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O uso de fármacos analgésicos e anti-inflamatórios prévio ao atendimento em pronto socorro infantil* * Recebido da Universidade de Taubaté, Taubaté, SP, Brasil.

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

A administração de fármacos na criança é uma prática amplamente difundida, porém pode levar a inúmeros prejuízos à saúde, pois além da orientação médica, exige atenção dos pais e cuidadores. O objetivo deste estudo foi identificar a prevalência da administração de fármacos na criança, por seus responsáveis, previamente ao atendimento médico.

MÉTODOS:

Trata-se de uma pesquisa quantitativa descritiva, envolvendo adultos que acompanhavam as crianças antes do atendimento médico em um Pronto Socorro Infantil de um município de médio porte do Vale do Paraíba Paulista, nos meses de junho, julho e agosto de 2011, sendo os dados registrados por meio de um formulário específico.

RESULTADOS:

Participaram do estudo 105 adultos responsáveis pelas crianças que relataram que 71,42% das crianças foram medicadas previamente ao atendimento médico e apenas 28,58% não adotaram essa prática. O principal sintoma citado foi febre, presente em 40% dos participantes, e os fármacos mais utilizados foram o paracetamol e a dipirona.

CONCLUSÃO:

Os resultados obtidos permitem concluir que houve um alto índice de administração de fármacos nas crianças previamente ao atendimento médico, com predomínio dos anti-inflamatórios não esteroides, fármacos esses que podem causar lesões à saúde. Evidencia-se a necessidade de adoção de medidas que favoreçam o acesso aos serviços de saúde, além da conscientização sobre os riscos da administração de fármacos sem a devida prescrição médica.

Analgésicos; Anti-inflamatórios; Automedicação; Criança


BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Drug administration to children is a widely spread practice, however it may lead to several health problems, because in addition to medical guidance it requires attention of parents and caregivers. This study aimed at identifying the prevalence of drug administration in children by their tutors, before medical assistance.

METHODS:

This is a quantitative descriptive research involving adults who were escorting children, before medical assistance in a Children's First Aid Unit of a medium-sized city of the Vale do Paraíba Paulista in the months of June, July and August 2011, being data recorded by means of a specific form.

RESULTS:

Participated in the study 105 adults responsible for the children who reported that 71.42% of children were medicated before medical assistance and only 28.58% have not adopted such practice. Most frequent symptom was fever, present in 40% of participants, and drugs used were paracetamol and dipirone.

CONCLUSION:

Our results allow concluding that there has been a high rate of drug administration to children before medical assistance, with predominance of non-steroid anti-inflammatory drugs, which may be noxious to health. It is clear the need for the adoption of measures which favor the access to health services, in addition to the awareness about the risk of administering drugs without medical prescription.

Analgesics; Anti-inflammatory drugs; Children; Self-medication


INTRODUÇÃO

A associação entre automedicação e menor frequência de visitas ao médico, assim como menores gastos financeiros com fármacos, favorece a substituição da atenção formal à saúde por essa prática11. Loyola Filho AI, Uchoa E, Guerra HL, Firmo JO, Lima-Costa MF. [Prevalence and factors associated with self-medication: the Babuí health survey]. Rev Saúde Pública 2002;36(1):55-62. Portuguese..

O hábito de se automedicar pode ocasionar danos à saúde do paciente, como o surgimento de efeitos indesejáveis, agravos e mascaramento de doenças, interações farmacológicas, erros nas doses e intoxicações, sendo os analgésicos e anti-inflamatórios amplamente envolvidos com tal prática22. Piotto FR, Nogueira RM, Pires OC, Cusma-Pelógia N, Posso IP. Prevalência da dor e do uso de analgésicos e anti-inflamatórios na automedicação de pacientes atendidos no Pronto-Socorro Municipal de Taubaté. Rev Dor. 2009;10(4):313-7..

A administração segura nas crianças apresenta uma variedade de problemas que não são encontrados quando se administra fármacos aos pacientes adultos, variando amplamente na idade, no peso, na área de superfície corporal, na capacidade de absorver, metabolizar e excretá-los. Diferentemente dos medicamentos para adultos, existem poucas faixas de doses pediátricas padronizadas; por esse motivo, e com poucas exceções, as substâncias são preparadas e embaladas com os valores médios das dosagens para o adulto33. Hockenberry MJ. Fundamentos de Enfermagem Pediátrica. 7ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier Ltda; 2006. 450-3,742-7,762-3p..

