação. É o que examinaremos no tópico a seguir.

2.4 A estrutura administrativa da Defensoria Pública da União que pode estar a serviço das comunidades indígenas.

Atualmente, a Defensoria Pública da União é composta por cerca de 639 Defensores Públicos Federais, espalhados em 70 (setenta) unidades no país (DPU, 2020, p. 30). O quadro de apoio é formado majoritariamente por estagiários, alguns funcionários terceirizados e servidores anistiados, requisitados e integrantes do Plano Geral do Poder Executivo. No estado de Pernambuco, onde se localiza o território do Povo Xukuru, são três unidades da DPU: Petrolina/Juazeiro, com dois Defensores; Caruaru, com dois Defensores; e, no Recife, capital do estado, com 29 (vinte e nove) Defensores. Desse total de 33 Defensores, 22 (vinte e dois) têm atribuição para atuação em demandas individuais, no primeiro grau, e os demais atuam nos recursos apresentados no Tribunal Regional Federal da Quinta Região, oriundos dos estados de Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará.

Boa parte dos Defensores estão lotados em ofícios que são tomados por demandas individuais na área previdenciária, cível ou criminal. É possível afirmar que a carreira foi historicamente estruturada para atuações individuais nessas áreas, com poucos mecanismos de atuação estrategicamente articuladas. Os ofícios tradicionais, individualizados, funcionam como estruturas isoladas de execução de um serviço que não se distingue muito do serviço tradicional de assistência meramente judicial. Além disso, atendem apenas pessoas hipossuficientes que residem na área das subseções judiciárias do Recife, de Caruaru e de Petrolina. O território do Povo Xukuru está localizado substancialmente no município de Pesqueira, não sendo atendido por qualquer uma das unidades da DPU. Assim, a assistência jurídica aos seus membros, no plano da Justiça Federal, depende de ações itinerantes esporádicas e, no plano coletivo, da atuação do Defensor Regional de Direitos Humanos, que tem atribuição, como se verá, por todo o território do estado.

Diante da percepção da necessidade de a instituição ir além dessa atuação tradicional, foram sendo criados mecanismos que facilitariam a reformulação da forma de prestação da assistência jurídica, especialmente para os grupos sociais hipervulnerabilizados.

Surgiram, assim, primeiramente, os Ofícios de Direitos Humanos e Tutela Coletiva, que concentravam as ações coletivas e de graves violações de direitos humanos em algumas unidades do país.

Nesse sentido, em 2014, surgiu o primeiro Grupo de Trabalho (GT) temático da Defensoria Pública da União, voltado para a atuação específica em prol das Comunidades Quilombolas (Portaria GABDPGF nº 71, de 11 de fevereiro de 2014) e, alguns meses após, percebendo-se a necessidade de expandir o atendimento especializado para outras coletividades em situação de vulnerabilidade, de forma a melhor pavimentar a indispensável articulação com a sociedade civil, foi expedida a Portaria GABDPGF nº. 291, de 27 de junho de 2014, por meio da qual foram instituídos diversos Grupos de Trabalho, entre os quais o de atendimento às comunidades indígenas7 7 Atualmente, os Grupos de Trabalho estão regulamentados pela Portaria nº 200, de 12 de março de 2018, do Defensor Público-Geral Federal. Eles são compostos por um Defensor Público Federal representante de cada uma das cinco regiões do país. Nos termos do art. 1º dessa Portaria, os GTs destinam-se “a dar atenção especial agrupos sociais específicose prestar-lhes assistência jurídica integral e gratuita de forma prioritária”. Esses GTs funcionam como catalisadores da atuação especializada da Defensoria Pública da União em diversas temáticas. Incumbe aos GTs a articulação institucional com as redes de proteção e a prestação de assistência jurídica muito além do Poder Judiciário. Nos moldes do art. 2º, X e XIII, da Portaria, os GTs devem contribuir para a elaboração de políticas públicas e acompanhar propostas legislativas, incidindo também na elaboração de normas que podem auxiliar na concretização dos direitos dos mais vulneráveis. .

Aos GTs, incumbiria precipuamente a incidência no legislativo e as ações de advocacy, de articulação com os movimentos sociais e de promoção e capacitação dos Defensores em geral.

Destaca-se, nesse ponto, o papel exercido pelo GT comunidades Indígenas da DPU, que tem atuado, desde então, em parceria com a sociedade civil indigenista e as próprias comunidades indígenas, podendo-se mencionar a título exemplificativo: a atuação em Altamira/PA, em 2015, atendendo a população indígena afetada pela instalação da Usina Hidrelétrica de Belo Monte; a assistência jurídica ao Povo Tapeba, de Caucaia/CE (que culminou em peticionamento junto à CIDH); o apoio na elaboração das estratégias para atendimento aos indígenas venezuelanos da etnia warao no início da crise migratória venezuelana; a participação em algumas das conferências regionais e locais e, posteriormente, na Conferência Nacional de Política Indigenista, tendo colaborado na elaboração do Regimento Interno do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), dentre outras.

Somente em 2018, contudo, percebeu-se que a atuação isolada de alguns poucos ofícios de direitos humanos não seria suficiente para os desafios normalmente de caráter nacional que se enfrentam, bem como se notou que a atuação da DPU em âmbito internacional reclamava um espaço institucional próprio e regulamentado.

