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O mundo em tempos de pandemia: certezas, dilemas e perspectivas

The world in pandemic times: certainties, dilemmas and perspectives

Resumo

A pandemia do COVID-19 causou uma profunda crise que mudou a dinâmica econômica, social, política e cultural do mundo em poucas semanas. Diante dessa crise, os governos responderam de diferentes maneiras e essas diferenças expressaram opções de políticas públicas que geraram efeitos diferentes. Em alguns casos, as crises pioraram e, em outros, foi possível mitigar seus estragos e as múltiplas desigualdades que se aprofundaram. Da mesma forma, as respostas à pandemia e a dinâmica da crise geraram várias análises de intelectuais em todo o mundo. Essas análises diferentes provocaram debates e respostas cruzadas para analisar a pandemia e a sociedade que surgirão depois dela. Neste artigo, propomos entender e interpretar as dimensões sociais, políticas e econômicas da pandemia, para poder refletir sobre as várias causas da crise e as disputas que existem em torno de suas possíveis superações. O texto apresentará certezas, dilemas, paradoxos e hipóteses propostas como disparadores da reflexão coletiva.

Palavras-chave:
Pandemia; Crise; Desigualdades; Políticas públicas

Abstract

The COVID-19 pandemic caused a deep crisis that changed the world's economic, social, political and cultural dynamics in a few weeks. Faced with this crisis, governments responded in different ways and these differences expressed public policy options that had different effects. In some cases, the crises worsened, and, in others, it was possible to mitigate their damage and the multiple inequalities that deepened. Likewise, responses to the pandemic and the dynamics of the crisis have sparked various analyzes by intellectuals around the world. These different analyzes provoked debates and cross-responses to analyze the pandemic and the society that will emerge after it. In this paper, we propose to understand and interpret the social, political and economic dimensions of the pandemic, in order to reflect on the various causes of the crisis and the disputes that exist over its possible overcoming. The text will present certainties, dilemmas, paradoxes and hypotheses proposed as triggers for collective reflection.

Keywords:
Pandemic; Crisis; Inequalities; Public policies

Faz muitos meses de que o mundo está dominado pela pandemia de COVID-19 ou SARS-CoV-2. Não se fala outra coisa, tudo parece tomado por essa situação que poucos hesitam em denominar de crise generalizada. Dezenas de milhões de contagiados em mais de 180 países, dos quais quase 4 milhões morreram e quase 150 milhõesse recuperaram, mostram sua dimensão em pouco mais de quatro meses.

Trata-se de uma situação nova, que eclodiu de forma inesperada ou é apenas mais uma crise que, como tantas, passará em alguns meses, mas não sem deixar estragos? Muitos intelectuais falaram sobre isso. Alain Badiou (2020)BADIOU, Alain. Sobre la situación epidémica. Traducción Eugenia Prado Bassi. Publicado em Lobo suelto o 21 de março de 2020. Disponível em: http://lobosuelto.com/sobre-la-situacion-epidemica-alain-badiou/. Texto original em francês: Sur la situation épidémique. Publicado em Quartier généralo 20 de março de 2020. Disponível em: https://qg.media/2020/03/26/sur-la-situation-epidemique-par-alain-badiou/.
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, por exemplo, insistiu em que essa pandemia não implica a emergência de algo radicalmente novo ou inaudito. Nesse sentido, sabemos agora que em 2007 um artigo de cientistas de Hong Kong advertia que uma situação como essa poderia ser desencadeada pela mutação de algumas cepas de coronavírus hospedadas em animais com os que os seres humanos tinham contato freqüente (Vincent C. C. Cheng, Susanna K. P. Lau, Patrick C. Y. Woo, Kwok Yung Yuen, 2007). Mas ninguém considerou o aviso a sério. Muitos outros, pelo contrário, sustentam que acontece algo novo que, juntamente com seu caráter imprevisto, produz medos generalizados, confusão e até paralisia.

Eu proponho aqui compreender e interpretar as dimensões sociais, políticas e econômicas dessa pandemia, para poder refletir sobre as diversas arestas da crise e as disputas que existem em torno a suas possíveis superações. O texto apresentará certezas, dilemas, paradoxos e hipóteses propostas como disparadores da reflexão coletiva.

Primeira certeza. A potência e a importância do acesso aberto.

Pouco depois de que a sequência do genoma do COVID-19 ter sido identificada por um laboratório do estado chinês, ela foi publicada de forma aberta (Alonso, 2020ALONSO, Matías. “Coronavirus y ciencia abierta”. TSS-UNSAM, Buenos Aires, 12 de marzo de 2020. Disponível em: http://www.unsam.edu.ar/tss/coronavirus-y-ciencia-abierta/
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). Isso acelerou as descobertas dos modos de transmissão, métodos de detecção e tratamento. Além disso, setenta organizações científicas, incluindo revistas como Nature e Cell, que geralmente cobram pelo acesso aos artigos que publicam, concordaram que os artigos sobre coronavírus estejam disponíveis de maneira aberta e livre. O consenso é generalizado: o acesso aberto, livre e gratuito à informação sobre o novo coronavirus acelerou as investigações e possibilitou que, em poucas semanas, fossem obtidos avanços que levariam meses se as restrições mercantis prevalecessem. Nesse plano, a cooperação e o acesso aberto funcionaram. De qualquer forma, o interrogante é se os conhecimentos, testes, tratamentos e vacinas produzidos graças a esse acesso aberto também estarão disponíveis de forma aberta e pública. Acesso aberto não é o mesmo que ciência aberta e aqui as políticas públicas e os comportamentos da comunidade científica serão decisivos.

Primeiro dilema. Distanciamento social ou processamento coletivo da crise.