O padrão de consumo de fármacos no Brasil é fortemente influenciado pela falta de controle em toda a cadeia de disponibilização, desde a produção até a comercialização, levando ao consumo abusivo e irracional de produtos de venda livre e mesmo dos que necessitam de receituário médico. Como consequência, verifica-se o crescimento de casos de intoxicação e envenenamento, o que sugere inadequações na produção, na circulação ou no uso de produtos farmacêuticos44. Matos GC, Rozenfeld S, Bortoletto ME. Intoxicações medicamentosas em crianças menores de cinco anos. Rev Saúde Matern Infant. 2002;2(2):167-76..

Entre as várias maneiras de praticar automedicação estão: adquirir sem receita, compartilhamento com outros membros da família ou círculo social, utilizar sobras de prescrições, reutilizar antigas receitas e descumprir a prescrição profissional, prolongando ou interrompendo precocemente a posologia11. Loyola Filho AI, Uchoa E, Guerra HL, Firmo JO, Lima-Costa MF. [Prevalence and factors associated with self-medication: the Babuí health survey]. Rev Saúde Pública 2002;36(1):55-62. Portuguese..

Desde 1970 tem-se observado aumento da preocupação quanto à segurança de certos produtos ou fármacos potencialmente nocivos às crianças determinando que sejam comercializados em embalagens apropriadas e com isso a incidência de envenenamento em crianças vem sofrendo redução significativa. Contudo, mesmo com esses avanços, o envenenamento continua sendo uma significante preocupação para a saúde e a maioria dos casos ocorre em crianças menores de seis anos de idade33. Hockenberry MJ. Fundamentos de Enfermagem Pediátrica. 7ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier Ltda; 2006. 450-3,742-7,762-3p..

O objetivo deste estudo foi identificar a prevalência da administração de fármacos à criança, por seus responsáveis, previamente ao atendimento médico.

MÉTODOS

Trata-se de uma pesquisa quantitativa descritiva. O estudo foi realizado com os responsáveis pelas crianças que as acompanhavam antes de serem atendidas em um Pronto Socorro Infantil de um município de médio porte do Vale do Paraíba Paulista e que aceitaram participar.

A amostra foi coletada antes do atendimento médico a partir de entrevista realizada pelos pesquisadores com os responsáveis que estavam acompanhando as crianças, na sala de espera, com duração variando entre 2 e 3 min cada. A coleta de dados foi realizada nos meses de junho, julho e agosto de 2011. Os dados foram registrados em um formulário que constou de 3 grupos de variáveis: a primeira refere-se aos dados de identificação da criança, a segunda trata-se dos dados sobre o responsável pela criança e a terceira de dados referentes a utilização de fármacos para a criança.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Taubaté sob o CEP/UNITAU nº 096/2011.

RESULTADOS

Participaram do estudo, 105 adultos, responsáveis pelas crianças que estavam acompanhando-as e foram entrevistados antes de serem atendidas no Pronto Socorro Infantil.

Para caracterizar as idades das crianças foi utilizado o critério de faixa etária denominado: neonato, lactente, pré-escolar e escolar33. Hockenberry MJ. Fundamentos de Enfermagem Pediátrica. 7ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier Ltda; 2006. 450-3,742-7,762-3p..

As faixas etárias das crianças participantes do estudo foram: lactente 51,42%, pré-escolar 24,76%, escolar 22,85% e recém-nascido 0,97%. Quanto ao gênero, 50,48% feminino e 49,52% masculino.

Em relação à presença de doença prévia, os responsáveis relataram que 81,90% não eram portadoras de nenhuma doença e 18,10% eram portadoras de doenças, sendo elas: renal, síndrome de Down, bronquite, asma, crise convulsiva, laringite.

Ao perguntar aos acompanhantes se a criança já havia apresentado algum tipo de reação alérgica farmacológica, 80,95% referiram que não, 15,24% relataram que já havia apresentado algum tipo de reação alérgica e 3,81% não souberam informar. Quanto à presença regular da criança em consulta médica, 70,47% dos responsáveis responderam que sim, 25,72% responderam que não e 3,81% não souberam informar. Quanto ao acompanhante que levou a criança para ser atendida no pronto socorro infantil, 69,52%foram levadas pela mãe; 23,81% por outros, compreendendo avó, tia, madrinha e vizinha e 6,67% pelo pai.

Quanto ao uso de fármacos previamente ao atendimento médico, encontrou-se que 71,42% as medicaram e 28,58% não as medicaram previamente.