Foi constituído, assim, o Sistema de Direitos Humanos da DPU (Resolução 127/2016, do Conselho Superior da Defensoria Pública da União - CSDPU), composto pelo Defensor Nacional de Direitos Humanos (DNDH) e por Defensores Regionais de Direitos Humanos (DRDH), que teriam atribuição em todo o território de cada um dos estados da federação. Ao DNDH e aos DRDHs incumbe justamente a litigância estratégica, judicial ou extrajudicial. A atribuição sobre todo o território dos estados em que atuam permite aos DRDHs a possibilidade jurídica de atender a todas as comunidades indígenas, mesmo que seus territórios estejam afastados dos grandes centros e das sedes das unidades da DPU. Entretanto, em Pernambuco, há apenas um Defensor Regional de Direitos Humanos, o que torna, na prática, ainda mais difícil a assistência jurídica às comunidades indígenas, eis que a função se destina também ao atendimento a outros grupos sociais e a diversas demandas coletivas.

De qualquer sorte, para ilustrar as potencialidades da atuação do Sistema de DNDH e DRDHs, pode-se fazer menção à atuação extrajudicial da Defensora Regional de Direitos Humanos do Mato Grosso do Sul para a construção e funcionamento da escola destinada às crianças Guarani Ñandeva e Kaiowá da terra indígena Jatayvary, em Ponta Porã/MS, que contou com a participação e controle social dos moradores da comunidade e com a valorização dos conhecimentos e práticas tradicionais daquelas etnias. A escola foi construída em regime de mutirão e mediante a celebração de parcerias para a obtenção de recursos (OSÓRIO, 2020OSÓRIO, Daniele de Sousa. O direito à educação intercultural de crianças indígenas: a atuação da Defensoria Pública da União na terra indígena Jatayvary. In: SIMÕES, Lucas Diz et al. [orgs.]. Defensoria Pública e a tutela estratégica dos coletivamente vulnerabilizados. Belo Horizonte: D’Plácido, 2020.).

Para o âmbito internacional, foi instituída também a Rede de atuação no Sistema Interamericano de Direitos Humanos (Rede SIDH), instituída pela Portaria GABDPGF/DPGU nº 169, de 02 de março de 2018, composta pelo Defensor Público-Geral Federal (DPGF), Subdefensor Público-Geral Federal (SUBDPGF), por meio da CSDH, Assessoria de Atuação no Supremo Tribunal Federal (AASTF), Secretária-Geral de Articulação Institucional (SGAI), por meio dos Grupos de Trabalho Temáticos (GTs), Defensor Nacional de Direitos Humanos (DNDH), Defensores Regionais de Direitos Humanos (DRDHs) e a Defensora Pública Interamericana (DPI).

A DPU (especialmente, por meio da Rede SIDH) pode atuar, pelo menos, de três formas no SIDH: com a disponibilização de seus quadros para atuarem como defensores públicos interamericanos; na difusão das normas da Convenção Americana de Direitos Humanos no ordenamento jurídico nacional e na incorporação e monitoramento do cumprimento das decisões do SIDH; e, ainda, por meio da “denúncia de eventuais abusos ou omissões relevantes aos mecanismos internacionais de proteção dos direitos humanos” (MARIANO, 2018MARIANO, João Marcos Mattos. Litígio estratégico e sistema interamericano de proteção dos direitos humanos: a função da Defensoria Pública da União na mudança da cultura institucional brasileira. Fórum DPU, v. 4, nº 12, p. 5-7, 2018.).

Essas são as normas, as formas e a estrutura de que dispõe a Defensoria Pública da União para enfrentar o desafio de prestar uma assistência jurídica multidimensional, verdadeiramente integral e gratuita, para as comunidades indígenas do país.

Feitos esses esclarecimentos, vejamos, agora, como ocorreu, de fato, a atuação da DPU especificamente no Caso do Povo Xukuru v. Brasil.

3. A atuação da DPU no caso Povo Indígena Xukuru e seus membros v. Brasil.

Como se sabe, em 2002, o Movimento Nacional de Direitos Humanos/Regional Nordeste, o Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares - GAJOP e o Conselho Indigenista Missionário - CIMI apresentaram à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em face da República Federativa do Brasil, petição relatando a violação do direito à propriedade coletiva e às garantias e proteção judiciais, consagrados, respectivamente, nos artigos 21, 8 e 25 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos em relação às obrigações gerais de respeitar os direitos e de adotar disposições de direito interno previstas nos artigos 1.1 e 2 do mesmo Tratado, em desfavor do povo indígena Xukuru e seus membros, situados na cidade de Pesqueira, Estado de Pernambuco.

