Acessibilidade / Reportar erro

Covid-19 e tutela de direitos na Justiça Federal: atores, interesses e temas da judicialização da pandemia

COVID-19 AND PROTECTION OF RIGHTS IN FEDERAL JUDICIARY: ACTORS, INTERESTS AND ISSUE AREAS OF THE PANDEMIC JUDICIALIZATION

Resumo

Este artigo estima um modelo estatístico explicativo dos fatores que determinaram a tutela judicial de direitos em casos relacionados ao tema covid-19 na Justiça Federal do Brasil. Por meio do uso de um método de análise estatística multinível, os resultados revelaram que as probabilidades de obtenção da tutela judicial dependeram de uma complexa interação entre características processuais que identificam os perfis de autores, seus interesses subjacentes e o tema envolvido na discussão. Análises dos diferentes perfis de ações judiciais também evidenciaram que estados, Distrito Federal e municípios foram os autores de maior sucesso na obtenção de decisões judiciais favoráveis em demandas associadas ao tema da flexibilização da aplicação de regras jurídicas. Evidências ainda sugerem que a Justiça Federal não se deixou contaminar com a “polarização”, preferindo, por razões jurídicas, a manutenção do status quo a alocar direitos em favor de autores de qualquer um dos extremos do momento político atual.

Palavras-chave
Covid-19; Justiça Federal brasileira; política judicial; polarização; direitos

Abstract

This paper estimates a statistical model that explains the factors that have determined the judicial protection of rights in cases related to the theme covid-19 in the Brazilian Federal Judiciary. Using multilevel statistical analysis method, the results revealed that the probabilities of obtaining judicial protection depends of a complex interaction between procedural characteristics that identify the profiles of authors, their underlying interests and the topic involved in the discussion. Analyses of the different lawsuit profiles also showed that states, the Federal District and municipalities were the most successful authors in obtaining favorable judicial decisions in demands associated with the subject of making the application of legal rules more flexible. The model also suggests that the Federal Judiciary did not allow itself to be contaminated with “polarization”, preferring, for legal reasons, the maintenance of the status quo to allocating rights in favor of authors from any of the extremes of the current political moment.

Keywords
Covid-19; Brazilian Federal Judiciary; judicial politics; polarization; rights

Introdução

Este artigo tem por objetivo propor um modelo explicativo dos fatores que determinaram a tutela judicial de direitos pela Justiça Federal em processos relacionados ao tema covid-19. A partir de um modelo estatístico multinível, estimaram-se as probabilidades de obtenção de uma decisão judicial favorável durante o período de 16 de março a 30 de junho de 2020, quando, em todo o Brasil, em maior ou menor grau, as instituições estavam adotando medidas iniciais de enfrentamento da pandemia e havia ainda muita incerteza no marco normativo a ser adotado pelo Governo Federal.

Nesse período, a Justiça Federal teve de arbitrar diversos conflitos propostos por uma ampla gama de autores, desde pessoas físicas em busca da revisão de cláusulas contratuais de financiamento estudantil até pedidos para a execução de atividades em teletrabalho. Atores situados nos polos opostos do debate político nacional também bateram às portas do Poder Judiciário em busca de proteção judicial em favor de suas próprias agendas. No ambiente dessa recente polarização política (PEREIRA, MEDEIROS e BERTHOLINI, 2020PEREIRA, Carlos; MEDEIROS, Amanda; BERTHOLINI, Frederico. Fear for Death and Polarization: Political Consequences of the COVID-19 pandemic. Brazilian Journal of Public Administration, Rio de Janeiro, v. 54, n. 4, p. 952-958, jul./ago. 2020.; HUNTER e POWER, 2019HUNTER, Wendy; POWER, Timothy. Bolsonaro and Brazil’s Illiberal Backlash. Journal of Democracy, [s. l.], v. 30, n. 1, p. 68-82, 2019.), todos esses grupos alegavam “direitos” contrapostos a serem protegidos, por mais antagônicas que algumas dessas demandas pudessem parecer. Nas políticas públicas, os conflitos entre o Governo Federal e os entes subnacionais (ABRUCIO et al., 2020ABRUCIO, Fernando Luiz et al. Combating COVID-19 under Bolsonaro’s Federalism: A Case of Intergovernmental Incoordination. Brazilian Journal of Public Administration, [s. l.], v. 54, n. 4, p. 663-677, 2020.) funcionaram como catalizadores de ações coletivas propostas por atores jurídicos e por unidades subnacionais (estados, municípios e Distrito Federal - DF) para resolverem problemas de coordenação na execução de políticas sanitárias.

A repercussão dessa conjuntura no fluxo processual da Justiça Federal é clara: em um ambiente de múltiplas “urgências” e de baixos custos para os autores ajuizarem ações, os incentivos para o incremento de demandas relacionadas, estritamente, ao coronavírus são previsíveis.

O choque exógeno da pandemia também criou a “tempestade perfeita” para o aumento da discricionariedade judicial. Afora as razões clássicas reportadas pela literatura para se conceber a decisão judicial como um subproduto de escolha diante de interpretações possíveis dos textos normativos - incerteza do ambiente (DAHL, 1957DAHL, Robert. Decision-making in a Democracy: The Supreme Court as a National Policy-maker. Journal of Public Law, [s. l.], v. 6, n. 2, p. 279-295, 1957.) e indeterminações normativas (KELSEN, 1997KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1997.) -, a atipicidade dos temas discutidos durante o momento inicial da pandemia aumentou a probabilidade de o juiz deparar-se com “casos novos” (RIBEIRO, 2011RIBEIRO, Ricardo. Preferências, custos da decisão e normas jurídicas no processo decisório das Cortes: o modelo de múltiplos comportamentos. Economic Analysis of Law Review, [s. l.], v. 2, n. 2, p. 264-296, 2011.), com características significativamente diferentes das demandas usualmente decididas pela Justiça Federal.

Assim, em um contexto de incerteza e necessidade de rápida tomada de decisão sobre qual a melhor escolha a fazer dentro de uma cesta de múltiplas possibilidades de interpretação, este artigo, por meio do uso de métodos de análise quantitativa (regressões multiníveis e testes estatísticos), testa a hipótese de que a tutela a direitos é simultaneamente determinada por fatores jurídicos e extrajurídicos relacionados aos perfis dos autores, aos interesses subjacentes, ao tipo de jurisdição e aos temas levados ao Poder Judiciário Federal.

O curto período analisado não permitiu uma conclusão sobre como os processos judiciais serão julgados ao final. Para tanto, seria necessário aguardar o prévio esgotamento das instâncias recursais, e, conforme esclareceremos na terceira seção deste artigo, a amostra baseou-se em informações disponibilizadas pela Advocacia-Geral da União (AGU) em site entre 16 de março e 30 de junho de 2020. Não houve, então, tempo suficiente para que a maioria dos casos fosse julgada. Por essa razão, foram analisadas, predominantemente, decisões interlocutórias.

Não se deve concluir, contudo, que essas decisões, por não serem de mérito, possuem pouca importância. Para quem precisava de uma proteção imediata, a concessão de uma liminar ou tutela provisória de urgência foi fundamental. Pode ter evitado a inscrição do nome de um ex-estudante de baixa renda em um cadastro de restrição ao crédito; pode ter assegurado o direito de um servidor com saúde debilitada a trabalhar em sua residência (teletrabalho); pode ter garantido a importação imediata de ventiladores mecânicos a serem utilizados em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) de hospitais públicos ou privados. Não é difícil imaginar que muitas dessas decisões interlocutórias terminam por resultar em efeitos irreversíveis no mundo dos fatos, tendo natureza satisfativa. Para além disso, há a importância histórica de se fazer um mapeamento de como a Justiça Federal reagiu à emergência sanitária, isto é, se esteve disposta ou não a proteger direitos e em quais condições.

Com isso, espera-se contribuir com a literatura em política judicial no Brasil, dado que essa área interdisciplinar permanece excessivamente centrada na análise empírica das decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), e, como lembra Da Ros (2017DA ROS, Luciano. Em que ponto estamos? Agendas de pesquisa sobre o Supremo Tribunal Federal no Brasil e nos Estados Unidos. In: ENGELMANN, Fabiano (org.). Sociologia política das instituições judiciais. Porto Alegre: UFRGS: CEGOV, 2017. p. 57-97., p. 86), o STF é apenas um entre “uma constelação imensa e diversificada de órgãos judiciais [...] Brasil afora”. Há, portanto, a necessidade premente de desenvolvermos metodologias e testes de hipóteses sobre o comportamento de outros órgãos do Poder Judiciário ao decidir, notadamente, porque trabalhos recentes sobre esse território desconhecido se preocupam apenas com estatísticas descritivas da judicialização em temas muito específicos - políticas de saúde, previdência e assistência social (DINIZ, MACHADO e PENALVA, 2014DINIZ, Débora; MACHADO, Tereza; PENALVA, Janaina. A judicialização da saúde no Distrito Federal, Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, [s. l.], v. 19, n. 2, p. 591-598, 2014.; INSPER, 2019INSTITUTO DE ENSINO E PESQUISA - INSPER. Judicialização da saúde no Brasil: perfil de demandas, causas e propostas de solução. Brasília: CNJ, 2019., 2020INSTITUTO DE ENSINO E PESQUISA - INSPER. A judicialização de benefícios previdenciários e assistenciais. Brasília: CNJ, 2020.; NOGUEIRA e CAMARGO, 2017NOGUEIRA, Karina; CAMARGO, Erica. Judicialização da saúde: gastos federais para o Sistema Único de Saúde (SUS) entre 2011-2014. Cadernos Ibero-Americanos de Direito Sanitário, Brasília, v. 6, n. 2, p. 120-132, abr./jun. 2017.; WANG et al., 2014WANG, Daniel et al. Os impactos da judicialização da saúde no Município de São Paulo: gasto público e organização federativa. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 48, n. 5, p. 1191-1206, set./out. 2014.; WANG e VASCONCELOS, 2015WANG, Daniel; VASCONCELOS, Natália. O STF e o critério de renda do BPC. Novos Estudos, São Paulo, v. 103, nov. 2015.) -, com pouca ou nenhuma ênfase na explicação de como múltiplos fatores podem, simultaneamente, influenciar, em maior ou menor grau, as decisões judiciais em interações estatísticas complexas.

Pretende-se, portanto, suprir essas lacunas e oferecer aos leitores uma estratégia de pesquisa a ser seguida na análise quantitativa de decisões da Justiça Federal. Para tanto, o artigo está organizado em cinco seções. Na primeira, haverá rápida apresentação do debate na Ciência Política sobre modelos de comportamento decisório do Poder Judiciário. Na segunda seção, enfatizaremos a necessidade de utilização de uma modelagem estatística multinível para compreender como os casos foram decididos pela Justiça Federal. Na terceira, serão apresentados os dados e as variáveis utilizadas no modelo estatístico, e, por fim, nas duas últimas seções serão abordados as estatísticas descritivas, o modelo estatístico adotado, os resultados e as interpretações dele decorrentes.

1. Limitações dos modelos de comportamento judicial na literatura em política judicial

O presente artigo busca explicar como a Justiça Federal decidiu casos relacionados à covid-19 nos primeiros momentos da deflagração da pandemia. Na retórica judicial do cotidiano forense, a explicação deveria restar centrada no exame de textos normativos ou precedentes judiciais previamente estatuídos. A decisão judicial, para essa visão, seria inferida por mera dedução do direito positivo, com grande objetividade e sem apelo a quaisquer fatores extrajurídicos, como ideologias, crenças ou circunstâncias estratégicas. Os magistrados obedeceriam a uma espécie de “modelo legal” (legal model) de comportamento decisório, no qual a discricionariedade judicial seria anulada ou, ao menos, severamente mitigada pelo direito estatuído em regras e precedentes vinculantes.

Evidências empíricas sugerem, contudo, que esse “modelo legal” está longe de ser capaz de explicar o comportamento dos juízes ao decidirem processos. Com frequência, pesquisas em política judicial denunciam que as amarras do direito positivo são tênues para afastar as incertezas do caso e a própria discricionariedade judicial. Desse modo, entre os cientistas políticos há relativo consenso de que o processo decisório judicial é uma espécie de subproduto do contexto e dos comportamentos políticos dos juízes. Permanece em aberto, todavia, quais fatores seriam candidatos a variáveis explicativas determinantes desses comportamentos.