Em relação ao uso contínuo de algum fármaco pela criança, seus acompanhantes relataram que 84,76% não fazem uso e 15,24% fazem uso, sendo que os principais medicamentos citados foram valproato, dexclorfeniramina, vitamina D, flunarizina e sulfato ferroso.

Quanto ao motivo da procura pelo atendimento no Pronto Socorro Infantil, os sintomas com maior prevalência foram febre, tosse produtiva, vômito, diarreia, dor abdominal, dor de garganta, dispneia e dor de ouvido.

Em relação ao tempo em que a criança apresentava os sinais e sintomas que a trouxeram para o atendimento, 80,95% delas apresentavam os sintomas por 1 a 3 dias, 11,43% de 4 a 6 dias, 3,81% de 7 a 9 dias, e 3,81% apresentavam os sintomas por um período de 13 a 15 dias.

Quanto a quem indicou o uso do fármaco, em 78,67% foi a mãe, 13,33% foi a vizinha e em 8% a avó.

Dentre os responsáveis que medicaram a criança antes do atendimento médico, 55,23% referiram que o frasco do fármaco que foi administrado já se encontrava aberto e, destes, 32,38% referiram que se certificaram da sua data de validade.

A figura 1 mostra os medicamentos que foram administrados às crianças previamente ao seu atendimento no Pronto Socorro Infantil, segundo o relato de seus acompanhantes, cabendo ressaltar que foi citada a administração de mais de um medicamento em algumas crianças antes da procura pelo atendimento médico.

Figura 1
Fármacos administrados previamente ao atendimento médico. Taubaté, 2011

Quanto ao período de uso dos fármacos administrados antes do atendimento no Pronto Socorro Infantil, os dados estão apresentados na figura 2.

Figura 2
Período de uso dos fármacos administrados pelos responsáveis em uso domiciliar previamente a atendimento médico. Taubaté, 2011

A figura 3 apresenta o local onde o fármaco administrado na criança antes do atendimento no Pronto Socorro Infantil fora adquirido.

Figura 3
Locais onde o fármaco foi adquirido. Taubaté, 2011

DISCUSSÃO

Estudo sobre o uso de fármacos em crianças de até 6 anos de idade matriculadas em creche encontrou como as doenças mais frequentes: bronquite, rinite, alergia, sinusite e asma, entre outras, dados esses que coincidem com os presentes resultados prevalecendo as doenças respiratórias55. Carvalho DC, Trevisol FS, Menegali BT, Trevisol DJ. Uso de medicamentos em criança de zero a seis anos matriculadas em creches de Tubarão, Santa Catarina. Rev Paul Pediatr. 2008;26(3):238-44..

Em relação ao motivo da procura pelo atendimento, os sintomas com maior prevalência se assemelharam aos apresentados nos estudos de Carvalho et al.55. Carvalho DC, Trevisol FS, Menegali BT, Trevisol DJ. Uso de medicamentos em criança de zero a seis anos matriculadas em creches de Tubarão, Santa Catarina. Rev Paul Pediatr. 2008;26(3):238-44. e de Pereira et al.66. Pereira FS, Bucaretchi F, Stephan C, Cordeiro R. Self-medication in children and adolescents. J Pediatr. 2007;83(5):453-8..

Embora a febre seja uma das queixas mais comuns durante os atendimentos pediátricos, se apresentando como primeira manifestação de infecções virais agudas, sua presença é temida, pois também pode ser o sinal inicial de doenças grave77. Brook I. Unexplained fever in young children: how to manage severe bacterial infections. BMJ. 2003;327(7423):1094-7..

De acordo com o observado na figura 1, os analgésicos e antipiréticos também foram citados em estudos de outros autores como os fármacos mais utilizados na automedicação em crianças55. Carvalho DC, Trevisol FS, Menegali BT, Trevisol DJ. Uso de medicamentos em criança de zero a seis anos matriculadas em creches de Tubarão, Santa Catarina. Rev Paul Pediatr. 2008;26(3):238-44.,66. Pereira FS, Bucaretchi F, Stephan C, Cordeiro R. Self-medication in children and adolescents. J Pediatr. 2007;83(5):453-8.,88. Leite SN, Cordeiro BC, Thiesen D, Bianchini JP. Utilização de medicamentos e outras terapias antes de consulta pediátrica por usuários de unidade pública de saúde em Itajaí-SC, Brasil. Acta Farm Bonaerense. 2006;25(4):608-12..

