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Voz das vítimas: a discursividade crítica em Dussel e o mecanismo de consulta da Convenção nº 169 da OIT

Victims' voice: critical discursivity in Dussel and the consultation mechanism of ILO Convention nº 169

Resumo

Neste artigo, analisamos o princípio ético crítico-discursivo comunitário de validade – a validade anti-hegemônica das vítimas – de Dussel, na obra “Ética da Libertação”, realizando diálogos com Paulo Freire, Antonio Gramsci e Ernst Bloch. Situa-se, nesse princípio, o dever de argumentar que o excluído deve falar e ser ouvido tanto para denunciar a negação de sua vida pela ordem hegemônica quando para anunciar outros projetos possíveis. A partir desse debate, questionamos as possibilidades colocadas pelo mecanismo de consulta livre, prévia e informada previsto na Convenção nº 169 da OIT como instrumento de fazer ouvir a voz das vítimas da globalização, mais especificamente, dos povos indígenas e tradicionais no Brasil, que são ameaçados por ações de empresas e do Estado.

Palavras-chave:
Enrique Dussel; Ética da Libertação; Consulta prévia

Abstract

In this article, we analyze the community critical-discursive ethical principle of validity - the antihegemonic validity of the community of victims - of Enrique Dussel, in “Ethics of Liberation”, placing it in dialogue with Paulo Freire, Antonio Gramsci and Ernst Bloch. In this principle, there is the duty to argue that the excluded must speak and be heard both to denounce the denial of his life by the hegemonic order and to announce other possible projects. Based on this discussion, we question the possibilities posed by the previous free and informed consultation mechanism provided for in ILO Convention 169 as an instrument to make the voices of the victims of globalization heard, more specifically, of indigenous and traditional peoples in Brazil, who are threatened by the actions of corporations and the state.

Keywords:
Enrique Dussel; Ethics of Liberation; Previous consultation

1. Introdução

“... E os sem amor, os sem teto / Os sem paixão, sem alqueire. / No peito dos sem peito

uma seta / E a cigana analfabeta / Lendo a mão de Paulo Freire. /

A contenteza do triste / Tristezura do contente / Vozes de faca cortando / Como o riso

da serpente / São sons de sins, não contudo / Pé quebrado, verso

mudo / Grito no hospital da gente...”

(Chico César, música ‘Beradêro’)

O sistema-mundo vigente nega a vida de pessoas, culturas, povos – das vítimas, como Enrique Dussel, inspirado em Walter Benjamin, denomina “as imensas maiorias da humanidade excluídas da globalização” (DUSSEL, 2002DUSSEL, Enrique. Ética da libertação: na idade da globalização e da exclusão. Trad. de Ephraim Fereira Alves, et al. 2. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2002., p. 15). Em “Ética da Libertação: na idade da globalização e da exclusão”, Dussel explicita a construção de uma nova factibilidade a partir da crítica material e formal às causas de negação das massas vitimadas. Especifica os princípios éticos que devem estar presentes em cada passo dado no sentido da transformação dessa realidade: i.) de produção, reprodução e desenvolvimento da vida em comunidade de cada sujeito ético; ii.) ético-formal da razão discursiva; iii.) de factibilidade ética; iv.) crítico material e v.) formal intersubjetivo da validade crítica (DUSSEL, 2002DUSSEL, Enrique. Ética da libertação: na idade da globalização e da exclusão. Trad. de Ephraim Fereira Alves, et al. 2. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2002., p.511). Tece, a partir disso, o conteúdo e a forma do princípio-libertação1 1 Que encontra-se resumido no seguinte enunciado: “Aquele que opera ético-criticamente deve (está obrigado a) libertar a vítima, como participante (por “situação” ou por “posição” - diria Gramsci) da própria comunidade a que pertence a vítima, por meio de a) uma transformação factível dos momentos (das normas, ações, microestruturas, instituições ou sistemas de eticidade) que causam a negatividade material (impedem algum aspecto da reprodução da vida) ou discursivo-formal (alguma simetria ou exclusão da participação) da vítima; e b) a construção, através de mediações com factibilidade estratégico-instrumental críticas, de novas normas, ações, microestruturas, instituições ou até sistemas completos de eticidades onde essas vítimas possam viver, sendo participantes iguais e plenos” (DUSSEL, 2002, p. 565). . Assim, constroem-se as ponderações sobre a organização das comunidades de vítimas e sua auto-emancipação: os sujeitos-históricos e a intersubjetividade comunitária buscando, permanentemente, o desenvolvimento criativo e libertador estratégico da vida (DUSSEL, 2002DUSSEL, Enrique. Ética da libertação: na idade da globalização e da exclusão. Trad. de Ephraim Fereira Alves, et al. 2. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2002., p. 501).

A validade anti-hegemônica da comunidade de vítimas coloca-se, especialmente, a partir do debate sobre o princípio ético crítico-discursivo comunitário, ou seja, sobre validade moral intersubjetiva, a crítica formal. Dussel reforça a relação complexa e indissociável do momento material da ética, da verdade prática, com o momento formal, de validade intersubjetiva2 2 “Verdade e validade são formalmente distintas tanto por sua referência (o real e a intersubjetividade) como pelo exercício de um diverso tipo de racionalidade (um material e outro formal discursivo).” (DUSSEL, 2002, p. 207) . Se, por um lado, a discursividade – determinante para a sustentação da validade – é dimensão essencial da vida humana, por outro lado, a vida humana é pressuposto da discursividade. O fundamento material da Ética da Libertação aponta que a atuação ética deve “produzir, reproduzir e desenvolver auto-responsavelmente a vida concreta de cada sujeito humano” (DUSSEL, 2002DUSSEL, Enrique. Ética da libertação: na idade da globalização e da exclusão. Trad. de Ephraim Fereira Alves, et al. 2. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2002., p. 143). A produção e reprodução da vida são asseguradas com o concurso de todos, sendo a comunicação linguística procedimento essencial para a garantia dessa produção e reprodução. A verdade prática do conteúdo articula-se à validade intersubjetiva (DUSSEL, 2002DUSSEL, Enrique. Ética da libertação: na idade da globalização e da exclusão. Trad. de Ephraim Fereira Alves, et al. 2. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2002., p. 169) e o critério de validade – ou procedimental – trata da pretensão de alcançar a intersubjetividade atual – histórica, não definitiva – acerca de acordos obtidos racionalmente por uma comunidade (DUSSEL, 2002DUSSEL, Enrique. Ética da libertação: na idade da globalização e da exclusão. Trad. de Ephraim Fereira Alves, et al. 2. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2002., p. 208).

Nesta esteira, examinaremos no presente artigo, em especial, o momento da crítica formal e a construção do critério e do princípio ético crítico-discursivo comunitário de validade na Ética da Libertação dusseliana, sem olvidar que a vida concreta e a crítica material fundamentam o discurso.

O momento da crítica formal é marcado pela dualidade entre o aspecto negativo e o aspecto positivo do princípio. Considera-se, por um lado, o processo de “tomada de consciência” progressiva das vítimas sobre o que causa a negação de suas vidas, ou seja, a consciência da exclusão – o momento que Paulo Freire chama de denúncia (1981, p. 48). Por outro, há o exercício da razão crítico-discursiva por elas mesmas, construindo, a partir da imaginação libertadora, alternativas possíveis, utópico-factíveis, de transformação – o anúncio (FREIRE, 1981FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade. 5ª ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra. 1981., p. 48).

Na construção dos critérios e princípios presentes na Ética da Libertação, Dussel dialoga com autores de distintas escolas do pensamento, aproveitando algumas análises, apontando limites e refutando outras. No presente artigo, para tratar dos aspectos negativo e positivo do princípio crítico de validade, além de contar com o subsídio de Paulo Freire, optamos por trabalhar, especialmente, o diálogo estabelecido por Dussel com Antonio Gramsci e Ernst Bloch. Tal escolha se deu por terem contribuições-chaves na compreensão da hegemonia de negação da vida das vítimas e da construção da utopia possível, respectivamente.

A problemática a ser enfrentada neste trabalho trata das possibilidades colocadas pelo mecanismo de consulta prévia, livre e informada, previsto na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil em 2002, como instrumento de efetivação do princípio ético crítico-discursivo comunitário de validade. A Convenção dispõe sobre a necessidade de consultar e garantir mecanismos de participação aos povos afetados por medidas legislativas e administrativas. Dialogando com Dussel, discutimos os limites e as aberturas apresentadas por esse instrumento que, a princípio, apresenta-se como uma maneira de ouvir a voz das vítimas.