Em 2009, a CIDH emitiu relatório de admissibilidade e, posteriormente, concluiu, em seu Relatório de Mérito, que o Estado brasileiro era internacionalmente responsável pela afronta ao artigo XXIII da Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem8 8 Artigo XXIII. Toda pessoa tem direito à propriedade particular correspondente às necessidades essenciais de uma vida decente, e que contribua a manter a dignidade da pessoa e do lar. , para fatos ocorridos até a ratificação da Convenção Americana, bem como pela violação dos artigos 59 9 Artigo 5.1 - Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua integridade física, psíquica e moral. , 8.110 10 Artigo 8.1 - Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. , 2111 11 Artigo 21 - Toda pessoa tem direito ao uso e gozo dos seus bens. A lei pode subordinar esse uso e gozo ao interesse social. e 25.112 12 Artigo 25.1 - Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais. da Convenção Americana, após a sua ratificação, em 25 de setembro de 1992. Com isso, recomendou diversas medidas a serem adotadas pelo Estado para reparar o Povo Indígena Xukuru, conferindo-lhe determinado prazo para a adoção das citadas medidas de reparação.

No entanto, mesmo após a prorrogação do prazo supracitado, o Estado não avançou substancialmente no cumprimento das recomendações contidas no Relatório de Mérito. Dessa forma, no dia 16 de março de 2016, a Comissão submeteu o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos e, em 31 de janeiro de 2017, a Corte IDH convocou as partes para audiência pública, a qual ocorreria em dia 21 de março de 2017.

É esse o momento em que a DPU é chamada a atuar no caso.

3.1 Os primeiros passos: a SGAI e o processo de escuta da sociedade civil.

No âmbito da Administração Superior da Defensoria Pública da União, a Secretaria Geral de Articulação Institucional é a responsável por promover, seja direta, seja indiretamente, a aproximação formal/institucional da DPU com a sociedade civil organizada e os diversos movimentos sociais, aí inclusos os coletivos temáticos, as entidades locais, regionais e nacionais que representam as lutas e as pautas dos cidadãos e cidadãs em situação de vulnerabilidade e, portanto, titulares do direito à proteção especial do estado. Compete também à SGAI a articulação da DPU junto aos demais poderes de estado, bem como às outras instituições e órgãos da administração direta e indireta, sempre que o foco seja a garantia dos direitos dessas coletividades e após escuta prévia desses atores.

Foi neste contexto de reuniões da DPU com a sociedade civil e com os movimentos sociais que, em reunião realizada na sede da SGAI em Brasília/DF, em meados fevereiro de 2017, com representantes da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), da ABA (Associação Brasileira de Antropólogos), da FIAN (FoodFirst Information and Action Network) Brasil e a Vice-Presidente e Representante da América Latina e Caribe no Mecanismo de Peritos das Nações Unidas sobre Direitos dos Povos Indígenas, que primeiro surgiu a possibilidade de intervenção da DPU no Caso Povo Xukuru x Brasil. Posteriormente, o Conselho Indigenista Missionário - CIMI, a CONECTAS Direitos Humanos e a RCA (Rede de Cooperação Amazônica) também foram chamadas à referida articulação.

Naquela ocasião, pouco mais de um mês antes da realização da audiência do Caso na Corte IDH, a DPU se colocou integralmente à disposição para contribuir com a demanda, acionando, em específico, sua Rede de Atuação no Sistema Interamericano de Direitos Humanos (Rede SIDH), iniciando-se, pois, formalmente, a mobilização interna para elaboração da petição de amicus curiae, protocolada junto à Corte Interamericana de Direitos Humanos no mês de abril daquele mesmo ano.

3.2. O pós-audiência e a posição da DPU como Amicus Curiae.

Pouco após a realização da referida a audiência, em março de 2017, a Defensoria Pública da União apresentou, tempestivamente, forte no permissivo contido no artigo 44, do Regulamento da Corte, memorial de amicus curiae, com o fito de enfocar as ações e omissões do Estado contrárias ao disposto tanto na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, quanto na Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais nos Países Independentes da Organização Internacional do Trabalho e em outros instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos e diplomas legais brasileiros, assim como ao previsto na jurisprudência da Corte e da CIDH.

Em seus memoriais de amicus, a DPU reforçou junto à Corte que o processo administrativo de demarcação das terras ancestrais do Povo Indígena Xukuru teve a inacreditável duração de 16 (dezesseis) anos, pois foi iniciado em 1989 e apenas foi formalmente concluído em 2005. Destacou-se ao longo da peça que a luta dos Xukurus por suas terras ancestrais iniciou-se muito antes de 1989, há mais de um século e, embora fosse dever do Estado assegurar a posse livre, plena e pacífica do território indígena Xukuru, na prática, o Estado brasileiro transferiu essa responsabilidade para a comunidade indígena, a qual, diante da total omissão do Estado, viu-se obrigada a agir para retomar suas terras, bem como para impulsionar o processo de demarcação, tendo enfrentado inúmeros questionamentos judiciais e administrativos no extenuante percurso (SILVA, 2014SILVA, Edson. Xukuru: memórias e história dos índios da Serra do Ororubá (Pesqueira/PE), 1950-1988. Recife: UFPE, 2014.).