Para um primeiro grupo de pesquisadores, os adeptos ao modelo “atitudinal” (atitudinal model), o comportamento político manifestar-se-ia no fato de juízes decidirem de acordo com as suas preferências políticas sinceras. Decisões judiciais, por consequência, seriam uma decorrência da incidência de crenças, ideologias ou visões de mundo pessoais do magistrado, e, nesse sentido, o comportamento judicial poderia ser explicado por um exame prévio das preferências dos juízes sobre diversos temas (SEGAL, 1997SEGAL, Jeffrey. Separation-of-Powers Games in the Positive Theory of Congress and Courts. The American Political Science Review, [s. l.], v. 91, n. 1, p. 28-44, mar. 1997. e 1998SEGAL, Jeffrey. Correction to “Separation-of-Powers Games in the Positive Theory of Congress and Courts. The American Political Science Review, [s. l.], v. 92, n. 4, p. 923-926, dez. 1998.; SEGAL e SPAETH, 2002SEGAL, Jeffrey; SPAETH, Harold. The Supreme Court and the Attitudinal Model Revisited. Cambridge: Cambridge University Press, 2002.). Não é o direito positivo, portanto, que indica como um caso concreto será julgado; na verdade, são as preferências ex ante dos magistrados as melhores preditoras dos resultados de seus julgamentos.

Um segundo grupo de cientistas políticos objeta, contudo, que esse é um quadro muito simplificado do comportamento político dos magistrados. Para esse grupo, o comportamento judicial deve ser explicado como uma espécie de “jogo” no qual os juízes interagem, estrategicamente, com outros “jogadores” (players) dentro ou fora do órgão judicial. Nesse ambiente, magistrados seriam obrigados a levar em consideração, ao julgarem, as ações de outros atores políticos relevantes. Seriam, então, atores políticos sofisticados: ao anteverem que a decisão de determinado modo poderia trazer consequências negativas para o Poder Judiciário ou para eles mesmos, prefeririam interpretar e aplicar o Direito a fim de minimizar prejuízos (EPSTEIN e KNIGHT, 1998EPSTEIN, Lee; KNIGHT, Jack. The Choices that Justices Make. Washington, D.C.: CQ Press, 1998.; BERGARA, RICHMAN e SPILLER, 2002BERGARA, Mario; RICHMAN, Barak; SPILLER, Pablo. Modeling Supreme Court Strategic Decision Making: The Congressional Constraint. Documentos de Trabajo - FCS, Montevidéu, 2002.). Apenas julgarão de acordo com suas preferências sinceras se inexistirem riscos adicionais. Em situações políticas adversas, poderiam ser até mesmo forçados a recuar para evitar enfrentamentos diretos com os Poderes Executivo e Legislativo. Por essa razão, esse modelo, agrupado aqui sob o nome de modelo “estratégico” (strategic model), entende que o juiz, ao julgar, obedece às premissas do comportamento racional da “teoria dos jogos” e, por uma espécie de “indução reversa” (backward induction), maximizaria sua “função recompensa” (payoff function) ao interagir com os demais jogadores relevantes.

A despeito de esses serem os modelos tradicionais de investigação do processo decisório judicial, é preciso esclarecer que este artigo, por razões metodológicas, teóricas e empíricas, seguirá outra via analítica. Metodologicamente, não se tentará testar o modelo atitudinal, porque este foi desenvolvido para explicar decisões finais de mérito (SEGAL e SPAETH, 2002SEGAL, Jeffrey; SPAETH, Harold. The Supreme Court and the Attitudinal Model Revisited. Cambridge: Cambridge University Press, 2002.). Esta pesquisa, contudo, baseia-se em uma amostragem de processos nos quais predominam decisões interlocutórias em juízos de cognição sumária, pois, dentro dos limites temporais ditados pelo curso da pandemia, poucos processos registraram sentenças que permitissem a validação ou a refutação desse modelo. A maioria das decisões analisadas, portanto, não se enquadra nos moldes do modelo preditivo atitudinal. No Brasil, também não há disponibilidade de dados sobre o perfil ideológico de cada magistrado da Justiça Federal, se liberal ou conservador. Desse modo, características pessoais desses sujeitos serão levadas em consideração por via indireta, como se verá na seção posterior ao discutirmos o uso de modelos multiníveis.

Por uma razão análoga, não serão realizados testes específicos para a refutação do modelo estratégico, pois seus pressupostos teóricos aplicam-se, como regra, aos denominados “jogos da separação de poderes” (separation of powers games) (BERGARA, RICHMAN e SPILLER, 2002BERGARA, Mario; RICHMAN, Barak; SPILLER, Pablo. Modeling Supreme Court Strategic Decision Making: The Congressional Constraint. Documentos de Trabajo - FCS, Montevidéu, 2002.) ou a situações de autopreservação institucional do Poder Judiciário em ambientes políticos adversos (institutional maintenance model) (SEGAL, WESTERLAND e LINDQUIST, 2011SEGAL, Jeffrey; WESTERLAND, Chad; LINDQUIST, Stefanie. Congress, the Supreme Court, and Judicial Review: Testing a Constitutional Separation of Powers Model. American Journal of Political Science, [s. l.], v. 55, n. 1, p. 89-104, jan. 2011.). Como essas situações estratégicas, na literatura, tendem a ser observadas entre atores políticos relevantes (ex.: Suprema Corte, Congresso Nacional, presidente da República), a chance de observação de tais jogos ou comportamentos de autopreservação institucional seria maior no âmbito dos casos julgados pelo STF ou em julgamentos de grande repercussão nacional. Nossa amostra de processos, contudo, limitou-se a examinar decisões judiciais proferidas por juízos de primeiro grau, turmas recursais e Tribunais Regionais Federais (TRFs), razão pela qual é implausível esperar a ocorrência de situações estratégicas frequentes entre esses juízes e o presidente da República e/ou o Congresso Nacional.

Ceteris paribus, a dispersão ao redor do país de ações judiciais e seus efeitos jurídicos, usualmente, locais ou regionais também diminuem os incentivos para que os atores políticos relevantes tenham interesse em exercer pressões políticas diretas ou ameaças sistemáticas sobre os magistrados da Justiça Federal, de modo que perde força o vigor explicativo do modelo estratégico adotado pela literatura. Ressalvadas, portanto, circunstâncias excepcionais ou locais de determinado caso, assume-se a pouca significância desse modelo na explicação do modo como a maioria significativa dos processos foi julgada pela amostra analisada.

Motivações de ordem teórica também indicam que decisões judiciais podem ser movidas por razões atitudinais, estratégicas ou legais em diversas situações concretas. Preferências do julgador, custos da decisão, limitações de tempo, vieses cognitivos, incertezas do caso, observância de precedentes ou mesmo idiossincrasias de cada julgador compõem um amplo espectro de possíveis explicações para o modo como se decidem casos concretos (GEYH, 2010GEYH, Charles. Judicial Politics, the Rule of Law and the Future of an Ermine Myth. Bloomington: Indiana University, 2010.; DANZIGER, LEVAV e AVNAIM-PESSO, 2011DANZIGER, Shai; LEVAV, Jonathan; AVNAIM-PESSO, Liora. Extraneous Factors in Judicial Decisions. PNAS, [s. l.], v. 108, n. 17, p. 6889-6892, abr. 2011.; EPSTEIN, LANDES e POSNER, 2013EPSTEIN, Lee; LANES, William; POSNER, Richard. The Behavior of Federal Judges: A Theoretical & Empirical Study of Rational Choice. Cambridge: London: Harvard University Press, 2013.). Isso significa que, em vez de procurar validar ou refutar modelos tão gerais de comportamento, esperamos observar, na realidade dos julgamentos, uma espécie de modelo misto (mixed model), no qual “múltiplos comportamentos” judiciais podem ser observados a depender das variáveis independentes envolvidas no processo decisório (RIBEIRO, 2011RIBEIRO, Ricardo. Preferências, custos da decisão e normas jurídicas no processo decisório das Cortes: o modelo de múltiplos comportamentos. Economic Analysis of Law Review, [s. l.], v. 2, n. 2, p. 264-296, 2011.).

Afora essas ponderações metodológicas e teóricas, evidências empíricas relativamente recentes, decorrentes da análise do comportamento do STF, indicam que o Poder Judiciário decide de forma legal, estratégica ou atitudinal a depender das circunstâncias do caso a ser julgado (KAPISZEWSKI, 2011KAPISZEWSKI, Diana. Tactical Balancing: High Court Decision Making on Politically Crucial Cases. Law & Society Review, [s. l.], v. 45, n. 2, p. 471-506, jun. 2011. e 2012KAPISZEWSKI, Diana. High Courts and Economic Governance in Argentina and Brazil. Nova York: Cambridge University Press, 2012.; RIBEIRO, 2012RIBEIRO, Ricardo. Política e economia na jurisdição constitucional abstrata (1999-2004). Revista Direito GV, São Paulo, v. 8, n. 15, p. 87-108, 2012.; ARLOTA e GAROUPA, 2014ARLOTA, Carolina; GAROUPA, Nuno. Addressing Federal Conflicts: An Empirical Analysis of the Brazilian Supreme Court, 1988-2010. Review of Law Economics, [s. l.], v. 10, n. 2, p. 137-168, jul. 2014.; FERREIRA e MUELLER, 2014FERREIRA, Pedro; MUELLER, Bernardo. How Judges Think in the Brazilian Supreme Court: Estimating Ideal Points and Identifying Dimensions. Economia, [s. l.], v. 15, n. 3, p. 275-293, 2014.; GOMES NETO, 2015GOMES NETO, José Mario Wanderley. Pretores estratégicos: por que o Judiciário decide a favor do Executivo e contra suas próprias decisões? Análise empírica dos pedidos de suspensão apresentados ao STF (1993-2012). 2015. 95 f. Tese (Doutorado em Ciência Política) - Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2015.).1 1 Gomes Neto (2015) encontrou evidências de que as decisões judiciais, nos pedidos de suspensão junto ao STF, são mais bem explicadas pela “combinação das abordagens atitudinal e estratégica”, o que favorece a conclusão de que resta inviável a adoção de um só modelo explicativo de decisão como determinante do comportamento das cortes. Não encontrou evidências, contudo, em favor do uso do modelo legal. A despeito disso, seu resultado parece ser consistente com o tipo de demanda analisada pelo autor, os pedidos de suspensão. Nesse caso, a legislação autoriza que a autoridade judicial competente decida, com alto grau de discricionariedade, sobre a conveniência e oportunidade da manutenção ou não dos efeitos de uma decisão judicial impugnada. Por design normativo, o magistrado está autorizado a decidir a partir de argumentos consequencialistas sobre a preservação da segurança, saúde, economia e ordem públicas. Estatisticamente, portanto, tem sido difícil a refutação definitiva de qualquer dos modelos em benefício de um único capaz de explicar a variedade de comportamentos judiciais em um fenômeno, nitidamente, multicausal. Configura-se, dessa forma, mais promissor testar hipóteses menos restritivas e explorar os dados de modo incremental em busca de regularidades que ajudem a entender os determinantes da decisão judicial. Por essa razão, em lugar de modelos “gerais”, focaremos a análise, dentro da disponibilidade de dados, na esfera de explicação dos “microcomportamentos” judiciais ao decidir e de sua relação com as características do caso e do contexto, mensurados por meio de variáveis que acessem direta ou indiretamente fatores relevantes. Essa é a orientação do artigo, pois não há teoria que possa ditar como o modelo explicativo deverá ser construído.

Além disso, no Brasil, as pesquisas quantitativas sobre o Poder Judiciário, historicamente, centram-se em estatísticas descritivas e no cruzamento de informações em tabelas, sem maior preocupação com modelos de estatística inferencial. Como ainda alertou Da Ros (2017DA ROS, Luciano. Em que ponto estamos? Agendas de pesquisa sobre o Supremo Tribunal Federal no Brasil e nos Estados Unidos. In: ENGELMANN, Fabiano (org.). Sociologia política das instituições judiciais. Porto Alegre: UFRGS: CEGOV, 2017. p. 57-97.) ao revisar as principais pesquisas do país em política judicial, não há produção teórica significativa sobre os órgãos do Poder Judiciário que não integram as Cortes Superiores. Portanto, o objeto deste artigo - a Justiça Federal - é uma grande incógnita sob os pontos de vista teórico e empírico.

Por fim, na literatura internacional, também inexiste uma teoria de como juízes decidem em pandemias. Como demonstraram Ginsburg e Versteeg (2020GINSBURG, Tom; VERSTEEG, Mila. The Bound Executive: Emergency Powers During the Pandemic. Virginia Public Law and Legal Theory Research Paper n. 2020-52, Chicago, 2020.), as análises explicativas da atuação do Poder Judiciário em circunstâncias excepcionais são focadas em crises de segurança nacional. Esse tipo de crise, contudo, tem características muito diferentes da crise sanitária decorrente da pandemia de covid-19. Há uma lacuna teórica sobre o tema, e, por essa razão, este artigo tem natureza exploratória. Nosso objetivo é analisar os dados empíricos sobre a judicialização da pandemia na Justiça Federal para, com isso, desvendar fatores relevantes à explicação do comportamento judicial ainda não reportados pela literatura. Em virtude da estratégia metodológica utilizada - estatística inferencial -, pretendemos obter conclusões sobre o quanto cada um desses fatores influenciou a proteção a direitos nos momentos iniciais da pandemia.