A questão colocada, então, é: como garantir que todos os afetados pela globalização – e pela exclusão por ela gerada – participem, de fato, da discussão argumentativa, sem coação e sendo reconhecidos como iguais? A ação ético-crítica deve transformar o que causa a negatividade material da vítima e, ainda, construir novas normas, ações, instituições etc., em que as vítimas possam viver como participantes iguais e plenos (DUSSEL, 2002DUSSEL, Enrique. Ética da libertação: na idade da globalização e da exclusão. Trad. de Ephraim Fereira Alves, et al. 2. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2002., p. 565). Ou seja: se alguém é excluído violentamente do discurso, deve-se criar condições para sua (re)inclusão. Para isso, é preciso não apenas reconhecer o outro como igual, mas reconhecer o dever moral de argumentar que o outro excluído deve falar. Essas são, para Dussel, as questões que dão o conteúdo mínimo da universalidade da ética.

A partir desses elementos introdutórios, é possível debater o desenvolvimento do consenso crítico, que, longe da Ética do Discurso de Habermas – baseada numa simetria que é impossível empiricamente (DUSSEL, 2002DUSSEL, Enrique. Ética da libertação: na idade da globalização e da exclusão. Trad. de Ephraim Fereira Alves, et al. 2. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2002., p. 465) –, encara a desigualdade material das vítimas e a coação a elas impingida pelo sistema de exclusão hegemônico. Assim, o ponto de partida é, justamente, a comunidade crítico-simétrica das vítimas, que foram, e são, excluídas assimetricamente da comunidade de comunicação hegemônica.

2. As vítimas têm voz na era da globalização e da exclusão?

O momento ético-material é marcado tanto por uma razão prático-material, que tem pretensão de verdade prática, ou seja, tem a capacidade de distinguir por meio de um juízo de fato entre aquilo que é veneno e o que é alimento para a vida; quanto pela razão ético-originária, que assente com a existência do outro, de outros sujeitos humanos, como iguais. (DUSSEL, 2002DUSSEL, Enrique. Ética da libertação: na idade da globalização e da exclusão. Trad. de Ephraim Fereira Alves, et al. 2. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2002., p. 277). É por este caminho, também, que passa e se fundamenta a razão discursiva, momento ético-formal, que atinge a validade intersubjetiva por meio da participação simétrica dos outros participantes que são tratados como iguais – há um reconhecimento e uma responsabilidade pelo outro (DUSSEL, 2002DUSSEL, Enrique. Ética da libertação: na idade da globalização e da exclusão. Trad. de Ephraim Fereira Alves, et al. 2. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2002., p. 466).

Para debater a ética da discursividade crítica, a contextualização do critério de validade intersubjetiva, o segundo dos seis momentos da arquitetônica da Ética da Libertação3 3 Quais sejam: i.) aspectos ético-material, ii.) moral formal, iii.) factibilidade ético-procedimental, iv.) ético-material crítico, v.) moral-formal crítico anti-hegemônico, vi.) factibilidade ético-crítica (práxis da libertação). (DUSSEL, 2002, p. 91) , coloca as bases no sentido de, posteriormente, tratar do critério moral-formal crítico anti-hegemônico. A Ética preocupada em produzir, reproduzir e desenvolver a vida constrói-se, também, a partir da validade do discurso, tendo a “pretensão de alcançar a intersubjetividade atual acerca de enunciados veritativos, como acordos obtidos racionalmente por uma comunidade” (DUSSEL, 2002DUSSEL, Enrique. Ética da libertação: na idade da globalização e da exclusão. Trad. de Ephraim Fereira Alves, et al. 2. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2002., p. 208). Para tanto, é fundamental que haja a participação efetiva na discussão argumentativa.

A razão instrumental, terceiro momento-fundamento da Ética da Libertação, por sua vez, subsume-se pela razão ética da factibilidade, que inclina-se a uma utopia, que traça “um projeto possível” e, a partir dele, “opera ou efetua realmente a norma, ato, instituição ou sistema de eticidade (o ‘bom’ ou ‘mal’), podendo igualmente avaliar a posteriori suas consequências” (DUSSEL, 2002DUSSEL, Enrique. Ética da libertação: na idade da globalização e da exclusão. Trad. de Ephraim Fereira Alves, et al. 2. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2002., p. 466).

Esta avaliação crítica do sistema de eticidade hegemônico permite constatar tanto existência das vítimas, o que mostra a “não-verdade” da ordem ética vigente, quanto a não participação das comunidades de vítimas nos processos decisórios e, assim, a não-validade dos consensos do sistema dominante. Dussel assevera, inclusive, a “impossibilidade empírica de não excluir alguém do discurso”, diante da inexistência de uma comunidade de comunicação absolutamente perfeita. Quer dizer: não temos condições de ter consciência de todos os excluídos do presente, nem dos excluídos futuros por nossas ações presentes – o que implica a necessidade de avaliação constante de quem são as vítimas atuais e dos mecanismos de inclusão a serem adotados (DUSSEL, 2002DUSSEL, Enrique. Ética da libertação: na idade da globalização e da exclusão. Trad. de Ephraim Fereira Alves, et al. 2. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2002., p. 417).

Enquanto a Ética do Discurso pressupõe que a argumentação ocorre entre participantes em condições simétricas, negligenciando a realidade dos afetados pela globalização excludente, a Ética da Libertação, considerando que as vítimas são constantemente excluídas assimetricamente da comunidade de comunicação hegemônica, aponta a necessidade de que se reúnam em uma comunidade crítico-simétrica (DUSSEL, 2002DUSSEL, Enrique. Ética da libertação: na idade da globalização e da exclusão. Trad. de Ephraim Fereira Alves, et al. 2. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2002., p. 465). A Ética da Libertação dispõe da luta pelo reconhecimento das próprias vítimas, que se transformam em agentes incumbidos de sua própria libertação.

É através de razão crítica que, de forma inovadora, a comunidade crítica das vítimas alcança uma nova validade, anti-hegemônica, que tem origem no reconhecimento de cada uma delas, por elas mesmas, como “outra” (DUSSEL, 2002DUSSEL, Enrique. Ética da libertação: na idade da globalização e da exclusão. Trad. de Ephraim Fereira Alves, et al. 2. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2002., p. 467).

O exercício da razão discursiva crítica perfaz-se, inicialmente, com o processo de descoberta da não validade dos consensos do sistema dominante, em seguida, toma-se ciência da periculosidade inerente da crítica, pois o consenso das vítimas será tido como anti-hegemônico, ilegal e ilegítimo. O tamanho da ameaça ao status quo que representa o consenso anti-hegemônico da comunidade de vítimas relaciona-se ao contexto social, cultural, político e econômico de cada localidade e momento histórico, podendo haver mais ou menos rechaço ao consenso construído pelas vítimas ou até mesmo a criminalização de seus acordos. Essa questão remete diretamente à criminalização dos movimentos sociais e, de forma geral, à perseguição contra grupos de pessoas que vivem modos de vida diferente àquele imposto pelos sistemas hegemônicos e, por isso, os enfrentam com sua própria existência4 4 Sobre a criminalização dos movimentos sociais no Brasil, indica-se, por exemplo: SAUER, 2010, 2014; SCALABRIN, 2008, 2009. .

A validade da criticidade ética em si é consubstanciada no critério crítico-discursivo intersubjetivo de validade que conta com a participação intersubjetiva das vítimas em uma nova comunidade de comunicação – não naquela hegemônica, na qual não é possível simetria para a construção do consenso. É no momento “interno” da comunidade de vítimas que o acordo crítico é entabulado de forma empírica, intersubjetivamente, por meio de um juízo de fato ou enunciado descritivo. O acordo, antes de tudo, trata-se de compreender a experiência vivida pela comunidade: a do “não poder viver”, de ter suas vidas negadas. Por negarem a produção, reprodução e desenvolvimento de suas vidas, os acordos hegemônicos são inválidos. É a partir dessa constatação da invalidade que se torna possível a nova construção da validade crítica, baseada na simetria da comunidade consensual. Exemplificando, Dussel alude ao caso emblemático de Rigoberta Menchú5 5 A história de Rigoberta Menchú – descrita no livro “Meu nome é Rigoberta Menchú e assim nasceu em mim a consciência”, que trata de um relato realizado por ela mesma e transcrito por Elisabeth Burgos – é marcada por diversas violências – de gênero, racistas, coloniais – entre elas, notadamente, o massacre de seu povo, maia, e dos seus modos de vida pela colonização (BURGOS-DEBREY, 1991). – mulher, indígena, pobre, guatemalteca – e de sua autoafirmação a partir da consciência de sua exclusão. Rigoberta relata ter começado a “ver mais claramente as coisas” e ter consciência da necessidade da luta “junto com os outros” a partir da consciência da sua negatividade (DUSSEL, 2002DUSSEL, Enrique. Ética da libertação: na idade da globalização e da exclusão. Trad. de Ephraim Fereira Alves, et al. 2. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2002., p. 416-426).