Também pôs em evidência que, durante os mencionados 16 anos transcorridos até a finalização formal do processo de demarcação, a Comunidade Indígena Xukuru e seus membros foram alvo de diversos atos de violência, ameaças e homicídios13 13 O contexto de violências (de diversas ordens) imposto ao povo Xukuru está bem descrito no trabalho coletivo: FIALHO et al., 2011). A escalada da violência atingiu especialmente as lideranças indígenas. José Everaldo Rodrigues Bispo, filho do Pajé da comunidade indígena Xukuru, foi assassinado em 4 de setembro de 1992; Geraldo Rolim, representante da FUNAI na região, foi assassinado em 14 de maio de 1995; o então líder do Povo Xukuru, Cacique Xicão, foi assassinado em 21 de maio de 1998; e o chefe da aldeia Pé de Serra do Oiti, Francisco Assis Santana, o "Chico Quelé", foi assassinado em 23 de agosto de 2001. A situação de violência também é ilustrada pelas graves ameaças de morte sofridas pelo líder do Povo Indígena Xukuru, Marcos Luidson de Araújo, o Cacique Marquinhos, e sua mãe, Zenilda Maria de Araújo. Em razão destas ameaças, as organizações representantes dos Xukurus solicitaram medidas cautelares à CIDH, as quais foram concedidas em outubro de 2002 e permaneceram vigentes ao menos até julho de 2015 (MC-372-02), conforme consta do Relatório de Mérito do caso, emitido pela Comissão (CIDH, Relatório de Mérito N. 44/2015, Caso 12.728, Povo Indígena Xucuru Vs. Brasil, OEA/Ser.L/V/II.155). possibilitados pelo longo processo demarcatório daquelas terras, pela falta de proteção efetiva dos indígenas por parte do Estado, em especial de suas lideranças, e pela resistência física e judicial dos ocupantes não indígenas, com a qual o Estado não lidou de forma tempestiva e eficaz. Chamou-se à atenção para o fato de que o contexto violento foi confirmado, durante a audiência pública do caso, pelo perito Christian Teófilo, o qual declarou que houve violência durante o processo de demarcação do Território Indígena Xukuru, tendo as lideranças ficado mais expostas. Mencionou também que não lhe pareceu que o Estado teria agido para intensificar a proteção destas lideranças. Essa ausência de proteção se viu refletida nas graves ameaças recebidas pelo Cacique Marquinhos e sua mãe, nos homicídios de quatro líderes importantes dos Xukurus ao longo dos anos, entre outros episódios narrados pelos representantes das vítimas durante o trâmite do presente caso.

Buscou a DPU patentear que a demora no processo demarcatório, por sua vez, também foi fruto das ameaças e homicídios, o que revelara um ciclo que se retroalimentou, pois a lentidão do processo de demarcação possibilitou a ocorrência de conflitos graves no Território Indígena Xukuru, que por sua vez retardou mais ainda o desfecho daquele procedimento administrativo. Assinalou-se que esse ciclo vicioso foi provocado justamente pelo descumprimento do Estado brasileiro de sua obrigação de assegurar a posse plena, pacífica e efetiva da terra indígena e pela omissão do Estado com relação ao seu dever de proteção da vida e integridade pessoal dos membros da Comunidade Xukuru.

Outro ponto sublinhado pela DPU em sua intervenção foi a odiosa demora na desintrusão do território, cuja ocupação por não indígenas sempre fora fato incontroverso há mais de um século. Ainda por ocasião da realização da audiência de instrução na Corte, em março de 2017, havia invasores vivendo na Terra Indígena Xukuru, fato este corroborado pelo próprio Estado Brasileiro em suas alegações finais.

Anotou-se também que a posse permanente do Povo Indígena Xukuru encontrava-se ameaçada em razão de inúmeras ações ordinárias, ações anulatórias e ações de reintegração de posse em curso, que juntas somavam mais de 50 (cinquenta) ações judiciais, todas movidas por posseiros, ocupantes e outros interessados nas terras, trazendo conflito e insegurança para os indígenas.

A atroz demora na investigação e punição dos responsáveis pelos crimes sofridos pela Comunidade, em especial, os assassinatos de lideranças também foram alvo de destaque no petitório, tendo sido ressaltado que o homicídio do Cacique Xicão demorou mais de 08 (oito) anos para ser julgado, ao passo que o julgamento de Chico Quelé só foi finalizado mais de 12 (doze) anos após a data do crime, tendo, inclusive, a comunidade sofrido tentativa de criminalização, pois foram apontadas lideranças como réus no referido processo. Aliás, foi constante esta dinâmica de atribuir a violência sofrida pelos indígenas a “conflitos internos”, numa tentativa estatal de afastar sua responsabilidade pela demora na demarcação e pela vulneração dos direitos indígenas.

Após tracejar considerações detidas sobre estes e outros pontos, o órgão defensório finalizou sua intervenção dando ênfase à violação à integridade física, psíquica e moral dos indígenas, submetidos a décadas de sofrimento e violência em razão do retardo de mais de 16 anos para que apenas o processo formal da demarcação fosse concluído, a ausência de desintrusão, criminalização de suas lideranças, reforçando, ao final, o pedido de reparação integral formulado pelas vítimas e pela CIDH, bem como sugerindo medidas extras de reparação, as quais serão mencionadas no tópico seguinte.