2. Breve descrição do papel da Justiça Federal e do “aninhamento” estrutural de seus órgãos: necessidade de utilização de uma análise estatística multinível

No Brasil, a Justiça Federal é a estrutura do Poder Judiciário composta de juízes federais e TRFs. Na esfera não criminal, seu principal papel é julgar ações judiciais de interesse direto ou indireto da União, das autarquias, das fundações públicas e das empresas públicas federais (art. 109, I e VIII, da Constituição Federal - CF/88). Por essa razão, a maior parte de toda a judicialização contra atos do Governo Federal começa em ações movidas por interessados na primeira instância da Justiça Federal, isto é, junto aos juízes federais.

Cada juiz federal, por sua vez, está vinculado a apenas uma das seções judiciárias espalhadas em cada uma das 27 unidades federativas do Brasil (estados e Distrito Federal). Dentro de cada seção, com frequência, são criadas unidades menores, denominadas subseções, com o objetivo de otimizar a divisão espacial do trabalho dos juízes federais, e, como estes atuam em varas federais dentro de cada seção ou subseção judiciária, não é difícil perceber que estão vinculados a uma estrutura interna própria organizada em níveis.

Para fins estatísticos, o primeiro nível dessa estrutura interna é composto de processos judiciais eletrônicos, denominados tecnicamente “observações” ou “casos”. O juiz federal que decide cada incidente ou questão nesse processo eletrônico poderia ser considerado um segundo nível de análise, usualmente denominado “sujeito”, “grupo” ou “cluster”. Como processos judiciais distintos, com características diferentes, tendem a ser julgados de forma análoga pelo mesmo julgador, seria desejável incluir, no banco de dados, características individuais de cada magistrado, como perfil ideológico, idade, tempo de magistratura, que pudessem explicar, em cada processo judicial, como determinado juiz federal decide.

Informações sobre essas características pessoais de cada magistrado, contudo, não são fáceis de coletar e dificilmente estarão disponíveis no futuro próximo. Para contornar esse problema, este artigo utiliza um modelo estatístico capaz de levar em consideração essas diferentes características e esses perfis por meio da observação de como cada seção ou subseção judiciária decide os casos. A intuição por trás dessa estratégia metodológica é simples: processos julgados por uma mesma seção ou subseção estão sujeitos às decisões judiciais de vários juízes que trabalham compartilhando informações, modelos de peças processuais e substituem-se em férias, licenças ou afastamentos legais. Desse modo, a despeito de não se observar, estatisticamente, as características individuais de cada magistrado para fins de análise estatística, pode-se construir um modelo que considere o fato de esses magistrados estarem agrupados em uma seção ou subseção, influenciando-se, reciprocamente, para obter informações relevantes sobre quais são os fatores decisivos no processo de alocação de direitos em favor de determinada parte.

Acrescenta-se, ainda, que seções e subseções judiciárias que pertencem a um mesmo TRF também tendem a ser afetadas pelas decisões de sua própria segunda instância. Nesse caso, como as seções e subseções funcionam como um segundo nível de análise e cada uma delas está vinculada a somente um TRF, é possível inferir que cada TRF pode figurar como um terceiro nível de análise em nosso modelo, o supercluster.

Toda essa relação entre observações, cluster e suplercluster é classificada pela literatura especializada como “aninhada” (do inglês “nested”, cf. SKRONDAL e RABE-HESKETH, 2012SKRONDAL, Anders; RABE-HESKETH, Sophia. Multilevel and Longitudinal Modeling Using Stata. Volume II: Categorical Responses, Counts, and Survival. 3rd ed. Texas: Stata Press, 2012.), pois cada processo judicial pertence a apenas uma seção ou subseção judiciária, que, por sua vez, está vinculada a apenas um TRF, tendo nossas unidades de análise de primeiro nível (processos judiciais eletrônicos) maior probabilidade de serem julgadas da mesma forma em cada segundo nível (seção ou subseção judiciária) e em cada terceiro nível (seu TRF) quando comparadas a ações que tramitam em outras seções ou subseções judiciárias vinculadas a TRFs distintos.

Por exemplo, a Ação Civil Pública n. 1010805-66.2020.4.01.3900 está aninhada na 2a Vara Federal da Seção Judiciária do Pará, a qual, por sua vez, está aninhada no Tribunal Regional Federal da 1a Região (TRF1). Essas relações de “aninhamento” tendem a fazer com que processos julgados na mesma seção judiciária do Pará tenham maior probabilidade de conterem padrões decisórios semelhantes, ao menos quando comparados a processos julgados na seção judiciária de Sergipe, que estão vinculados à competência do TRF da 5a Região.

Como é difícil mensurar, diretamente, o quanto cada seção ou subseção judiciária (cluster) e respectivo TRF (supercluster) podem influenciar decisões judiciais em processos, a literatura recomenda, metodologicamente, modelos estatísticos capazes de levar em consideração esses efeitos provocados pelos “aninhamentos” por meio da estimação de regressões multiníveis com erros adicionais denominados “efeitos aleatórios” para o segundo e terceiro níveis (GUO e ZHAO, 2000GUO, Guang; ZHAO, Hongxin. Multilevel Modeling for Binary Data. Annual Review of Sociology, [s. l.], v. 26, p. 441-462, 2000.; SKRONDAL e RABE-HESKETH, 2004SKRONDAL, Anders; RABE-HESKETH, Sophia. Generalized Latent Variable Modeling: Multilevel, Longitudinal and Structural Equation Models. Washington, D.C.: Chapman & Hall/CRC, 2004.; STATACORP, 2015aSTATACORP. Stata Multilevel Mixedeffects Reference Manual Release 14. College Station: StataCorp LLC, 2015a.).

A análise empírica preliminar dos dados coletados para este artigo confirmou a necessidade de utilização dessa abordagem multinível. O teste clássico para isso indicou que a modelagem adotada teria um desempenho significativamente melhor quando comparada a modelos estatísticos de regressão logística tradicional.2 2 O teste consiste em estimar um modelo multinível nulo ou incondicional, isto é, sem a presença de variáveis independentes, para a variável identificadora da seção ou subseção. Com isso, calcula-se a ICC. Um cálculo do coeficiente da correlação intraclasse (Intraclass Correlation Coeficient - ICC) revelou que, aproximadamente, 13% da variação nas chances de obtenção da tutela de direitos pelo autor pode ser explicada pela tendência de os processos judiciais, em uma mesma seção ou subseção judiciária, serem decididos da mesma forma. Para a literatura (BICKEL, 2007BICKEL, Robert. Multilevel Analysis for Applied Research: It’s Just Regression! Nova York: Londres: The Guilford Press, 2007.), essa magnitude é suficientemente alta para adotarmos um modelo de regressão multinível.

Testou-se, ainda, a adequação de um modelo com três níveis, incluindo a seção/subseção e o TRF respectivo como segundo e terceiro níveis, respectivamente, isto é, cluster e supercluster. Mais uma vez, houve uma rejeição da hipótese nula de adequação de um simples modelo de regressão logística com uma magnitude um pouco maior e com significância ao menor nível. Somados, os valores das ICCs das seções/subseções e do vínculo a determinado TRF resultaram em uma variação de, aproximadamente, 14%, o que sugere maior adequação de um modelo em três níveis.

3. Dados, variável dependente e variáveis independentes

Os dados do presente artigo resultam do processamento de informações divulgadas no Painel covid-19 - Processos Judiciais (AGU, 2020ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO - AGU. COVID-19 - Processos Judiciais. Disponível em: Disponível em: https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiZGM4OTk4ZmYtZjAzYi00MjdhLTlhYjMtZGE1MmFiMWJlZDM3IiwidCI6IjRkNzlkMzdhLTFlNGUtNGEzOS05ZmRlLWYxNjMxY2I2MDdkNCJ9 . Accesso em: 1o jul. 2020.
https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiZ...
). O período da análise abrange o intervalo temporal entre 16 de março e 30 de junho de 2020, momento no qual o site da AGU registrava um total de 1.659 processos e uma proporção de sucesso do órgão jurídico da ordem de 71% no indeferimento de liminares e tutelas provisórias contra o Governo Federal.

Dada a fonte do banco de dados, não se deve esperar que a análise reflita a atuação da Justiça Federal em todo o seu espectro de papéis. Primeiro, porque, para garantirmos uma amostragem significativa, delimitamos um subconjunto de demandas a serem analisadas estatisticamente, quais sejam, as ações judiciais de competência da primeira instância da Justiça Federal. Ações originárias dos TRFs, portanto, não foram objeto de análise, pois seu quantitativo foi muito pequeno (apenas sete processos). Informações sobre pedidos de suspensão e recursos de agravo de instrumento também foram suprimidas com o objetivo de se evitar uma contagem duplicada de um mesmo caso, pois os resultados desses recursos já foram computados pela variável dependente.

Uma segunda observação também precisa ser apontada: como os processos estão centrados na atuação da AGU em defesa da União e de suas autarquias e fundações públicas, o artigo não abrange a defesa em juízo de empresas públicas e sociedades de economia mista federais. Demandas tributárias, cujo acompanhamento compete à Procuradoria da Fazenda Nacional, e ações criminais também foram excepcionais e de pouca representatividade estatística, não sendo possível obter conclusões sobre o comportamento do Poder Judiciário Federal nessas duas áreas temáticas.

Quanto à delimitação do período de pesquisa, estabeleceu-se como marco final o dia 30 de junho de 2020, pois houve a necessidade de ulterior processamento das informações em um novo banco de dados, com coleta de dados complementares e cruzamento dos processos com a base de dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) (2020CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ. Base de Dados. Disponível em: Disponível em: https://www.cnj.jus.br/pesquisas-judiciarias/justica-em-numeros/base-de-dados/ . Acesso em: 1o ago. 2020.
https://www.cnj.jus.br/pesquisas-judicia...
). A despeito de, em tese, ser desejável o prosseguimento da extração de dados sobre as demandas, destaca-se que o site da AGU (2020ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO - AGU. COVID-19 - Processos Judiciais. Disponível em: Disponível em: https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiZGM4OTk4ZmYtZjAzYi00MjdhLTlhYjMtZGE1MmFiMWJlZDM3IiwidCI6IjRkNzlkMzdhLTFlNGUtNGEzOS05ZmRlLWYxNjMxY2I2MDdkNCJ9 . Accesso em: 1o jul. 2020.
https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiZ...
) parou de divulgar o monitoramento de novas ações sobre covid-19 a partir do dia 9 de setembro de 2020. Como consequência, a maior parte das decisões judiciais analisadas teve natureza interlocutória (ex.: liminar, tutela provisória, indeferimento), pois não houve um transcurso temporal suficientemente grande para que pudéssemos observar o julgamento de mérito do caso por sentença ou acórdão.

Desse modo, o artigo não tem como antecipar se os autores das demandas analisadas terão sucesso ou não ao final do processo, quando do trânsito em julgado. Tais resultados somente poderão ser coletados no futuro, normalmente após o julgamento pela segunda instância ou, em algumas situações, somente após apreciação da demanda pelos Tribunais Superiores via recurso especial e/ou extraordinário. A despeito dessa limitação, a pesquisa teve a finalidade restrita de examinar as respostas do Poder Judiciário à situação emergencial. É um modelo explicativo da tutela nesse período de emergência sanitária. Não é, assim, uma proposta de explicação de como os juízes federais e os desembargadores federais decidirão processos em casos não relacionados ao choque externo da pandemia ou em momento posterior à emergência sanitária. Nesse sentido, as conclusões sobre como o Poder Judiciário, efetivamente, decidiu nesse contexto histórico específico são estatisticamente válidas.

Outro ponto relevante é que a simples obtenção de tutela provisória de urgência pode ser tudo que a parte autora desejava naquele momento histórico. Por exemplo, muitos ex-alunos de universidades ajuizaram demandas para flexibilizar o prazo para pagamento do financiamento estudantil e renegociar seu contrato. O simples deferimento da tutela provisória representou grande ganho para esse grupo, pois evitou a emergência de encargos e a restrição de seu nome em sistemas de proteção ao crédito. Estudantes do último ano do curso de Medicina também ajuizaram demandas para antecipar sua colação de grau e, com isso, começarem a trabalhar em hospitais. Os que conseguiram tutela provisória, nesses casos, foram extremamente bem-sucedidos independentemente da decisão final de mérito.