Ao analisar o processo de conscientização, a Ética da Libertação vale-se das construções de Paulo Freire, considerando que sua posição apresenta-se como propriamente ético-crítica e intersubjetivo-comunitária tanto na perspectiva de denúncia da negatividade das vítimas, quanto na de anúncio da utopia-factível a partir das massas vitimadas (DUSSEL, 2002DUSSEL, Enrique. Ética da libertação: na idade da globalização e da exclusão. Trad. de Ephraim Fereira Alves, et al. 2. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2002., p. 427).

As convergências entre Dussel e Freire não são poucas: comprometidos com a vida humana a partir de experiências concretas, colocam a utopia com os pés no chão – não como algo ideal ou irrealizável, mas como “dialetização da denúncia e do anúncio” (FREIRE, 1981FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade. 5ª ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra. 1981., p. 48). A pedagogia do oprimido de Freire, “como pedagogia humanista e libertadora”, apresenta dois momentos (FREIRE, 1987, p. 23). Dussel retoma de Freire o caráter dual e complementar entre o momento negativo, da denúncia da opressão, e o momento positivo, do anúncio. “O primeiro, em que os oprimidos vão desvelando o mundo da opressão e vão comprometendo-se com a transformação”. O segundo, em que a realidade opressora coloca-se já transformada e, assim, a pedagogia deixa de ser do oprimido e passa a ser a pedagogia da humanidade “em processo de permanente libertação” (FREIRE, 1987, p. 23).

Freire discute a figura do educador como aquele que “deve começar por se educar com o ‘conteúdo’ que o próprio educando lhe ministra”, aprendendo o mundo do educando para nele poder intervir (DUSSEL, 2002DUSSEL, Enrique. Ética da libertação: na idade da globalização e da exclusão. Trad. de Ephraim Fereira Alves, et al. 2. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2002., p. 439) e, em contrapartida, possibilitando ao educando o acesso a uma interpretação da realidade a partir das ciências sociais críticas – processo que Dussel retoma debatendo o papel dos “militantes-peritos”.

O aspecto negativo do princípio da discursividade-crítica liga-se ao momento da injusta exclusão e de tomada de consciência dessa exclusão. A verdade do sistema hegemônico coloca-se, então, como uma não verdade: a existência da vítima é a maior prova de falseamento desse sistema. E de forma consensual a comunidade das vítimas vai dando origem a um novo paradigma prático, que contém verdade e validade críticas. Trata-se de uma consciência ético-crítica em sentido pleno. (DUSSEL, 2002DUSSEL, Enrique. Ética da libertação: na idade da globalização e da exclusão. Trad. de Ephraim Fereira Alves, et al. 2. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2002., p. 467).

Assim, é possível descrever o alcance da validade crítica quando as vítimas em comunidade se reconhecem, compreendem e explicam as causas de sua alienação e projetam alternativas futuras com projetos possíveis. A partir da identificação intersubjetiva surge o princípio ético crítico-discursivo comunitário de validade, pois as constatações das vítimas permitem agora que sejam feitas formulações do “como deve ser”. Isso passa pelo processo de identificação dos sujeitos que, tendo sido excluídos, são motivados a, buscando alternativas, unirem-se solidariamente, agindo e pensando de forma comunitária, construindo, como aponta Bloch, utopias possíveis.

As vítimas, agora, têm a obrigação de imaginar os momentos procedimentais ou morais que precisam ser transformados. Este pensar novos mecanismos de ação dá-se pelas próprias vítimas, com auxílio de peritos quando for o caso. Os peritos, ou intelectuais orgânicos à la Gramsci, exercem um papel de retaguarda em relação à comunidade, são facilitadores da explicação da negatividade da comunidade de vítimas, ao mesmo tempo em que dependem dela, pois sem a comunidade sua função encontra-se esvaziada de sentido.

3. Da hegemonia de negação da vida das vítimas à utopia possível: Dussel em diálogo com Gramsci e Bloch

A razão crítico-discursiva tem duas tarefas principais: a crítica científica da eticidade vigente e a projeção criativa, por meio da razão crítica utópico construtiva. A tarefa de reflexão, a que se propõe a Ética da Libertação, sobre a validade do discurso crítico da comunidade de vítimas enfrenta, então, o critério de demarcação entre ciência social funcional e crítica. As ciências sociais críticas, ao contrário das funcionais, que servem de sustentação ao sistema de exclusão vigente, dão origem a novos paradigmas científicos a partir da solidariedade das vítimas (DUSSEL, 2002DUSSEL, Enrique. Ética da libertação: na idade da globalização e da exclusão. Trad. de Ephraim Fereira Alves, et al. 2. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2002., p.444).

A comunidade vitimada chama os “intelectuais orgânicos” à responsabilidade de construir, científica e criticamente, tanto o momento negativo, da denúncia da opressão, que, no dizer de Freire, “exige um cada vez maior conhecimento científico de tal sociedade”, quanto o momento positivo, do anúncio, que também “demanda uma teoria da ação transformadora da sociedade denunciada” (1981, p. 48).

A crítica à ordem vigente é momento negativo, de desconstrução, mas de forma crítica, centrada na produção, reprodução e desenvolvimento da vida da comunidade de vítimas – não apenas na desconstrução que acaba por encobrir o sentido. A razão utópica, por sua vez, deve apontar para horizontes não-funcionais ao sistema – esquivando-se do perigo de seduzir-se pelas utopias do sistema hegemônico6 6 O que dizer da afirmação de que “o mercado, por si só, tende ao equilíbrio” ou, ainda, do lema “liberdade, igualdade, fraternidade” das revoluções burguesas a não ser que são expressões da utopia liberal? (DUSSEL, 2002, p. 473). .

As chaves teóricas usadas por Gramsci, e retomadas por Dussel em alguma medida, são muito úteis para a compreensão da negação de vidas impostas pelo sistema vigente7 7 Gramsci, na verdade, faz colocações que são úteis tanto para a explicação do momento negativo quanto do positivo da discursividade crítica, vez que se situa na no que Dussel chama de “corrente quente” do marxismo, aquela que não se limita a realizar as tarefas do momento científico, mas que considera o momento pulsional, de entusiasmo e esperança (DUSSEL, 2002, p. 461). . Gramsci foca-se em desvendar o dominação ideológica do capitalismo. Dussel, para além disso, aponta que algumas das formulações e conceitos gramscianos, combinados com outras construções teóricas, contribuem na apreensão de como os diversos sistemas dominantes, para além do capitalismo – o patriarcado, o racismo, o colonialismo, etc. –, negam a vida às vítimas.

A classe dominante busca dar às suas ideias a forma de universalidade, a apresentá-las como as únicas racionais e válidas. Dessa forma, a classe dominada tende a aderir à visão de mundo que lhes é imposta. “Os indivíduos que compõem a classe dominante” “dominam também como pensadores, produtores de ideias” e, além disso, são eles que distribuem as ideias, fazendo com que as ideias de sua classe sejam as ideias dominantes da época (MARX; ENGELS, 2007MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã: crítica a mais recente filosofia alemã em seus representantes Feuerbah, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus diferentes profetas. Trad. Rubens Enderle, Nélio Schneider e Luciano Cavini Martorano. São Paulo: Boitempo, 2007., p. 47-48). “A filosofia de uma época histórica”, dessa forma, “não é senão a ‘história’ desta mesma época, não é senão a massa de variações que o grupo dirigente conseguiu determinar na realidade precedente” (GRAMSCI, 2001, p. 325-326).

Partindo do questionamento sobre como a filosofia da classe dominante apresenta-se como senso comum, a teoria gramsciana faz do conceito de hegemonia tema central para sua teoria sobre o funcionamento do sistema capitalista. Preocupa-se, assim, com a habilidade de realizar a condução ideológica da sociedade, de dar a direção política, moral e cultural tendo base social para tanto. Ou seja, “a capacidade de unificar através da ideologia e de conservar unido um bloco social que não é homogêneo, mas sim marcado por profundas contradições de classe” (GRUPPI, 1978GRUPPI, Luciano. O conceito de hegemonia em Gramsci. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Graal, 1978., p. 70).

A hegemonia ideológica daqueles que detêm o poder apresenta-se como a única racionalidade possível. Para quebrar a lógica imposta, é necessário, usando as expressões de Dussel, que as vítimas, coletivamente, construam a consciência ético-crítica de do seu “não-poder-viver” sobre aquela ordem hegemônica, da negação de suas vidas – assim, comunitariamente, aprende-se a “argumentar contra a argumentação dominante” (DUSSEL, 2002DUSSEL, Enrique. Ética da libertação: na idade da globalização e da exclusão. Trad. de Ephraim Fereira Alves, et al. 2. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2002., p. 467).