Nesse ponto, os debates se multiplicam. Byung-Chul Han (2020)Byung-Chul Han. “La emergencia viral y el mundo de mañana”, El País, 22 de março de 2020. Disponível em: https://elpais.com/ideas/2020-03-21/la-emergencia-viral-y-el-mundo-de-manana-byung-chul-han-el-filosofo-surcoreano-que-piensa-desde-berlin.html.
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afirma que o vírus isola e individualiza. No entanto, os aplausos coletivos, a arte nas varandas, as cantinas sociais ou os espaços comunitários nos bairros que tentam continuar funcionando sem romper as medidas do distanciamento ou de isolamento parecem contradizer o caráter absoluto dessa afirmação. Como parte do mesmo fenômeno, teria que se mencionarem os grupos e chats que se multiplicam e a intensificação do uso das redes sociais como forma de nos comunicar com outras pessoas em estado de isolamento.

De qualquer modo, parece que, diante de uma crise com fortes dimensões subjetivas e emocionais, o discurso de distanciamento ou isolamento não seria o mais apropriado, e seria preciso apostar em espaços de reflexão, encontro e tratamento coletivo da situação. Como fazer isso mantendo medidas de prevenção que evitam a propagação dos contágios e preservem aos grupos mais vulneráveis ao vírus?

Podemos vislumbrar que as políticas públicas e as relações sociais frente à pandemia expressam uma crise do individualismo e forçam a relação entre o individual e o coletivo. As liberdades individuais estão acima ou são compatíveis com a preservação da saúde coletiva? Em um mundo tão desigual, que segrega e aniquila identidades e pessoas (migrantes, pobres, dissidentes), uma pergunta possível seria quem são os beneficiários dessas liberdades individuais. Talvez essa seja mais uma expressão da crise do indivíduo que, como sujeito político e cidadão, emergiu da Revolução Francesa (Rudé, 1971RUDÉ, George. La multitud en la historia. Los disturbios populares en Francia e Inglaterra 1730-1848. Madrid: Siglo XXI, 1971.).

Segundo dilema. A economia ou a vida?

Esta encruzilhada foi abordada por muitos governos e economistas e reproduzida na mídia e em artigos de vários tipos. Diante disso, poderíamos nos perguntar: é possível pensar e desenvolver uma economia para a vida?

Parece que a incompatibilidade entre economia e vida é flagrante hoje. Seja porque o capitalismo sempre fora uma tecnologia da morte ou um modo de controle sobre a vida, os corpos e as populações, a crise do COVID-19 não apenas evidencia esta contradição, mas, pelo menos para alguns, a torna insuportável.

Tem se falado muito que uma economia em crise se recupera, mas que uma vida perdida não volta. De ser assim, deverá se disputar como e sob quais lógicas esta recuperação é feita.

Claro que o dilema entre economia e vida é expresso com as lógicas dominantes: se produz uma demanda excessiva para a maioria das trabalhadoras e dos trabalhadores, com o consequente aumento das condições de exploração e precarização.

Ao mesmo tempo, sabemos que todos os países que enfrentaram a pandemia com relativo sucesso adotaram o isolamento social preventivo e a quarentena obrigatória como políticas gerais e sustentadas ao longo do tempo.

Diante do isolamento, o teletrabalho aparece como uma solução tanto para manter as atividades em um cenário de reclusão quanto para garantir certa produtividade mínima para as empresas. Mas todos os trabalhadores podem teletrabalhar? Evidentemente não, e isso depende tanto do tipo de atividade quanto das condições de trabalho e de habitat que esses trabalhadores possuem. Assim, o teletrabalho é apresentado como um elemento que pode aumentar a precarização e as desigualdades sociais e trabalhistas.

Franco Bifo Berardi (2020)BERARDI, Franco. Crónica de la psicodeflación #1. Caja Negra editora. Publicado o 21 de fevereiro de 2020. Disponível em: https://cajanegraeditora.com.ar/blog/cronica-de-la-psicodeflacion/.
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sustenta que o principal efeito econômico (e social) do vírus radica na paralisia relacional que ele propaga. Nesta situação, a economia não explode, mas está implodindo.

A esse respeito, e não considero que seja uma simples expressão fatalista, Bifo garante que a recessão econômica que já existe entre nós poderá nos matar, gerar conflitos violentos e até desencadear epidemias de racismo e guerra. E será assim, pois, para este autor, não estamos preparados culturalmente para pensar na estagnação como uma condição de longo prazo, não estamos preparados para pensar a frugalidade, o compartir. Não estamos preparados para dissociar o prazer do consumo (Berardi, 2020BERARDI, Franco. Crónica de la psicodeflación #1. Caja Negra editora. Publicado o 21 de fevereiro de 2020. Disponível em: https://cajanegraeditora.com.ar/blog/cronica-de-la-psicodeflacion/.
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). Será essa uma crise econômica que provoque que isso mude? Isso dependerá das disputas contingentes da história em nível social, político e econômico.

Em contraste com o panorama descrito por Bifo, Srecko Horvat (2020)HORVAT, Srecko. “Lo más contagioso es el miedo”, El País, 15 de fevereiro de 2020. Disponível em: https://elpais.com/elpais/2020/02/14/ideas/1581676668_075823.html.
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sustenta que essa pandemia é funcional para a reprodução e o fortalecimento do capitalismo. Segundo este filósofo, a pandemia seria o sonho de um capitalismo totalitário e de controle: os bens podem ficar circulando, as pessoas não. Ou seja, os bens fluem, mas as pessoas devem ficar nas suas casas, distanciadas, isoladas.

Fica claro, e nisso estou de acordo com Badiou (2020)BADIOU, Alain. Sobre la situación epidémica. Traducción Eugenia Prado Bassi. Publicado em Lobo suelto o 21 de março de 2020. Disponível em: http://lobosuelto.com/sobre-la-situacion-epidemica-alain-badiou/. Texto original em francês: Sur la situation épidémique. Publicado em Quartier généralo 20 de março de 2020. Disponível em: https://qg.media/2020/03/26/sur-la-situation-epidemique-par-alain-badiou/.
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, que a maioria dos estados nacionais tenta enfrentar a situação epidêmica, seguindo ao máximo os mecanismos (ou a lógica?) do capital. Por si só, a pandemia não parece provocar mudanças econômicas radicais. Mais uma vez, como afirma Byung-Chul Han (2020)Byung-Chul Han. “La emergencia viral y el mundo de mañana”, El País, 22 de março de 2020. Disponível em: https://elpais.com/ideas/2020-03-21/la-emergencia-viral-y-el-mundo-de-manana-byung-chul-han-el-filosofo-surcoreano-que-piensa-desde-berlin.html.
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, isso dependerá das lutas e os conflitos que daí decorram.