3.3. A sentença da Corte IDH: expectativa e realidade.

Após fazer a subsunção dos fatos comprovados ao longo dos autos às previsões da CADH, reconhecendo o descumprimento, por parte do Brasil, do disposto nos artigos 1.1; 2; 5.1; 8.1; 21 e 25, todos do referido tratado, a Corte Interamericana de Direitos Humanos fixou que:

7. Esta Sentencia constituye, por si misma, una forma de reparación; 8. El Estado debe garantizar de manera inmediata y efectiva el derecho de propiedad colectiva del Pueblo Indígena Xucuru sobre su territorio, de modo que no sufran ninguna intrusión, interferencia o afectación por parte de terceros o agentes del Estado que puedan menoscabar la existencia, el valor, el uso o el goce de su territorio, en los términos del párrafo 193 de la presente Sentencia; 9. El Estado debe concluir el proceso de saneamiento del territorio indígena Xucuru, con extrema diligencia, realizar los pagos de indemnizaciones por mejoras de buena fe pendientes y remover cualquier tipo de obstáculo o interferencia sobre el territorio en cuestión, de modo a garantizar el dominio pleno y efectivo del Pueblo Xucuru sobre su territorio en el plazo no mayor a 18 meses, en los términos de los párrafos 194 a 196 a de la presente Sentencia; 10. El Estado debe realizar las publicaciones indicadas en el párrafo 199 de la Sentencia, en los términos dispuestos en la misma; 11. El Estado debe pagar las cantidades fijadas en los párrafos 212 y 216 de la presente Sentencia, por concepto de costas e indemnizaciones por daño inmaterial, en los términos de los párrafos 217 a 219 de la presente Sentencia; 12. El Estado debe, dentro del plazo de un año contado a partir de la notificación de esta Sentencia, rendir al Tribunal un informe sobre las medidas adoptadas para cumplir con la misma.

Os pedidos adicionais feitos pelas partes em sede de alegações finais e pela DPU ao final de sua intervenção como amicus curie não foram apreciados diretamente pela Corte. Na oportunidade, a DPU sugeriu à Corte que impusesse, para além das reparações já pedidas pelos peticionantes e pela Comissão, as seguintes medidas: 1) Capacitação sobre direitos dos povos tradicionais para servidores/membros dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário; 2) Campanha pública voltada à eliminação do racismo, discriminação, discursos de ódio e violência contra os povos indígenas; 3) Ampla divulgação e desenvolvimento de um plano nacional de ação para a implementação das Declarações Americana e das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, em colaboração com representantes dos povos indígenas e de acordo com seu direito de auto-determinação.

Apesar da ausência de apreciação adequada desses pedidos e da crítica possível à timidez da decisão, avalia-se que a decisão da Corte IDH no caso do Povo Xukuru representou sim mais uma vitória histórica desse povo indígena. Foi, de fato, reconhecido o direito ao território tradicional; foi declarada a mora do Estado brasileiro no processo de demarcação; reiterou-se a necessidade da conclusão da desintrusão, porque compreendida e afirmada a relação umbilical, vital e transcendental dos indígenas com a terra; condenou-se, enfim, o Estado brasileiro a reparar, mesmo com valores financeiros meramente simbólicos, os danos extrapatrimoniais provocados pelos anos seguidos de omissões e de violações de direitos fundamentais.

Essa vitória transcende o caso aqui estudado. As decisões da Corte IDH têm efeito vinculante e servem como interpretação orientadora dos preceitos convencionais, podendo servir para outras comunidades indígenas e também às demais comunidades tradicionais.

Para além de tudo isso, a participação da DPU nesse caso, na qualidade de amicus curiae, produziu também um efeito catalisador do estreitamento das relações entre essa instituição e as comunidades indígenas em Pernambuco, ampliando as possibilidades de acesso à justiça dessas comunidades.

3.4. O efeito catalisador da participação da DPU no caso do Povo Xukuru v. Brasil.

Após a manifestação da DPU como amicus curiae no caso do Povo Xukuru v. Brasil, houve um claro e progressivo movimento de aproximação entre a unidade pernambucana daquela instituição e os povos indígenas do estado. O primeiro sinal dessa aproximação pode ser percebido no seminário “Litigância estratégica perante o Sistema Interamericano de Direitos Humanos - Aspectos relativos à Região Nordeste do Brasil”, realizado na sede da Defensoria Pública da União no Recife-PE, por meio de uma parceria entre a DPU e o Grupo de Extensão e Pesquisa-ação "Acesso ao Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos" (aSDIH), da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), entre os dias 23 e 24 de novembro de 2017.

O primeiro dia desse evento foi dedicado justamente a uma análise histórica dos povos indígenas no Nordeste do Brasil e contou com a presença e a palestra do Cacique Marquinhos do Povo Indígena Xukuru do Ororubá. Foi a primeira vez que uma liderança indígena palestrou na sede da DPU em Pernambuco. Essa atividade se liga ao aspecto da educação em direitos humanos, que, como visto, é uma das dimensões da Assistência Jurídica Multidimensional (AJM).