Na forma colocada por Gramsci, há, então, que se construir e fortalecer a contra-hegemonia a partir de uma guerra de posição que deve se preocupar com algumas tarefas primordiais: criar organização de massa da classe trabalhadora e o desenvolvimento de instituições e da cultura operária. Além disso, fortalecer o processo de “transformação da consciência” que passa pela apreensão da solidariedade de interesses entre os membros da classe oprimida – da comunidade de vítimas, no dizer de Dussel – à consciência de que os seus interesses se estendem a todos os grupos subordinados que podem unir-se para formar uma contraideologia que os liberte da posição subordinada (CARNOY, 1994CARNOY, Martin. Estado e teoria política. 4. ed. São Paulo: Papirus, 1994., p. 112). Aqui, já se passa para o momento positivo, de afirmação da produção, reprodução e desenvolvimento da vida das vítimas.

Para a construção tanto da hegemonia como da contra-hegemonia, os intelectuais orgânicos de cada grupo social – aqueles denominados por Dussel como militantes-peritos – desempenham um papel substancial. Gramsci enfatiza a função dos intelectuais na organização da “teia de relações institucionais e sociais” que constitui a hegemonia que garante a legitimação do capitalismo (BOTTOMORE, 1997BOTTOMORE, Tom. Dicionário do pensamento marxista. Rio de Janeiro: Zahar, 1997., p. 166). São os intelectuais os construtores da hegemonia social, das ideologias.

Cada grupo social, nascendo no terreno originário de uma função essencial no mundo da produção econômica, cria para si, ao mesmo tempo, de um modo orgânico, uma ou mais camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função, não apenas no campo econômico, mas também no social e no político: o empresário capitalista cria consigo o técnico da indústria, o cientista da economia política, o organizador de uma nova cultura, de um novo direito, etc., etc (GRAMSCI, 1968GRAMSCI, Antonio. A formação dos intelectuais e a organização da cultura. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968., p. 3-4).

Para a classe dominante, eles cumprem o papel de base para sua legitimação e sustentação. Já os intelectuais orgânicos da classe dominada apontam para a necessidade de superação das condições de dominação e de unificação das forças populares (SCHELESENER, 1992, p. 27).

Para Gramsci, todo ser humano é um filósofo, um intelectual, entretanto, os intelectuais orgânicos se diferenciam por terem a função de dirigir as ideias e as aspirações da classe a qual pertencem8 8 “Em qualquer trabalho físico, mesmo o mais mecânico e degradado, existe um mínimo de qualificação técnica, isto é, um mínimo de atividade intelectual criadora. [...] Todos os homens são intelectuais, poder-se-ia dizer então; mas nem todos os homens desempenham na sociedade a função de intelectuais. Quando se distingue entre intelectuais e não-intelectuais, faz-se referência, na realidade, tão-somente à imediata função social da categoria profissional dos intelectuais, isto é, leva-se em conta a direção sobre a qual incide o peso maior da atividade profissional específica, se for elaboração intelectual ou se no esforço muscular-nervoso. Isto significa que, se se pode falar de intelectuais, é impossível falar de não-intelectuais, porque não existem não-intelectuais” (GRAMSCI, 1968, p. 7). . Dessa forma, a comunidade de vítimas conta com “peritos” ou “intelectuais orgânicos” que impõem a si mesmos a responsabilidade ética de explicação das causas da negatividade das vítimas e produzem ciência humana ou social crítica (DUSSEL, 2002DUSSEL, Enrique. Ética da libertação: na idade da globalização e da exclusão. Trad. de Ephraim Fereira Alves, et al. 2. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2002., p. 474).

No processo de construção da crítica científica da eticidade vigente há uma articulação complexa entre consciência ético-crítica das vítimas e a do intelectual “interpelado” pelos atingidos excluídos. A comunidade de vítimas – seja ela de trabalhadores, de povos indígenas, de mulheres, etc. – critica e amadure a análise do perito explicando a causa da sua negatividade. O perito, então, deve, constantemente, modificar o seu programa para adaptá-lo às críticas e continuar investigando a partir de modificações na realidade. Esse processo leva àquilo que Dussel denomina de consciência crítico-cotidiana (DUSSEL, 2002DUSSEL, Enrique. Ética da libertação: na idade da globalização e da exclusão. Trad. de Ephraim Fereira Alves, et al. 2. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2002., p. 475).

Coloca-se, a partir daí, o momento positivo da discursividade crítica. Aqui, Dussel retoma Bloch, identificando que este, durante toda a vida, desenvolveu o momento crítico positivo do projeto de libertação (DUSSEL, 2002DUSSEL, Enrique. Ética da libertação: na idade da globalização e da exclusão. Trad. de Ephraim Fereira Alves, et al. 2. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2002., p. 457). O fez porque não se perdeu em idealismos: compreende, na construção do projeto de alternativas de mundo possíveis, que a vida humana é o critério prático da verdade (DUSSEL, 2002DUSSEL, Enrique. Ética da libertação: na idade da globalização e da exclusão. Trad. de Ephraim Fereira Alves, et al. 2. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2002., p. 462).

Bloch diferencia a utopia concreta da abstrata, o que permite desviar do equívoco que atrela a utopia obrigatoriamente a assuntos transcendentais e religiosos ou, ainda, à ideia de perfeição, o que acaba por vinculá-la a abstrações irrealizáveis, sonhos inexequíveis. Esta utopia ilusória trata-se da abstrata – não é sobre ela que Bloch se debruçou. A utopia concreta, por outro lado, trata de projeções e sonhos factíveis. Enfatiza-se, assim, a percepção de processo, melhoramento e transformação, que não se coadunam com a noção de perfeição.

A utopia concreta baseia-se na possibilidade de realizar, não na garantia de resultados pré-definidos. Depende da ação humana e não dispensa a ciência no processo de investigação de circunstâncias subjetivas e objetivas que podem fazer realidade da possibilidade. A utopia concreta materializa a esperança através da espera ativa:

O ato de esperar não resigna: ele é apaixonado pelo êxito em lugar do fracasso. A espera, colocada acima do ato de temer, não é passiva como este, tampouco está trancafiada em um nada. O afeto da espera sai de si mesmo, ampliando as pessoas, em vez de estreitá-las: ele nem consegue saber o bastante sobre o que interiormente as faz dirigirem-se para um alvo, ou sobre o que exteriormente pode ser aliado a elas. A ação desse afeto requer pessoas que se lancem ativamente naquilo que vai se tornando e do qual elas próprias fazem parte (BLOCH, 2005BLOCH, Ernest. O princípio esperança. v. 1. Trad. Nélio Schneider. Rio de Janeiro: EDUERJ: Contraponto, 2005., p.13).

No mesmo sentido, Freire poetiza, em sua “Canção óbvia”: “Não te esperarei na pura espera/porque o meu tempo de espera é um/tempo de quefazer” (2000, p. 6). Essa esperança, que não é “pura espera”, coloca-se como força motriz para a utopia concreta, uma mola propulsora para a ação transformadora.

O sistema de exclusão só pode ser abalado quando há esperança. “A falta de esperança é, ela mesma, tanto em termos temporais quanto em conteúdo, o mais intolerável, o absolutamente insuportável para as necessidades humanas”, diz Bloch (2005BLOCH, Ernest. O princípio esperança. v. 1. Trad. Nélio Schneider. Rio de Janeiro: EDUERJ: Contraponto, 2005., p.15).

A tomada de consciência da comunidades das vítimas é aquela capaz de antecipar o que se busca – assim, transpõe o imediato e refuta a reprodução sistemática do agora. A utopia concreta coloca-se como uma “ainda-não”, enquanto a abstrata, niilista, impõe-se como nada. A utopia concreta é prática libertadora e transformadora, na qual não há espaço para o aniquilamento, a descrença e o determinismo. A utopia baseada na esperança é antônima de mera observação sem ação, não se contenta em apenas se tornar sonho, gera aspirações que gritam para serem realizadas a partir da vida das vítimas. Dessa forma, ao fundamentar o princípio da esperança, Bloch não cai na irracionalidade, pois os sonhos “das vítimas são conscientes, abertos, racionais.” (DUSSEL, 2002DUSSEL, Enrique. Ética da libertação: na idade da globalização e da exclusão. Trad. de Ephraim Fereira Alves, et al. 2. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2002., p. 461).

