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Percepção de dor musculoesquelética e hipertensão arterial* * Recebido do Departamento de Educação Física da Universidade Estadual do Centro-Oeste, Guarapuava, PR, Brasil.

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

Diversos estudos em humanos têm demonstrado relação inversa entre percepção de dor e pressão arterial. O objetivo do estudo foi investigar a associação entre o relato de dor musculoesquelética e hipertensão arterial em um grupo de trabalhadores.

MÉTODOS:

Utilizando-se um diagrama corporal com imagem e escala para intensidade (1 a 10), 349 trabalhadores (243 homens e 106 mulheres) foram questionados a respeito da presença e sensibilidade à dor musculoesquelética. Todos foram submetidos a medidas de pressão arterial e diagnóstico de hipertensão arterial pelo médico do trabalho.

RESULTADOS:

Cem trabalhadores (28,7%) relataram algum tipo de dor musculoesquelética e destes 12 eram hipertensos e 88 normotensos. Não houve diferença nem na prevalência nem na sensibilidade da dor musculoesquelética entre trabalhadores hipertensos e normotensos. Apesar da ausência de diferença significativa, em média os hipertensos demonstraram maior prevalência (38,7% vs 27,7%) e sensibilidade à dor do que os normotensos (2,3±0,8 vs 2,1±0,9, respectivamente).

CONCLUSÃO:

Não foi possível confirmar no grupo de trabalhadores estudados as evidências da literatura de que indivíduos hipertensos possuem menor prevalência e sensibilidade à dor do que normotensos.

Analgesia; Clínicas de dor; Hipertensão


BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Several human studies have shown an inverse relation between pain perception and blood pressure. This study aimed at investigating the association between musculoskeletal pain report and hypertension in a group of workers.

METHODS:

Using a body diagram with image and intensity scale (1 to 10), 349 workers (243 males and 106 females) were asked about the presence and sensitivity to musculoskeletal pain. All were submitted to blood pressure measurement and diagnosis of hypertension by the occupational physician.

RESULTS:

One hundred workers (28.7%) have reported some type of musculoskeletal pain and from these 12 were hypertensive and 88 normotensive. There has been no difference in musculoskeletal pain prevalence and sensitivity between hypertensive and normotensive workers. Notwithstanding the lack of significant difference, in average hypertensive workers had higher prevalence (38.7% vs 27.7%) and sensitivity to pain as compared to normotensive workers (2.3±0.8 vs 2.1±0.9, respectively).

CONCLUSION:

It was not possible to confirm in the group of studied workers literature evidences that hypertensive individuals have lower pain prevalence and sensitivity as compared to normotensive individuals.

Analgesia; Hypertension; Pain clinics


INTRODUÇÃO

A hipertensão arterial (HA) e a dor musculoesquelética são fenômenos observados cada vez mais frequentemente na população1Leenen FH, Dumais J, McInnis NH, Turton P, Stratychuk L, Nemeth K, et al. Results of the Ontario survey on the prevalence and control of hypertension. CMAJ. 2008;178(11):1441-9.,2Ribeiro HP. [Repetition strain injury]. Cad Saúde Pública. 1997;13(Suppl 2):85-93. Portuguese.. Por um lado a HA é considerada uma das principais causas de óbitos associados a doenças cardiovasculares3Chobanian AV, Bakris GL, Back HR, Cushman WC, Green LA, Izzo JL Jr, et al. The seventh report of the joint national committee on prevention, detection, evaluation, and treatment of high blood pressure: the JNC 7 report. Institute joint national committee on prevention, detection, evaluation, and treatment of high blood pressure; National high blood pressure education program coordinating committee. JAMA. 2003;289(19):2560-72. e, por outro, a dor está entre os distúrbios não letais que mais provocam incapacidades e perda de produtividade no trabalho4Whysall ZJ, Haslam RA, Haslam C. Processes, barriers, and outcomes described by ergonomics consultants in preventing work-related musculoskeletal disorders. Appl Ergon. 2004;35(4):343-51..