No entanto, e volto aqui ao dito por Bifo (2020), podemos sustentar que as políticas implementadas diante da expansão do vírus bloqueiam o funcionamento abstrato da economia; mas eles fazem isso porque remove dela os corpos. Ou seja, essa conjuntura volta a colocar no centro do debate, de uma maneira talvez impensada e um tanto sinuosa, a discussão sobre o trabalho vivo e o trabalho morto que escreveu de maneira muito sugestiva Holloway no O capital se move (2001). Também atualiza os debates sobre o valor-trabalho, o valor-afeto, as subjetividades como produtoras de valor e o capitalismo semiótico.

Mas o poder dos estados nacionais não é tudo neste capitalismo financeiro e com crescentes lutas sociais. David Harvey (2020)HARVEY, David. Política anticapitalista en tiempos de COVID-19. Publicado em Sin permiso o 22 de março de 2020. Disponível em: https://www.sinpermiso.info/textos/politica-anticapitalista-en-tiempos-de-covid-19.
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mostra como as respostas políticas e econômicas a essa pandemia não só foram guiadas pelas lógicas de cada governo (atingindo ao paroxismo da negação ou mesmo ou até o cinismo sinistro do suposto sacrifício de idosos nos Estados Unidos ou na Inglaterra), mas também a explicitação de sua impotência, incapacidade e limitação. Não é apenas questionável que Trump queira salvar os mercados e a bolsa de valores e que suas primeiras medidas se refiram à taxa do Federal Reserve (Banco Central dos EUA); essas reações espasmódicas mostram o esgotamento de certos modelos, de certas políticas e de certos consensos. Pensando em uma saída econômica para a crise, Harvey (2020)HARVEY, David. Política anticapitalista en tiempos de COVID-19. Publicado em Sin permiso o 22 de março de 2020. Disponível em: https://www.sinpermiso.info/textos/politica-anticapitalista-en-tiempos-de-covid-19.
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sustenta que a única coisa que pode salvar as sociedades é um consumismo maciço financiado e induzido pelos governos. Isso exigirá a socialização do conjunto da economia mesmo nos Estados Unidos, o que poderia sugerir um novo tipo de socialismo.

Slavoj Žižek (2020)Žižek, Slavoj. Pandemic! Covid-19 Shakes the World. New York: OR Books. 2020.0, por sua vez, apresenta uma visão que poderíamos definir como mais otimista e radical, pois afirma que esta pandemia representa um forte golpe ao sistema capitalista (a la Kill Bill) e que a saída para a crise virá de um enfoque comunista renovado ou reinventado que coloque os estados-nação ao serviço dos mais fracos, por meio da disseminação da solidariedade como instinto de sobrevivência. Além das diferenças que podemos ter com essas abordagens e o do debate proposto por Byung-Chul Han, parece que hoje a solidariedade é um valor e uma atitude (um modo social) que, além de continuar sendo sustentado por países como Cuba, precisa ser promovido desde governos e estados capitalistas.

Aqui poderíamos adicionar um terceiro dilema entre a lógica da cooperação e a lógica da concorrência. A lógica que domina no sistema capitalista é a da concorrência, a do lucro, a do homem lobo do homem. No entanto, parece que em algumas crises isso fica suspenso e a cooperação é valorizada como uma forma possível de superar a emergência.

Por exemplo, a pandemia mostra que, se a saúde é apenas mais uma mercadoria, deixada em mãos das empresas e corporações farmacêuticas, é compreensível que a prevenção seja abandonada. Também, parece lógico que a busca pelo bem-estar comum seja abandonada em busca da maximização do lucro.

Sob essas premissas de rejeição da prevenção e a pesquisa pública prospectiva, David Harvey (2020)HARVEY, David. Política anticapitalista en tiempos de COVID-19. Publicado em Sin permiso o 22 de março de 2020. Disponível em: https://www.sinpermiso.info/textos/politica-anticapitalista-en-tiempos-de-covid-19.
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nos lembra que Trump reduziu o orçamento do Centro de Controle de Doenças [CDC], dissolveu o grupo de trabalho sobre pandemias do Conselho de Segurança Nacional e cortou o financiamento da pesquisa sobre a mudança climática.

Voltando ao nosso segundo dilema: será possível promover uma economia que coloque a vida no centro?

A certeza que não foi. Descrentes ou aterrorizados

As pessoas reagem à pandemia a partir de dois polos: os céticos que pensam que tudo é produto de algum plano projetado em um laboratório, uma conspiração internacional ou um exagero hipocondríaco e aqueles que se sentem invadidos pelo terror e sustentam que a situação é apocalíptica, terminal.

O medo a uma pandemia é mais perigoso que o próprio vírus, diz Srecko Horvat (2020)HORVAT, Srecko. “Lo más contagioso es el miedo”, El País, 15 de fevereiro de 2020. Disponível em: https://elpais.com/elpais/2020/02/14/ideas/1581676668_075823.html.
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. Giorgio Agamben (2020)AGAMBEN, Giorgio. La invención de una epidemia. Publicado em Quodlibet.it Ficción de la razón o 26 de fevereiro de 2020. postula que a pandemia gerou estados de pânico coletivo que produziram medos generalizados instalados nas consciências. Para ele, o pânico teria uma consequência política, já que a limitação da liberdade imposta por vários governos é aceita em nome de um desejo de segurança que foi induzido pelos mesmos governos que agora intervêm para satisfazê-lo. Byung-Chul Han (2020)Byung-Chul Han. “La emergencia viral y el mundo de mañana”, El País, 22 de março de 2020. Disponível em: https://elpais.com/ideas/2020-03-21/la-emergencia-viral-y-el-mundo-de-manana-byung-chul-han-el-filosofo-surcoreano-que-piensa-desde-berlin.html.
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retoma a abordagem de Agamben: no capitalismo contemporâneo o estado de exceção constitui a situação normal, é assimilado na vida cotidiana. Assim, os governos administram um estado de exceção permanente.