Para fundamentar a sua tese acerca da esperança, Bloch utiliza a metáfora do sonho, diferenciando os sonhos diurnos dos sonhos noturnos. Os sonhos noturnos são aqueles que trazem os desejos guardados no inconsciente, seus conteúdos devem ser decifrados. Já os conteúdos dos sonhos diurnos não advêm propriamente do inconsciente, mas de um ainda-não-consciente, e podem “proporcionar ideais que não pedem interpretação, e sim elaboração” (BLOCH, 2005BLOCH, Ernest. O princípio esperança. v. 1. Trad. Nélio Schneider. Rio de Janeiro: EDUERJ: Contraponto, 2005., p. 88). Dessa forma, “o sonho desejante do dia não necessita de qualquer escavação ou interpretação, mas de correção e, na medida em que esteja capacitado para isso, de concretização” (BLOCH, 2005BLOCH, Ernest. O princípio esperança. v. 1. Trad. Nélio Schneider. Rio de Janeiro: EDUERJ: Contraponto, 2005., p. 100).

Os sonhos diurnos têm a capacidade de exprimir a esperança e a “consciência antecipadora”. A comunidade de vítimas, assim, coloca seus olhos no futuro com os pés fincados no presente. Os sonhos diurnos e as esperanças, quando alicerçados em estudos que levam em consideração a realidade histórica, podem dar origem à utopias factíveis, realizáveis e, portanto, concretas – impulsionadas pela prática (BLOCH, 2005BLOCH, Ernest. O princípio esperança. v. 1. Trad. Nélio Schneider. Rio de Janeiro: EDUERJ: Contraponto, 2005., p. 158).

4. O potencial e os limites da consulta prévia prevista na Convenção nº 169 da OIT frente ao princípio ético crítico-discursivo comunitário de validade

A partir desse diálogo entre Dussel, Freire, Gramsci e Bloch, colocam-se chaves tanto para a percepção de como se dá o processo de construção, na Ética da Libertação dusseliana, da consciência crítico-cotidiana no seu aspecto negativo – de compreensão das causas da negatividade – quanto no aspecto positivo – de construção da utopia possível a partir da intersubjetividade da comunidade de vítimas.

A comunidade da vida é constituída pela intersubjetividade dos sujeitos históricos, sendo que a subjetividade se torna libertadora quando é atingida a explicação crítica da causa da negatividade e, ainda, a formulação sobre as possíveis alternativas.

A construção de Dussel sobre o princípio ético-discursivo de validade remete a uma questão bastante interessante que tem sido debatida com mais amplitude nos últimos anos no Brasil: o mecanismo de consulta prévia disposto no artigo 6º da Convenção nº 169 da OIT, um instrumento que apresenta, a priori, o objetivo de “fazer ouvir as vítimas”9 9 Aqui, debateremos apenas o mecanismo previsto na Convenção da OIT, mas vale lembrar instrumentos similares previstos na Constituição Federal no caso dos indígenas (artigo 231, §3º) e na Convenção sobre diversidade biológica da Organização das Nações Unidas (ONU). .

Ratificada pelo Brasil em 2002 e promulgada pelo Decreto presidencial nº 5.051/2004, essa norma internacional aponta diretrizes mínimas “sobre povos indígenas e tribais”. Em suas considerações iniciais, consta que foi elaborada, entre outros motivos, devido ao reconhecimento das “aspirações desses povos a assumir o controle de suas próprias instituições e formas de vida e seu desenvolvimento econômico, e manter e fortalecer suas identidades, línguas e religiões, dentro do âmbito dos Estados onde moram.”

Assim, a Convenção nº 169 dispõe sobre a necessidade de consultar e garantir mecanismos de participação aos povos indígenas10 10 Nos termos da Convenção, povos indígenas são assim considerados os que “descendem de populações que habitavam o país ou uma região geográfica pertencente ao país na época da conquista ou da colonização ou do estabelecimento das atuais fronteiras estatais” e, ainda, “conservam todas as suas próprias instituições sociais, econômicas, culturais e políticas, ou parte delas” (artigo 1º, parágrafo 1, “b”). e tribais11 11 A definição de povos tribais abarca aqueles “cujas condições sociais, culturais e econômicas os distingam de outros setores da coletividade nacional, e que estejam regidos, total ou parcialmente, por seus próprios costumes ou tradições ou por legislação especial” (artigo 1º, parágrafo 1, “a”). afetados por medidas legislativas e administrativas que atinjam suas comunidades. No caso brasileiro, interessa ressaltar que os povos quilombolas foram reconhecidos como “povos tribais” pela Comissão de especialistas na aplicação de convênios e recomendações da OIT, conforme informe de 2009 – após denúncias de descumprimento da Convenção realizadas por diversas organizações nacionais –, uma vez que solicita ao Estado brasileiro informações sobre o descumprimento dos termos da Convenção nº 169 no que toca às comunidades quilombolas atingidas por grandes empreendimentos (OIT, 2009ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABAJO (OIT). Informe de la Comisión de Expertos en Aplicación de Convenios y Recomendaciones. Informe III (Parte 1 A), Informe general y observaciones referidas a ciertos países. Oficina Internacional del Trabajo: Ginebra/Suiza, 2009. p.733-734. Disponível em: <https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_norm/---relconf/documents/meetingdocument/wcms_103488.pdf>. Acesso em: 15 ago. 2018.
https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public...
, p. 733-734).

A proposta colocada nesse trabalho, entretanto, é analisar não só o potencial da referida Convenção como instrumento de garantia para que as vítimas sejam ouvidas, mas, também, indicar seus limites, inclusive assimilacionistas – e, assim, funcionais ao sistema –, quando, por exemplo, fala em fortalecimento da identidade “dentro do âmbito dos Estados onde moram” – partindo do pressuposto de que os diversos povos reconhecem e aceitam a existência do país em que estariam instalados seus territórios, bem como coadunam com o fato de viverem neste Estado.

No mesmo sentido, importa ponderar que, para garantir a participação das vítimas nas decisões sobre suas vidas, seria um equívoco olhar sem desconfiança para um mecanismo estabelecido por um órgão internacional vinculado à Organização das Nações Unidas (ONU) e reconhecido como instrumento normativo pelos Estados-nacionais, que integram e se fundem ao processo da modernidade e do capitalismo.

A Convenção nº 169 foi adotada pela OIT em substituição à Convenção nº 107, de 1957, que tratava “da proteção e integração das populações indígenas e outras populações tribais e semitribais de países independentes”. O enfoque da norma internacional anterior era notadamente mais assimilacionista e tutelar, apontado para a progressiva integração dos povos em questão à cultura do respectivo país e, assim, sua inserção na lógica da globalização – em um paradoxo: sua inclusão no sistema para, dentro, estarem excluídos dele.

Dessa forma, a Convenção nº 107, ao mesmo tempo em que estabeleceu o direito à propriedade coletiva das terras (artigo 11), à educação em língua materna (artigo 23) e a necessidade de considerar-se o direito costumeiro (artigo 7º), definiu populações tribais ou semitribais como aquelas “cujas condições sociais e econômicas correspondem a um estágio menos adiantado que o atingido pelos outros setores da comunidade nacional...” (artigo 1º, parágrafo 1, “a”). Apontava, também, que os países signatários deveriam adotar programas com vistas à “integração progressiva” das comunidades indígenas e tradicionais “na vida dos respectivos países”.

Não é demais advertir, inclusive, que, no âmbito da OIT – que coloca como um de seus objetivos principais consolidar patamares mínimos internacionais de proteção ao trabalho –, a própria elaboração de uma Convenção para tratar de povos que vivem distantes da lógica hegemônica das relações de trabalho capitalistas indica a posição do órgão em relação à globalização do capital: de integrar esses povos à dinâmica de exploração que o capitalismo inflige sobre o trabalho e sobre o uso da terra. Neste sentido, é importante considerar, como ressalta Mignolo falando do processo de colonização, que “a apropriação de terras estava estritamente relacionada com a exploração da mão de obra de índios e africanos escravizados, e com o controle de finanças, isto é, a acumulação de capital como consequência da apropriação de terras e a exploração da mão de obra” (2007, p. 37).

