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Judicialização da saúde: um estudo de caso envolvendo medicamento de alto custo

HEALTH JUDICIALIZATION: A CASE STUDY INVOLVING HIGH-COST MEDICATION

Resumo

Atualmente, tem-se observado expressivo número de demandas judiciais na área da saúde sob o prisma de conflitos de interesses individuais. Nesse sentido, o objetivo deste artigo foi conduzir estudo de caso relativo ao conteúdo das decisões judiciais envolvendo o fornecimento da medicação de alto custo denominada eculizumab. Para tanto, foram avaliadas sentenças judiciais disponíveis no sítio eletrônico do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP). Os resultados evidenciaram concentração das demandas na comarca da capital, tendo como polo passivo preferencial o estado de São Paulo. Observou-se que proporção significativa das decisões desconsiderou o imperativo de comprovação da adequação e da necessidade do medicamento, bem como a demonstração de ineficácia dos fármacos disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS). Os resultados apontaram maior preocupação dos juízes em checar a existência do registro sanitário na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e em reconhecer a incapacidade financeira do paciente para arcar com os custos do tratamento. Em contrapartida, a checagem quanto à incorporação do medicamento para a fonte pagadora e para o diagnóstico revelou menor valorização entre os magistrados. Tal fenômeno pode apresentar contornos perversos e potencial de deslocamento dos processos de planejamento e priorização em saúde, direcionando recursos econômicos de modo indevidamente restrito.

Palavras-chave
Sistema Único de Saúde; direito sanitário; judicialização das políticas de saúde; estado de São Paulo; eculizumab

Abstract

Currently, there has been a significant number of lawsuits in health area from the perspective of individual conflicts of interest. In this sense, the objective of this paper was to conduct a case study on the content of court decisions involving provision of a high-cost medication called eculizumab. To this end, sentences available on State of Sao Paulo Justice Court website were evaluated. The results showed concentration of demands in district of capital, with the state of Sao Paulo as preferred passive pole. It was observed that a significant proportion of decisions ignored the need to prove adequacy and necessity of the drug, as well as demonstration of ineffectiveness of drugs available at Sistema Único de Saúde (SUS - Brazilian Unified Health System). The results pointed to a greater concern of judges in verifying the existence of sanitary registration of the drug at National Health Surveillance Agency and in recognizing the patient’s financial inability to handle the costs of treatment. Conversely, verification of incorporation of the drug for paying source and diagnosis showed less value among the magistrates. This phenomenon can present perverse contours and potential to modify planning and prioritization processes in health, improperly restricting economic resources.

Keywords
Unified Health System; Health Law; judicialization of health policies; state of Sao Paulo; eculizumab

Introdução

O tema da judicialização da saúde traz à tona a importância da justiça distributiva, que deve orientar a alocação e a apropriação individual dos recursos comuns da sociedade. Nesse contexto, Lopes (2006LOPES, José Reinaldo de Lima. Direitos sociais: teoria e prática. São Paulo: Método, 2006.) observa que, com o advento do Estado de bem-estar social, houve importante modificação no paradigma do Direito, sobrevindo maior enfoque prestacional por parte do Estado, e não mais uma postura estritamente abstencionista. Assim, os direitos sociais passaram a ser definidos como direitos-meio, cuja principal finalidade era a de assegurar as condições necessárias para o adequado exercício dos direitos individuais.

A despeito desse cenário, atualmente tem sido observado claro predomínio de demandas judiciais na área da saúde sob o prisma de conflitos de interesses individuais, o que gera sobrecarga dos órgãos jurisdicionais designados para conduzir os processos. Ademais, como, pelo princípio da inércia institucional, a jurisdição somente se movimenta mediante provocação, muitas decisões que pretendem promover a justiça distributiva, na verdade, determinam tratamento desigual em favor daqueles que a conseguem acessar. Com isso, a iniciativa de um particular para questões coletivas pode significar a lesão e a exclusão de determinados grupos sociais, promovendo desequilíbrios no sistema de saúde. Desse modo, considerando o conceito de custo de oportunidade, o deferimento de determinado pedido judicial em desfavor do Estado força a redução de escopo de outras políticas públicas, a fim de custear o cumprimento da decisão (PAIXÃO, 2019PAIXÃO, André Luís Soares da. Reflexões sobre a judicialização do direito à saúde e suas implicações no SUS. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 24, n. 6, p. 2167-2172, 2019.). No mesmo sentido, quando o polo passivo é representado por operadoras de planos de saúde, a concessão da tutela individual pode impactar negativamente os indicadores de sinistralidade da empresa, os reajustes das mensalidades e a qualidade da oferta de serviços para os demais beneficiários (LAVECCHIA, 2019LAVECCHIA, Amanda Leopoldo. Contratos de plano de saúde: uma análise da jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo. Revista de Direito Sanitário, São Paulo, v. 19, n. 3, p. 277-291, 2019.).

Nesse contexto, o objetivo principal deste artigo foi conduzir um estudo de caso a respeito do conteúdo de decisões judiciais envolvendo o fornecimento de uma medicação de alto custo pelos setores público e privado do Sistema Único de Saúde (SUS). O composto selecionado para análise, o medicamento imunobiológico eculizumab (de nome comercial Soliris®), tem sido objeto de indicação médica para casos graves de doenças raras, como a síndrome hemolítico-urêmica atípica (SHUa) e a hemoglobinúria paroxística noturna (HPN). Os objetivos específicos consistiram em:

  1. identificar os argumentos recorrentes para concessão ou negativa de fornecimento do medicamento e as principais características gerais dos requerentes e requeridos;

  2. reconhecer as principais orientações jurisprudenciais, súmulas editadas pelos tribunais superiores e enunciados elaborados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a respeito do fornecimento de medicações pelos setores público e privado do SUS;

  3. avaliar, por meio de lista de verificação, o ajustamento das decisões judiciais em primeira instância aos principais elementos sugeridos para a formação do livre convencimento do magistrado.

1. Desenvolvimento

1.1. Referencial teórico

1.1.1. A organização dos setores público e privado no SUS

De acordo com a doutrina de Bucci (2006BUCCI, Maria Paula Dallari. O conceito de política pública em direito. In: BUCCI, Maria Paula Dallari; DUARTE, Clarice Seixas (coords.). Políticas públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006.), as políticas públicas devem ser compreendidas em sua dimensão institucional, uma vez que correspondem a programas de ação governamental orientados para a concretização de interesses sociais relevantes, por meio de processos de seleção, planejamento, execução e controle. A exteriorização das políticas ocorre mediante conjunto ordenado de atos normativos primários e secundários que promovem a sistematização dos programas.

Assim, Mapelli Júnior (2017MAPELLI JÚNIOR, Reynaldo. Judicialização da saúde: regime jurídico do SUS e intervenção na Administração Pública. Rio de Janeiro: Atheneu, 2017.) observa que o arranjo institucional das políticas de saúde no Brasil é constituído por um corpo normativo fundamental representado por:

  1. Constituição de 1988 (CF/1988), que estabelece princípios, diretrizes e normas específicos (BRASIL, 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Presidência da República, 1988. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm . Acesso em: 21 set. 2023.
    https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/co...
    );

  2. Lei n. 8.080/1990 (Lei Orgânica da Saúde), que regulamenta as ações e os serviços de saúde em todo o território nacional (BRASIL, 1990aBRASIL. Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Brasília: Presidência da República, 1990a. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm . Acesso em: 5 out. 2023.
    https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/le...
    );

  3. Lei n. 9.656/1998 (Lei dos Planos de Saúde), que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde (BRASIL, 1998BRASIL. Lei n. 9.656, de 3 de junho de 1998. Dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde. Brasília: Presidência da República, 1998. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9656.htm . Acesso em: 5 out. 2023.
    https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/le...
    );