Por sua parte, Bifo (2020) sustenta que o pânico nessa pandemia é causado porque ela escapa ao nosso saber: o vírus não é conhecido pela medicina, nem pelo sistema imunológico. Byung-Chul Han (2020)Byung-Chul Han. “La emergencia viral y el mundo de mañana”, El País, 22 de março de 2020. Disponível em: https://elpais.com/ideas/2020-03-21/la-emergencia-viral-y-el-mundo-de-manana-byung-chul-han-el-filosofo-surcoreano-que-piensa-desde-berlin.html.
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diz que o pânico desencadeado por esta pandemia é desproporcional, muito mais do que o que foi desencadeado em face da epidemia da influenza de 1918. O autor analisa que o pânico excessivo ao vírus é uma reação imunitária social, até global, ao novo inimigo; o vírus é percebido como possibilidade de um terror permanente.

Na mesma linha, Žižek (2020)Žižek, Slavoj. Pandemic! Covid-19 Shakes the World. New York: OR Books. 2020.0 destaca o lugar da mídia na geração do pânico social. Enquanto a mídia lança repetidamente a mensagem de 'não entre em pânico', apresenta uma série de dados que necessariamente levam ao pânico. Alguns dados poderiam apoiar o medo: para este vírus não existe vacina, não se conhece ou cura, sua taxa de transmissibilidade ou contágio é mais que o dobro do que as da influenza mais frequente e conhecida, e sua taxa de mortalidade é entre 50 e 100 vezes superior do que aquela enfermidade.

Vários autores (Feinmann, 2020FEINMANN, José Pablo. “Pandemia, muerte y capitalismo”. Página 12, 29 de março de 2020. Disponível em: https://www.pagina12.com.ar/256018-pandemia-muerte-y-capitalismo.
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; Illouz, 2020Illouz, Eva. “El coronavirus y la insoportable levedad del capitalismo”. In: Revista Nueva Sociedad. Buenos Aires, marzo de 2020. Disponível em: https://nuso.org/articulo/coronavirus-capitalismo-emociones-illouz/.
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) apontam que hoje os capitalistas têm medo porque enfrentam um inimigo invisível. Pelo menos por agora, sua riqueza não os protege do contágio; pode atrasá-lo, pode garantir as melhores camas nos melhores hospitais, mas não pode evitá-lo.

Até Raoul Vaneigem (2020)VANEIGEM, Raoul. Coronavirus. Publicado em La Peste o 19 de março de 2020. Disponível em: https://lapeste.org/2020/03/raoul-vaneigem-coronavirus/.
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, um dos expoentes do situacionismo, diz que questionar o perigo do coronavírus é absurdo. Mas rejeitar o lugar da mídia na criação do pânico social seria pelo menos ingênuo.

Talvez por isso, desde a Organização Mundial da Saúde falam de uma segunda epidemia, a infodemia ou epidemia de excesso de informação, que inclui as notícias falsas ou maliciosas, as fake news.

Ao pânico induzido ou auto infligido, podemos sobrepor a responsabilidade, a solidariedade e a prevenção social e coletiva.

Segunda certeza. De negação em negação

A reação inicial mais frequente de governos, lideranças e até cientistas foi a negação. Primeiro, foi negada a existência de um novo vírus, depois sua agressividade, sua velocidade de contágio e a possibilidade da mundialização da epidemia. Agora, nega-se a profundidade da crise econômica por vir.

Essa negação tem algumas estratégias sofisticadas, como comparar o número de mortes causadas pelo COVID-19 com as de outras doenças. Mesmo essas comparações mostram que o novo vírus é mais transmissível, mais agressivo e mortal do que muitas outras doenças conhecidas. Mas não é uma competição de mortes ou contagiados. De qualquer forma, será um bom momento se o coronavírus tornar visível outras pandemias ou epidemias com as quais convivemos e naturalizamos e esperemos contra elas sejam tomadas medidas tão radicais quanto. O que precisamos saber, o que não pode ser negado, é que para o COVID-19 não existe cura comprovada nem vacina.

Terceira certeza. Diante da pandemia, as políticas públicas adotadas pelos diferentes governos em todo o mundo podem ser caracterizadas de acordo com as prioridades de cada um deles.

Isso foi apontado por Malamud e Levy Yeyati (2020)Malamud, Andrés y Levy Yeyati, Eduardo. “Coronavirus: ¿Cómo y cuándo salir de la cuarentena?”, em La Nación, 29 de março de 2020. Disponível em: https://www.lanacion.com.ar/politica/coronavirus-como-cuando-salir-cuarentena-nid2348631.
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. A China antepôs o estado e a responsabilidade social; a Europa confiou na sociedade e os estados pareceram ficar atrás; e os Estados Unidos apostou no mercado e no individualismo extremo.

Vamos ver alguns exemplos:

China: com um estado forte e um crescimento econômico sustentado por mais de trinta anos, o que levou a uma melhoria geral na qualidade de vida da população, foram adotadas medidas fortemente restritivas, o investimento público foi aumentado e foi estabelecido um amplo controle social reforçado pelas tecnologias digitais. No entanto, o sucesso da política pública chinesa não pode ser entendido sem considerar a forte concepção de comunidade, de sentimento coletivo e de bem comum sobre a satisfação individual difundida naquele país.

Alemanha: O sistema de saúde pública parece ser diferencial. Bons equipamentos, o aumento dos recursos disponíveis, uma campanha de prevenção eficaz e o investimento em testes, juntamente com o isolamento prolongado e severas advertências públicas, parecem ser o caminho para conter contágio e baixa mortalidade, que por enquanto estão mostrando sucesso.