As diversas críticas e mobilizações contrárias à Convenção nº 107, especialmente em relação às perspectivas integracionista e tutelar perante os povos indígenas e tradicionais12 12 Optou-se por utilizar o termo “povos tradicionais” nesse trabalho por se colocar como mais adequado ao contexto brasileiro que povos tribais. fizeram com que fosse considerada a necessidade de sua substituição, o que viria a acontecer em 1988, com a aprovação da Convenção nº 169. Aqui, vale também uma nota à dificuldade que a própria estrutura da OIT apresenta em relação à participação dos povos indígenas e tradicionais em seus espaços de discussão e deliberação. Sua estrutura é formada por órgãos tripartites: com representantes de organizações de trabalhadores, de empregadores e dos Estados-membros. Assim, a maneira como a entidade internacional está organizada acaba por dificultar a atuação direta desses povos, de forma que, até hoje, os povos atingidos, para apontar o descumprimento da Convenção, têm buscado sindicatos ou organizações de trabalhadores – no caso brasileiro, as centrais sindicais, por exemplo – para encaminhar a denúncias13 13 “Los pueblos indígenas, como cualquier otro grupo, no pueden invocar directamente el Convenio ante los órganos de control de la OIT, pero pueden valerse de los mandantes tripartitos de la OIT para articular sus problemas y preocupaciones. Hasta ahora, los pueblos indígenas han actuado a través de sindicatos de sus propios países o internacionales o se han afiliado a ellos, y en ciertos países se crearon sindicatos de pueblos indígenas.” (DOUMBIA-HENRY, 2013, p. XII). . A realidade é elucidativa no sentido de mostrar como a eticidade vigente cria exclusão: mesmo no momento de estabelecimento de mecanismos de participação, há uma cegueira sobre a forma de organização dos povos indígenas e comunidades tradicionais, que devem buscar o instrumento hegemônico de organização de trabalhadores no capitalismo, a estrutura sindical, para fazer ouvir sua voz.

Mesmo diante dessas diversas contradições, são notáveis os aspectos positivos das disposições da Convenção nº 16914 14 Entendemos, vale frisar, que a análise dos avanços no texto da norma internacional apresenta limites bastante significativos, entretanto, apresenta relevância quando se considera que a discurso ali externalizado também é um campo em que se expressam disputas sociais. , cuja redação final foi aprovada em 1989 (BRASIL. MPF, 2018, p. 58), em relação à anterior no que toca à participação e consulta dos povos afetados por grandes empreendimentos, por exemplo. No mais, importa ponderar que os avanços do texto normativo convivem com uma baixa adesão à Convenção, ratificada por apenas 23 países (ONU NEWS, 2020ONU NEWS. OIT quer ações urgentes contra pobreza e desigualdades entre povos indígenas. 03 fev. 2020. Disponível em: <https://news.un.org/pt/story/2020/02/1702812>. Acesso em: 03 fev. 2020.
https://news.un.org/pt/story/2020/02/170...
), além de pouca efetividade do mecanismo de consulta na prática.

A obrigatoriedade da consulta prévia aos povos que serão atingidos por medidas legais ou governamentais, tal como estabelecido na Convenção (artigo 6º) sugere relações com o princípio ético-discursivo de validade colocado por Dussel, por apontar para a obrigatoriedade de “ouvir as vítimas da globalização”. Trata do direito de participação em decisões sobre programas e políticas que afetem os povos indígenas e tradicionais, colocando o dever do Estado de estabelecer meios para que essa participação seja livre. Interessante o trecho que indica que esses meios adotados devem garantir que participem “pelo menos na mesma medida que outros setores da população e em todos os níveis”. Assim, reconhece a assimetria imposta pela ordem hegemônica e dispõe que ela seja enfrentada através de ferramentas que garantam efetivamente – não apenas formalmente – o direito de participação dos afetados.

Outro ponto a ser ressaltado é o fato da Convenção ser baseada no princípio do autorreconhecimento, ao colocar que a “consciência de sua identidade indígena ou tribal” deverá ser considerada “como critério fundamental para determinar os grupos” aos quais é aplicada (artigo 1º).

Como se vê, há possíveis associações com critério crítico-discursivo de validade, apontado pela Ética da Libertação, constituído a partir de uma comunidade de vítimas excluídas que tanto se reconhecem como distintas do sistema que as oprime – colocando-as em posição assimétrica – como buscam e sustentam consensos críticos e solidários entre si – participando simetricamente nos acordos da comunidade (DUSSEL, p. 468).

Entretanto, para maior aproximação da princípio comunitário de validade seria necessária a garantia de que a consulta livre, prévia e informada, envolvesse reconhecimento efetivo do direito de não consentimento, ou seja, a real possibilidade, com efeitos vinculantes, de não concordar com a medida, para além de ser possível apontar quais os termos da autorização – quais exigências colocadas pelos povos para a adoção da medida. Sobre isso, a redação do parágrafo 2 do artigo 2º aponta que as consultas “deverão ser efetuadas com boa fé e de maneira apropriada às circunstâncias, com o objetivo de se chegar a um acordo e conseguir o consentimento acerca das medidas propostas”, ou seja, aponta que o objetivo é o consentimento. Mesmo ponderando que esse objetivo não significa que a consulta implica consentimento (DUPRAT, 2015DUPRAT, Deborah (Org.). Convenção nº 169 da OIT e os Estados Nacionais. Brasília: ESMPU, 2015., p. 109), na prática, a manifestação das comunidades contra a implementação dos empreendimentos que lhes atinjam não tem condicionado a ação estatal, o que resta demonstrado pelas diversas denúncias realizadas pelos povos afetados, evidenciando a surdez do Estado em relação à voz das vítimas.

Quanto aos aspectos que cercam a consulta, deve acontecer previamente à medida que vai afetar a comunidade ou povo em questão, o que remete, inclusive, à boa-fé e à efetividade da mecanismo. Dessa forma, “torna-se importante insistir que a primeira etapa de um processo consultivo deve ser a etapa informativa” (SILVA, 2017SILVA, Liana Amin Lima. Consulta prévia e livre determinação dos povos indígenas e tribais na América Latina: re-existir para co-existir. 2017. 239 fl. Tese (Doutorado em Direito) Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2017., p. 200).

A consulta de boa-fé e bem informada deverá apresentar, na etapa informativa, os estudos contendo os impactos positivos e negativos, imediatos e futuros, pensando na pervivência da comunidade e os direitos das gerações futuras ao território integral. Tais estudos deverão ser apresentados aos povos não como algo acabado elaborado por técnicos que subalternizam os conhecimentos das comunidades. A apresentação do EIA é um momento oportuno para se iniciar os diálogos interculturais, de igual para igual, ou seja, sem hierarquia entre os saberes ocidental e tradicional, no sentido que os conhecimentos ali apresentados são complementares. (SILVA, 2017SILVA, Liana Amin Lima. Consulta prévia e livre determinação dos povos indígenas e tribais na América Latina: re-existir para co-existir. 2017. 239 fl. Tese (Doutorado em Direito) Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2017., p. 200)

Neste ponto, o papel dos intelectuais orgânicos, ou dos militantes-peritos, ganha importância: a articulação orgânica entre a comunidade e as pessoas que realizam tanto os estudos de impacto quanto o processo de formação, informação e troca de conhecimentos sobre a medida são fundamentais para que se efetive a consulta informada. Mesmo nessa etapa inicial de diagnóstico do impacto, o diálogo do perito com a comunidade de vítimas pode ser importante, inclusive para que tenha condições de examinar a profundidade do impacto – que depende das condições culturais, sociais etc. da comunidade. Para que a consciência crítico-cotidiana tome lugar, é preciso que a comunidade critique e amadureça o resultado apresentado pelo perito (DUSSEL, 2002DUSSEL, Enrique. Ética da libertação: na idade da globalização e da exclusão. Trad. de Ephraim Fereira Alves, et al. 2. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2002.. p. 476).

Entretanto, vale pontuar um risco que ocorre nesse processo: o de que a consulta seja limitada a um procedimento formal, que pode ser utilizado, inclusive, apenas para legitimar a implementação do projeto: cumpre-se a “etapa” de consulta, sem considerar seu resultado e a posição dos povos afetados – “chegam com um projeto pronto e acabado, já em fase de implementação e previamente aprovado pelo Estado e órgãos ambientais encarregados de realizar os estudos de impacto ambiental” (SILVA, 2017SILVA, Liana Amin Lima. Consulta prévia e livre determinação dos povos indígenas e tribais na América Latina: re-existir para co-existir. 2017. 239 fl. Tese (Doutorado em Direito) Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2017., p. 200). Nesta esteira, também há risco de o Estado não se posicionar no processo como ente imparcial nas negociações, apresentando, por exemplo, interesse na implementação de um grande empreendimento hidrelétrico e já tendo, inclusive, acordado condições com as empresas construtoras. Com isso, ao invés de garantir aos povos afetados meios para que o diálogo seja realizado de forma menos assimétrica, pode reforçar a desigualdade de poder presente nas tratativas.