  4. Lei n. 8.142/1990, que dispõe sobre a participação popular no sistema de saúde (BRASIL, 1990bBRASIL. Lei n. 8.142, de 28 de dezembro de 1990. Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras providências. Brasília: Presidência da República, 1990b. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8142.htm . Acesso em: 5 out. 2023.
    https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/le...
    );

  5. Lei n. 12.401/2011, que dispõe sobre a assistência terapêutica e a incorporação de tecnologias em saúde (BRASIL, 2011aBRASIL. Lei n. 12.401, de 28 de abril de 2011. Altera a Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a assistência terapêutica e a incorporação de tecnologia em saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS. Brasília: Presidência da República, 2011a. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12401.htm . Acesso em: 5 out. 2023.
    https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_a...
    );

  6. Lei n. 14.454/2022, que altera a Lei n. 9.656/1998 para estabelecer critérios que permitam a cobertura de exames ou tratamentos de saúde que não estão incluídos no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar (BRASIL, 2022aBRASIL. Lei n. 14.454, de 21 de setembro de 2022. Altera a Lei n. 9.656, de 3 de junho de 1998, que dispõe sobre os planos privados de assistência à saúde, para estabelecer critérios que permitam a cobertura de exames ou tratamentos de saúde que não estão incluídos no rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar. Brasília: Presidência da República, 2022a. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2022/lei/L14454.htm . Acesso em: 5 out. 2023.
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
    );

  7. Decreto n. 7.508/2011, que regulamenta a Lei n. 8.080/1990 para dispor sobre a organização do SUS, o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa (BRASIL, 2011bBRASIL. Decreto n. 7.508, de 28 de junho de 2011. Regulamenta a Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a organização do Sistema Único de Saúde - SUS, o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa, e dá outras providências. Brasília: Presidência da República, 2011b. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/decreto/d7508.htm . Acesso em: 5 out. 2023.
    https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_a...
    );

  8. Lei Complementar n. 141/2012, que normatiza os recursos sanitários e os critérios de rateio interfederativo (BRASIL, 2012BRASIL. Lei Complementar n. 141, de 13 de janeiro de 2012. Regulamenta o § 3o do art. 198 da Constituição Federal para dispor sobre os valores mínimos a serem aplicados anualmente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios em ações e serviços públicos de saúde; estabelece os critérios de rateio dos recursos de transferências para a saúde e as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde nas 3 (três) esferas de governo; revoga dispositivos das Leis n. 8.080, de 19 de setembro de 1990, e 8.689, de 27 de julho de 1993; e dá outras providências. Brasília: Presidência da República, 2012. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp141.htm . Acesso em: 5 out. 2023.
    https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/le...
    );

  9. atos normativos secundários, como portarias e resoluções normativas.

Nesse contexto, a CF/1988 destaca a responsabilidade estatal e a relevância pública para as ações e os serviços de saúde, conforme expresso pelos arts. 196 e 197 (BRASIL, 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Presidência da República, 1988. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm . Acesso em: 21 set. 2023.
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). Também se deve enfatizar que a organização das ações e dos serviços de saúde no Brasil deve constituir um sistema único e isento de fragmentações, conforme art. 198 da CF/1988 (BRASIL, 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Presidência da República, 1988. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm . Acesso em: 21 set. 2023.
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). O art. 199 destaca, ainda, que a assistência à saúde é livre à iniciativa privada, de modo que instituições particulares podem participar do sistema em caráter complementar (BRASIL, 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Presidência da República, 1988. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm . Acesso em: 21 set. 2023.
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).

Assim, de acordo com Sarlet e Figueiredo (2008SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Algumas considerações sobre o direito fundamental à proteção e promoção da saúde aos 20 anos da Constituição Federal de 1988. Revista de Direito do Consumidor, Brasília, v. 17, n. 67, p. 125-172, 2008.), trata-se de um único sistema de saúde, sujeito a uma direção única e compreendendo um único planejamento, ainda que as ações e os serviços de saúde sejam compartilhados pelas diferentes esferas de governo. A organização e a estruturação dos programas governamentais nos níveis federal, estadual e municipal ocorrem de forma articulada e pactuada, com a conjugação de esforços para a prestação de serviços públicos essenciais. De fato, esse federalismo cooperativo e consensual no setor de saúde é reflexo do estabelecimento de competências materiais comuns e de competências legislativas concorrentes, de acordo com a previsão do art. 23, II, e do art. 24, XII, do texto constitucional (BRASIL, 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Presidência da República, 1988. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm . Acesso em: 21 set. 2023.
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).

A coesão e a unidade na intimidade do SUS decorrem da construção de redes de atenção à saúde, da pactuação de fluxos de atendimento e da padronização de procedimentos por gestores das três esferas de governo. A oferta assistencial deve buscar fundamento nas melhores evidências científicas disponíveis, na epidemiologia das doenças e dos agravos e em critérios de custo-efetividade. Diante dessa perspectiva, Mapelli Júnior (2017MAPELLI JÚNIOR, Reynaldo. Judicialização da saúde: regime jurídico do SUS e intervenção na Administração Pública. Rio de Janeiro: Atheneu, 2017.) identifica como principais contornos e limitações à integralidade da atenção à saúde a necessidade de adequação a requisitos como:

  1. observância das regras de acesso estabelecidas para o atendimento público;

  2. adoção de planejamento embasado em dados epidemiológicos e de distribuição de doenças;

  3. cumprimento do padrão de incorporação de tecnologias determinado por regulamentos técnico-científicos e por diretrizes terapêuticas;

  4. conformidade com o montante de recursos constitucionalmente destinados ao financiamento do sistema de saúde.

No âmbito da saúde suplementar, a Lei n. 9.656/1998 (BRASIL, 1998BRASIL. Lei n. 9.656, de 3 de junho de 1998. Dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde. Brasília: Presidência da República, 1998. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9656.htm . Acesso em: 5 out. 2023.
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) destaca a submissão das pessoas jurídicas de direito privado que operam planos de assistência à saúde às disposições do Código de Defesa do Consumidor (CDC), sem prejuízo do cumprimento da legislação específica que rege a atividade. A lei reconhece, ainda, que a amplitude das coberturas deve ser estabelecida em norma editada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Nesse contexto, a Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar, composta de representantes indicados pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), de sociedades de especialidades médicas, de entidade representativa de consumidores de planos de saúde, de entidade representativa de prestadores de serviço na saúde suplementar e de entidade representativa das operadoras de planos, deverá adotar como critérios para a incorporação de novas tecnologias no setor privado:

  1. melhores evidências científicas disponíveis a respeito da eficácia, da acurácia, da efetividade, da eficiência, da usabilidade e da segurança do produto, reconhecidas pelo órgão competente para registro;

  2. avaliação econômica comparativa dos benefícios e dos custos em relação às coberturas já previstas no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar;

  3. análise de impacto financeiro da ampliação da cobertura no âmbito da saúde suplementar.

1.1.2. A Política Nacional de Atenção Farmacêutica e a incorporação de novas tecnologias em saúde

A Política Nacional de Assistência Farmacêutica, como parte da Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS), representa um programa de ação governamental com o objetivo de garantir a segurança, a eficácia e a qualidade dos medicamentos, além de promover o uso racional e o acesso às drogas classificadas como essenciais.

Nesse cenário, é indispensável destacar o relevante papel da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) no processo. Essa comissão, criada pela Lei n. 12.401/2011, tem a finalidade de assessorar o Ministério da Saúde nas atribuições de incorporação, alteração ou exclusão de tecnologias no SUS, bem como na elaboração ou na modificação de Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PDCT). O § 2o do art. 19-Q da Lei n. 8.080/1990 determina que a análise realizada pela Conitec seja baseada em evidências científicas e em avaliação econômica comparativa de benefícios e custos em relação às tecnologias já incorporadas (BRASIL, 1990aBRASIL. Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Brasília: Presidência da República, 1990a. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm . Acesso em: 5 out. 2023.
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). A lei também estabelece a necessidade de registro do produto na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) como pré-requisito geral de avaliação para a inclusão no SUS, ainda que, excepcionalmente, seja admitida a incorporação de medicamento em indicação de uso distinta daquela aprovada no registro sanitário. De todo modo, cabe destacar que o simples registro sanitário de um medicamento no país não implica a sua imediata incorporação ao SUS.