Embora sejam fenômenos aparentemente distintos, investigações utilizando animais de laboratório e humanos demonstraram forte associação entre HA e reduzida percepção de estímulos dolorosos5Ghione S. Hypertension-associated hypalgesia. Evidence in experimental animals and humans, pathophysiological mechanisms, and potential clinical consequences. Hypertension. 1996;28(3):494-504.,6France CR. Decreased pain perception and risk for hypertension: considering a common physiological mechanism. Psychophysiology. 1999;36(6):683-92.. Em outras palavras, pessoas com hipertensão relataram menor sensibilidade à dor (hipoalgesia) quando comparadas a indivíduos normotensos7Guasti L, Gaudio G, Zanotta D, Grimoldi P, Petrozzino MR, Tanzi F, et al. Relationship between a genetic predisposition to hypertension, blood pressure levels and pain sensitivity. Pain. 1999;82(3):311-7..

Considerando que a dor é um sinal que auxilia a proteger o corpo de lesões potenciais8Fields HL, Levine JD. Pain--mechanics and management. West J Med. 1984;141(3):347-57., quais as implicações dessa relação para a saúde? A primeira diz respeito à evidência de que a hipoalgesia pode servir como um método de diagnosticar risco de HA na população6France CR. Decreased pain perception and risk for hypertension: considering a common physiological mechanism. Psychophysiology. 1999;36(6):683-92.. Outra implicação refere-se a sinais dolorosos de advertência. A esse respeito, foi observado que pessoas normotensas, com parentes hipertensos de primeiro grau, demonstraram menor sensibilidade a isquemia e a dor experimental do que indivíduos sem histórico familiar9al'ABSI M, Buchanan T, Lovallo WR. Pain perception and cardiovascular responses in men with positive parental history for hypertension. Psychophysiology. 1996;33(6):655-661.. Portanto, indivíduos hipertensos ou predispostos à hipertensão poderiam demonstrar menor sensibilidade a sintomas clássicos de dor que alertariam, por exemplo, para um infarto do miocárdio1010 Krittayaphong R, Sheps DS. Relation between blood pressure at rest and perception of angina pectoris during exercise testing. Am J Cardiol. 1996;77(14):1224-6.. É preciso ressaltar que casos de infarto do miocárdio que não foram reconhecidos pelos pacientes antes do desfecho representam uma proporção significativa de óbitos em idosos1111 Sheifer SE, Gersh BJ, Yanez ND 3rd, Ades PA, Burke GL, Manolio TA. Prevalence, predisposing factors, and prognosis of clinically unrecognized myocardial infarction in the elderly. J Am Coll Cardiol. 2000;35(1):119-26..

Uma questão importante para o estabelecimento da relação entre dor e HA é a forma de quantificar a sensibilidade à dor, uma vez que é um fenômeno subjetivo. A maioria dos estudos que averigua a relação entre hipoalgesia e pressão arterial utiliza testes que induzem dor mediante estimulação elétrica na polpa dentária, temperatura (quente, frio) e estimulação eletrocutânea. No entanto, as investigações que abordam a relação hipoalgesia e pressão arterial não se limitam apenas a utilizar delineamentos experimentais, ou seja, que quantificam a intensidade de dor a partir de um estímulo (instrumento) que provoca dor. Embora em menor quantidade, questionários e escalas também são empregados para investigar a prevalência e a sensibilidade à dor1212 Margolis RB, Tait RC, Krause SJ. A rating system for use with patient pain drawings. Pain. 1986;24(1):57-65..