Quanto à amostra, foi suficientemente grande para fazer estimações inferenciais sobre o comportamento do Poder Judiciário durante o período da emergência sanitária. Em 21 de abril de 2021, o site da AGU registrava o ajuizamento de 1.514 ações, enquanto à época de nosso levantamento foram examinados dados de 1.268 processos judiciais distribuídos em 27 seções da Justiça Federal em todos os cinco TRFs do país.3 3 A amostra é inferior ao número total divulgado pela AGU porque não se analisaram ações judiciais ou recursos propostos em outras instâncias do Poder Judiciário (eg.: Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça, Justiça do Trabalho). Como no período do fechamento da coleta de dados, em 30 de junho de 2020, não havia decisões judiciais para todos os processos, a amostra efetivamente utilizada, nas regressões, abrange um total de 992 processos judiciais distribuídos entre 165 grupos ou clusters de segundo nível (seções e subseções judiciárias) e cinco superclusters de terceiro nível (TRFs).

Nas seções e subseções judiciárias, computou-se, no mínimo, um processo decidido e, no máximo, 95 processos decididos em um mesmo cluster. Em média, cada seção ou subseção decidiu, aproximadamente, seis processos. Embora haja seções e subseções com uma quantidade pequena de processos judiciais nelas decididos (ex.: um ou dois), em análises estatísticas multiníveis, amostras relevantes procuram maximizar o número de diferentes grupos ou clusters a serem examinados, tendo a quantidade de unidades que os compõem um papel de menor relevância para fins de inferência (BICKEL, 2007BICKEL, Robert. Multilevel Analysis for Applied Research: It’s Just Regression! Nova York: Londres: The Guilford Press, 2007.). Como temos uma quantidade significativa de processos em alguns clusters e uma quantidade de clusters superior a 20 em nossa amostra, não se deve, simplesmente, descartar clusters com uma quantidade ínfima de unidades, pois isso diminui a quantidade de informação para fins de inferência (SKRONDAL e RABE-HESKETH, 2012SKRONDAL, Anders; RABE-HESKETH, Sophia. Multilevel and Longitudinal Modeling Using Stata. Volume II: Categorical Responses, Counts, and Survival. 3rd ed. Texas: Stata Press, 2012.).

Quanto à variável dependente, é binária e avalia o sucesso parcial ou total da pretensão do autor em obter alguma medida protetiva de seu direito logo após o ajuizamento da ação judicial. Se o pedido inicial de liminar ou tutela provisória foi deferido, deferido em parte ou mesmo se houve tempo de a demanda ser julgada procedente ou procedente em parte, seja por uma decisão de primeiro grau ou de grau superior, considera-se que o Poder Judiciário Federal acolheu parcial ou totalmente a tese alegada pelo demandante, tendo sido o resultado computado como sucesso para fins estatísticos (sucesso parcial ou total = 1; fracasso = 0).4 4 Não usamos um modelo ordinal porque a frequência de decisões parcialmente favoráveis foi muito baixa, de apenas 34 casos, e a “assunção das chances proporcionais”, típica do modelo ordinal (LIU, 2016), seria pouco crível nessa circunstância.

As variáveis independentes aferem a influência dos três níveis de análise do modelo multinível sobre a probabilidade ou chance de sucesso na obtenção da tutela junto à Justiça Federal. No primeiro nível, o das características do processo judicial eletrônico, foram concebidas variáveis para identificar os autores da demanda, a área temática do caso (objeto processual), o tipo de jurisdição e o tipo de interesse defendido.

Os autores foram classificados em oito categorias distintas, de acordo com o perfil encontrado na amostra: pessoas físicas, entidades associativas, Organizações não Governamentais (ONGs), atores jurídicos, sociedades empresárias, estados/municípios/Distrito Federal, partidos políticos e União/AI.5 5 A sigla “AI” refere-se à Administração Indireta. Denominamos “entidades associativas” as pessoas jurídicas que representam grupos de interesse, como associações, sindicatos, federações e confederações, sejam elas em defesa de trabalhadores, servidores públicos ou empresários. O termo “ONGs” deve ser visto como um rótulo bem genérico para entidades privadas sem fins lucrativos que se dedicam a atividades de interesse público (ex.: saúde, educação). Na categoria “sociedades empresárias”, foram incluídas atividades de pessoas jurídicas que objetivam, economicamente, o lucro, sejam elas tecnicamente espécies societárias ou não à luz do direito empresarial. A categoria “União/AI” identifica demandas ajuizadas pela União, autarquias ou fundações públicas federais.

“Atores jurídicos”, por fim, compreendem o Ministério Público (federal ou estadual), a defensoria pública (da União ou estadual) e a Ordem dos Advogados do Brasil (sede ou seccionais). Esse grupo foi segregado em uma categoria própria, porque, de acordo com a literatura em política judicial, espera-se que tenham um desempenho melhor que o de outros grupos.

As peculiaridades do caso concreto foram analisadas por meio de uma classificação do tema da demanda (ex.: uso da cloroquina, requisições de equipamentos médicos). Para melhor compreensão, haverá esclarecimentos sobre suas categorias na seção seguinte deste artigo, quando apresentaremos todos os temas que compõem a amostra. Quanto ao perfil processual da demanda, classificamos o processo em função do tipo de jurisdição, se individual ou coletiva. A jurisdição coletiva compreendeu não só as classes processuais tradicionais do processo civil coletivo (ação popular, ação civil pública e mandado de segurança coletivo), mas também as ações ajuizadas pela União e pelas entidades subnacionais que defendem, na verdade, o interesse do Estado e, com isso, direta ou indiretamente, protegem, na acepção jurídica, o interesse público (“interesses difusos” da sociedade).6 6 Na amostra, as ações judiciais da União, do Distrito Federal, dos estados e dos municípios são de natureza “pseudoindividual” (NEVES, 2016), pois as decisões judiciais que as julgam têm efeitos erga omnes ou ultra partes. Isso nos fez tratar as ações judiciais no rótulo das “ações coletivas”, independentemente da espécie de classe processual utilizada.

Em relação ao tipo de interesse, as ações foram enquadradas em uma das cinco categorias de interesse a seguir: (i) individual não político; (ii) empresariais/lucrativos; (iii) corporativos; (iv) sociais/públicos; (v) individual político. O interesse individual não político é uma espécie de categoria default, pois se aplica quando a ação não se enquadra nos demais rótulos e foi promovida por pessoa física. Se a demanda busca proteger interesses de pessoas jurídicas com atividade lucrativa ou o interesse de trabalhadores (inclusive servidores públicos), o interesse foi classificado como empresarial/lucrativo ou corporativo, respectivamente. Interesses de natureza estritamente social ou pública, que não beneficiam os autores direta ou indiretamente com a apropriação de recursos públicos, foram classificados como de interesse social/público.

O interesse individual político ficou reservado para demandas de pessoas físicas que buscaram invalidar ou proibir atos do Estado em nome da defesa de interesses difusos ou coletivos. Apesar de a classificação poder soar estranha, é fácil identificar esse tipo de demanda na prática jurídica, pois seus autores valem-se de um tipo específico de ação judicial, a ação popular, para tentar obter condenações contra o Estado em temas que extrapolam seu interesse meramente individual (ex.: anulação da campanha publicitária do Governo Bolsonaro “o Brasil não pode parar”).

No segundo nível de análise, o da seção ou subseção judiciária julgadora (cluster), foi criada uma variável para indicar o órgão julgador e, em um terceiro nível, uma variável que identifica cada um dos cinco TRFs no Brasil.7 7 Determinantes relativos ao design institucional da Justiça Federal não foram aferidos, pois o objeto da pesquisa dirige-se a processos dentro desses órgãos e não há variação nas regras de acesso à justiça e de organização institucional que justifiquem variáveis com essa abordagem. A organização institucional das cortes é extremamente importante para entender os incentivos subjacentes à judicialização (GINSBURB, 2003; RIOS-FIGUEROA e TAYLOR, 2006), mas, por óbvio, análises desse tipo são comparativas e exigem avaliação de variações institucionais entre diversas organizações do Poder Judiciário ou entre países. Este não é o caso. Não foi possível, contudo, utilizar variáveis com outras características das seções, subseções ou TRFs. Isso porque a principal fonte de microdados sobre o Poder Judiciário, a Base de Dados do CNJ (2020CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ. Base de Dados. Disponível em: Disponível em: https://www.cnj.jus.br/pesquisas-judiciarias/justica-em-numeros/base-de-dados/ . Acesso em: 1o ago. 2020.
https://www.cnj.jus.br/pesquisas-judicia...
), tem foco estritamente gerencial e é utilizada para subsidiar a elaboração anual dos relatórios do “Justiça em Números” (CNJ, 2019CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ. Justiça em números 2019. Brasília: CNJ, 2019.). Suas informações, portanto, são centradas em custos, produtividade e eficiência do Poder Judiciário e é difícil imaginar, teoricamente, que variáveis muito estranhas ao conteúdo do processo judicial sejam relevantes para explicar os resultados da variável dependente.

A despeito disso, como Epstein, Lanes e Posner (2013EPSTEIN, Lee; LANES, William; POSNER, Richard. The Behavior of Federal Judges: A Theoretical & Empirical Study of Rational Choice. Cambridge: London: Harvard University Press, 2013.) sugerem que fatores usualmente não apontados pela teoria podem afetar a função utilidade judicial (judicial utility function), resolvemos testar, em caráter exploratório, se o excesso de trabalho ou a maior eficiência de determinada seção judiciária afetam a disposição dos juízes a decidir favoravelmente aos autores. Espera-se que seções lotadas de processos tutelem menos os direitos, pois os juízes, teoricamente, não disporiam de tempo para analisar as especificidades do caso ainda na fase inicial do processo, diferentemente das seções mais eficientes, que teriam maior atenção à proteção dos direitos da parte autora, dada sua melhor capacidade de gestão do fluxo processual.

Para testar essas hipóteses, foram usadas duas variáveis relativas às seções judiciárias, a Taxa de Congestionamento Líquida (TCL) e o Índice de Eficiência Judicial (EFF) (ou IPC-Jus), calculados pelo CNJ para o ano de 2018. A primeira mensura o grau de represamento dos processos sem solução, comparados ao total de um ano (excluídos os suspensos ou em arquivo provisório), enquanto a segunda tenta mensurar, comparativamente, a eficiência de cada unidade judiciária. Detalhes sobre os conceitos de ambas as variáveis podem ser obtidos no relatório “Justiça em Números” (CNJ, 2019CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ. Justiça em números 2019. Brasília: CNJ, 2019.), e seus valores, para cada seção, podem ser consultados na Base de Dados do CNJ (2020CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ. Base de Dados. Disponível em: Disponível em: https://www.cnj.jus.br/pesquisas-judiciarias/justica-em-numeros/base-de-dados/ . Acesso em: 1o ago. 2020.
https://www.cnj.jus.br/pesquisas-judicia...
).

Não utilizamos variáveis independentes para mensurar características de cada TRF. A importância dos superclusters, portanto, será aferida pela estrutura do próprio modelo,8 8 Isso significa que, tecnicamente, o modelo multinível será capaz de levar em consideração o efeito de determinado processo pertencer a um TRF específico para fins de cálculo dos coeficientes das variáveis independentes. Como se verá, os coeficientes obtidos nessas regressões são denominados “efeitos fixos” e possuem interpretações equivalentes às obtidas por regressões tradicionais. Os “efeitos aleatórios”, contudo, representam fontes adicionais de erro que modelam a influência não observada de o processo judicial pertencer, ao mesmo tempo, a uma mesma seção/subseção judiciária e a um mesmo TRF. pois não encontramos, no CNJ, dados atualizados sobre as duas variáveis da Base de Dados que poderiam melhor explicar o papel da corte regional nessa fase inicial do processo, os “Agravos de Instrumento providos pelos TRFs (ainda que parcialmente)” e os “Agravos de Instrumento julgados pelos TRFs”. Ambas as variáveis não contemplam dados desde o ano de 2015.

4. Estatísticas descritivas

Na Tabela 1, estão descritas as frequências absoluta e relativa de cada tipo de autor responsável pelo ajuizamento das 1.268 ações judiciais da amostra. Nela resta claro que 60,96% das ações sobre covid-19 foram ajuizadas por pessoas físicas em busca de proteção judicial, enquanto, em um segundo lugar bem abaixo do percentual mencionado, estão ações ajuizadas por entidades associativas (associações, sindicatos, federações e confederações), com frequência relativa de 11,75%.

Tabela 1 -
Autores

Na Tabela 2, mapeamos os interesses de cada um desses autores nas diversas ações judiciais.