Assim, o paradigma da integralidade na Assistência Farmacêutica determina a adoção de certos limites e contornos jurídicos ao direito à saúde, decorrentes da organização sistemática dos programas e das estruturas do SUS. A doutrina de Santos (2009SANTOS, Lenir. SUS: contornos jurídicos da integralidade da atenção à saúde. In: KEINERT, Tânia Margarete Mezzomo; PAULA, Sílvia Helena Bastos de; BONFIM, José Ruben de Alcântara (orgs.). As ações judiciais no SUS e a promoção do direito à saúde. São Paulo: Instituto de Saúde, 2009. p. 63-72.) destaca que o conceito de integralidade não pode ser confundido com o direito a qualquer procedimento terapêutico existente. A autora descreve condições e limitações relativas:

  1. à obrigatoriedade de ingresso do paciente em serviços e programas do SUS, submetendo-se a regras de acesso e de atendimento público;

  2. à disponibilidade de recursos orçamentários para o financiamento de ações e serviços de saúde, conforme determinado pela Emenda Constitucional n. 29/2000 (BRASIL, 2000BRASIL. Emenda Constitucional n. 29, de 13 de setembro de 2000. Altera os arts. 34, 35, 156, 160, 167 e 198 da Constituição Federal e acrescenta artigo ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para assegurar os recursos mínimos para o financiamento das ações e serviços públicos de saúde. Brasília: Presidência da República, 2000. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc29.htm . Acesso em: 5 out. 2023.
    https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/co...
    );

  3. à observância de padrões definidos em protocolos assistenciais e incorporação de tecnologias;

  4. ao respeito ao planejamento elaborado a partir de dados epidemiológicos.

Mapelli Júnior (2017MAPELLI JÚNIOR, Reynaldo. Judicialização da saúde: regime jurídico do SUS e intervenção na Administração Pública. Rio de Janeiro: Atheneu, 2017.) também enfatiza que eventual decisão judicial que determinar o fornecimento de medicamentos deverá observar requisitos mínimos, tais como:

  1. previsão do medicamento e de alternativa terapêutica nos programas de assistência farmacêutica do SUS;

  2. pertinência da prescrição no tratamento de paciente, com base em evidências científicas;

  3. reconhecimento da segurança e da eficácia do produto, mediante registro da Anvisa;

  4. observância do princípio ativo prescrito.

Do mesmo modo, para o setor privado, a Lei n. 14.454/2022 determina que, em caso de ausência de previsão expressa no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar, o tratamento prescrito deverá ter sua cobertura autorizada pela operadora de planos privados caso exista:

  1. comprovação de eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico;

  2. recomendação pela Conitec ou por outro órgão de avaliação de tecnologias em saúde de renome internacional.

1.1.3. Orientações jurisprudenciais e enunciados das Jornadas de Direito da Saúde do CNJ

As ações judiciais que têm como objeto o fornecimento de medicações de alto custo ainda não incorporadas à Relação Nacional de Medicamentos Essenciais do SUS ou ao Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar têm crescido vertiginosamente no país, e representam enorme desafio para os operadores do direito. Por esse motivo, o tema vem sendo exaustivamente discutido pelos tribunais e pelo CNJ. Desse modo, inúmeras orientações jurisprudenciais e enunciados têm sido produzidos, como forma de nortear e uniformizar as decisões judiciais, além de garantir maior racionalidade ao sistema.

De fato, a ausência de padronização de determinado medicamento não constitui absoluto óbice ao seu fornecimento, considerando a atual compreensão da matéria pelos magistrados e pelos tribunais, a partir da inteligência do art. 196 da Constituição (BRASIL, 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Presidência da República, 1988. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm . Acesso em: 21 set. 2023.
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). De todo modo, reconhece-se a necessidade de verificação de certos requisitos e parâmetros, no caso concreto, para a formação do livre convencimento do juiz.

Nesse contexto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou, durante julgamento de Embargos de Declaração (EDcl) no Recurso Especial (REsp) n. 1.657.156 (BRASIL, 2018aBRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Declaração no Recurso Especial n. 1.657.156, Rio de Janeiro. Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgamento em 25 abr. 2018a. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, 21 set. 2018.), o Tema n. 106, com o objetivo de orientar o encaminhamento dessas demandas. Assim, a tese definida aponta para a exigência concomitante de três requisitos para a concessão de medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS:

  1. comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;

  2. incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito;

  3. existência de registro do medicamento na Anvisa, observados os usos autorizados pela agência.

O primeiro requisito trata da necessidade de determinado medicamento, demonstrada por meio de relatório emitido pelo médico assistente. De acordo com o Enunciado n. 32 da III Jornada de Direito da Saúde do CNJ, a petição inicial das demandas de saúde também deverá ser instruída com todos os documentos relacionados com o diagnóstico do paciente e com o tratamento a ele prescrito (BRASIL, 2019aBRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Enunciados da I, II e III Jornadas de Direito da Saúde do Conselho Nacional de Justiça. Brasília: Conselho Nacional de Justiça, 2019a. Disponível em: Disponível em: https://www.cnj.jus.br/iii-jornada-de-direito-da-saude-aprova-35-novos-enunciados . Acesso em: 30 set 2021.
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). Além disso, os Enunciados n. 12 e 59 reforçam a necessidade de demonstração, no caso concreto, da inefetividade ou da insegurança dos tratamentos disponíveis no SUS e introduzem a exigência de uma fundamentação mais robusta, por meio de Medicina Baseada em Evidências (MBE), para o tratamento alternativo proposto (BRASIL, 2019aBRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Enunciados da I, II e III Jornadas de Direito da Saúde do Conselho Nacional de Justiça. Brasília: Conselho Nacional de Justiça, 2019a. Disponível em: Disponível em: https://www.cnj.jus.br/iii-jornada-de-direito-da-saude-aprova-35-novos-enunciados . Acesso em: 30 set 2021.
https://www.cnj.jus.br/iii-jornada-de-di...
).

Nesse contexto, o ministro Gilmar Mendes destacou, durante julgamento do Agravo Regimental na Suspensão de Tutela Antecipada (STA-AgR) n. 175, a primazia do tratamento oferecido, originariamente, pelo SUS, na ausência de comprovação de sua inutilidade para o caso concreto (BRASIL, 2010aBRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental na Suspensão de Tutela Antecipada n. 175, Ceará. Rel. Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgamento em 17 mar. 2010. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, 30 abr. 2010.). Ademais, o ministro enfatizou a importância de ampla instrução probatória para confirmar eventual omissão administrativa e proceder à concessão da demanda ajuizada para o fornecimento de medicamentos.

Nesse mesmo sentido, o Enunciado n. 96 da III Jornada de Direito da Saúde do CNJ destaca a inviabilidade de impetração de mandado de segurança em matéria de saúde pública quando o medicamento não constar em lista ou protocolo do SUS (BRASIL, 2019aBRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Enunciados da I, II e III Jornadas de Direito da Saúde do Conselho Nacional de Justiça. Brasília: Conselho Nacional de Justiça, 2019a. Disponível em: Disponível em: https://www.cnj.jus.br/iii-jornada-de-direito-da-saude-aprova-35-novos-enunciados . Acesso em: 30 set 2021.
https://www.cnj.jus.br/iii-jornada-de-di...
). De fato, havendo a necessidade de produção de provas em contraditório, não restará configurada a existência de direito líquido e certo ao fornecimento. Nesse cenário, Carvalho (2010CARVALHO, André Castro. O impacto orçamentário da atuação do Poder Judiciário nas tutelas concessivas de medicamentos. In: AMARAL JÚNIOR, José Levi Mello do (coord.). Estado de Direito e ativismo judicial. São Paulo: Quartier Latin, 2010. p. 13-45.) defende a realização de uma perícia técnica inicial para comprovar a existência de risco iminente à saúde e para determinar se o medicamento prescrito é realmente imprescindível para a subsistência de uma vida digna do paciente-autor.