Recentemente, procurou-se estabelecer a relação entre dor e HA utilizando questionários para quantificar a presença e intensidade da dor. Um desses estudos, de caráter epidemiológico, demonstrou que indivíduos hipertensos apresentavam até 60% menos dor musculoesquelética do que normotensos1313 Hagen K, Stovner LJ, Vatten L, Holmen J, Zwart JA, Bovim G. Blood pressure and risk of headache: a prospective study of 22 685 adults in Norway. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2002;72(4):463-6.. Em outro, verificou-se que a intensidade da dor está associada com pequeno, porém significativo aumento na prevalência de diagnóstico de HA1414 Bruehl S, Chung OY, Jirjis JN, Biridepalli S. Prevalence of clinical hypertension in patients with chronic pain compared to nonpain general medical patients. Clin J Pain. 2005;21(2):147-53..

Apesar das informações disponíveis na literatura, não há relatos se os resultados sobre dor e hipertensão encontrados na população geral se repetem em trabalhadores. Para tanto, a hipótese deste estudo estabelece que trabalhadores diagnosticados com HA apresentem e/ ou relatem menor índice de dor musculoesquelética. Nesse sentido, o objetivo deste estudo foi investigar a associação entre dor musculoesquelética (prevalência e sensibilidade) e HA em um grupo de trabalhadores.

MÉTODOS

Participaram da avaliação 349 trabalhadores (243 homens e 106 mulheres) de uma empresa de balas e gomas que possui em seu quadro aproximadamente 1300 funcionários distribuídos nas funções de segurança, embalagem, transporte e administrativo em turnos matutino, vespertino e noturno.

Uma rotina de avaliação foi administrada durante três dias de uma semana de prevenção de acidentes realizada na empresa. Todos os trabalhadores foram convidados a participar voluntariamente da avaliação pela equipe de saúde do ambulatório (duas enfermeiras e um médico). A coleta de dados ocorreu da seguinte forma: 1) questionário, que além da identificação também incluiu perguntas a respeito da presença de dor musculoesquelética bem como sua localização e intensidade; 2) verificação da pressão arterial e, 3) medidas antropométricas. Com intenção de evitar uma possível omissão de informações, antes de qualquer procedimento de medida, foi destacado individualmente que todas as informações fornecidas seriam de uso exclusivo para pesquisa e mapeamento dos distúrbios osteomusculares na empresa e que, em hipótese alguma, o nome dos envolvidos seria divulgado.

Após identificação do avaliado, uma pergunta padronizada foi realizada para cada entrevistado: “você sentiu alguma dor no corpo no último mês?” As queixas foram definidas pela presença de dor em músculos ou articulações que era percebida durante e após a atividade laboral no período compreendido na pergunta (inclusive no momento da avaliação). Quando o avaliado confirmava a presença de dor o entrevistador apresentava um diagrama corporal de distribuição e localização de dor contendo duas figuras do corpo humano na posição anatômica, uma de frente e outra de costas1212 Margolis RB, Tait RC, Krause SJ. A rating system for use with patient pain drawings. Pain. 1986;24(1):57-65.. O coeficiente de reprodutibilidade do diagrama corporal (teste-reteste) foi estimado em r=0,85 enquanto a concordância relativa da distribuição de dor foi estimada em 88,2. Após a localização da dor o avaliado foi questionado em relação à sua intensidade mediante observação de uma escala de 1 a 10, na qual o escore 1 representava dor branda e o 10 dor extremamente intensa1616 Silva JA, Ribeiro-Filho NP. Avaliação e mensuração de dor: pesquisa, teoria e prática. Ribeirão Preto, SP: FUNPEC Editora; 2006..