Em 2018, com a criação da figura do Defensor Regional de Direitos Humanos em Pernambuco, a Defensoria seria, ainda, instada a intervir no conflito envolvendo o Povo Indígena Pankararu e os não-indígenas que ocupavam o território tradicional daquele povo na cidade de Jatobá-PE. No seio de uma ação civil pública, logrou-se, depois de longos anos, garantir a desintrusão dos não indígenas das terras demarcadas do povo Pankararu. Destaca-se, aqui, a dimensão de litigância estratégica da AJM. As experiências extraídas desse caso podem servir também para outros processos de desintrusão, que serão inevitáveis em diversos territórios indígenas que permanecem sendo ocupados por posseiros não indígenas.

Com a publicação da decisão da Corte IDH, a DPU foi chamada também a manifestar-se na audiência pública convocada na Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco, que teve como pauta as políticas públicas para os povos indígenas no estado. A partir de contato estabelecido nessa ocasião, foi instaurado Procedimento de Assistência Jurídica coletiva em favor do povo Tuxá, que teve a energia cortada por suposta dívida com a companhia de energia do estado, o que provocou o ajuizamento de ação coletiva em favor dessa comunidade indígena. Ressaltam-se, nessa atividades, três dimensões da AJM: o advocacy no Legislativo, o monitoramento de políticas públicas e o uso de instrumentos de litigância estratégica no Judiciário.

Também como uma decorrência da participação no processo que tramitou na Corte IDH, em maio de 2019, a DPU foi convidada e participou pela primeira vez da Assembleia do Povo Xukuru, um espaço já consolidado de formação e de articulação aberto às comunidades indígenas e às entidades parceiras, que possibilita uma troca de saberes e de experiência rica, especial, rara, verdadeiramente impossível de ser descrita em sua integralidade.

Ainda em 2019, a DPU, por meio do DRDH/PE, realizou visitas ao território do povo Xukuru de Ororubá, a fim de debater com agentes de saúde e de assistência social situações de vulnerabilidades identificadas na comunidade; ao território do povo Xukuru de Cimbres, com o intuito de ouvir as suas principais demandas, e ao território do Povo Pankararu.

Não se pode olvidar, ainda, que a omissão do governo brasileiro na proteção das comunidades indígenas durante a pandemia ensejou, por exemplo, a propositura pela APIB, em conjunto com alguns partidos políticos, da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADFP) nº 709/DF no Supremo Tribunal Federal. A DPU também participa dessa demanda, que tem natureza estrutural, na qualidade de amicus curiae.

Além disso, também no plano da litigância estratégica, ao vislumbrar que o Presidente da FUNAI estava claramente atuando contrariamente aos interesses dos povos indígenas do país, a APIB e a DPU ajuizaram, conjuntamente, ação civil pública (Processo nº 1070916-27.2021.4.01.3400), na Justiça Federal do Distrito Federal, requerendo o afastamento desse agente público. Ainda que a tutela de urgência tenha sido indeferida, a ação coletiva é, por si mesma, simbólica, pois foi a primeira vez que a APIB utilizou tal instrumento. Representa, portanto, mais um passo na garantia do acesso efetivo à justiça.

A partir dessas experiências de aproximação, está sendo também desenhado projeto de levantamento de necessidades jurídicas, que permitirá a visitação de todos os territórios tradicionais por uma equipe da Defensoria Pública da União. A efetivação desse projeto é essencial para a satisfação de uma das características primordiais da AJM, que é justamente a proatividade, com a busca ativa de demandas, e a partir de um contato concreto com as comunidades tradicionais em seu próprio território.

Considerações finais.

Os desafios para o acesso à justiça das comunidades indígenas são, como visto, enormes e diversificados. Os processos de demarcação estão, como visto, praticamente, parados. Crescem os pedidos judiciais de anulação das demarcações já concluídas. Avançam projetos de lei que pretendem possibilitar a exploração econômica das terras indígenas.

Além desses desafios mais gerais, é possível identificar obstáculos ainda mais concretos ao acesso à justiça pelas comunidades indígenas. Em primeiro lugar, constatou-se uma distância física significativa entre os territórios tradicionais dos povos indígenas e as sedes das unidades do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, o que representa a continuidade de uma política que não busca atender efetivamente as necessidades das comunidades tradicionais.

A composição pouco heterogênea dos membros das instituições do sistema de justiça também é um problema que precisa ser enfrentado. A adoção de políticas afirmativas no processo de seleção é fundamental. Além disso, considerando a necessidade de respeito à identidade cultural indígena, a capacitação permanente e o diálogo contínuo para o aprendizado com os saberes indígenas são imprescindíveis.

Apesar de todos esses desafios/obstáculos no acesso à justiça dos povos indígenas, graças à insistência das entidades representativas dos povos indígenas do Brasil, de um lado, e ao reconhecido esforço institucional para acolhimento das demandas e reestruturação do sistema de proteção de direitos humanos, de outro, foi possível perceber, nos últimos anos, a promoção de uma série progressiva de ações conjuntas que estão permitindo garantir algum grau da chamada assistência jurídica multidimensional aos povos indígenas do Brasil.

Como visto, a assistência jurídica multidimensional (AJM) pode ser entendida como um modelo-tipo ideal, no qual a assistência jurídica deve ser prestada de forma gratuita e proativa, orientada para a proteção, individual e coletiva, dos direitos humanos nas esferas do Judiciário, do Legislativo e do Executivo, assim como no plano dos meios de comunicação e das mídias sociais, por meio de ações articuladas em rede com os movimentos sociais. Trata-se de um modelo de garantia de acesso a direitos, em sentido amplo, que contempla diversas dimensões da efetivação dos direitos humanos.