O segundo elemento apresentado no Tema n. 106 do STJ refere-se à incapacidade financeira do paciente em arcar com os custos decorrentes do tratamento prescrito (BRASIL, 2018aBRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Declaração no Recurso Especial n. 1.657.156, Rio de Janeiro. Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgamento em 25 abr. 2018a. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, 21 set. 2018.). Trata-se, pois, de obrigação estatal de assegurar às pessoas carentes o acesso aos meios terapêuticos necessários para a cura, para o controle ou para a mitigação de suas enfermidades, particularmente aquelas mais graves. Nesse sentido, o ministro Celso de Mello destacou, por ocasião do julgamento de AgR no Recurso Extraordinário (RE) n. 393.175 (BRASIL, 2007aBRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n. 393.175, Rio Grande do Sul. Rel. Ministro Celso de Mello, Segunda Turma, julgamento em 12 dez. 2006. Diário da Justiça, Brasília, 2 fev. 2007a., p. 140), que a distribuição gratuita de medicamentos essenciais à preservação da vida e da saúde para as pessoas desprovidas de recursos consiste em um dever do Estado para garantir a efetividade dos preceitos fundamentais da Constituição.

O terceiro requisito descrito no Tema n. 106 do STJ corresponde à exigência de registro do medicamento pleiteado na Anvisa. Já o Tema n. 500 do Supremo Tribunal Federal (STF), fixado no julgamento do RE n. 657.718, prevê que a ausência de registro impede, como regra geral, o fornecimento de medicamento por decisão judicial. Esse último critério admite exceção: em caso de desproporcional mora da agência reguladora em apreciar o pedido, sobretudo quando já autorizada a comercialização do produto por renomadas agências estrangeiras e na ausência de substituto terapêutico registrado no Brasil, a concessão judicial poderá ser admitida (BRASIL, 2020aBRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 657.718, Minas Gerais. Rel. Ministro Roberto Barroso, Tribunal Pleno, julgamento em 22 maio 2019. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, 9 nov. 2020a.). De todo modo, é imprescindível destacar que, para doenças raras, principais destinatárias das demandas judiciais envolvendo o medicamento eculizumab, a lei pode dispensar a exigência de mora da autoridade sanitária ou de pedido de registro no país para a concessão judicial.

Nesse contexto, o recente julgamento paradigmático do RE n. 566.471, pelo STF, deverá nortear a tendência jurisprudencial em admitir que, em regra, o Estado também não está obrigado a dispensar medicamento não constante de lista do SUS. Nesse cenário, a fixação do Tema n. 6 (BRASIL, 2020bBRASIL. Recurso Extraordinário n. 566.471, Rio Grande do Norte. Rel. Ministro Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julgamento em 11 mar. 2020. Diário da Justiça Eletrônico, 19 set. 2020b.) da repercussão geral, ainda em discussão no colegiado, deverá oferecer critérios para a concessão judicial de medicamentos não padronizados. No entanto, as propostas já formuladas pelos ministros Marco Aurélio Mello, Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso ainda apresentam significativas dessemelhanças entre si.

De fato, na redação proposta pelo ministro Marco Aurélio Mello, o reconhecimento do direito individual ao fornecimento de medicamento de alto custo não incluído na Política Nacional de Atenção Farmacêutica exige a demonstração concomitante de três elementos primordiais: a imprescindibilidade (adequação e necessidade) da droga prescrita, a impossibilidade de substituição e a incapacidade financeira do paciente e de seus familiares para suportar os custos decorrentes da aquisição. No relatório, o ministro destaca a convergência desses requisitos em torno do núcleo semântico de mínimo existencial, de modo que a presença cumulativa de tais elementos autoriza a concessão judicial de medicamento não incorporado.

Os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso também apontaram critérios adicionais, como a adoção de fundamentação em MBE e a ausência de indeferimento expresso por parte dos órgãos competentes para a avaliação e a incorporação de tecnologias em saúde. Nesse mesmo sentido, apontam os Enunciados n. 57 e 103 da III Jornada de Direito da Saúde do CNJ. Esses enunciados recomendam a análise dos pareceres técnicos da Conitec a fim de auxiliarem na prolação de decisão.

Ademais, para os casos em que a sentença judicial é considerada procedente, é recomendável a renovação periódica do relatório circunstanciado e da prescrição médica, além da matrícula do paciente em um serviço público de saúde, para a continuidade do fornecimento do medicamento. De fato, a concessão do fármaco não possui prazo certo, devendo ocorrer durante o tempo necessário ao tratamento, tal como apontam o REsp n. 878.055/RJ (BRASIL, 2006BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 878.055, Rio de Janeiro. Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgamento em 24 out. 2006. Diário da Justiça, Brasília, 7 nov. 2006., p. 292) e o Enunciado n. 2 da III Jornada de Direito da Saúde do CNJ (BRASIL, 2019aBRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Enunciados da I, II e III Jornadas de Direito da Saúde do Conselho Nacional de Justiça. Brasília: Conselho Nacional de Justiça, 2019a. Disponível em: Disponível em: https://www.cnj.jus.br/iii-jornada-de-direito-da-saude-aprova-35-novos-enunciados . Acesso em: 30 set 2021.
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). O objetivo dessa medida é promover a ininterrupta avaliação de eficácia, durante todo o período de tratamento, mitigando as perdas decorrentes de eventual descontinuidade terapêutica ou de redução na resposta ao fármaco. Já a exigência de matrícula e de acompanhamento do paciente por um médico vinculado ao SUS decorre da necessidade de submissão aos procedimentos e protocolos definidos para o atendimento público, de acordo com os princípios doutrinários e organizativos do sistema.

Finalmente, no que tange à atenção à saúde prestada por entes privados, o STJ emitiu a Súmula 608 (BRASIL, 2018bBRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 608. Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão. Brasília: STJ, 2018b. Disponível em: Disponível em: https://www.stj.jus.br/internet_docs/biblioteca/clippinglegislacao/Sumula_608_2018_segunda_secao.pdf . Acesso em: 5 out. 2023.
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), determinando a aplicação do CDC às controvérsias originadas da relação entre beneficiários e operadoras de saúde, com exceção de planos administrados por entidades de autogestão. O colegiado também fixou o Tema n. 990, durante o julgamento do REsp n. 1.726.563/SP, desobrigando as operadoras de planos do fornecimento de medicamentos não registrados pela Anvisa (BRASIL, 2018cBRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.726.563, São Paulo. Rel. Ministro Moura Ribeiro, Segunda Seção, julgamento em 26 nov. 2018. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, 26 nov. 2018c.).

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) entende que, havendo expressa indicação médica, a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento de não estar previsto no rol de procedimentos da ANS deverá ser considerada abusiva (Súmula 102 [SÃO PAULO, 2013SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Súmula 102. Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS. São Paulo: TJSP, 2013.]). Contudo, ainda que a redação do Enunciado n. 21 do CNJ (BRASIL, 2019aBRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Enunciados da I, II e III Jornadas de Direito da Saúde do Conselho Nacional de Justiça. Brasília: Conselho Nacional de Justiça, 2019a. Disponível em: Disponível em: https://www.cnj.jus.br/iii-jornada-de-direito-da-saude-aprova-35-novos-enunciados . Acesso em: 30 set 2021.
https://www.cnj.jus.br/iii-jornada-de-di...
) estabeleça que o rol de procedimentos deva ser considerado um referencial mínimo de cobertura, e não uma lista exaustiva, a entidade preconiza a consulta à ANS sempre que a demanda tratar de cobertura contratual.