A pressão arterial foi verificada a partir do emprego de dois esfigmomanômetros de coluna de mercúrio (Mecurial®) devidamente calibrados. Quatro avaliadores foram especialmente treinados para a verificação das medidas. Para fins de análise, foi utilizado o valor médio de duas medidas verificadas no braço esquerdo respeitando um período de 10 minutos na posição sentada. Para a medida e diagnóstico de pressão arterial em adultos de ambos os gêneros adotou-se as orientações sugeridas nas V Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial1717 V Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial. Arq Bras Cardiol. 2007;89(3): e24-e79.. Nesse sentido, foram considerados hipertensos os trabalhadores que apresentavam pressão arterial sistólica (PAS) e diastólica (PAD) igual ou superior a 140 e 90mmHg, respectivamente, independentemente de estarem ou não em uso de fármaco anti-hipertensivo. Para evitar possível viés de classificação, os trabalhadores considerados hipertensos agendaram horário com o médico da empresa para diagnóstico preciso dos resultados obtidos. Vale destacar que todos os trabalhadores que apresentaram valores elevados de PAS e PAD foram confirmados como hipertensos pelo médico do trabalho. Também foram considerados hipertensos, independentemente dos valores aferidos no local de coleta, os trabalhadores que já haviam sido diagnosticados por um médico e/ou que estavam usando regularmente fármaco para tratamento de HA. A partir de PAS e PAD, calculou-se a pressão arterial média (PAM) de acordo com a seguinte fórmula: PAM= [PAS+(2xPAD)]/3.

A massa corporal foi verificada mediante a utilização de uma balança antropométrica com precisão de 100g (Welmy®) e a estatura obtida por meio de um estadiômetro de madeira com escala de 0,1cm. A partir das medidas de massa corporal e estatura foi calculado o índice de massa corporal (IMC) em kg/m2. A circunferência da cintura (CC) foi medida em duplicata no ponto médio entre a última costela e a crista ilíaca utilizando-se de uma fita métrica inextensível modelo Mabis®.

Análise estatística

As análises foram realizadas com auxílio de pacote estatístico comercial (SPSS, Inc., Chicago, IL - versão 13.0) adotando como nível de significância p≤0,05. O teste de Shapiro Wilk revelou simetria na distribuição dos dados. Dessa maneira, empregou-se a estatística descritiva (média e desvio padrão) ou frequências quando apropriado para apresentação dos dados. Objetivando a comparação dos valores médios entre os grupos hipertenso sem dor (HSD), hipertenso com dor (HCD), normotenso sem dor (NSD) e normotenso com dor (NCD) foi utilizada a Anova two-way (teste post-hoc de Bonferroni). A comparação entre os gêneros foi realizada a partir do teste t de Student para dados não pareados. O teste Qui-quadrado foi aplicado para a detecção de associações e comparações de valores percentuais.

A comparação entre os gêneros foi realizada a partir do teste t de Student para dados não pareados. O teste Qui-quadrado foi aplicado para a detecção de associações e comparações de valores percentuais. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa para Estudos em Humanos (CEP) do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (CEP-IB-UNESP) campus de Rio Claro/SP (protocolo no 1916/2007) de acordo com as recomendações éticas previstas na resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Os sujeitos, após serem informados dos riscos e procedimentos dos testes, assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

RESULTADOS

As características dos participantes de acordo com o gênero são apresentadas na tabela 1. Os homens constituíram a maior parcela da amostra (69,6%) e diferiram significativamente das mulheres em todas as variáveis, exceto para a idade e IMC. Em relação à amostra total, houve maior proporção de homens com HA (7,2%) e dor (17,5%) do que de mulheres (1,7% e 11,2%, respectivamente). A quantidade de trabalhadores (100) que relataram dor musculoesquelética representou 28,7% da amostra enquanto a HA foi confirmada em 8,9% da amostra.

Tabela 1
Características gerais dos trabalhadores de acordo com o gênero

Com referência ao total de investigados (349) apenas 3,5% possuíam em comum HA e dor. Entre os normotensos (91,1%), a quantidade relativa de queixas associadas a algum desconforto foi de 25,2%. Considerando todos os hipertensos (31), 38,7% destes queixaram-se de algum tipo de dor (n=12) enquanto entre os normotensos (n=318) os relatos de dor foram comuns em 27,7% dos casos (n=88).