Itália: Muitos atribuem a alta mortalidade e a expansão geométrica da epidemia ao não cumprimento do isolamento e à população envelhecida. No entanto, a presença de altas concentrações de asbesto ou amianto na Lombardia aparece como uma explicação alternativa e mais perturbadora para o capital. O virologista Pablo Goldschmidt (2020)GOLDSCHMIDT, Pablo. “Coronavirus: el pánico es injustificado”, entrevista en Clarín, 9 de marzo de 2020. Disponível em: https://www.clarin.com/buena-vida/coronavirus-panico-injustificado-dice-virologo-argentino-francia_0_yVcmJ4RM.html.
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alertou sobre a incidência de mesotelioma naquela região. Todas as fábricas italianas de fibrocimento que utilizavam amianto estão na Lombardia. O amianto estava em telhados e isolamentos de fábricas. Goldschmidt (2020)GOLDSCHMIDT, Pablo. “Coronavirus: el pánico es injustificado”, entrevista en Clarín, 9 de marzo de 2020. Disponível em: https://www.clarin.com/buena-vida/coronavirus-panico-injustificado-dice-virologo-argentino-francia_0_yVcmJ4RM.html.
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explica que o asbesto libera cristais pequenos que atingem o pulmão: o mesotelioma é o câncer de pulmão causado por asbestose. Nas autópsias realizadas na Lombardia nos últimos dez anos, 85% das asbestoses foram pela exposição durante atividade laborativa. Uma economia que mata. É essa a economia que queremos reativar ou proteger? Nos últimos dez anos, 37 bilhões de euros foram cortados do sistema público de saúde italiano, e as unidades de terapia intensiva e o número de médicos de clínica geral foram drasticamente reduzidos. Alguns números ilustram isso: em 2007, o Serviço Nacional de Saúde público possuía 334 Departamentos de emergência-urgência (DEA) e 530 de primeiros socorros. Dez anos depois, 49 DEA haviam sido fechados (-14%) e 116 centros de primeiros socorros não existiam (-22%). Segundo Bifo, a gravidade da pandemia na Itália também é explicada pelo recorte de 32.717 camas em sete anos. Em 2019, o sistema de saúde pública italiano possuía 28.832 camas a menos do que em 2010 (-16,2%). O contraste com a Alemanha e os resultados obtidos pelos dois países parecem evidentes.

Argentina: Foram adotadas medidas similares às dos países europeus, mas em momentos epidemiológicos anteriores. Também se expressou preocupação com a dimensão social e humana da pandemia e discutiu-se a dicotomia economia-saúde, apostando em diminuir a velocidade do contágio e, assim, garantir atendimento adequado no sistema de saúde para todos. Nesse país, as medidas econômicas paliativas visavam os setores mais pobres e as pequenas empresas, ao contrário de outros países da região, como o Chile, que priorizaram bancos e empresas. A disponibilidade de provisões para testes e a logística para realizar rastreabilidade epidemiológica adequada parecem ser algumas das limitações da política de saúde pública nesse pais.

Por outro lado, encontramos Estados Unidos, Brasil e Reino Unido: embora o último país teve que retificar abruptamente e de emergência suas políticas de “nada acontece” e “deixar fazer, deixar passar”. No caso dos Estados Unidos e do Brasil, parece claro que os presidentes Trump e Bolsonaro não estão à altura da tarefa e apelam à negação ou a soluções mágicas ou místicas para tentar esconder sua própria incapacidade. Essa incapacidade está levando os dois países a uma crise de saúde sem precedentes, com a circunstância agravante de que o Brasil desmantelou muitas das políticas públicas nos últimos anos, seu sistema de saúde é frágil e os recursos alocados para mitigar a crise social são insuficientes e mal implementado.

O fortalecimento dos sistemas de saúde pública em todas as suas dimensões (prevenção e educação, não apenas atendimento clínico) parece ser o caminho a médio e longo prazo.

Emergirá das políticas adotadas na pandemia uma reconfiguração do multilateralismo contemporâneo? Parece que a China ou Cuba (talvez também a Rússia) se apresentem ao mundo como países solidários, enquanto os Estados Unidos e as potências europeias se fechem e olhem para as outras nações com egoísmo e suspeita. Com poucas exceções, a cooperação ou, pelo menos, a coordenação entre os países está ausente.

Quarta certeza. Muitos governos aproveitam essa situação imprevista para aprofundar suas características autoritárias e as políticas de descuido das grandes maiorias

Em alguns países são instaurados estados de sítio ou toques de recolher, mesmo antes das medidas de prevenção ou fortalecimento da saúde pública, que parecem ter como objetivo dissipar manifestações e mobilizações de rua que ocorreram em cidades e parques da América Latina e do Caribe em nos últimos meses.

Brasil, Bolívia, Equador ou Peru são exemplos claros. No Chile, o governo destinou mais recursos para reequipar a polícia para a repressão social do que para fortalecer o sistema de saúde diante da escalada de casos de coronavírus.

As medidas de restrição de liberdades e fechamento de instituições republicanas que decretou o governo da Hungria sem que a União Europeia pudesse reagir é outro sinal dos giros autoritários e repressivos da pandemia no velho continente.

Diante da guerra contra o novo coronavírus, o militarismo cresce na região como um espectro que vota a se projetar sobre as sociedades, as resistências e os grupos mais oprimidos.

Outro exemplo: quando perguntado sobre as medidas que tomariam diante da dimensão da crise social produzida pelo isolamento e paralisia da maioria da economia, o Vice Chefe de Governo da Cidade de Buenos Aires respondeu que eles reforçariam a seguridade e a capacidade repressiva das forças policiais. Nem falar de medidas de compensação no nível social e econômico.