Nesse contexto, o STJ reconheceu, no ano de 2022, em questionamento suscitado por ocasião do julgamento dos embargos de divergência em REsp n. 1.866.929/SP (BRASIL, 2022bBRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Divergência no Recurso Especial n. 1.866.929, São Paulo. Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgamento em 14 jun. 2022. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, 3 ago. 2022b.) e 1.889.704/SP (BRASIL, 2022cBRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Divergência no Recurso Especial n. 1.889.704, São Paulo. Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Seção, julgamento em 8 jun. 2022. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, 3 ago. 2022c.), que o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar é, em regra, taxativo, de modo que a operadora não pode ser obrigada a arcar com tratamento não constante da lista caso já exista outro procedimento eficaz, efetivo e seguro incorporado. A decisão destacou também a possibilidade de contratação de cobertura ampliada ou de celebração de aditivo para a cobertura de procedimento extrarrol. De todo modo, o colegiado fixou parâmetros para mitigação e cobertura excepcional, uma vez esgotados os procedimentos previstos no rol e/ou na ausência de substitutos terapêuticos, tais como: (i) ausência de indeferimento prévio e expresso pela ANS para a incorporação; (ii) comprovação de eficácia do tratamento à luz da MBE; (iii) recomendações de órgãos técnicos nacionais e internacionais de renome; e (iv) realização de diálogo interinstitucional com entes de expertise técnica na área da saúde.

1.2. Metodologia

Trata-se de um estudo de caso que tem por objetivo explorar o fenômeno da “judicialização da saúde” no Brasil a partir da perspectiva de decisões judiciais envolvendo o fornecimento do medicamento eculizumab (Soliris®). A seleção desse medicamento para o estudo ocorreu em razão de seu elevadíssimo impacto financeiro individual, de sua relativa frequência em demandas judiciais e da ausência de incorporação no rol de procedimentos da ANS e na Relação de Medicamentos Essenciais do SUS para diversos diagnósticos.

Nesse cenário, Caetano et al. (2020CAETANO, Rosângela et al. O caso do eculizumabe: judicialização e compras pelo Ministério da Saúde. Revista de Saúde Pública (On-line), São Paulo, v. 54, n. 22, 2020. Disponível em: http://doi.org/10.11606/s1518-8787.2020054001693. Acesso em: 30 set. 2021.
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) destacam que o medicamento eculizumab corresponde a um anticorpo monoclonal de alto custo utilizado no tratamento de doenças raras, como a HPN e a SHUa. Essas doenças, que acometem pacientes adultos e pediátricos, caracterizam-se por curso clínico altamente variável e podem determinar a ocorrência de anemia hemolítica, de fenômenos tromboembólicos e de danos renais progressivos. Ambas as doenças são consideradas raras, uma vez que acometem até 65 pessoas em cada 100.000 indivíduos (CAETANO et al., 2020CAETANO, Rosângela et al. O caso do eculizumabe: judicialização e compras pelo Ministério da Saúde. Revista de Saúde Pública (On-line), São Paulo, v. 54, n. 22, 2020. Disponível em: http://doi.org/10.11606/s1518-8787.2020054001693. Acesso em: 30 set. 2021.
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).

O estudo conduzido por Caetano et al. (2020CAETANO, Rosângela et al. O caso do eculizumabe: judicialização e compras pelo Ministério da Saúde. Revista de Saúde Pública (On-line), São Paulo, v. 54, n. 22, 2020. Disponível em: http://doi.org/10.11606/s1518-8787.2020054001693. Acesso em: 30 set. 2021.
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) examinou as aquisições da medicação, efetuadas por órgãos federais, entre os anos de 2007 e 2018. Na ocasião, todas as compras registradas de eculizumab ocorreram para o atendimento de demandas judiciais, fora do ambiente competitivo. No ano de 2016, as compras judiciais de eculizumab totalizaram mais de 600 milhões de reais, com o objetivo de fornecer tratamento a cerca de 350 pacientes, e representaram 41,2% dos recursos financeiros envolvidos com a judicialização de medicamentos em âmbito da União (CAETANO et al., 2020CAETANO, Rosângela et al. O caso do eculizumabe: judicialização e compras pelo Ministério da Saúde. Revista de Saúde Pública (On-line), São Paulo, v. 54, n. 22, 2020. Disponível em: http://doi.org/10.11606/s1518-8787.2020054001693. Acesso em: 30 set. 2021.
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).

Caetano et al. (2020CAETANO, Rosângela et al. O caso do eculizumabe: judicialização e compras pelo Ministério da Saúde. Revista de Saúde Pública (On-line), São Paulo, v. 54, n. 22, 2020. Disponível em: http://doi.org/10.11606/s1518-8787.2020054001693. Acesso em: 30 set. 2021.
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) ressaltaram, ainda, que o registro do medicamento para HPN pela Food and Drug Administration (FDA) e pela European Medicines Agency (EMA) ocorreu em 2007. No entanto, ainda que o fornecimento de eculizumab tenha sido objeto de diversas ações judiciais no Brasil, a empresa apenas solicitou o seu registro sanitário no país em 2015, ano em que o prazo de proteção patentária expirava. De fato, a ausência de registro pela Anvisa, na ocasião, inviabilizava o estabelecimento de um preço máximo de venda para o governo e a submissão do fármaco para avaliação de custo-efetividade pela Conitec.

Diante desse cenário, os autores também destacaram a existência de inúmeros exemplos de utilização do litígio como estratégia de acesso a medicamentos sem registro sanitário:

[...] Evidências sugerem que empresas farmacêuticas podem usar de relações com grupos de defesa dos pacientes e profissionais de saúde para expandir a participação de mercado pela judicialização, terminando por forçar a incorporação do medicamento no sistema de saúde. (CAETANO et al., 2020CAETANO, Rosângela et al. O caso do eculizumabe: judicialização e compras pelo Ministério da Saúde. Revista de Saúde Pública (On-line), São Paulo, v. 54, n. 22, 2020. Disponível em: http://doi.org/10.11606/s1518-8787.2020054001693. Acesso em: 30 set. 2021.
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)

De fato, Simabuku et al. (2018SIMABUKU, Eliete Maia et al. The Impact of Judicialization of Eculizumab on the Budget of Brazilian Health System. Value in Health, Lawrenceville, v. 21, supl. 1, S250, 2018.) avaliaram as ações judiciais que demandaram o fornecimento do medicamento eculizumab ao Ministério da Saúde no período de 2010 a 2016 e identificaram que um único escritório de advocacia se apresentou como responsável pelo patrocínio de cerca de 70% das causas. Ademais, a proporção de prescrições originárias de médicos particulares mostrou-se similar à de indicações efetuadas por profissionais vinculados a serviços públicos de saúde.

Nesse contexto, a primeira etapa do presente estudo consistiu na identificação e na análise do referencial normativo pertinente ao tema. Nesse sentido, destacaram-se dispositivos constitucionais, atos normativos primários e secundários, decisões de tribunais superiores e enunciados elaborados pelo CNJ a respeito de demandas judiciais envolvendo o direito à saúde. A partir desse exame, identificaram-se elementos a serem considerados para a aferição de adequação das decisões judiciais.

Nesse sentido, o estudo avaliou as ações judiciais, decididas em primeira instância, envolvendo o fornecimento do medicamento eculizumab, independentemente da data de publicação da sentença. Não foram incluídas, nesse universo, as decisões de caráter provisório, uma vez que as informações sobre concessão de tutela de urgência já constavam de todas as sentenças analisadas. As informações e os dados estatísticos foram produzidos a partir de revisão das decisões disponíveis no sítio eletrônico do TJSP.