Os trabalhadores que relataram dor musculoesquelética classificaram a intensidade com que percebiam subjetivamente o sintoma a partir de uma escala de 1 a 10. Embora a análise não tenha revelado diferença estatística (p=0,279), a percepção foi em média maior entre os hipertensos (2,3±0,8) do que entre os normotensos (2,1±0,9) (Tabela 2). Vale destacar que o grupo hipertenso sem dor (HSD) apresentou valores médios de PAS, PAD e PAM superiores ao grupo hipertenso com dor (HCD). Por sua vez, isso se deve provavelmente ao fato de o grupo HSD não possuir integrantes femininas. Conforme observado na tabela 1, as mulheres demonstraram valores significativamente inferiores de pressão arterial o que contribuiu para manter a média do grupo HCD mais baixa. Adicionalmente, é possível notar que os indivíduos hipertensos são estatisticamente mais velhos, pesados e com maior quantidade de adiposidade na região abdominal (MC, IMC e CC) do que os normotensos (Tabela 2).

Tabela 2
Idade, variáveis antropométricas e intensidade de dor relatada em trabalhadores de acordo com a condição de pressão arterial

DISCUSSÃO

O presente estudo examinou a associação entre dor musculoesquelética e HA em trabalhadores. O resultado não confirmou a hipótese do estudo, que estabelecia que trabalhadores hipertensos apresentariam menor índice de dor musculoesquelética. A prevalência de dor foi relativamente superior entre os hipertensos. Dos 31 hipertensos, 38,7% queixaram-se de algum tipo de dor enquanto esse valor foi de 27,7% entre todos os normotensos (n=318). Isso contraria os resultados de outros estudos que demonstraram menor prevalência de relatos de dor entre os hipertensos do que entre os normotensos1313 Hagen K, Stovner LJ, Vatten L, Holmen J, Zwart JA, Bovim G. Blood pressure and risk of headache: a prospective study of 22 685 adults in Norway. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2002;72(4):463-6.,1414 Bruehl S, Chung OY, Jirjis JN, Biridepalli S. Prevalence of clinical hypertension in patients with chronic pain compared to nonpain general medical patients. Clin J Pain. 2005;21(2):147-53..

Discordância com a literatura também foi verificada em relação à percepção da intensidade da dor relatada. Nesse sentido, não foi demonstrada diferença significativa na intensidade da dor entre trabalhadores hipertensos e normotensos com dor. Os hipertensos relataram em média escores de 2,3±0,8 enquanto os normotensos 2,1±0,9. Experimentos planejados para induzir dor em indivíduos com diferentes valores de pressão arterial demonstraram que os hipertensos ou predispostos a HA são menos sensíveis aos estímulos dolorosos5Ghione S. Hypertension-associated hypalgesia. Evidence in experimental animals and humans, pathophysiological mechanisms, and potential clinical consequences. Hypertension. 1996;28(3):494-504.,7Guasti L, Gaudio G, Zanotta D, Grimoldi P, Petrozzino MR, Tanzi F, et al. Relationship between a genetic predisposition to hypertension, blood pressure levels and pain sensitivity. Pain. 1999;82(3):311-7.,1313 Hagen K, Stovner LJ, Vatten L, Holmen J, Zwart JA, Bovim G. Blood pressure and risk of headache: a prospective study of 22 685 adults in Norway. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2002;72(4):463-6.,1414 Bruehl S, Chung OY, Jirjis JN, Biridepalli S. Prevalence of clinical hypertension in patients with chronic pain compared to nonpain general medical patients. Clin J Pain. 2005;21(2):147-53.,1818 Fillingim RB, Maixner W, Bunting S, Silva S. Resting blood pressure and thermal pain responses among females: effects on pain unpleasantness but not pain intensity. Int J Psychophysiol. 1998;30(3):313-8.

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-2121 Ghione S, Rosa C, Mezzasalma L, Panattoni E. Arterial hypertension is associated with hypalgesia in humans. Hypertension. 1988;12(5):491-7.. O delineamento adotado no presente estudo não induziu a dor, portanto não permite confirmar se hipertensos e normotensos, independentemente da condição de dor, estão sob efeito hipoalgésico.