As políticas seguidas diante da pandemia geram um aumento das tecnologias para o controle das populações e um aprofundamento do biopoder. Tanto nas redes sociais quanto na modulação dos deslocamentos, as vigilâncias são aprofundadas e singularizadas. Diante da incapacidade do estado e o pânico social, o poder biomédico está disposto a preencher o vazio e tornar-se omnímodo. As ciências biomédicas tomam decisões econômicas e a economia quer determinar à medicina o que esta última deve fazer.

Será que, como afirma Bifo (2020), entramos oficialmente na era biopolítica, na qual presidentes não podem fazer nada e apenas os médicos podem fazer alguma coisa, mas não tudo?

Uma pergunta. É possível manter um isolamento social obrigatório com economias informalizadas em torno de 40 ou 50%?

Sem dúvida, essa é uma pergunta que será respondida na prática, com a experiência, mas parece que a resposta é positiva com a expansão das políticas sociais de apoio e contenção. Talvez seja o momento de pensar em uma renda mínima universal, por exemplo, como os impulsores da Taxa Tobin e ATTAC vêm propondo há algumas décadas (Ramonet, 1997RAMONET, Ignacio. “Desarmar a los mercados”. Le Monde Diplomatique, dezembro de 1997.).

No entanto, gostaria de discutir a crença de que o isolamento é aceita pelos setores médio ou médio-altos e que nos bairros populares as medidas preventivas não são seguidas porque a pobreza cria caos ou anomia.

Em princípio, pode não ser desnecessário apontar que se tornou mais do que evidente a resistência da população com renda mais alta ao cumprimento do isolamento. Em contraste, minha experiência com as populações mais desfavorecidas me permite afirmar que os bairros, as comunidades e os territórios implantam estratégias de cuidado de outras formas, com outras modalidades. Portanto, está muito longe da realidade pensar que o isolamento e a prevenção diante a pandemia são apenas para as classes média ou média alta.

É claro que a superlotação dificulta a distância social, por suposto que os trabalhadores informais e precarizados precisam de renda todos os dias. Mas não pode se subestimar a persistência e a potência da organização social comunitária, também para garantir a prevenção, se necessário, através do isolamento ou da distância. Os habitantes dos bairros populares o cumprem criando outras formas de cuidado e prevenção. Por exemplo, implementando estratégias de distanciamento e prevenção de saúde comunitária em espaços comuns como escolas, clubes ou cantinas sociais ou cuidando coletivamente da circulação dentro do bairro e preservando comunitariamente às populações em risco.

Quinta certeza. As políticas públicas adotadas diante da pandemia aprofundam as desigualdades sociais

Numa sociedade desigual, as crises ocorrem, impactam e são processadas de forma desigual. Dentro das desigualdades multidimensionais, destacaremos algumas delas.

De gênero e cuidado. Como aponta Karina Batthyány (2020)BATTHYÁNY, Karina. “La pandemia evidencia y potencia la crisis de los cuidados”. Publicado em Observatorio Pensar la pandemia o 20 de março de 2020. CLACSO. Disponível em: https://www.clacso.org/la-pandemia-evidencia-y-potencia-la-crisis-de-los-cuidados/.
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, a rápida disseminação do COVID-19 e as medidas institucionais para produzir isolamento social, que estão sendo aplicadas na maioria dos países evidenciam um dos elos mais fracos da sociedade: os cuidados. Embora as mulheres sejam as mais afetadas por essa realidade e pelo trabalho social não reconhecido ou pago em geral, Batthyány (2020)BATTHYÁNY, Karina. “La pandemia evidencia y potencia la crisis de los cuidados”. Publicado em Observatorio Pensar la pandemia o 20 de março de 2020. CLACSO. Disponível em: https://www.clacso.org/la-pandemia-evidencia-y-potencia-la-crisis-de-los-cuidados/.
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argumenta que, para resolver a crise dos cuidados, é necessária uma nova ideia de gestão pública que entenda que a interdependência das pessoas é um fato da vida em comum. Portanto, a solução não é apenas distribuir o cuidado de forma mais igualitária entre homens e mulheres no nível individual; mas porque sua importância e valor sejam reconhecidos e possam ser fornecidos em parte pela sociedade e com o estado assumindo sua responsabilidade.

Geracionais. Aqui podemos destacar as diferentes formas pelas quais o vírus afeta as pessoas mais velhas e mais jovens, bem como a diferente relação entre as gerações com o mundo digital, a possibilidade de autonomia dos jovens que é limitada diante de condições isoladas e a situação dos trabalhos precários (entrega em domicílio, empregos em lojas), que geralmente empregam jovens e que são os que muitas vezes continuam trabalhando sem possibilidade de isolamento ou proteção.

Na pandemia, e depois dela, pode ocorrer um paradoxo: que o desemprego juvenil diminui (atualmente entre 2,5 e 3 vezes maior que o desemprego geral), mas que esses empregos sejam cada vez mais precários, com menos direitos e condições laborais degradadas.

Educativas. Um aspecto dessas desigualdades pode ser derivado das desigualdades geracionais, uma vez que nem todos os estudantes têm as mesmas condições e possibilidades de assumir as tarefas escolares em casa. Desiguais são as condições de moradia, as possibilidades de os pais acompanharem os exercícios, os recursos tecnológicos, o acesso aos materiais, as remessas pelas escolas. Assim, as desigualdades educacionais reforçam as geracionais e nos mostram como existem várias gerações simultâneas configuradas por situações de classe, território e gênero etc.