Tabela 2 -
Autores versus interesses

De maneira surpreendente, 19,15% das ações ajuizadas por pessoas físicas tiveram objetivos de ordem política, como obstar a recomendação do uso de cloroquina pelo presidente, proibir campanhas publicitárias do Governo Federal ou mesmo vedar qualquer confronto do Governo Federal com as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS). Essa não é uma proporção trivial, pois se espera que pessoas físicas ajuízem demandas para defesa de seus interesses individuais. O ambiente de polarização política, contudo, parece haver gerado incentivos para que levassem ao Poder Judiciário demandas coletivas, aumentando a proporção de ações com objetivo político em relação às de interesse estritamente individual.

Das 149 ações judiciais promovidas por entidades associativas, 47,65% defenderam interesses corporativos, 46,98% interesses sociais e 5,37% interesses lucrativos. Atores jurídicos dedicaram 99,07% de suas ações a temas sociais, enquanto estados, Distrito Federal e municípios ingressaram com ações judiciais para discutir demandas de interesse exclusivamente público. Como se espera, sociedades empresárias, em 94,67% dos casos, ingressaram com ações para defender, exclusivamente, seus interesses lucrativos.

Por fim, quanto às áreas temáticas judicializadas, identificamos um total de 36 temas na amostra. Cerca de 85,41% das ações judiciais, contudo, abrangem apenas dez temas mais frequentes. São eles: provisão de profissionais de saúde (33,91%), revisão de contratos (13,88%), implementação de políticas sociais (12,38%), tentativa de os servidores obterem benefícios remuneratórios em razão da pandemia (6,23%), pedido de autorização para a realização de teletrabalho ou afastamento do servidor (4,81%), obstrução às campanhas publicitárias do Governo Jair Bolsonaro (3,71%), implementação de políticas de isolamento mais rígidas (3,39%), pedidos de flexibilização de normas sanitárias ou de minimização da burocracia nessa área (2,6%), flexibilização tributária ou tarifária (2,37%) e, por fim, tentativa de impedir requisições administrativas de insumos e equipamentos de saúde pelo Poder Executivo Federal (2,13%).

Essa classificação detalhada do objeto da demanda permite identificar os principais temas das ações sobre covid-19. Para fins estatísticos, contudo, um modelo com tamanha quantidade de categorias dificulta bastante a análise de padrões nos modelos de regressão. Por isso, essas categorias foram agrupadas apenas em quatro grandes “macrotemas” a serem incluídos no modelo estatístico: flexibilização de regras; políticas públicas; polarização; outros.

Essa classificação é autoexplicativa. Se o autor deseja obter alguma relativização das regras jurídicas sob o argumento de que a pandemia o afetou negativamente, a área temática será classificada como “flexibilização de regras”. Demandas que pedem algum tipo de obrigação de fazer do Estado, seja para proteger o interesse individual (ex.: obter auxílio emergencial para si próprio) ou coletivo (ex.: políticas de saúde para quilombolas), foram classificadas na categoria “políticas públicas”. Demandas alinhadas com os debates “pró” e “contra” políticas ou manifestações públicas do presidente Jair Bolsonaro foram categorizadas como relacionadas à “polarização” (ex.: contra a cloroquina, a favor do isolamento, contra o isolamento). Por fim, temas não classificados em uma dessas três categorias foram rotulados como “outros”, como uma espécie de categoria default.

5. Modelo estatístico de tutela judicial de direitos e perfis processuais

Nesta seção, faremos a estimação de vários modelos de regressão multinível para aferir o melhor ajuste aos dados e estimar as probabilidades de tutela judicial de direitos. Optamos por concentrar em tabelas os detalhes técnicos, para evitar textos mais longos e possibilitar que o leitor menos familiarizado com estatística possa se concentrar na interpretação dos modelos e nos resultados da pesquisa. Atenta-se que, como não há literatura prévia que oriente a forma funcional a ser adotada para a compreensão do processo decisório da Justiça Federal, a abordagem terá como base a sugestão de Luke (2004LUKE, Douglas. Multilevel Modeling. Londres: Sage, 2004.) e, a partir de um modelo baseline, progressivamente serão incorporadas variáveis independentes e de maior complexidade.

As Tabelas 3 e 4 estimaram nove modelos de regressão multinível para uma variável dependente binária (decisão judicial parcial ou totalmente favorável = 1). Os seis modelos da Tabela 3 são de “interceptos aleatórios”, com diferenças relacionadas apenas à inclusão progressiva de variáveis independentes. Os três outros modelos da Tabela 4 são de “coeficientes aleatórios” e distinguem-se por permitirem que coeficientes de variáveis independentes variem entre as diferentes seções e subseções judiciárias. No modelo 7, permitiu-se que o coeficiente da variável independente interesse variasse entre as diversas seções e subseções; no modelo 8, a variação entre seções e subseções foi fixada para a variável independente autores e, por fim, no modelo 9, houve a adoção da forma funcional do modelo 8 com a inclusão de um termo de interação entre as variáveis independentes interesse e autores.

Tabela 3 -
Regressões com interceptos aleatórios
Tabela 4 -
Regressões com coeficientes aleatórios

Os nove diferentes modelos multiníveis estimados sinalizaram resultados importantes, quando avaliados em conjunto. Em quase todos, variáveis relacionadas aos perfis dos autores e aos seus interesses tiveram significância estatística. Quanto aos diferentes temas julgados, as ações relativas à “polarização” tiveram maiores chances de indeferimento da tutela provisória de urgência ou improcedência quando comparadas a decisões de flexibilização de regras. Esses resultados foram bastante consistentes.

No entanto, o tipo de jurisdição do processo, se individual ou coletiva, o acúmulo excessivo de processos na seção judiciária ou o maior grau de eficiência da seção judiciária para processar feitos não interferiram na disposição ou não a tutelar direitos. Foram, simplesmente, irrelevantes para explicar qualquer decisão do Poder Judiciário Federal. Quanto ao tipo de jurisdição, isso ocorreu porque as proporções de tutela a direitos, nas ações individuais e coletivas, foram, aproximadamente, as mesmas, sem diferenças significativas. A Taxa de Congestionamento Líquida (TCL) e o Índice de Eficiência Judicial (EFF) também não tiveram significância porque as distribuições de ambos são muito parecidas: o exame das médias, medianas e variâncias das distribuições da TCL e do EFF nos processos em que houve a tutela de direitos e nos processos em que essa tutela não ocorreu revelou que não houve grande variação do grau de congestionamento e de eficiência nas diversas seções judiciárias analisadas. Testes estatísticos (teste de independência e teste t) também confirmaram essa constatação. Em termos didáticos, isso significa que as seções em que os processos foram julgados tinham níveis de congestionamento e de eficiência muito parecidos quando comparadas entre si mesmas.9 9 Infelizmente, os dados do CNJ não permitem analisar a TCL e o EFF em um menor nível de agregação, pois existem informações apenas para as seções judiciárias. Se esses indicadores fossem calculados para cada subseção ou por vara, talvez essas variáveis tivessem significância.

Em suma, a análise comparativa dos diferentes resultados evidencia que a Justiça Federal não é indiferente a “quem” ajuíza a ação e quais são seus “interesses” subjacentes. As características do caso também foram relevantes para explicar o sucesso dos autores. Isso porque o Poder Judiciário Federal esteve aberto a algum nível de flexibilização de regras para proteção a direitos, mas esteve avesso a intervir em demandas relacionadas aos clássicos temas da “polarização”.

Quanto ao ajuste, verificou-se que o modelo estatístico mais adequado aos dados foi o de número oito (modelo 8), de coeficiente aleatório para autores e com as variáveis independentes autores, interesse e tema.10 10 Para verificação do modelo mais adequado, foram realizados testes de razão de verossimilhança (LRT) e calculadas as estatísticas Akaike Information Criterion (AIC) e Bayesian Information Criterion (BIC). Especialmente com amparo na análise comparativa dos BICs, houve forte evidência a favor do modelo 8, consoante critérios de julgamento sugeridos por Raftery (1995). A partir dele, estima-se que a probabilidade média de obtenção de uma decisão favorável durante esse momento inicial de judicialização dos temas da pandemia foi de 24,58%, com margem de variação de 21,01% a 28,15%, para menos ou para mais (intervalo de confiança [IC] de 95%).11 11 Estimamos a probabilidade por meio do comando margins do Stata 14 (STATACORP, 2015b). Como na amostra a proporção de sucesso na obtenção de uma decisão parcial ou totalmente favorável foi de 26,71%, é possível verificar que nosso modelo 8 previu a probabilidade média de tutela a direitos de modo consistente com os dados coletados, pois a proporção observada na amostra está dentro de nossa margem estimada.

Apesar de essa probabilidade de tutela a direitos parecer muito baixa, é importante relembrar que a amostra é essencialmente composta de decisões relativas à análise de pedidos de liminar ou de tutela provisória de urgência, pois, como já se esclareceu, não houve tempo suficiente para a instrução e o julgamento definitivo das demandas. Não é absurdo, portanto, imaginar que o Poder Judiciário tenderá a ter mais cuidado na concessão da tutela nesse momento inicial.

Com base nos resultados do modelo 8, também é possível calcular, estatisticamente, as diferentes probabilidades de tutela a direitos com base na comparação entre diferentes autores, interesses e temas decididos em cada processo judicial. Esse tipo de probabilidade é denominado, tecnicamente, “efeito marginal médio” (Average Marginal Effect - AME) (LONG e FREESE, 2014LONG, Scott; FREESE, Jeremy. Regression Models for Categorical Dependent Variables Using Stata. College Station: StataCorp LP, 2014.; WILLIAMS, 2012WILLIAMS, Richard. Using the Margins Command to Estimate and Interpret Adjusted Predictions and Marginal Effects. The Stata Journal, [s. l.], v. 12, n. 2, p. 308-331, 2012.).12 12 O conceito de “chance” não se confunde com o de “probabilidade” em Estatística. Preferimos usar esse último, pois sua interpretação é mais intuitiva para o leitor. Apesar dessa escolha, as conclusões foram as mesmas quando analisamos o modelo 8 por meio do uso de “razões das chances condicionais”, calculadas por meio da consagrada fórmula: (𝑒(fixed effect) − 1).

Utilizando essa abordagem, verificamos que, em média, prevaleceu a proteção a interesses individuais de natureza não política. Defender outros tipos de interesse diminuiu a probabilidade de tutela de direitos nos processos judiciais. Mais precisamente, interesses empresariais/lucrativos, corporativos, sociais/públicos e individuais políticos diminuíram as probabilidades de obtenção de decisão favorável em 26,7% (p < 0.01), 31,8% (p < 0.001), 32,3% (p < 0.001) e 34,3% (p < 0.001), respectivamente, quando comparados a interesses individuais não políticos.

Não houve, ainda, diferenças estatisticamente significativas entre os interesses empresariais/lucrativos, corporativos, sociais/públicos e individuais políticos, quando comparados entre si. Isso significa, por exemplo, que não houve predisposição em beneficiar interesses empresariais em detrimento dos sociais ou proteger mais os interesses sociais em detrimento dos empresariais. Não houve, simplesmente, distinção no modo como a Justiça Federal viu esses demais interesses, pois nenhum deles recebeu maior ou menor probabilidade de proteção judicial.

Se tomarmos as ações judiciais de pessoas físicas como referência, ajuizar ações por meio de entidades associativas, ONGs, atores jurídicos e entidades subnacionais aumentou, em média, as probabilidades de obtenção de uma decisão bem-sucedida em 33,5% (p < 0.01), 25,6% (p < 0.06), 53,6% (p < 0.001) e 59,9% (p < 0.001), respectivamente.

Ressalta-se que, de maneira análoga à já reportada pelas pesquisas sobre Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) no STF (BURGOS, VIANNA e SALLES, 2007BURGOS, Marcelo; VIANNA, Luiz Werneck; SALLES, Paula. Dezessete anos de judicialização da política. Tempo Social, Revista de Sociologia da USP, São Paulo, v. 19, n. 2, p. 39-85, 2007.; CARVALHO NETO, 2005CARVALHO NETO, Ernani Rodrigues de. Revisão abstrata da legislação e judicialização da política no Brasil. 2005. Tese (Doutorado em Ciência Política) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005.; CARVALHO, BARBOSA e GOMES NETO, 2014CARVALHO, Ernani; BARBOSA, Luis Felipe; GOMES NETO, José Mário. A OAB e as prerrogativas atípicas na arena política da revisão judicial. Revista Direito GV, São Paulo, v. 10, n. 1, p. 69-98, jan./jun. 2014.; RIBEIRO, 2012RIBEIRO, Ricardo. Política e economia na jurisdição constitucional abstrata (1999-2004). Revista Direito GV, São Paulo, v. 8, n. 15, p. 87-108, 2012.; TAYLOR, 2006TAYLOR, Matthew. Veto and Voice in the Courts: Policy Implications of Institutional Design in the Brazilian Judiciary. Comparative Politics, [s. l.], v. 38, n. 3, p. 337-355, 2006.; VIANNA et al., 1999VIANNA, Luis Werneck et al. A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999.), os resultados evidenciaram que atores jurídicos possuem maior probabilidade de sucesso na obtenção de decisões favoráveis, ao menos quando comparados a pessoas físicas ou empresas. Os entes subnacionais também tiveram destaque na tutela a direitos nesse momento histórico. Não houve, contudo, distinção significativa em probabilidade de tutela a direitos entre ações ajuizadas por sociedades empresárias e pessoas físicas.