O presente artigo concentrou-se, fundamentalmente, na análise de ações decididas em primeiro grau de jurisdição. Tal juízo corresponde ao ponto inicial de contato com o Poder Judiciário, sendo, frequentemente, submetido a um elevado volume de processos judiciais, sob os mais diversos aspectos da sociedade e diferentes níveis de urgência. A esse fato, adiciona-se o impacto das convicções individuais dos magistrados que, monocraticamente, emitem sentenças sobre temas tão sensíveis como saúde e acesso a medicamentos. Ademais, considerando a relativa atualidade do uso da medicação eculizumab e o decurso de tempo entre sentença, eventual ingresso de recurso e emissão do consequente acórdão, não foram avaliadas, nesse momento, as decisões em segundo grau. De todo modo, recomenda-se, em investigações futuras, proceder a essa análise, uma vez que alguns trabalhos demonstram efeitos dissonantes dos fatores analisados, de acordo com a instância julgadora (WANG et al., 2020WANG, Daniel et al. Health Technology Assessment and Judicial Deference to Priority Setting Decisions in Healthcare: Quasi-experimental Analysis of Right-to-health Litigation in Brazil. Social Science and Medicine, [s.l.], v. 265, 113401, 2020.).

A pesquisa foi realizada mediante consulta ao banco de sentenças do tribunal.1 1 Disponível em: http://esaj.tjsp.jus.br/cjpg/. A estratégia de busca empregou as palavras-chave “eculizumab” ou “eculizumabe” ou “soliris”, em pesquisa livre e ordenada por data crescente de publicação da sentença. A data inicial de publicação da sentença foi definida como 1o de janeiro de 2010 e a data final selecionada foi 31 de agosto de 2021.

Na sequência, procedeu-se à leitura integral de todas as sentenças localizadas na busca, de modo a identificar as ações judiciais que, efetivamente, correspondiam ao fornecimento do medicamento objeto deste artigo. As sentenças que atenderam aos critérios de inclusão foram consolidadas para a elaboração de um banco de dados contendo informações gerais.

Também foi produzida uma lista de verificação a respeito do ajustamento da decisão judicial em relação a orientações jurisprudenciais, súmulas editadas pelos tribunais superiores e enunciados elaborados pelo CNJ. É necessário mencionar, conforme demonstrado anteriormente, que ainda existem entendimentos diversos sobre o tema, de modo que os critérios selecionados não podem ser considerados integralmente aceitos sem ressalvas.

De todo modo, procurou-se localizar nas sentenças a evidência dos elementos sugeridos para a formação do livre convencimento do juiz de direito:

  1. registro do medicamento pela Anvisa;

  2. incorporação do medicamento para a fonte pagadora e para o diagnóstico do paciente;

  3. relatório médico atestando a ineficácia, a inefetividade e/ou a insegurança dos tratamentos atualmente padronizados para a fonte pagadora;

  4. consulta a órgãos de análise técnica (como a Conitec e o Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário) e/ou uso das melhores evidências científicas disponíveis a respeito da indicação do medicamento no caso concreto;

  5. comprovação da incapacidade financeira do paciente para a aquisição do medicamento prescrito, em demandas de fornecimento dirigidas a entes públicos;

  6. checagem, pelo magistrado, do seguimento do paciente em um serviço público de saúde, em demandas de fornecimento direcionadas a entes públicos;

  7. exigência de renovação periódica de relatório circunstanciado e de prescrição médica para continuidade do fornecimento do medicamento.

Essas informações foram consolidadas e resumidas mediante cálculos de frequência absoluta e relativa utilizando o software Microsoft Excel®. A apresentação dos resultados ocorreu por meio de tabelas explicativas.

Também se verificou o impacto de decisões regulatórias no perfil das demandas judiciais e nas sentenças proferidas. Desse modo, a data de ocorrência de três importantes marcos temporais foi selecionada para a aferição de possíveis mudanças de tendência nas decisões judiciais:

  1. registro sanitário do medicamento pela Anvisa em 13 de março de 2017;

  2. parecer favorável para a incorporação do medicamento no SUS, para o diagnóstico de HPN, em 14 de dezembro de 2018;

  3. parecer desfavorável para a incorporação do medicamento no SUS, para o diagnóstico de SHUa, em 18 de novembro de 2019.

A Conitec recomendou a incorporação de eculizumab para o tratamento de pacientes com HPN hemolítica com alta atividade da doença, mediante condicionantes como uso ad experimentum (reavaliação em três anos), restrito a hospitais da Rede Nacional de Pesquisa Clínica, após negociação para redução significante de preço. O relatório destacou que a qualidade das evidências disponíveis na literatura acerca da eficácia e da efetividade do medicamento podia ser considerada entre fraca a moderada. Entretanto, a Conitec recomendou a não incorporação de eculizumab para o tratamento de pacientes com SHUa. O relatório de rejeição destacou a incerteza sobre a eficácia e a efetividade da medicação para o diagnóstico, além da elevada frequência de reações adversas graves.

Por fim, outra estratégia de pesquisa utilizada neste artigo correspondeu à seleção e à transcrição de trechos elucidativos e exemplares das sentenças analisadas, com o objetivo de apoiar a composição de um panorama sobre o perfil das decisões judiciais envolvendo o fornecimento de medicamentos, delinear o contexto real de tomada de decisão e promover o embasamento da discussão a partir de situações concretas vivenciadas pelos magistrados.

Entre as limitações deste artigo, destaca-se a concentração da análise em ações judiciais relativas a um único medicamento de alto custo (eculizumab) em uma mesma unidade da federação (estado de São Paulo). Ademais, a avaliação conduzida restringiu-se à sentença judicial publicada, sem maior aprofundamento mediante demais peças processuais ou documentos probatórios não mencionados na decisão. Além disso, como o objetivo era compreender o processo decisório envolvendo magistrados de primeira instância, não se examinaram eventuais reformas ou anulações de decisão por instâncias superiores.

1.3. Resultados

A busca eletrônica identificou 83 sentenças judiciais que contêm as palavras-chave “eculizumab”, “eculizumabe” ou “soliris”; 54 delas corresponderam a pedidos para o fornecimento do medicamento objeto deste artigo.

A Tabela 1, a seguir, apresenta um panorama dessas ações judiciais e a correspondente distribuição por ano de sentença, competência, classe da ação, polo passivo no processo, diagnóstico do paciente e decisão envolvendo a concessão de tutela de urgência e a procedência do pedido de fornecimento de medicação.

Tabela 1 -
Panorama das ações judiciais relativas ao fornecimento de eculizumab

Verificou-se maior concentração das ações judiciais nos anos iniciais de comercialização do medicamento no mercado externo. Averiguou-se nova tendência de aumento no número de demandas após o registro sanitário do medicamento pela Anvisa, em 2017. A maior parte das ações foi ajuizada na comarca de São Paulo (83%), tendo como principal polo passivo do processo uma pessoa jurídica de direito interno (85%).

Cerca de dois terços das ações utilizaram o remédio constitucional do mandado de segurança. Os diagnósticos mais frequentemente envolvidos no pedido de fornecimento foram a HPN (65%) e a SHUa (13%). Deve-se destacar que em cerca de um quinto das sentenças judiciais não houve nenhuma menção ao diagnóstico do paciente. Por fim, a maior parte dos casos resultou em concessão da tutela de urgência (78%) e em procedência do pedido em primeira instância (74%). É interessante mencionar também que a maior parte das decisões de caráter provisório foi confirmada no momento de prolação da sentença (89%).

Nesse contexto, as Tabelas 2 e 3 demonstram características consolidadas das decisões judiciais relacionadas, respectivamente, a operadoras de planos de saúde e a pessoas jurídicas de direito interno. É interessante destacar, em ambas as situações, a expressiva participação proporcional de concessão de tutelas de urgência e de procedência do pedido de fornecimento de medicamento nas sentenças prolatadas.