Por outro lado, nem todas as escolas e universidades têm os mesmos recursos tecnológicos e isso reforça as desigualdades que são expressas em seus estudantes, docentes e em seus ambientes. Recentemente, Pedro Nuñez (2020)Nuñez, Pedro. “Desigualdades educativas en tiempos de coronavirus”, em La Vanguardia, 14 de abril de 2020. Disponível em: http://www.lavanguardiadigital.com.ar/index.php/2020/04/14/desigualdades-educativas-en-tiempos-de-coronavirus/.
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aprofundou nas experiências e tendências das desigualdades educacionais que se tornam visíveis e se aprofundam em tempos de virtualidade. O autor enfatiza que o menor número de dias de escola afeta desigualmente pessoas de acordo com várias dimensões, como o estabelecimento onde elas estudam, seu ambiente social e suas condições culturais ou econômicas. Da mesma forma, Nuñez (2020)Nuñez, Pedro. “Desigualdades educativas en tiempos de coronavirus”, em La Vanguardia, 14 de abril de 2020. Disponível em: http://www.lavanguardiadigital.com.ar/index.php/2020/04/14/desigualdades-educativas-en-tiempos-de-coronavirus/.
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critica uma certa fruição social e governamental por não “perder dias de escola” ou “compensar” os dias de maneiras nem sempre pensadas, situadas e significativas.

Da mesma forma, as desigualdades educacionais também são sentidas pelos professores, expostos a maiores demandas e a um gasto de recursos próprios que quase nunca é reconhecido ou recompensado.

Laborais. Falar sobre desigualdade trabalhista pode ser redundante no capitalismo. No entanto, Harvey (2020)HARVEY, David. Política anticapitalista en tiempos de COVID-19. Publicado em Sin permiso o 22 de março de 2020. Disponível em: https://www.sinpermiso.info/textos/politica-anticapitalista-en-tiempos-de-covid-19.
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nos mostra uma “nova classe trabalhadora” (o precariado do que falam Standing, 2011Standing, Guy. The Precariat. The New Dangerous Class. Bloomsbury Academic: Londres y Nueva York. 2011.; Bauman, 1998BAUMAN, Zygmunt. Trabajo, consumismo y nuevos pobres. Barcelona: Gedisa. 1998. ou Mezzadra e Neilson, 2016MEZZADRA, Sandro y Neilson, Brett. La frontera como método. Buenos Aires: Tinta Limón Ediciones. 2016.) que suporta o pior parte da crise, tanto porque é a força de trabalho que apresenta o maior risco de exposição ao vírus ou porque pode ser demitido sem recursos, devido à retração econômica. Diante do teletrabalho, quem pode trabalhar em casa e quem não? Isso agrava as desigualdades. Quem pode se permitir isolamento ou se colocar em quarentena (com ou sem receber salário) em caso de contato ou contágio? Por isso, Harvey (2020)HARVEY, David. Política anticapitalista en tiempos de COVID-19. Publicado em Sin permiso o 22 de março de 2020. Disponível em: https://www.sinpermiso.info/textos/politica-anticapitalista-en-tiempos-de-covid-19.
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chama essa pandemia de “pandemia de classe, gênero e raça”.

Nessa situação, como fazer que não se torne mais precária a vida da maioria, como evitar que as políticas implementadas diante da pandemia não sejam um motor dos processos de produção e reprodução de desigualdades sociais multidimensionais? Mais uma vez, dilemas e as encruzilhadas são abertas, cuja resolução dependerá de disputas sociais e políticas.

Nesse ponto, Judith Butler (2020)BUTLER, Judith. Capitalism has its Limits. Nueva York: Verso. 2020. afirma que essa pandemia mostra a velocidade com que a desigualdade radical e a exploração capitalista encontram maneiras de se reproduzir e se fortalecer. A autora também diz que esse aprofundamento das desigualdades será expresso nas disputas sobre vacina ou remédios que aplaquem o vírus. Em um mundo desigual, onde predominam a concorrência, a mercantilização, o racismo, a xenofobia, a segregação e a estigmatização, a distribuição de vacinas e medicamentos seguirá estas lógicas dominantes. Isso levaria ao fechamento de fronteiras e o controle reforçado da circulação, à exacerbação do que já discutiram Foucault (2001)FOUCAULT, Michel. Vigilar y castigar. Nacimiento de la prisión. México: Siglo Veintiuno. 2001. e Deleuze (2005)DELEUZE, Gilles. “Posdata sobre las sociedades de control”. In: Ferrer, Christian (Comp.). El lenguaje literario. Antología del pensamiento anarquista contemporáneo. La Plata: Terramar Ediciones. Pp. 115-121. 2005. como a dinâmica das sociedades de controle e dominação biopolítica: as políticas de viver e deixar morrer.

Perspectivas.

Milton Friedman (1962FRIEDMAN, Milton. Capitalism and Freedom. Chicago: University of Chicago Press. 1962. y 1978FRIEDMAN, Milton. lnflation and tmemployment: The new dimension of Politics. Londres: Institute of Economic Affairs. 1978.) afirmou que “apenas uma crise – real ou percebida – resulta em mudanças concretas. Quando tal crise ocorre, as ações realizadas dependem das ideias que flutuam no ambiente. Deve ser nossa função básica desenvolver alternativas às políticas existentes, para mantê-las vivas e ativas até que o politicamente impossível se torne politicamente inevitável”. Naomi Klein (2011)KLEIN, Naomí. La Doctrina del Shock. El Auge del Capitalismo del Desastre. Buenos Aires: Paidós. 2011. recupera esses postulados do economista neoliberal em seu livro A doutrina do choque (2011) para apontar o caráter induzido de algumas crises ou desastres no capitalismo contemporâneo que alimentam as doutrinas do choque.

Se parafrasearmos Friedman revisitado por Klein e passarmos a peneira gramsciana, um dos principais desafios que enfrentamos durante e após a pandemia consiste em fazer que “as ideias que flutuam no ambiente” não sejam as ideias do capitalismo neoliberal, extrativista e predatório. Uma disputa hegemônica.

Vamos sistematizar algumas propostas.