Os dados indicam, ainda, que não houve viés em favor de empresas ou interesses específicos distintos do interesse individual não político. Se existiu algum viés, foi em favor da proteção ao interesse individual não político. Defender esse tipo de interesse, de fato, aumentou a probabilidade de obtenção da tutela a direitos.

Na análise dos temas, demandas relacionadas à polarização diminuíram em 19,5% a probabilidade de tutela judicial quando comparadas às de flexibilização da aplicação de normas (p < 0.001), e diminuíram em 10,2% a probabilidade de tutela judicial quando comparadas à judicialização de políticas públicas (p < 0.05). Outras demandas concernentes à covid-19 não classificadas tiveram uma probabilidade 13,6% maior de sucesso (p < 0.05) quando comparadas às de polarização. Ações relacionadas a políticas públicas tiveram uma probabilidade 9,3% menor de sucesso que as relativas à flexibilização (p < 0.05).

Fica evidente, portanto, que variáveis relacionadas a autores, interesses e temáticas foram relevantes para explicar as razões pelas quais, em maior ou menor grau, o Poder Judiciário Federal esteve disposto a tutelar direitos. A despeito disso, uma observação atenta das diferentes magnitudes (intensidades) e direções (para mais ou para menos) das probabilidades indica que suas relações são complexas e podem resultar em conclusões contraintuitivas. Por exemplo, atores jurídicos como o Ministério Público tendem a ser bem-sucedidos quando comparados a pessoas físicas, mas, se defenderem interesses sociais em temas relacionados à polarização em processos judiciais, isso pode demonstrar um desempenho significativamente abaixo do esperado, dado que as probabilidades associadas a cada uma das categorias das variáveis possuem magnitudes e direções diferentes.

Deve-se ter em mente, portanto, que a probabilidade de obtenção de uma tutela a direitos depende da interação entre os diversos fatores relacionados ao tipo de autor, aos interesses e aos temas decididos em cada seção ou subseção judiciária. Esse fato torna importante o exame das probabilidades de sucesso por meio da técnica de análise conjunta dos efeitos desses diversos fatores em “perfis” ou “tipos ideais” (LONG e FREESE, 2014LONG, Scott; FREESE, Jeremy. Regression Models for Categorical Dependent Variables Using Stata. College Station: StataCorp LP, 2014.) de ações judiciais presentes em nossa amostra. Com isso, consegue-se analisar, comparativamente, os diferentes padrões de demandas judiciais ajuizadas na Justiça Federal.

Como nossos dados sugerem forte judicialização de pessoas físicas sobre temas relacionados à flexibilização da aplicação de regras para a proteção a interesses individuais não políticos, usaremos esse primeiro padrão de demanda como base inicial para aferir diferenças entre probabilidades com outros perfis. Intuitivamente, denominaremos esse perfil “referência”, para contraste com outras espécies de ações judiciais “típicas”, “usuais” ou “comuns” observadas em nossa amostra.

A Tabela 5 demonstra que o perfil 01 (“referência”), as ações judiciais de pessoas físicas para a defesa de interesses pessoais não políticos no tema flexibilização de regras jurídicas, teve uma probabilidade de decisão favorável de 27,1%, com intervalo de confiança entre 21,6% e 32,7%. Em todos os demais perfis, apenas entidades subnacionais tiveram uma probabilidade muito maior de sucesso quando defenderam o interesse público em demandas para a flexibilização da aplicação de regras jurídicas a seu favor. Tiveram, na verdade, uma probabilidade duas vezes maior de obtenção de uma decisão favorável, de 61,2% (perfil 07).

Tabela 5 -
Tipos de ação judicial e probabilidade (P) de tutela de direitos

Atores jurídicos, entretanto, embora tenham probabilidade superior de obtenção de decisão favorável no perfil 09, de 35,4%, não apresentaram diferença estatisticamente significativa de desempenho em relação ao perfil 01. Isso significa que podem ter tido maior sucesso apenas por puro acaso. Percebam, ainda, que as probabilidades de sucesso dos perfis 02, 04, 05 e 11 foram significativamente inferiores às do perfil 01, sendo essas demandas malsucedidas em relação ao perfil 01.

Diante desses resultados, não resta dúvida de que distinguir o tipo de autor é extremamente relevante em qualquer modelo estatístico de análise do comportamento político do Poder Judiciário. A despeito disso, os efeitos das diferentes categorias de autores variam de seção/subseção para seção/subseção e são altamente impactados pelos interesses e pelas temáticas subjacentes dos casos levados ao Poder Judiciário. Mesmo autores tradicionalmente reportados como bem-sucedidos pela literatura, como os atores jurídicos, tiveram desempenho compatível com o de outros autores em qualquer caso trivial, e, de fato, os únicos que conseguiram resultados significativamente melhores que a referência (perfil 01) foram os entes subnacionais, ainda assim em ações judiciais de interesse público para a defesa da flexibilização de regras jurídicas em razão da pandemia.

É importante destacar que o Poder Judiciário, consistentemente, decidiu de modo desfavorável em demandas relacionadas aos temas da “polarização”. Em razão dessa constatação, é tentador chegar à conclusão de que, com isso, preferiu não se envolver, deliberadamente, em qualquer dos polos do espectro político em virtude de sua independência institucional. Como os magistrados federais possuem um feixe de prerrogativas constitucionais (vitaliciedade, irredutibilidade de subsídios e inamovibilidade) e, ao mesmo tempo, certas garantias institucionais de desestímulo à interferência política direta dos demais Poderes (concurso público para o provimento de cargos em primeira instância e autonomia orçamentária), o não envolvimento nos temas da polarização seria uma consequência esperada. Os dados, contudo, sugerem duas outras possíveis explicações para esse último resultado.

A primeira centra-se no seguinte fato: cerca de 44% das demandas sobre “polarização” resultaram de discussões sobre o aumento ou a diminuição do isolamento social. O tema do isolamento, contudo, já havia sido tratado pelo STF no final de março de 2020, tendo a Corte legitimado as medidas sanitárias da União, dos estados e dos municípios, considerando-as válidas e sem aparente grau hierárquico (STF, 2020SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - STF. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 6.341. Disponível em: Disponível em: http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=5880765 . Acesso em: 7 ago. 2020.
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizador...
). É provável, portanto, que o Poder Judiciário Federal tenha evitado aumentar ou diminuir restrições para além das já impostas pelo marco normativo atual, devidamente legitimado pelo STF. A opção, portanto, foi pelo quadro do status quo definido por nossa própria Corte.

No outro espectro, 40% dos processos sobre “polarização” estiveram relacionados ao controle judicial da legalidade das campanhas publicitárias do Governo Federal ou à manutenção do isolamento do presidente da República. São temas, portanto, repetitivos e de natureza coletiva. Em demandas com essas características, por razões estritamente jurídico-processuais (ex.: conexão, continência), o juiz do caso análogo ou repetitivo deixará de deferir liminar/tutela provisória e o remeterá ao juiz federal que primeiro analisou o tema, para julgamento conjunto de todos os casos por um só juiz competente. Com isso, evitam-se decisões contraditórias decorrentes de entendimentos diferentes de juízes pertencentes a bases territoriais distintas. Demandas desse tipo, portanto, levam a uma maior probabilidade de sucesso da advocacia pública na defesa dos entes federais, com o consequente fracasso do autor na obtenção de uma tutela provisória de urgência ou liminar.

Por isso, o aparente insucesso dos autores que pretenderam judicializar temas relacionados à “polarização” foi motivado por razões de ordem jurídica - a formação de um precedente vinculante do STF e óbices de natureza processual.

Quanto aos entes subnacionais, os dados indicam que o Poder Judiciário legitimou as demandas de interesse público dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, atendendo às necessidades regionais e locais de flexibilização de regras jurídicas durante a pandemia. Não é simples, contudo, interpretar esse resultado, pois a visão corrente na literatura é a de que a federação brasileira concentra de facto poderes em torno da União, e grande parte dos autores advoga a hipótese de que as decisões do STF teriam um viés histórico em favor da centralização do poder em torno da União (GOMES, CARVALHO e BARBOSA, 2020GOMES, José Mario Wanderley; CARVALHO, Ernani; BARBOSA, Luís Felipe. Políticas públicas de saúde e lealdade federativa: STF afirma protagonismo dos governadores no enfrentamento à Covid-19. Revista de Direito Público, Brasília, v. 17, n. 94, p. 193-217, jul./ago. 2020.; OLIVEIRA, 2009OLIVEIRA, Vanessa E. de. Poder Judiciário: árbitro dos conflitos constitucionais entre estados e União. Lua Nova, São Paulo, n. 78, p. 223-250, 2009.; SILVA et al., 2020SILVA, Laura et al. O (re)desenho institucional do pacto federativo diante da Covid-19: arranjos institucionais no contexto da MP 926/2020. Revista de Direito Público, Brasília, v. 17, n. 96, p. 65-92, nov./dez. 2020.).13 13 Este artigo não valida essa hipótese, pois análises estatísticas mais robustas de diversas ações julgadas pelo STF entre 1988 e 2010 não indicaram viés em favor da União (ARLOTA e GAROUPA, 2014). Esses resultados divergentes da literatura sugerem que há a necessidade, ainda, de um trabalho futuro de maior amplitude estatística, para que se possa obter uma conclusão geral sobre o tema.

Se a hipótese fosse válida para outras instâncias do Poder Judiciário, deveríamos esperar que os entes subnacionais não fossem tão bem-sucedidos, mas, nos dados analisados, não se encontrou tendência a viés decisório contra os estados, os municípios e o Distrito Federal. Isso não significa dizer, contudo, que o Poder Judiciário, após a decisão do STF, passará a favorecer a descentralização federativa. Os fatores explicativos do sucesso dos entes subnacionais na defesa dos interesses públicos foram motivados, em verdade, por circunstâncias conjunturais que tenderão a se atenuar com o fim da pandemia. Nesse momento histórico, conflitos federativos relativos à definição dos limites das medidas restritivas à circulação de pessoas e à primazia das restrições em infraestruturas públicas federais levaram o STF (2020SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - STF. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 6.341. Disponível em: Disponível em: http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=5880765 . Acesso em: 7 ago. 2020.
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizador...
) a decidir, na ADI n. 6.341, que todos os entes políticos possuíam competências para combater o vírus por meio de atos administrativos e normativos, não havendo superioridade do Governo Federal sobre as demais entidades subnacionais.

No campo político, essa decisão do STF foi percebida como uma derrota do presidente em favor dos governadores dos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro (URIBE e RODRIGUES, 2020URIBE, Gustavo; RODRIGUES, Artur. MP de Bolsonaro sobre coronavírus é o primeiro contra-ataque a governadores: em reação a medida de Witzel, texto estabelece como competência federal fechamento de estradas e aeroportos. Folha de S.Paulo, Brasília e São Paulo, 21 mar. 2020. Disponível em: Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/03/em-resposta-a-witzel-bolsonaro-edita-medida-sobre-competencia-federal-em-estradas-e-aeroportos.shtml . Acesso em: 7 ago. 2020.
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020...
). Em aparente reação, o chefe do Poder Executivo passou a adotar o discurso de que o STF havia retirado seus poderes para coordenar, em âmbito nacional, os esforços de combate à pandemia e, com isso, politicamente, utilizou uma estratégia política conhecida como blame-shifting (escusa de responsabilidade), isto é, atribuir a responsabilidade do combate à pandemia - e de seu eventual fracasso - aos governadores e prefeitos, para, com isso, livrar-se dos custos políticos da crise sanitária.14 14 Para um aprofundamento do conceito de blame-shifting (ou blame avoidance), cf. Bartling e Fischbacher (2011) e o clássico artigo de Fiorina (1982).

Em seguida, o presidente indicou um militar da ativa como ministro da saúde, o General Eduardo Pazuello, que passou a emitir sinalizações sucessivas à imprensa de obediência irrestrita às ordens do chefe do Poder Executivo. Isso resultou em enormes custos reputacionais para o Governo Federal perante outros entes da federação, pois as expectativas políticas dos governadores e prefeitos passaram a ser de total alinhamento do ministro aos comandos do presidente, que se mostrava pouco sensível à necessidade de coordenação dos esforços de combate à pandemia em todo o país.