Tabela 2 -
Panorama consolidado das decisões judiciais envolvendo a saúde suplementar
Tabela 3 -
Panorama consolidado das decisões judiciais envolvendo o setor público

Em relação às ações envolvendo a saúde suplementar, a principal modalidade de operadora de planos demandada correspondeu à seguradora (38%). Os principais embasamentos técnicos para a sentença corresponderam à abusividade da negativa de cobertura em caso de expressa indicação médica (100%), à aplicação do CDC aos contratos de planos de saúde (50%) e à ausência de exaustividade na cobertura prevista no rol de procedimentos aprovado pela ANS (38%).

No que tange às ações envolvendo o setor público de saúde, o estado de São Paulo figurou como único requerido em 85% dos casos. O pedido foi considerado procedente em 70% das ações, de modo que os principais fundamentos mobilizados em tais sentenças foram o direito fundamental à saúde e o dever prestacional do estado (88%), a primazia do direito à vida (41%), a existência de solidariedade entre os entes federativos (41%) e a ausência de violação ao princípio da separação dos poderes na concretização desses direitos (22%). Entretanto, o pedido foi considerado improcedente em 30% das ações, sobretudo diante do argumento de riscos relativos à segurança e à efetividade do medicamento, em período prévio ao registro sanitário pela Anvisa (86%).

As Tabelas 4 e 5 demonstram a adequação das decisões judiciais quanto à verificação de requisitos selecionados em orientações jurisprudenciais e enunciados redigidos pelo CNJ. A Tabela 4 apresenta componentes de aferição em qualquer tipo de demanda, ao passo que a Tabela 5 elenca elementos específicos relacionados ao fornecimento de medicamentos pelo setor público.

Tabela 4 -
Itens de verificação sugeridos para a formação do livre convencimento do juiz
Tabela 5 -
Itens de verificação sugeridos para a formação do livre convencimento do juiz em demandas relativas ao setor público de saúde

Em linhas gerais, a maior parte das decisões judiciais menciona a checagem do registro da droga pela Anvisa (85%) e reconhece a incapacidade financeira do paciente em arcar com os elevados custos do tratamento (80%). Apesar da expressiva menção à observação de hipossuficiência econômica nas decisões, não se verificou nenhuma sentença em que a capacidade financeira do autor tenha desobrigado o Poder Público do fornecimento.

A checagem da incorporação do medicamento para a fonte pagadora e para o diagnóstico (43%) mostrou-se um desafio entre os magistrados. Além disso, a comprovação de inutilidade dos medicamentos atualmente padronizados, para o caso concreto, não pareceu ser relevante exigência para a maior parte das sentenças judiciais analisadas. Ademais, a consulta a órgãos técnicos especiais e o embasamento das decisões nas melhores evidências científicas disponíveis mostraram-se bastante fragilizados. Além disso, a maior parte das decisões judiciais também dispensou a reavaliação recorrente do fornecimento, mediante renovação periódica do relatório circunstanciado e da prescrição médica, e o acompanhamento frequente do paciente em um serviço público de saúde.

A Tabela 6 mostra as principais mudanças ocorridas após o registro da medicação na Anvisa, em 13 de março de 2017. A tabela demonstra a ocorrência de maior dispersão das demandas judiciais entre os municípios do estado de São Paulo, em comparação à concentração anterior na comarca da capital, após o registro do medicamento eculizumab na Anvisa. Também se verificou, no período mais recente, alteração no perfil de classe das ações judiciais, de modo que a primazia do mandado de segurança foi substituída por maior predileção para a ação de rito comum. Ademais, com o registro sanitário, a procedência dos pedidos de fornecimento do medicamento eculizumab apresentou substancial incremento, saltando de 63% para 95%.

Tabela 6 -
Perfil das demandas judiciais prévia e posteriormente ao registro na Anvisa

Também foi analisada a evolução das demandas judiciais envolvendo a medicação eculizumab especificamente para os 35 pacientes com o diagnóstico de HPN que ingressaram com ações judiciais contra o estado ou contra operadoras de planos de saúde (Tabela 7). Das sentenças analisadas, 30 delas ocorreram previamente ao parecer favorável à incorporação do medicamento pela Conitec e as outras cinco sobrevieram em cenário posterior à inclusão. Nesse contexto, foi possível observar que a proporção de procedência dos pedidos passou de 63% para 100% após a introdução do fármaco nas listas do SUS para o diagnóstico. De todo modo, das 11 sentenças que declararam a improcedência do pedido, apenas uma ocorreu após o registro sanitário (9%), sugerindo possível papel preponderante desse registro, em comparação à incorporação do medicamento, para a decisão judicial.

Tabela 7 -
Perfil das demandas judiciais prévia e posteriormente aos pareceres de incorporação de tecnologia da Conitec, por diagnóstico

Por fim, avaliou-se a evolução das demandas judiciais envolvendo a medicação eculizumab (Tabela 7) especificamente para os sete pacientes com o diagnóstico de SHUa que ingressaram com ações judiciais contra o estado ou contra operadoras de planos de saúde. É interessante observar que, mesmo após a apreciação colegiada e a decisão de não incorporação pela Conitec para o diagnóstico, o percentual de procedência dos pedidos de fornecimento do medicamento eculizumab permaneceu sendo da ordem de 100% (quatro sentenças).

1.4. Discussão

Os resultados deste estudo de caso evidenciaram interessante padrão nas sentenças judiciais proferidas em primeira instância a respeito de pedidos de fornecimento do medicamento de alto custo eculizumab. Observaram-se dois períodos de mais intenso processo de judicialização: entre os anos de 2010 e 2012, período inicial de comercialização do produto no mercado externo, e, após o ano de 2017, momento em que ocorreu o registro sanitário do medicamento pela Anvisa. Verificou-se concentração das demandas na comarca da capital, tendo como polo passivo preferencial o estado de São Paulo. Constatou-se, ainda, o uso predominante do mandado de segurança como remédio constitucional em tais ações.

De fato, os resultados do presente estudo mostraram-se compatíveis com conclusões de outras pesquisas conduzidas, anteriormente, no país. Nesse cenário, Naffah Filho, Chieffi e Correa (2010NAFFAH FILHO, Michel; CHIEFFI, Ana Luiza; CORREA, Maria Cecília M. M. A. S-Codes: um novo sistema de informações sobre ações judiciais da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. Boletim Epidemiológico Paulista, São Paulo, v. 7, n. 84, p. 18-30, 2010.) também identificaram como principais características no crescente processo de judicialização da saúde no estado de São Paulo, entre outras:

  1. predomínio de rito ordinário e de mandado de segurança nas ações judiciais;

  2. expressiva participação das unidades de atendimento privado na origem das prescrições;

  3. concentração em determinados municípios paulistas.

Machado (2010MACHADO, Marina Amaral de Ávila et al. Judicialização do acesso a medicamentos no Estado de Minas Gerais, Brasil. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 45, n. 3, p. 590-598, 2011.), em revisão envolvendo ações individuais para o fornecimento de medicações no estado de Minas Gerais, identificou que grande parte das prescrições juntadas aos processos judiciais tinha origem em estabelecimentos privados de saúde. Além disso, proporção significativa das demandas foi ajuizada na capital do estado, visando à concessão de medicamentos imunossupressores de elevado custo de aquisição. Nesse mesmo sentido, Borges e Ugá (2010BORGES, Danielle da Costa Leite; UGÁ, Maria Alicia Dominguez. Conflitos e impasses da judicialização na obtenção de medicamentos: as decisões de 1a instância nas ações individuais contra o Estado do Rio de Janeiro, Brasil, em 2005. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 26, n. 1, p. 59-69, 2010.) verificaram que, normalmente, os pedidos para fornecimento de medicamentos no estado do Rio de Janeiro continham uma providência em caráter de urgência (liminar ou antecipação de tutela), fundamentada no dever estatal e no direito à saúde.