Em Pernambuco, a aproximação da atuação da DPU de tal modelo de AJM em favor de comunidades indígenas foi, como visto no tópico anterior, nitidamente potencializada pela atuação no caso do Povo Xukuru v. Brasil na Corte IDH e, diante dos desafios do cenário atual, tende a seguir avançando.

Nesse contexto, a estruturação de uma verdadeira assistência jurídica multidimensional se mostra mais do que necessária e deve ser compreendida como um mecanismo para superação dos desafios para garantir o acesso à justiça aos povos indígenas. Essa estruturação, contudo, não pode depender apenas de eventual voluntarismo institucional, eis que se trata de consequência direta e concreta da determinação da Corte IDH para que seja efetivamente cumprido o disposto no art. 25 da Convenção Americana de Direitos Humanos.

Para assegurar a aproximação da atuação da DPU em favor das comunidades indígenas do modelo ideal de assistência jurídica multidimensional aqui estudado, essa instituição precisará consolidar as normatizações do seu sistema de proteção de direitos humanos, que ainda se encontra regido por frágeis instrumentos normativos internos. Além disso, deverá assumir o compromisso de democratizar-se, diversificando as representações sociais na carreira e abrindo seus espaços de decisão para a participação direta dos movimentos sociais. Considerando a estrutura de pessoal ainda deficitária, a DPU não poderá se furtar também de fazer escolhas voltadas a equilibrar os seus recursos entre o modelo de assistência jurídica individualizada unidimensional (destinado apenas para a judicialização atomizada de demandas) e o modelo multidimensional, que se mostrou mais adequado à complexidade dos direitos que envolvem as comunidades tradicionais.