Estados e municípios passaram, então, a fazer uso de ações judiciais para resolver problemas de coordenação e de execução de políticas públicas que, em princípio, poderiam ser equacionados por meros protocolos de atuação intergovernamental e boa interlocução política entre os diferentes níveis. É provável que, nesse processo, o Poder Judiciário Federal tenha percebido que os entes subnacionais seriam os principais responsáveis pela provisão de serviços de saúde e pela implantação de medidas sanitárias difíceis nos âmbitos local e regional. Optou, portanto, por tutelar as necessidades urgentes dos entes políticos nesse momento histórico de tensão política no início da pandemia, sendo a conjuntura propícia a esse sucesso apenas circunstancial.

Conclusão

Este artigo apresentou um modelo estatístico explicativo dos determinantes da tutela judicial de direitos pela Justiça Federal em processos judiciais relacionados ao enfrentamento da pandemia de covid-19. Seus resultados, além de serem historicamente relevantes, revelaram que as probabilidades de tutela de direitos dependem de uma complexa interação entre características que identificam os autores, seus interesses subjacentes e o tema envolvido na discussão. Demonstram, ainda, que os efeitos da tipologia do autor da ação judicial variam significativamente entre diversos níveis da Justiça Federal, o que sugere a necessidade de utilização, pela literatura em política judicial, de modelos estatísticos multiníveis para explicar o processo decisório judicial e obter, corretamente, as probabilidades de tutela de direitos.

Análises dos diferentes perfis de ações judiciais também evidenciaram que, por razões conjunturais, estados, Distrito Federal e municípios foram os autores de maior sucesso na obtenção de decisões judiciais favoráveis em demandas associadas ao tema da flexibilização da aplicação de regras jurídicas em razão da pandemia. Na verdade, a probabilidade de obtenção de decisão favorável pelos entes subnacionais foi duas vezes superior às demandas usualmente decididas pela Justiça Federal no mesmo período. Evidências ainda sugerem que a Justiça Federal, por razões jurídicas, não se deixou contaminar com temas relacionados à “polarização” e preferiu a manutenção do status quo a alocar direitos em favor de autores de qualquer dos polos políticos “pró” e “contra” o ex-presidente Jair Bolsonaro.

O curto período de emergência analisado não permite inferir conclusões sobre como a maioria dos processos será julgada no futuro, pois, em média, o tempo de duração do processo de conhecimento na Justiça Federal de 1o grau é de um ano e dois meses entre o ajuizamento e o momento da sentença (CNJ, 2019CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ. Justiça em números 2019. Brasília: CNJ, 2019.). A análise estatística, contudo, esclareceu o perfil da judicialização e as regularidades do comportamento judicial durante a emergência sanitária. Revelou, ainda, que o Poder Judiciário Federal não apresentou nenhum viés em favor da proteção de sociedades empresárias nem privilegiou interesses lucrativos em detrimento de interesses corporativos e sociais.

O artigo contém três limitações relevantes. A primeira resulta de sua natureza exploratória. Como observamos na primeira seção, não existem modelos teóricos capazes de orientar quais variáveis utilizar em uma pesquisa sobre o processo decisório da Justiça Federal. O fato de investigarmos como o Judiciário decidiu casos durante a pandemia apenas tornou tal análise mais complexa, pois inexistem teorias explicativas sobre como os juízes decidem em circunstâncias excepcionais como essas. Isso nos obrigou a adotar a estratégia de construirmos vários modelos, do nível mais simples ao mais complexo, para, por meio de testes estatísticos, identificarmos o mais adequado ao caso. Em outras palavras, deixamos os dados e os testes “decidirem” o modelo mais adequado, pois inexiste literatura prévia específica sobre o tema.

Uma segunda limitação relevante deste artigo foi a impossibilidade de comparar o processo decisório judicial durante o momento histórico da pandemia ao modo como os juízes federais decidem em situações de “normalidade”. Como inexistem dados disponíveis sobre essas decisões judiciais, fica, para o leitor, como sugestão de pesquisa futura, avaliar, comparativamente, a partir do modelo teórico desenvolvido neste artigo, como o Poder Judiciário tutelava direitos em momento anterior à pandemia, para que se possa traçar diferenças significativas nos perfis de judicialização e proteção a direitos em contextos históricos absolutamente diferentes. Como esses dados não estão disponíveis, adverte-se que será necessário coletar amostras com representatividade nacional. A partir delas, contudo, é possível categorizar informações de acordo com os critérios e com a metodologia desenvolvidos neste artigo.

Por fim, o artigo não analisou se as chances e probabilidades de sucesso podem ser explicadas por diferenças na qualidade de atuação dos advogados e dos demais atores no processo. Examinar esse efeito envolveria avaliar, criticamente, a qualidade das peças processuais sob o ponto de vista de algum benchmark ainda não disponível. É possível, contudo, que parte do sucesso ou do fracasso na obtenção de uma tutela judicial seja explicada por diferenças qualitativas na atuação dos atores responsáveis pelas peças processuais. Sugere-se uma melhor análise dessa possibilidade com base no framework multinível desenvolvido neste artigo.

AGRADECIMENTOS

O autor agradece à Luciana Ribeiro pela leitura e pela discussão crítica do artigo. Agradece também por todas as sugestões e críticas da editora-chefe e dos(as) pareceristas anônimos(as) da Revista Direito GV.