Dessa forma, a previsão legal de consulta prévia, livre e informada encontra-se envolvida por diversas questões a serem ponderadas quando se analisa o potencial de efetivação do princípio comunitário de validade de Dussel. Por outro lado, mesmo diante de todos esses limites, é interessante notar que apresenta habilidade de, em relação ao contexto anterior, criar um espaço maior para exigir que as vítimas sejam ouvidas em processos que digam respeito aos seus territórios. Tanto que os setores sociais preocupados em manter o status quo vêm se colocando contra o mecanismo de consulta15 15 É o que se vê, por exemplo, na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5905, em trâmite no Supremo Tribunal Federal, ajuizada em 2018 pela então governadora de Roraima, Suely Campos (PP), questionando a exigência de consultas para execução de obras públicas. .

Mas, de forma mais geral, o desrespeito à previsão de consulta tem sido comum16 16 Pode ser citado como exemplo o caso da construção da Usina Teles Pires, entre Pará e Mato Grosso, em que o direito à consulta só foi efetivado após judicialização do caso e determinação da medida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) (PROCURADORIA GERAL DA REPÚPLICA DA 1ª REGIÃO, 2016). . No caso brasileiro, foram emblemáticas as denúncias por descumprimento do direito à consulta prévia em relação a diversos povos indígenas e quilombolas, realizada em 2008, pela Articulação de dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), pela Coordenação Nacional de Comunidades Quilombolas (CONAQ) e diversas outras organizações, em articulação com a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Confederação Sindical das Américas (CSA). A partir das denúncias, a Comissão de Especialistas em Aplicação de Convenções e Recomendações da Organização Internacional do Trabalho (OIT) realizou recomendações ao Estado brasileiro no sentido de levar a cabo as consultas, sofrendo monitoramento do Comitê da OIT para casos como o da usina de Belo Monte, no Pará (SILVA, 2017SILVA, Liana Amin Lima. Consulta prévia e livre determinação dos povos indígenas e tribais na América Latina: re-existir para co-existir. 2017. 239 fl. Tese (Doutorado em Direito) Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2017., p. 122 e 226).

Os limites do mecanismo de consulta, portanto, parecem bastante explícitos. Nesse sentido, relevante considerar o papel que vêm desempenhando os protocolos comunitários, uma ferramenta interessante que tem sido construída na esteira do debate colocado pela exigência de consulta na forma prevista pela Convenção nº 169 da OIT, mas que se colocam independentemente dela17 17 “Os povos tradicionais, especialmente no Brasil, passaram a entender que estes protocolos não poderiam ser tratados como atos bilaterais, mas como normas internas elaboradas livremente que estabeleceriam as formas e procedimentos como chegariam a uma decisão quando o Estado fosse consultá-los” (SOUZA FILHO, 2019, p. 35). .

Diante da negação de seus modos de vida e de seus territórios, os povos afetados pela ação de empresas e do Estado têm buscado mecanismos autônomos para fazerem ouvir suas vozes. Os protocolos comunitários – protocolos de consulta – constituem cartas-políticas de afirmação de direitos, construídas a partir de processos formativos e de diálogo realizados pela comunidade. Tais protocolos18 18 Alguns exemplos de protocolos de consulta podem ser encontrados em SOUZA FILHO; SILVA; OLIVEIRA; MOTKI; GLASS, 2019. colocam a posição da comunidade em relação às interferências externas e, mais que isso, reforçam a compreensão delas sobre si mesmas: sua autoafirmação a partir de sua forma de vida. Sua construção envolve um processo de “articulação, organização e formação que deve levar a posições consensuadas da comunidade (OLIVEIRA, 2019, p. 110).

Os protocolos de consulta elaborados, discutidos e pactuados de forma autônoma por comunidades ou povos são instrumentos que explicitam sua governança interna, materializando e traduzindo em regras concretas os princípios orientadores do direito de consulta, que estabelecem a obrigatoriedade da adoção de procedimentos apropriados às circunstâncias e do respeito às instituições representativas de cada povo e/ou comunidade. Assim, apenas a manifestação autônoma de cada comunidade pode indicar quais são as autoridades legítimas que as representam bem como definir os procedimentos que consideram adequados para estabelecer um diálogo com os representantes do Estado (ROJAS GARZÓN; YAMADA; OLIVEIRA, p. 57).

O processo de construção dos protocolos tem se colocado como mecanismo importante para fortalecimento da comunidade, reafirmação de sua identidade, valorização de sua cultura e tradição e aumento da mobilização política. (ROJAS GARZÓN; YAMADA; OLIVEIRA, 2016ROJAS GARZÓN, Biviany; YAMADA, Erika M.; OLIVEIRA, Rodrigo Oliveira. Direito à consulta e consentimento de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. São Paulo: Rede de Cooperação Amazônica; Washington, Due Process of Law Foundation, 2016., p. 57).

Para a transformação dos momentos que causam a negatividade discursivo-formal da vítima e para a construção “através de mediações com factibilidade estratégico-instrumental críticas, de novas normas, ações, microestruturas, instituições ou até sistemas completos de eticidade” que garantam a sua participação de forma plena (DUSSEL, 2002DUSSEL, Enrique. Ética da libertação: na idade da globalização e da exclusão. Trad. de Ephraim Fereira Alves, et al. 2. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2002., p. 565), mais do que o cumprimento de um procedimento previsto em uma norma internacional, faz-se importante que os laços comunitários sejam fortalecidos para enfrentar as ameaças externas. Por isso mesmo, os protocolos comunitários colocam-se como instrumentos interessantes para articular as vítimas e potencializar suas vozes. A luta para que os efeitos dos protocolos sejam vinculantes está colocada e remete à própria efetivação do mecanismo de consulta da Convenção nº 169, pois, se deve ser livre, prévia, informada e de boa-fé, faz-se patente que a consulta seja realizada na forma estabelecida pelo protocolo autônomo da comunidade (SOUZA FILHO, 2019, p. 45).

5. Considerações finais

A Ética da Libertação constrói-se “sobre juízos de fato” e não “sobre juízos de valor subjetivos”. Uma questão essencial a ser considerada, então, trata-se da exclusão concreta da maioria da humanidade da participação discursiva das decisões que lhes dizem respeito (DUSSEL, 2002DUSSEL, Enrique. Ética da libertação: na idade da globalização e da exclusão. Trad. de Ephraim Fereira Alves, et al. 2. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2002., p. 574).

A construção dessa Ética não se dá sem escutar as vítimas da globalização. Precisam ter instrumentos para que suas vozes sejam ouvidas, se reconhecerem e serem reconhecidas como “outras”, como vítimas da globalização, e construírem, a partir de si mesmas e de seus discursos, os projetos utópico-factíveis que garantam a produção, a reprodução e o desenvolvimento de suas vidas. Trata-se de um processo cotidiano de transformação que é, sobretudo, coletivo.

A intersubjetividade comunitária se dá com a construção de consensos anti-hegemônicos a partir da utopia concreta da comunidade de vítimas. Os povos indígenas e tradicionais estão entre aqueles, entre tantas outras comunidades vitimadas, que têm sua cultura, seus costumes e suas vidas negadas pela globalização.

Nesse sentido, o instrumento de consulta prévia, livre e informada previsto no art. 6º da Convenção nº 169 da OIT indica diversos pontos de diálogo com a Ética da Libertação dusseliana, mas inúmeros limites. Vale explorar seu potencial e aprofundar a compreensão sobre o seu papel, ainda mais em tempos – pós-crise de 2008 – de maior acirramento da opressão e exploração promovida pelo processo de globalização, mas sem desconsiderar as limitações e a pouca efetividade que a previsão normativa tem tido na prática, inclusive pelo risco de se dar com os prazos, a metodologia e a lógica impostas por um “agente externo” – o que apenas reforça a ordem hegemônica.

Cabe olhar, nesse contexto, com mais atenção para os protocolos comunitários e as aberturas que representa para o fortalecimento político das comunidades frente às ameaças externas. Mais do que apenas dizer como quer ser consultada, o processo de construção desse acordo interno pela comunidade apresenta maiores aproximações com a efetivação do critério crítico-discursivo intersubjetivo de validade.

Na dialética da denúncia e do anúncio, o momento de construção dos acordos internos da comunidade implica a tomada de consciência da injusta exclusão do sistema de comunicação hegemônico e, também, a negação da validade dos consensos da comunidade de comunicação hegemônica, pois os meios adotados não consideram as vítimas e, inclusive, são a causa dos seus sofrimentos – negam a produção, reprodução e desenvolvimento de suas vidas.

De forma consensual, a comunidade das vítimas vai dando origem a um acordo crítico construído intersubjetiva e empiricamente, a partir de seus modos de viver, faz-se, assim, o momento positivo de “imaginar e formular as possíveis alternativas” (DUSSEL, p. 476) e afirmar sua existência e resistência.