Os trabalhadores hipertensos são estatisticamente mais velhos, pesados e com maior quantidade de tecido adiposo na região abdominal do que os normotensos. A idade e a obesidade, em especial a depositada na região abdominal, são fatores de risco para HA e outros distúrbios metabólicos. Tanto a CC quanto o IMC são adotados como indicadores de adiposidade e representam, indiretamente, os depósitos de gordura abdominal e gordura corporal total, respectivamente2222 Rankinen T, Kim SY, Pérusse L, Després JP, Bouchard C. The prediction of abdominal visceral fat level from body composition and anthropometry: ROC analysis. Int J Obes Relat Metab Disord. 1999;23(8):801-9.,2323 Doll S, Paccaud F, Bovet P, Burnier M, Wietlisbach V. Body mass index, abdominal adiposity and blood pressure: consistency of their association across developing and developed countries. Int J Obes Relat Metab Disord. 2002;26(1):48-57..

A quantidade de hipertensos na amostra (8,9%) foi inferior à divulgada em estudos de caráter populacional2424 Gus I, Harzheim E, Zaslavsky C, Medina C, Gus M. Prevalência, reconhecimento e controle da hipertensão arterial sistêmica no estado do Rio Grande do Sul. Arq Bras Cardiol. 2004;83(5):424-8.. Adicionalmente, houve maior proporção de homens com HA (7,2%) do que de mulheres (1,7%) fato este concordante com a literatura2525 Burt VL, Whelton P, Roccella EJ, Brown C, Cutler JA, Higgins M, Horan MJ, Labarthe D. Prevalence of hypertension in the US adult population. Results from the Third National Health and Nutrition Examination Survey, 1988-1991. Hypertension. 1995;25(3):305-13..

Em relação à dor musculoesquelética os trabalhadores deste estudo (28,7%) apresentaram menor prevalência quando comparados a outras categorias profissionais, como motoristas de ônibus (61%) e bombeiros militares (48,9%)2626 Queiroga MR, Ferreira SA. Ocorrência de dor na coluna vertebral em motoristas de ônibus e bombeiros militares. UNOPAR Cient Ciênc Biol Saúde. 2005;7(1):21-6.. Em relação à amostra total, houve maior proporção de homens com dor (17,5%) do que de mulheres (11,2%). Como a função dos trabalhadores não foi considerada para estabelecer um perfil de risco para o relato de dor não foi possível assegurar que homens estariam nessa situação devido à tarefa realizada. No entanto, a literatura demonstra que os opioides endógenos produzem maior efeito analgésico em mulheres do que em homens2727 Fillingim RB. Sex differences in analgesic responses: evidence from experimental pain models. Eur J Anaesthesiol Suppl. 2002;26:16-24.. Além de fatores fisiológicos e biológicos, a maior proporção de relatos de dor nos homens também pode ser influenciada por questões culturais e psicológicas2828 Myers CD, Robinson ME, Riley JL 3rd, Sheffield D. Sex, gender, and blood pressure: contributions to experimental pain report. Psychosom Med. 2001;63(4):545-50.. É interessante destacar que os fatores de risco para o desenvolvimento de dor e lesões no trabalho estão associados ao tipo de tarefa, ao tempo de exposição, à idade e às condições ergonômicas do posto de trabalho2929 Barreira TH. Abordagem ergonomica da LER. RBSO. 1994;22(84):51-60..

Deve-se admitir a existência de substancial evidência demonstrando que os mecanismos de dor estão alterados em indivíduos hipertensos e/ ou predispostos a HA3030 Stewart KM, France CR. Resting systolic blood pressure, parental history of hypertension, and sensitivity to noxious stimuli. Pain. 1996;68(2-3):369-74.,3131 Page GD, France CR. Objective evidence of decreased pain perception in normotensives at risk for hypertension. Pain. 1997;73(2):173-80.. Entretanto, essas evidências são provenientes de estudos experimentais (induzem a dor) que utilizam amostras de pessoas sem uma atividade laboral definida, ao contrário da amostra de trabalhadores que integrou a presente pesquisa. Dessa maneira, para investigar a associação entre dor musculoesquelética e HA, sugere-se verificar se a atividade laboral é por si um risco para o desenvolvimento de lesões o que poderia confundir os resultados. Caso a atividade desempenhada aumente o risco de sintomas dolorosos, o desenvolvimento de distúrbios musculoesqueléticos poderia surgir independentemente dos níveis pressóricos e da predisposição a HA.