REFERÊNCIAS

  • ABRUCIO, Fernando Luiz et al Combating COVID-19 under Bolsonaro’s Federalism: A Case of Intergovernmental Incoordination. Brazilian Journal of Public Administration, [s. l.], v. 54, n. 4, p. 663-677, 2020.
  • ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO - AGU. COVID-19 - Processos Judiciais Disponível em: Disponível em: https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiZGM4OTk4ZmYtZjAzYi00MjdhLTlhYjMtZGE1MmFiMWJlZDM3IiwidCI6IjRkNzlkMzdhLTFlNGUtNGEzOS05ZmRlLWYxNjMxY2I2MDdkNCJ9 Accesso em: 1o jul. 2020.
    » https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiZGM4OTk4ZmYtZjAzYi00MjdhLTlhYjMtZGE1MmFiMWJlZDM3IiwidCI6IjRkNzlkMzdhLTFlNGUtNGEzOS05ZmRlLWYxNjMxY2I2MDdkNCJ9
  • ARLOTA, Carolina; GAROUPA, Nuno. Addressing Federal Conflicts: An Empirical Analysis of the Brazilian Supreme Court, 1988-2010. Review of Law Economics, [s. l.], v. 10, n. 2, p. 137-168, jul. 2014.
  • BARTLING, Björn; FISCHBACHER, Urs. Shifting the Blame: On Delegation and Responsibility. The Review of Economic Studies, [s. l.], v. 79, n. 1, p. 67-87, 2012.
  • BERGARA, Mario; RICHMAN, Barak; SPILLER, Pablo. Modeling Supreme Court Strategic Decision Making: The Congressional Constraint. Documentos de Trabajo - FCS, Montevidéu, 2002.
  • BICKEL, Robert. Multilevel Analysis for Applied Research: It’s Just Regression! Nova York: Londres: The Guilford Press, 2007.
  • BURGOS, Marcelo; VIANNA, Luiz Werneck; SALLES, Paula. Dezessete anos de judicialização da política. Tempo Social, Revista de Sociologia da USP, São Paulo, v. 19, n. 2, p. 39-85, 2007.
  • CARVALHO NETO, Ernani Rodrigues de. Revisão abstrata da legislação e judicialização da política no Brasil 2005. Tese (Doutorado em Ciência Política) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005.
  • CARVALHO, Ernani; BARBOSA, Luis Felipe; GOMES NETO, José Mário. A OAB e as prerrogativas atípicas na arena política da revisão judicial. Revista Direito GV, São Paulo, v. 10, n. 1, p. 69-98, jan./jun. 2014.
  • CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ. Base de Dados Disponível em: Disponível em: https://www.cnj.jus.br/pesquisas-judiciarias/justica-em-numeros/base-de-dados/ Acesso em: 1o ago. 2020.
    » https://www.cnj.jus.br/pesquisas-judiciarias/justica-em-numeros/base-de-dados/
  • CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ. Justiça em números 2019 Brasília: CNJ, 2019.
  • DAHL, Robert. Decision-making in a Democracy: The Supreme Court as a National Policy-maker. Journal of Public Law, [s. l.], v. 6, n. 2, p. 279-295, 1957.
  • DA ROS, Luciano. Em que ponto estamos? Agendas de pesquisa sobre o Supremo Tribunal Federal no Brasil e nos Estados Unidos. In: ENGELMANN, Fabiano (org.). Sociologia política das instituições judiciais Porto Alegre: UFRGS: CEGOV, 2017. p. 57-97.
  • DANZIGER, Shai; LEVAV, Jonathan; AVNAIM-PESSO, Liora. Extraneous Factors in Judicial Decisions. PNAS, [s. l.], v. 108, n. 17, p. 6889-6892, abr. 2011.
  • DINIZ, Débora; MACHADO, Tereza; PENALVA, Janaina. A judicialização da saúde no Distrito Federal, Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, [s. l.], v. 19, n. 2, p. 591-598, 2014.
  • EPSTEIN, Lee; KNIGHT, Jack. The Choices that Justices Make Washington, D.C.: CQ Press, 1998.
  • EPSTEIN, Lee; LANES, William; POSNER, Richard. The Behavior of Federal Judges: A Theoretical & Empirical Study of Rational Choice. Cambridge: London: Harvard University Press, 2013.
  • FERREIRA, Pedro; MUELLER, Bernardo. How Judges Think in the Brazilian Supreme Court: Estimating Ideal Points and Identifying Dimensions. Economia, [s. l.], v. 15, n. 3, p. 275-293, 2014.
  • FIORINA, Morris. Legislative Choice of Regulatory Forms: Legal Process or Administrative Process? Public Choice, [s. l.], v. 39, n. 1, p. 33-66, 1982.
  • GEYH, Charles. Judicial Politics, the Rule of Law and the Future of an Ermine Myth Bloomington: Indiana University, 2010.
  • GINSBURG, Tom. Judicial Review in New Democracies: Constitutional Courts in Asian Cases. Cambridge: Cambridge University Press, 2003.
  • GINSBURG, Tom; VERSTEEG, Mila. The Bound Executive: Emergency Powers During the Pandemic. Virginia Public Law and Legal Theory Research Paper n. 2020-52, Chicago, 2020.
  • GOMES, José Mario Wanderley; CARVALHO, Ernani; BARBOSA, Luís Felipe. Políticas públicas de saúde e lealdade federativa: STF afirma protagonismo dos governadores no enfrentamento à Covid-19. Revista de Direito Público, Brasília, v. 17, n. 94, p. 193-217, jul./ago. 2020.
  • GOMES NETO, José Mario Wanderley. Pretores estratégicos: por que o Judiciário decide a favor do Executivo e contra suas próprias decisões? Análise empírica dos pedidos de suspensão apresentados ao STF (1993-2012). 2015. 95 f. Tese (Doutorado em Ciência Política) - Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2015.
  • GUO, Guang; ZHAO, Hongxin. Multilevel Modeling for Binary Data. Annual Review of Sociology, [s. l.], v. 26, p. 441-462, 2000.
  • HUNTER, Wendy; POWER, Timothy. Bolsonaro and Brazil’s Illiberal Backlash. Journal of Democracy, [s. l.], v. 30, n. 1, p. 68-82, 2019.
  • INSTITUTO DE ENSINO E PESQUISA - INSPER. A judicialização de benefícios previdenciários e assistenciais Brasília: CNJ, 2020.
  • INSTITUTO DE ENSINO E PESQUISA - INSPER. Judicialização da saúde no Brasil: perfil de demandas, causas e propostas de solução. Brasília: CNJ, 2019.
  • KAPISZEWSKI, Diana. High Courts and Economic Governance in Argentina and Brazil Nova York: Cambridge University Press, 2012.
  • KAPISZEWSKI, Diana. Tactical Balancing: High Court Decision Making on Politically Crucial Cases. Law & Society Review, [s. l.], v. 45, n. 2, p. 471-506, jun. 2011.
  • KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito São Paulo: Martins Fontes, 1997.
  • LIU, Xing. Applied Ordinal Logistic Regression Using Stata Los Angeles: Londres: Sage, 2016.
  • LONG, Scott; FREESE, Jeremy. Regression Models for Categorical Dependent Variables Using Stata College Station: StataCorp LP, 2014.
  • LUKE, Douglas. Multilevel Modeling Londres: Sage, 2004.
  • NEVES, Daniel. Manual do processo coletivo Salvador: JusPodivm, 2016.
  • NOGUEIRA, Karina; CAMARGO, Erica. Judicialização da saúde: gastos federais para o Sistema Único de Saúde (SUS) entre 2011-2014. Cadernos Ibero-Americanos de Direito Sanitário, Brasília, v. 6, n. 2, p. 120-132, abr./jun. 2017.
  • OLIVEIRA, Vanessa E. de. Poder Judiciário: árbitro dos conflitos constitucionais entre estados e União. Lua Nova, São Paulo, n. 78, p. 223-250, 2009.
  • PEREIRA, Carlos; MEDEIROS, Amanda; BERTHOLINI, Frederico. Fear for Death and Polarization: Political Consequences of the COVID-19 pandemic. Brazilian Journal of Public Administration, Rio de Janeiro, v. 54, n. 4, p. 952-958, jul./ago. 2020.
  • RAFTERY, Adrian. Bayesian Model Selection in Social Research. Sociological Methodology, [s. l.], v. 25, p. 111-163, 1995.
  • RIBEIRO, Ricardo. Política e economia na jurisdição constitucional abstrata (1999-2004). Revista Direito GV, São Paulo, v. 8, n. 15, p. 87-108, 2012.
  • RIBEIRO, Ricardo. Preferências, custos da decisão e normas jurídicas no processo decisório das Cortes: o modelo de múltiplos comportamentos. Economic Analysis of Law Review, [s. l.], v. 2, n. 2, p. 264-296, 2011.
  • RIOS-FIGUEROA, Julio; TAYLOR, Matthew. Institutional Determinants of the Judicialization of Policy in Brazil and Mexico. Journal of Latin America Studies, [s. l.], v. 38, n. 4, p. 739-766, 2006.
  • SEGAL, Jeffrey. Correction to “Separation-of-Powers Games in the Positive Theory of Congress and Courts. The American Political Science Review, [s. l.], v. 92, n. 4, p. 923-926, dez. 1998.
  • SEGAL, Jeffrey. Separation-of-Powers Games in the Positive Theory of Congress and Courts. The American Political Science Review, [s. l.], v. 91, n. 1, p. 28-44, mar. 1997.
  • SEGAL, Jeffrey; SPAETH, Harold. The Supreme Court and the Attitudinal Model Revisited Cambridge: Cambridge University Press, 2002.
  • SEGAL, Jeffrey; WESTERLAND, Chad; LINDQUIST, Stefanie. Congress, the Supreme Court, and Judicial Review: Testing a Constitutional Separation of Powers Model. American Journal of Political Science, [s. l.], v. 55, n. 1, p. 89-104, jan. 2011.
  • SILVA, Laura et al O (re)desenho institucional do pacto federativo diante da Covid-19: arranjos institucionais no contexto da MP 926/2020. Revista de Direito Público, Brasília, v. 17, n. 96, p. 65-92, nov./dez. 2020.
  • SKRONDAL, Anders; RABE-HESKETH, Sophia. Multilevel and Longitudinal Modeling Using Stata. Volume II: Categorical Responses, Counts, and Survival. 3rd ed. Texas: Stata Press, 2012.
  • SKRONDAL, Anders; RABE-HESKETH, Sophia. Generalized Latent Variable Modeling: Multilevel, Longitudinal and Structural Equation Models. Washington, D.C.: Chapman & Hall/CRC, 2004.
  • STATACORP. Stata Multilevel Mixedeffects Reference Manual Release 14 College Station: StataCorp LLC, 2015a.
  • STATACORP. Margins College Station: StataCorp LLC, 2015b.
  • SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - STF. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 6.341 Disponível em: Disponível em: http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=5880765 Acesso em: 7 ago. 2020.
    » http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=5880765
  • TAYLOR, Matthew. Veto and Voice in the Courts: Policy Implications of Institutional Design in the Brazilian Judiciary. Comparative Politics, [s. l.], v. 38, n. 3, p. 337-355, 2006.
  • URIBE, Gustavo; RODRIGUES, Artur. MP de Bolsonaro sobre coronavírus é o primeiro contra-ataque a governadores: em reação a medida de Witzel, texto estabelece como competência federal fechamento de estradas e aeroportos. Folha de S.Paulo, Brasília e São Paulo, 21 mar. 2020. Disponível em: Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/03/em-resposta-a-witzel-bolsonaro-edita-medida-sobre-competencia-federal-em-estradas-e-aeroportos.shtml Acesso em: 7 ago. 2020.
    » https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/03/em-resposta-a-witzel-bolsonaro-edita-medida-sobre-competencia-federal-em-estradas-e-aeroportos.shtml
  • VIANNA, Luis Werneck et al A judicialização da política e das relações sociais no Brasil Rio de Janeiro: Revan, 1999.
  • WANG, Daniel et al Os impactos da judicialização da saúde no Município de São Paulo: gasto público e organização federativa. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 48, n. 5, p. 1191-1206, set./out. 2014.
  • WANG, Daniel; VASCONCELOS, Natália. O STF e o critério de renda do BPC. Novos Estudos, São Paulo, v. 103, nov. 2015.
  • WILLIAMS, Richard. Using the Margins Command to Estimate and Interpret Adjusted Predictions and Marginal Effects. The Stata Journal, [s. l.], v. 12, n. 2, p. 308-331, 2012.
  • 1
    Gomes Neto (2015GOMES NETO, José Mario Wanderley. Pretores estratégicos: por que o Judiciário decide a favor do Executivo e contra suas próprias decisões? Análise empírica dos pedidos de suspensão apresentados ao STF (1993-2012). 2015. 95 f. Tese (Doutorado em Ciência Política) - Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2015.) encontrou evidências de que as decisões judiciais, nos pedidos de suspensão junto ao STF, são mais bem explicadas pela “combinação das abordagens atitudinal e estratégica”, o que favorece a conclusão de que resta inviável a adoção de um só modelo explicativo de decisão como determinante do comportamento das cortes. Não encontrou evidências, contudo, em favor do uso do modelo legal. A despeito disso, seu resultado parece ser consistente com o tipo de demanda analisada pelo autor, os pedidos de suspensão. Nesse caso, a legislação autoriza que a autoridade judicial competente decida, com alto grau de discricionariedade, sobre a conveniência e oportunidade da manutenção ou não dos efeitos de uma decisão judicial impugnada. Por design normativo, o magistrado está autorizado a decidir a partir de argumentos consequencialistas sobre a preservação da segurança, saúde, economia e ordem públicas.
  • 2
    O teste consiste em estimar um modelo multinível nulo ou incondicional, isto é, sem a presença de variáveis independentes, para a variável identificadora da seção ou subseção. Com isso, calcula-se a ICC.
  • 3
    A amostra é inferior ao número total divulgado pela AGU porque não se analisaram ações judiciais ou recursos propostos em outras instâncias do Poder Judiciário (eg.: Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça, Justiça do Trabalho).
  • 4
    Não usamos um modelo ordinal porque a frequência de decisões parcialmente favoráveis foi muito baixa, de apenas 34 casos, e a “assunção das chances proporcionais”, típica do modelo ordinal (LIU, 2016LIU, Xing. Applied Ordinal Logistic Regression Using Stata. Los Angeles: Londres: Sage, 2016.), seria pouco crível nessa circunstância.
  • 5
    A sigla “AI” refere-se à Administração Indireta.
  • 6
    Na amostra, as ações judiciais da União, do Distrito Federal, dos estados e dos municípios são de natureza “pseudoindividual” (NEVES, 2016NEVES, Daniel. Manual do processo coletivo. Salvador: JusPodivm, 2016.), pois as decisões judiciais que as julgam têm efeitos erga omnes ou ultra partes. Isso nos fez tratar as ações judiciais no rótulo das “ações coletivas”, independentemente da espécie de classe processual utilizada.
  • 7
    Determinantes relativos ao design institucional da Justiça Federal não foram aferidos, pois o objeto da pesquisa dirige-se a processos dentro desses órgãos e não há variação nas regras de acesso à justiça e de organização institucional que justifiquem variáveis com essa abordagem. A organização institucional das cortes é extremamente importante para entender os incentivos subjacentes à judicialização (GINSBURB, 2003GINSBURG, Tom. Judicial Review in New Democracies: Constitutional Courts in Asian Cases. Cambridge: Cambridge University Press, 2003.; RIOS-FIGUEROA e TAYLOR, 2006RIOS-FIGUEROA, Julio; TAYLOR, Matthew. Institutional Determinants of the Judicialization of Policy in Brazil and Mexico. Journal of Latin America Studies, [s. l.], v. 38, n. 4, p. 739-766, 2006.), mas, por óbvio, análises desse tipo são comparativas e exigem avaliação de variações institucionais entre diversas organizações do Poder Judiciário ou entre países. Este não é o caso.
  • 8
    Isso significa que, tecnicamente, o modelo multinível será capaz de levar em consideração o efeito de determinado processo pertencer a um TRF específico para fins de cálculo dos coeficientes das variáveis independentes. Como se verá, os coeficientes obtidos nessas regressões são denominados “efeitos fixos” e possuem interpretações equivalentes às obtidas por regressões tradicionais. Os “efeitos aleatórios”, contudo, representam fontes adicionais de erro que modelam a influência não observada de o processo judicial pertencer, ao mesmo tempo, a uma mesma seção/subseção judiciária e a um mesmo TRF.
  • 9
    Infelizmente, os dados do CNJ não permitem analisar a TCL e o EFF em um menor nível de agregação, pois existem informações apenas para as seções judiciárias. Se esses indicadores fossem calculados para cada subseção ou por vara, talvez essas variáveis tivessem significância.
  • 10
    Para verificação do modelo mais adequado, foram realizados testes de razão de verossimilhança (LRT) e calculadas as estatísticas Akaike Information Criterion (AIC) e Bayesian Information Criterion (BIC). Especialmente com amparo na análise comparativa dos BICs, houve forte evidência a favor do modelo 8, consoante critérios de julgamento sugeridos por Raftery (1995RAFTERY, Adrian. Bayesian Model Selection in Social Research. Sociological Methodology, [s. l.], v. 25, p. 111-163, 1995.).
  • 11
    Estimamos a probabilidade por meio do comando margins do Stata 14 (STATACORP, 2015bSTATACORP. Margins. College Station: StataCorp LLC, 2015b.).
  • 12
    O conceito de “chance” não se confunde com o de “probabilidade” em Estatística. Preferimos usar esse último, pois sua interpretação é mais intuitiva para o leitor. Apesar dessa escolha, as conclusões foram as mesmas quando analisamos o modelo 8 por meio do uso de “razões das chances condicionais”, calculadas por meio da consagrada fórmula: (𝑒(fixed effect) − 1).
  • 13
    Este artigo não valida essa hipótese, pois análises estatísticas mais robustas de diversas ações julgadas pelo STF entre 1988 e 2010 não indicaram viés em favor da União (ARLOTA e GAROUPA, 2014ARLOTA, Carolina; GAROUPA, Nuno. Addressing Federal Conflicts: An Empirical Analysis of the Brazilian Supreme Court, 1988-2010. Review of Law Economics, [s. l.], v. 10, n. 2, p. 137-168, jul. 2014.). Esses resultados divergentes da literatura sugerem que há a necessidade, ainda, de um trabalho futuro de maior amplitude estatística, para que se possa obter uma conclusão geral sobre o tema.
  • 14
    Para um aprofundamento do conceito de blame-shifting (ou blame avoidance), cf. Bartling e Fischbacher (2011BARTLING, Björn; FISCHBACHER, Urs. Shifting the Blame: On Delegation and Responsibility. The Review of Economic Studies, [s. l.], v. 79, n. 1, p. 67-87, 2012.) e o clássico artigo de Fiorina (1982FIORINA, Morris. Legislative Choice of Regulatory Forms: Legal Process or Administrative Process? Public Choice, [s. l.], v. 39, n. 1, p. 33-66, 1982.).
  • Como citar este artigo: RIBEIRO, Ricardo Silveira. Covid-19 e tutela de direitos na Justiça Federal: atores, interesses e temas da judicialização da pandemia. Revista Direito GV, São Paulo, v. 19, e2324, 2023. https://doi.org/10.1590/2317-6172202324
  • Declaração de Disponibilidade de Dados: O conjunto de dados deste artigo está disponível no SciELO Dataverse da Revista Direito GV, no link: https://doi.org/10.48331/scielodata.XXIFIX.

Disponibilidade de dados

Declaração de Disponibilidade de Dados: O conjunto de dados deste artigo está disponível no SciELO Dataverse da Revista Direito GV, no link: https://doi.org/10.48331/scielodata.XXIFIX.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    08 Maio 2021
  • Aceito
    25 Jan 2023
Fundação Getulio Vargas, Escola de Direito de São Paulo Rua Rocha, 233, 11º andar, 01330-000 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (55 11) 3799 2172 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revistadireitogv@fgv.br