Embora fármacos como paracetamol e dipirona sejam analgésicos e antipiréticos relativamente seguros para o uso em crianças, respeitando-se as doses adequadas, o uso crônico e abusivo dessas medicações deve ser coibido, visto haver relatos de hepatotoxicidade pelo paracetamol e redução das células sanguíneas de defesa pela dipirona99. Bricks LF. Uso judicioso de medicamentos em crianças. J Pediatr. 2003;79(1):107-14..

Visualiza-se na figura 2, que 53 (70,66%) fármacos foram administrados por um período de 1 a 2 dias, sugerindo que a criança não obteve melhora dos sinais e sintomas apresentados.

Estudo sobre automedicação infantil encontrou que a mãe foi a maior responsável pela indicação do fármaco, e essa decorreu do uso prévio desses fármacos por prescrição médica 66. Pereira FS, Bucaretchi F, Stephan C, Cordeiro R. Self-medication in children and adolescents. J Pediatr. 2007;83(5):453-8. .

Conduta encontrada neste estudo, que merece especial atenção, foi a utilização de frascos de fármacos que haviam sido abertos em outros momentos, visto que depois de serem abertos as condições de conservação podem alterar a eficácia.

Estudo de Beckhauser et al.1010. Beckhauser GB, Souza JM, Valgas C, Piovezan AP, Gala D. Utilização de medicamentos na Pediatria: a prática de automedicação em crianças por seus responsáveis. Rev Paul Pediatr. 2010;28(3):262-8. encontrou a farmácia como o local de maior aquisição de fármacos para automedicação, resultado esse semelhante ao encontrado neste estudo, corroborando a hipótese de que é mais prático adquirir o fármaco em uma farmácia do que agendar consulta com médico para a mesma finalidade, porém com maiores riscos.

CONCLUSÃO

Os resultados obtidos mostram elevado índice de automedicação nas crianças, sendo os analgésicos e anti-inflamatórios os fármacos mais utilizados na maioria das vezes pelas mães, sugerindo a necessidade de ações pelos serviços de saúde coletiva que proporcionem acesso e orientação à população quanto aos riscos do uso indiscriminado sem orientação médica.

  • *
    Recebido da Universidade de Taubaté, Taubaté, SP, Brasil.

REFERENCES

  • 1
    Loyola Filho AI, Uchoa E, Guerra HL, Firmo JO, Lima-Costa MF. [Prevalence and factors associated with self-medication: the Babuí health survey]. Rev Saúde Pública 2002;36(1):55-62. Portuguese.
  • 2
    Piotto FR, Nogueira RM, Pires OC, Cusma-Pelógia N, Posso IP. Prevalência da dor e do uso de analgésicos e anti-inflamatórios na automedicação de pacientes atendidos no Pronto-Socorro Municipal de Taubaté. Rev Dor. 2009;10(4):313-7.
  • 3
    Hockenberry MJ. Fundamentos de Enfermagem Pediátrica. 7ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier Ltda; 2006. 450-3,742-7,762-3p.
  • 4
    Matos GC, Rozenfeld S, Bortoletto ME. Intoxicações medicamentosas em crianças menores de cinco anos. Rev Saúde Matern Infant. 2002;2(2):167-76.
  • 5
    Carvalho DC, Trevisol FS, Menegali BT, Trevisol DJ. Uso de medicamentos em criança de zero a seis anos matriculadas em creches de Tubarão, Santa Catarina. Rev Paul Pediatr. 2008;26(3):238-44.
  • 6
    Pereira FS, Bucaretchi F, Stephan C, Cordeiro R. Self-medication in children and adolescents. J Pediatr. 2007;83(5):453-8.
  • 7
    Brook I. Unexplained fever in young children: how to manage severe bacterial infections. BMJ. 2003;327(7423):1094-7.
  • 8
    Leite SN, Cordeiro BC, Thiesen D, Bianchini JP. Utilização de medicamentos e outras terapias antes de consulta pediátrica por usuários de unidade pública de saúde em Itajaí-SC, Brasil. Acta Farm Bonaerense. 2006;25(4):608-12.
  • 9
    Bricks LF. Uso judicioso de medicamentos em crianças. J Pediatr. 2003;79(1):107-14.
  • 10
    Beckhauser GB, Souza JM, Valgas C, Piovezan AP, Gala D. Utilização de medicamentos na Pediatria: a prática de automedicação em crianças por seus responsáveis. Rev Paul Pediatr. 2010;28(3):262-8.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2014

Histórico

  • Recebido
    03 Jul 2013
  • Aceito
    15 Abr 2014
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