  • 1
    Que encontra-se resumido no seguinte enunciado: “Aquele que opera ético-criticamente deve (está obrigado a) libertar a vítima, como participante (por “situação” ou por “posição” - diria Gramsci) da própria comunidade a que pertence a vítima, por meio de a) uma transformação factível dos momentos (das normas, ações, microestruturas, instituições ou sistemas de eticidade) que causam a negatividade material (impedem algum aspecto da reprodução da vida) ou discursivo-formal (alguma simetria ou exclusão da participação) da vítima; e b) a construção, através de mediações com factibilidade estratégico-instrumental críticas, de novas normas, ações, microestruturas, instituições ou até sistemas completos de eticidades onde essas vítimas possam viver, sendo participantes iguais e plenos” (DUSSEL, 2002DUSSEL, Enrique. Ética da libertação: na idade da globalização e da exclusão. Trad. de Ephraim Fereira Alves, et al. 2. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2002., p. 565).
  • 2
    “Verdade e validade são formalmente distintas tanto por sua referência (o real e a intersubjetividade) como pelo exercício de um diverso tipo de racionalidade (um material e outro formal discursivo).” (DUSSEL, 2002DUSSEL, Enrique. Ética da libertação: na idade da globalização e da exclusão. Trad. de Ephraim Fereira Alves, et al. 2. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2002., p. 207)
  • 3
    Quais sejam: i.) aspectos ético-material, ii.) moral formal, iii.) factibilidade ético-procedimental, iv.) ético-material crítico, v.) moral-formal crítico anti-hegemônico, vi.) factibilidade ético-crítica (práxis da libertação). (DUSSEL, 2002DUSSEL, Enrique. Ética da libertação: na idade da globalização e da exclusão. Trad. de Ephraim Fereira Alves, et al. 2. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2002., p. 91)
  • 4
    Sobre a criminalização dos movimentos sociais no Brasil, indica-se, por exemplo: SAUER, 2010, 2014SAUER, Sérgio. “O Parlamento e a criminalização dos movimentos sociais agrários”. In: CANUTO, Antonio; SILVIA LUZ, Cássia R. da; WICHINIESKI, Isolete. (Org.). Conflitos no campo Brasil 2009. 1ed. São Paulo: Expressão Popular; CPT, 2010, v. 1, p. 149-154.; SCALABRIN, 2008SCALABRIN, Leandro Gaspar. O crime de ser MST. Observatório Social de América Latina, v. ano XI, p. 201-208, 2008., 2009SCALABRIN “’Estado de exceção’ no Rio Grande do Sul e a criminalização do MST. Universidade e Sociedade, Brasília, v. 43, p. 125-137, 2009..
  • 5
    A história de Rigoberta Menchú – descrita no livro “Meu nome é Rigoberta Menchú e assim nasceu em mim a consciência”, que trata de um relato realizado por ela mesma e transcrito por Elisabeth Burgos – é marcada por diversas violências – de gênero, racistas, coloniais – entre elas, notadamente, o massacre de seu povo, maia, e dos seus modos de vida pela colonização (BURGOS-DEBREY, 1991).
  • 6
    O que dizer da afirmação de que “o mercado, por si só, tende ao equilíbrio” ou, ainda, do lema “liberdade, igualdade, fraternidade” das revoluções burguesas a não ser que são expressões da utopia liberal? (DUSSEL, 2002DUSSEL, Enrique. Ética da libertação: na idade da globalização e da exclusão. Trad. de Ephraim Fereira Alves, et al. 2. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2002., p. 473).
  • 7
    Gramsci, na verdade, faz colocações que são úteis tanto para a explicação do momento negativo quanto do positivo da discursividade crítica, vez que se situa na no que Dussel chama de “corrente quente” do marxismo, aquela que não se limita a realizar as tarefas do momento científico, mas que considera o momento pulsional, de entusiasmo e esperança (DUSSEL, 2002DUSSEL, Enrique. Ética da libertação: na idade da globalização e da exclusão. Trad. de Ephraim Fereira Alves, et al. 2. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2002., p. 461).
  • 8
    “Em qualquer trabalho físico, mesmo o mais mecânico e degradado, existe um mínimo de qualificação técnica, isto é, um mínimo de atividade intelectual criadora. [...] Todos os homens são intelectuais, poder-se-ia dizer então; mas nem todos os homens desempenham na sociedade a função de intelectuais. Quando se distingue entre intelectuais e não-intelectuais, faz-se referência, na realidade, tão-somente à imediata função social da categoria profissional dos intelectuais, isto é, leva-se em conta a direção sobre a qual incide o peso maior da atividade profissional específica, se for elaboração intelectual ou se no esforço muscular-nervoso. Isto significa que, se se pode falar de intelectuais, é impossível falar de não-intelectuais, porque não existem não-intelectuais” (GRAMSCI, 1968GRAMSCI, Antonio. A formação dos intelectuais e a organização da cultura. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968., p. 7).
  • 9
    Aqui, debateremos apenas o mecanismo previsto na Convenção da OIT, mas vale lembrar instrumentos similares previstos na Constituição Federal no caso dos indígenas (artigo 231, §3º) e na Convenção sobre diversidade biológica da Organização das Nações Unidas (ONU).
  • 10
    Nos termos da Convenção, povos indígenas são assim considerados os que “descendem de populações que habitavam o país ou uma região geográfica pertencente ao país na época da conquista ou da colonização ou do estabelecimento das atuais fronteiras estatais” e, ainda, “conservam todas as suas próprias instituições sociais, econômicas, culturais e políticas, ou parte delas” (artigo 1º, parágrafo 1, “b”).
  • 11
    A definição de povos tribais abarca aqueles “cujas condições sociais, culturais e econômicas os distingam de outros setores da coletividade nacional, e que estejam regidos, total ou parcialmente, por seus próprios costumes ou tradições ou por legislação especial” (artigo 1º, parágrafo 1, “a”).
  • 12
    Optou-se por utilizar o termo “povos tradicionais” nesse trabalho por se colocar como mais adequado ao contexto brasileiro que povos tribais.
  • 13
    “Los pueblos indígenas, como cualquier otro grupo, no pueden invocar directamente el Convenio ante los órganos de control de la OIT, pero pueden valerse de los mandantes tripartitos de la OIT para articular sus problemas y preocupaciones. Hasta ahora, los pueblos indígenas han actuado a través de sindicatos de sus propios países o internacionales o se han afiliado a ellos, y en ciertos países se crearon sindicatos de pueblos indígenas.” (DOUMBIA-HENRY, 2013DOUMBIA-HENRY, Cleopatra. Prefacio. In: ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABAJO (OIT). Comprender el Convenio sobre pueblos indígenas y tribales, 1989 (núm. 169): manual para los mandantes tripartitos de la OIT. Oficina Internacional del Trabajo/Departamento de Normas Internacionales del Trabajo: Ginebra, 2013., p. XII).
  • 14
    Entendemos, vale frisar, que a análise dos avanços no texto da norma internacional apresenta limites bastante significativos, entretanto, apresenta relevância quando se considera que a discurso ali externalizado também é um campo em que se expressam disputas sociais.
  • 15
    É o que se vê, por exemplo, na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5905, em trâmite no Supremo Tribunal Federal, ajuizada em 2018 pela então governadora de Roraima, Suely Campos (PP), questionando a exigência de consultas para execução de obras públicas.
  • 16
    Pode ser citado como exemplo o caso da construção da Usina Teles Pires, entre Pará e Mato Grosso, em que o direito à consulta só foi efetivado após judicialização do caso e determinação da medida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) (PROCURADORIA GERAL DA REPÚPLICA DA 1ª REGIÃO, 2016PROCURADORIA GERAL DA REPÚPLICA DA 1ª REGIÃO. Por unanimidade, Tribunal ordena consulta prévia aos indígenas para a usina Teles Pires. 02 dez. 2016. Disponível em: <http://www.mpf.mp.br/regiao1/sala-de-imprensa/noticias-r1/por-unanimidade-tribunal-ordena-consulta-previa-aos-indigenas-para-a-usina-teles-pires>. Acesso em: 14 nov. 2019.
    http://www.mpf.mp.br/regiao1/sala-de-imp...
    ).
  • 17
    “Os povos tradicionais, especialmente no Brasil, passaram a entender que estes protocolos não poderiam ser tratados como atos bilaterais, mas como normas internas elaboradas livremente que estabeleceriam as formas e procedimentos como chegariam a uma decisão quando o Estado fosse consultá-los” (SOUZA FILHO, 2019, p. 35).
  • 18
    Alguns exemplos de protocolos de consulta podem ser encontrados em SOUZA FILHO; SILVA; OLIVEIRA; MOTKI; GLASS, 2019.

6. Referências Bibliográficas

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2021

Histórico

  • Recebido
    28 Fev 2020
  • Aceito
    17 Jun 2020
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