Os resultados referentes à pressão arterial e à dor encontrados no presente estudo devem ser analisados com cautela. A amostra utilizada bem como a determinação da dor e sua intensidade não permitem refutar a hipótese de que os mecanismos de dor estão associados à HA, mas abrem caminho para outros questionamentos nessa relação. Podemos abordar algumas limitações que poderiam sustentar esta declaração. A primeira se refere ao delineamento transversal, que não permite estabelecer relações de causalidade e o autorrelato de dor, procedimento esse sensível a variações individuais. Segundo, os trabalhadores não foram aleatorizados para participar do estudo. Terceiro, a amostra utilizada foi específica, ou seja, diz respeito a um grupo de trabalhadores. Quarto, os participantes não foram submetidos a testes de dor (indução a dor), apenas questionou-se a presença do fenômeno. Quinto, os estudos que demonstraram menor prevalência de dor musculoesquelética em hipertensos investigaram amostras maiores1313 Hagen K, Stovner LJ, Vatten L, Holmen J, Zwart JA, Bovim G. Blood pressure and risk of headache: a prospective study of 22 685 adults in Norway. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2002;72(4):463-6.,1414 Bruehl S, Chung OY, Jirjis JN, Biridepalli S. Prevalence of clinical hypertension in patients with chronic pain compared to nonpain general medical patients. Clin J Pain. 2005;21(2):147-53.. Por fim, é preciso aprofundar os estudos também na relação hipertensão, dor e atividade física uma vez que há fortes indícios demonstrando que a prática de exercícios está associada à redução da sensibilidade à dor3232 Koltyn KF. Analgesia following exercise: a review. Sports Med. 2000;29(2):85-98.,3333 Koltyn KF, Arbogast RW. Perception of pain after resistance exercise. Br J Sports Med. 1998;32(1):20-4.. Dessa maneira, a realização de atividades físicas poderia potencializar os efeitos hipoalgésicos em indivíduos hipertensos. Informações obtidas com os trabalhadores e com o coordenador da CIPA (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes) permitiram concluir que a atividade laboral realizada pelos participantes envolvidos no estudo é basicamente manual (embalagem e transporte), que a grande parcela costuma vir trabalhar a pé ou de bicicleta e que a empresa oferece no local de trabalho três sessões semanais de ginástica laboral, com duração de 15 minutos cada3434 Queiroga MR, Cabral L, da Silva CG, Ferreira SA, Cavazzotto TG. Workplace physical exercises, obesity anthropometric indexes, blood pressure and static muscle strength. Acta Scientiarum. Health Sciences. 2014;36:65-71.. Entretanto, como não foi objeto de estudo, não se pode afirmar que a atividade física diária (trabalho e transporte) realizada pelos participantes possa ter afetado a relação entre HA e sensibilidade à dor.

CONCLUSÃO

Contrariamente ao observado na literatura, os trabalhadores hipertensos deste estudo não demonstraram diferenças na prevalência ou sensibilidade à dor musculoesquelética quando comparados aos trabalhadores normotensos, refutando a hipótese de estudo.

  • Fomentes de fomento: não há
  • *
    Recebido do Departamento de Educação Física da Universidade Estadual do Centro-Oeste, Guarapuava, PR, Brasil.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à enfermeira Débora Covre por sua assistência profissional e aos integrantes do Núcleo de Atividade Física, Esporte e Saúde (NAFES/UNESP Rio Claro) pelo auxílio na coleta dos dados.

REFERENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2015

Histórico

  • Recebido
    17 Set 2014
  • Aceito
    13 Fev 2015
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