Bifo Berardi (2020)BERARDI, Franco. Crónica de la psicodeflación #1. Caja Negra editora. Publicado o 21 de fevereiro de 2020. Disponível em: https://cajanegraeditora.com.ar/blog/cronica-de-la-psicodeflacion/.
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sustenta que poderíamos sair dessa situação imaginando uma possibilidade que até ontem parecia impensável: redistribuição da renda, redução do tempo de trabalho. Igualdade, frugalidade, abandono do paradigma de crescimento, investimento de energias sociais em pesquisa, em educação, em saúde. Não podemos saber como sairemos da pandemia cujas condições foram criadas pelo neoliberalismo, pelos cortes de investimentos na saúde pública, pela hiperexploração nervosa, observa Berardi (2020)BERARDI, Franco. Crónica de la psicodeflación #1. Caja Negra editora. Publicado o 21 de fevereiro de 2020. Disponível em: https://cajanegraeditora.com.ar/blog/cronica-de-la-psicodeflacion/.
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. Uma possibilidade é definitivamente sair sozinhos, agressivos, competitivos. Mas, pelo contrário, também poderíamos sair com um grande desejo de abraçar: solidariedade social, contato, igualdade.

Por seu lado, Badiou (2020)BADIOU, Alain. Sobre la situación epidémica. Traducción Eugenia Prado Bassi. Publicado em Lobo suelto o 21 de março de 2020. Disponível em: http://lobosuelto.com/sobre-la-situacion-epidemica-alain-badiou/. Texto original em francês: Sur la situation épidémique. Publicado em Quartier généralo 20 de março de 2020. Disponível em: https://qg.media/2020/03/26/sur-la-situation-epidemique-par-alain-badiou/.
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postula que a epidemia atual não terá, como epidemia, nenhuma consequência política significativa. As mudanças ocorrerão somente se somos capazes de “trabalhar em novas figuras políticas, no projeto de lugares, de novas políticas”.

Byung-Chul Han (2020)Byung-Chul Han. “La emergencia viral y el mundo de mañana”, El País, 22 de março de 2020. Disponível em: https://elpais.com/ideas/2020-03-21/la-emergencia-viral-y-el-mundo-de-manana-byung-chul-han-el-filosofo-surcoreano-que-piensa-desde-berlin.html.
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alerta que começou um êxodo de asiáticos na Europa que querem retornar aos seus países de origem porque se sentem mais seguros por lá. A pandemia mudará o conceito de áreas seguras em um nível mundial? O autor chama também a repensar e restringir radicalmente o capitalismo destrutivo e a ilimitada e destrutiva mobilidade de capitais e pessoas como forma de proteção social e também ambiental.

A partir do que aqui foi analisado, parece que uma das certezas de saída não neoliberal (espero que também não capitalista) dessa pandemia será o fortalecimento dos sistemas de saúde pública. Outra deveria ser a renda básica universal para garantir uma renda mínima para toda a população. Parece que o teletrabalho também será fortalecido, mas, ao mesmo tempo, ficará em evidencia a importância do trabalho vivo e a estimulação da demanda nesse momento do capitalismo.

Se o teletrabalho se generalizar em todas as atividades em que for possível, levará a que as condições de moradia também sejam assumidas pelos empregadores? Seriam ferramentas totalmente produtivas e, como tal, deveriam ser garantidas. Talvez estejamos voltando a revisitar a reversibilidade das esferas produtiva e reprodutiva e a difusão (ou territorialização) do trabalho que Negri (1992)NEGRI, Toni. Del obrero masa al obrero social y mas allá. Barcelona: Nueva Visión. 1992. postulou para o capitalismo pósfordista.

Falamos da saúde pública e da educação públicas. Também do controle que alguns governos reforçaram sobre a ocupação e uso do espaço público por meio de medidas supostamente destinadas a combater a pandemia. Mencionamos que essa também é uma crise ambiental e ecológica. Em todos esses e em outros sentidos, essa conjuntura reabre e alimenta as discussões e as disputas pelo público, pelo comum. Isso entendido não apenas num plano estatal, mas aberto ao público comunitário ou social, como Paolo Virno (2003)VIRNO, Paolo. Gramática de la multitud. Madrid: Traficantes de Sueños. 2003. propôs há mais de vinte anos. Como continuar disputando o espaço público com as ruas vazias? Raoul Vaneigem (2020)VANEIGEM, Raoul. Coronavirus. Publicado em La Peste o 19 de março de 2020. Disponível em: https://lapeste.org/2020/03/raoul-vaneigem-coronavirus/.
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argumenta que o confinamento não abole a presença nas ruas, ele a reinventa.

Essas disputas pelo público vão significar também um lugar revitalizado do estado? Ou a avidez social por defender e expandir o público desbordará ao estado e envolverá um retrocesso no capital, reduzindo assim a mercantilização das diferentes esferas da vida?

A pandemia gera situações incomuns, como o governador de Nova York propondo nacionalizações e o próprio Trump recomendando fortemente a empresas como General Motors e Ford o que elas devem produzir, como aconteceu durante as guerras mundiais, em tempos de pandemia.

Será essa crise capaz de quebrar a dominação que parecia se consolidar desde o final dos anos setenta do século passado? Se acontecer isso, quebrará à dominação capitalista ou à neoliberal, mudando no último caso o modo de acumulação dentro do mesmo sistema?

Alguns afirmam que, com essa comoção, poderemos entender que o mundo é uma casa comum e que esse comum deve ser cuidado, defendido, fortalecido e expandido. Esse entendimento incluirá a compreensão do mercado como uma força que enfraquece e estreita o comum? Perseverar o público e o comum e colocar a vida no centro são caminhos propositivo para hoje e para o que está por vir.

Assumindo que a prevenção é fundamental neste momento e talvez nos próximos anos, parece que a responsabilidade e a solidariedade sociais, juntamente com as políticas públicas (não só estatais) integrais, situadas, territorializadas, singulares e efetivas são vias possíveis para mudança da lógica e construção de alternativas. Refiro-me a outras políticas públicas para contrabalançar os dispositivos sociais de produção e reprodução das desigualdades e avançar para a produção de uma igualdade diversa, que reconheça e se configure com base na diferença.

Concluímos parafraseando ao Bifo: a igualdade voltou ao centro da cena. Vamos imaginá-lo como o ponto de partida para o tempo vindouro.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2021

Histórico

  • Recebido
    15 Maio 2020
  • Aceito
    20 Maio 2020
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