Referências binliográficas

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  • WATANABE, Kazuo. Acesso à ordem jurídica justa: conceito atualizado de acesso à justiça, processos coletivos e outros estudos. Belo Horizonte: Del Rey, 2019.
  • 1
    O procedimento para demarcação, homologação e registro das terras indígenas é complexo e extremamente burocrático. Ele está regulamentado no Decreto nº 1.775, de 1996. Inicia-se com os estudos de identificação por equipe de antropólogos(as) da FUNAI (Fundação Nacional do Índio), que é responsável pela elaboração de um relatório. Esse relatório técnico de identificação e delimitação é apresentado à Presidência da FUNAI, a quem incumbe a sua avaliação e, se for o caso, aprovação. Uma vez aprovado, esse relatório é publicado oficialmente e, então, é aberto um prazo de 90 dias para eventuais contestações de partes possivelmente interessadas. Encerrada essa fase, o Poder Público inicia a fase de declaração de limites da área indígena. Estabelecidos os limites territoriais, inicia-se o processo de demarcação física desses limites. O procedimento é, por fim, encaminhado à Presidência da República para homologação por Decreto e encerra-se com o registro em cartório de imóveis e na Secretaria de Patrimônio da União.
  • 2
    A figura jurídica do amicus curiae (amigo da Corte, em tradução livre) representa uma forma de intervenção de terceiros nos processos que estão submetidos a um Tribunal. Assim, uma pessoa ou instituição que não é parte do processo pode contribuir com o julgamento por meio de petições, relatórios ou escritos sobre um determinado caso, desde que possua conhecimentos técnicos ou tenha representatividade adequada no tema em discussão. No âmbito da Corte Interamericana de Direitos Humanos, essa forma de intervenção está respaldada pelo art. 44 da Convenção Americana de Direitos Humanos.
  • 3
    De fato, se examinada a atuação da Defensoria Púbica desde uma perspectiva histórica, tradicionalmente, a instituição foi desenhada para oferecer primordialmente o serviço de assistência judicial. Sobre a história de formação da Defensoria Pública no Brasil, confiram-se, entre outros: MORAES; SILVA, 1984MORAES, Humberto Peña de.; SILVA, José Fontenelle T. da. Assistência judiciária: sua gênese, sua história e a função protetiva do estado. Rio de Janeiro: Liber Juris, 1984.; ALVES, 2005ALVES, Cléber Francisco. A estruturação dos serviços de assistência jurídica nos Estados Unidos, na França e no Brasil e sua contribuição para garantir a igualdade de todos no Acesso à Justiça. Tese de doutorado. Rio de Janeiro: PUC-RIO, 2005.; CHIARETTI, 2014CHIARETTI, Daniel. Breve histórico da assistência jurídica no Brasil e o atual papel institucional da Defensoria Pública da União. In: RÉ, Aluísio Iunes Monti Ruggeri; REIS, Gustavo Augusto Soares dos. Temas aprofundados da Defensoria Pública. V. 2. Salvador: JusPodivm, 2014.; PAIVA; FENSTERSEIFER, 2019PAIVA, Caio; FENSTERSEIFER, Tiago. Comentários à Lei Nacional da Defensoria Pública. Belo Horizonte: Editora CEI, 2019..
  • 4
    Essa é, na literalidade, a parte final do art. 4º, X, da LODP, com a redação dada pela Lei Complementar nº 132/09. Sobre os impactos da Lei Complementar nº 132/09 na atuação da Defensoria Pública, confira-se a coletânea de artigos coordenada por José Augusto Garcia de Sousa: SOUSA, 2011SOUSA, José Augusto Garcia de. Uma nova Defensoria Pública pede passagem: reflexões sobre a Lei Complementar 132/09. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011..
  • 5
    Sobre essa dimensão da atuação da Defensoria Pública, Jorge Bheron e Bruno Cavalcante destacam que: “Para bem cumprir simultaneamente as missões precípuas defensoriais, é fundamental que a instituição possa atuar ativamente juntos aos demais poderes e órgãos de modo preventivo e colaborativo, de modo extrajudicial e sempre no intuito de evitar violações a direitos de seu público alvo. Neste sentido que sobressai a atuação da Defensoria Pública como Amicus Democratiae (ombudsman), demonstrando sua expertise teórica e empírica em determinadas matérias que podem ter o condão de gerar milhares de demandas judiciais completamente evitáveis. Noutros termos, a Defensoria Pública como Amiga da Democracia pode colaborar de modo respeitoso e proativo no debate sobre formulação e implementação de políticas públicas e propostas legislativas que visem a concretizar direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, em especial dos vulneráveis” (CAVALCANTE; ROCHA, 2020).
  • 6
    A interação com entidades como a APOINME (Articulação dos Povos e das Organizações Indígenas do Nordeste, de Minas Gerais e do Espírito Santo), a APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) ou como o CIMI (Conselho Indigenista Missionário) é essencial para o fortalecimento das ações judiciais ou extrajudiciais. Para as possibilidades de interação da Defensoria Pública com os movimentos sociais, confira-se também: SANTOS, 2017SANTOS, Caio Santigado Fernandes. Defensoria Pública e Movimentos Sociais: novas possibilidades de acesso à justiça no Brasil. Curitiba: Juruá, 2017..
  • 7
    Atualmente, os Grupos de Trabalho estão regulamentados pela Portaria nº 200, de 12 de março de 2018, do Defensor Público-Geral Federal. Eles são compostos por um Defensor Público Federal representante de cada uma das cinco regiões do país. Nos termos do art. 1º dessa Portaria, os GTs destinam-se “a dar atenção especial agrupos sociais específicose prestar-lhes assistência jurídica integral e gratuita de forma prioritária”. Esses GTs funcionam como catalisadores da atuação especializada da Defensoria Pública da União em diversas temáticas. Incumbe aos GTs a articulação institucional com as redes de proteção e a prestação de assistência jurídica muito além do Poder Judiciário. Nos moldes do art. 2º, X e XIII, da Portaria, os GTs devem contribuir para a elaboração de políticas públicas e acompanhar propostas legislativas, incidindo também na elaboração de normas que podem auxiliar na concretização dos direitos dos mais vulneráveis.
  • 8
    Artigo XXIII. Toda pessoa tem direito à propriedade particular correspondente às necessidades essenciais de uma vida decente, e que contribua a manter a dignidade da pessoa e do lar.
  • 9
    Artigo 5.1 - Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua integridade física, psíquica e moral.
  • 10
    Artigo 8.1 - Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.
  • 11
    Artigo 21 - Toda pessoa tem direito ao uso e gozo dos seus bens. A lei pode subordinar esse uso e gozo ao interesse social.
  • 12
    Artigo 25.1 - Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais.
  • 13
    O contexto de violências (de diversas ordens) imposto ao povo Xukuru está bem descrito no trabalho coletivo: FIALHO et al., 2011FIALHO, Vânia et al. [orgs.]. Plantaram Xicão: os Xukuru do Ororubá e a criminalização do direito ao território. Manaus: UEA, 2011.). A escalada da violência atingiu especialmente as lideranças indígenas. José Everaldo Rodrigues Bispo, filho do Pajé da comunidade indígena Xukuru, foi assassinado em 4 de setembro de 1992; Geraldo Rolim, representante da FUNAI na região, foi assassinado em 14 de maio de 1995; o então líder do Povo Xukuru, Cacique Xicão, foi assassinado em 21 de maio de 1998; e o chefe da aldeia Pé de Serra do Oiti, Francisco Assis Santana, o "Chico Quelé", foi assassinado em 23 de agosto de 2001. A situação de violência também é ilustrada pelas graves ameaças de morte sofridas pelo líder do Povo Indígena Xukuru, Marcos Luidson de Araújo, o Cacique Marquinhos, e sua mãe, Zenilda Maria de Araújo. Em razão destas ameaças, as organizações representantes dos Xukurus solicitaram medidas cautelares à CIDH, as quais foram concedidas em outubro de 2002 e permaneceram vigentes ao menos até julho de 2015 (MC-372-02), conforme consta do Relatório de Mérito do caso, emitido pela Comissão (CIDH, Relatório de Mérito N. 44/2015, Caso 12.728, Povo Indígena Xucuru Vs. Brasil, OEA/Ser.L/V/II.155).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2024

Histórico

  • Recebido
    11 Fev 2022
  • Aceito
    25 Set 2022
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