Diante de tais observações, é interessante rememorar a orientação a respeito da inviabilidade de impetração de mandado de segurança em matéria de saúde pública quando o medicamento não consta em lista do SUS. Com efeito, a configuração de direito ao fornecimento de eculizumab exige a produção de prova pericial, em contraditório, a fim de demonstrar a existência da doença, a necessidade do medicamento prescrito e a impossibilidade de substituição por outro remédio já fornecido pela rede pública. Evidentemente, tais exigências afiguram-se incompatíveis com o remédio constitucional mais utilizado nas demandas judiciais para o fornecimento de eculizumab.

Apesar disso, verificou-se que proporção significativa das decisões prolatadas ignorou a necessidade de comprovação da adequação e da necessidade do medicamento, bem como da relevância da demonstração de ineficácia dos fármacos fornecidos pelo SUS. Tal cuidado seria fundamental para desestimular a produção padronizada de petições iniciais, contestações e sentenças que, frequentemente, não apreciam as especificidades do caso concreto analisado. Ademais, tratando-se de medicação com elevado custo de aquisição para os cofres públicos, a aplicação racional dos escassos recursos exige muita responsabilidade e diligência de todos os atores envolvidos no processo.

Os resultados do estudo também evidenciaram maior preocupação dos juízes de direito em checar a existência do registro sanitário do medicamento pleiteado na Anvisa e em reconhecer a incapacidade financeira do paciente para arcar com os custos do tratamento. Esses dois requisitos, descritos no Tema n. 106 do STJ, aparentaram ser os elementos mais associados à procedência ou à improcedência dos pedidos de fornecimento de eculizumab. De fato, grande parte das sentenças analisadas mencionou esses dois aspectos em suas conclusões. De todo modo, apesar da maciça referência à observação de hipossuficiência econômica nas decisões, não se verificou nenhuma sentença em que a capacidade financeira do autor tenha desobrigado o Poder Público do fornecimento. Entretanto, nas decisões que declararam a improcedência do pedido, o fundamento de decisão mais frequente (86%) correspondeu à constatação de riscos relativos à segurança e à efetividade do medicamento em período prévio ao registro sanitário no país.

Nesse contexto, o presente artigo foi capaz de capturar interessante modificação na compreensão do direito e dos fatos, pelos magistrados, com o advento do registro sanitário do medicamento eculizumab. Assim, no período posterior à concessão do registro pela agência reguladora, observou-se relevante incremento no índice de procedência dos pedidos, que alcançou patamares da ordem de 95%. De fato, a anterior ponderação entre o princípio da legalidade e a garantia do direito à vida tornou-se superada com o ato administrativo da Anvisa, que estabeleceu condições suficientes de segurança e de eficácia no uso da droga e proporcionou o necessário permissivo legal para a importação e para a distribuição do medicamento.

Em contrapartida, a checagem quanto à incorporação do medicamento para a fonte pagadora e para o diagnóstico do paciente exibiu menor valorização entre os magistrados para a formação do livre convencimento necessário à sentença. De fato, a consulta a órgãos técnicos e o embasamento das decisões nas melhores evidências científicas pareceram encontrar certo desprestígio entre os operadores do direito.

De fato, a orientação majoritária ainda reconhece a obrigação estatal de fornecer o medicamento, em razão de indicação médica representada por simples receituário ou relatório sucinto, desprezando-se, frequentemente, os estudos técnicos conduzidos pelo Ministério da Saúde e pelas secretarias estaduais de saúde. No entanto, a garantia do direito à saúde não pode sobrevir de atos isolados, devendo-se privilegiar as políticas públicas planejadas que beneficiem a coletividade. Caso contrário, Ferraz (2007FERRAZ, Octávio Luiz Motta. Direito à saúde, escassez e o Judiciário. Folha de São Paulo, São Paulo, 10 ago. 2007. Disponível em: Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1008200709.htm . Acesso em: 30 set. 2021.
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) assevera que o resultado do processo consistirá em perversa substituição das prioridades de investimento estabelecidas por especialistas da Administração Pública e em prejuízos incalculáveis às categorias sociais de menor acesso ao Poder Judiciário. Nesse cenário, Carvalho (2010CARVALHO, André Castro. O impacto orçamentário da atuação do Poder Judiciário nas tutelas concessivas de medicamentos. In: AMARAL JÚNIOR, José Levi Mello do (coord.). Estado de Direito e ativismo judicial. São Paulo: Quartier Latin, 2010. p. 13-45.) destaca que o juízo deve aferir se a concessão do medicamento não implica violação ao princípio da igualdade no acesso à saúde. De fato, para o autor, tal conjuntura representa importante desafio, uma vez que apenas determinada parcela da população detém o conhecimento pleno de seus direitos e da possibilidade de exigência deles por meio de contato com o Poder Judiciário.

O estudo também teve a oportunidade de observar o desfecho de processos judiciais envolvendo a indicação de eculizumab para pacientes com o diagnóstico de SHUa. Foi interessante constatar que, mesmo após a apreciação e a emissão de parecer contrário à incorporação do fármaco para a doença pela Conitec, as sentenças judiciais continuaram totalmente favoráveis ao fornecimento. Ademais, a contrariedade à recomendação do órgão especial ministerial não ensejou mais esclarecimentos do juízo a fim de fundamentar o afastamento da orientação técnica no caso concreto, inexistindo menção ao relatório da comissão. Tal posicionamento judicial demonstra desacordo com enunciado do CNJ que aconselha o uso de evidências científicas e a identificação de especificidades da condição clínica do paciente para suportar eventual decisão conflitante com os relatórios elaborados pelos especialistas da Conitec.

Em relação às ações judiciais que declararam a procedência do pedido de fornecimento da medicação eculizumab, verificou-se importante omissão do juízo em exigir a renovação periódica do relatório circunstanciado e da prescrição médica para a continuidade de tratamento por prazo indeterminado. A maior parte das sentenças também dispensou a matrícula e o seguimento do paciente em um serviço público de saúde. Tal recomendação gerencial, reiteradamente ignorada nas decisões analisadas, é fundamental para garantir o adequado cumprimento das regras e dos princípios organizativos do sistema, de modo a evitar o advento de desigualdades em acesso e em nível de assistência prestada. Apesar disso, identificaram-se inúmeras decisões em que o juízo considerou irrelevante a origem de prestação da assistência em saúde para a formação da sentença, como nos excertos destacados a seguir:

[...] Irrelevante também o fato de a impetrante tratar sua doença em hospital particular (e não na rede SUS), pois além das dificuldades públicas e notórias enfrentadas pela população carente na rede pública de saúde, pode um cidadão ter condições para um tratamento na rede particular, mas não ter para custear os medicamentos que lhes são prescritos.

[...] Nesse sentido, existe prescrição médica por profissional particular, cuja atuação não merece reparo, pois se tal prescrição é adequada ou não para salvar a vida do autor, dada a demora de se obter consulta médica, deve ser tida como adequada. A doença está comprovada, é de natureza grave e questões burocráticas não podem prevalecer sobre o direito fundamental.

Finalmente, deve-se atribuir ênfase aos fundamentos mobilizados por magistrados para embasar a procedência ou a improcedência dos pedidos de fornecimento de eculizumab. Em relação às ações que indicaram operadoras de plano de saúde no polo passivo do processo, os pedidos foram julgados procedentes em 100% dos casos analisados, sob os argumentos de abusividade de negativa de cobertura na vigência de demonstrada prescrição médica, de aplicação do CDC aos contratos de planos de saúde e de inexistência de exaustividade na cobertura prevista no rol de procedimentos estabelecido pela ANS.

Lavecchia (2019LAVECCHIA, Amanda Leopoldo. Contratos de plano de saúde: uma análise da jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo. Revista de Direito Sanitário, São Paulo, v. 19, n. 3, p. 277-291, 2019.), em análise amostral das decisões proferidas pelo TJSP, também verificou que a intervenção judicial foi favorável aos beneficiários de planos em todos os acórdãos analisados. A tipologia de motivos mais empregados pela Corte consistiu em intervenção fundamentada em súmulas e no CDC. Contudo, tal como no presente artigo, verificou-se menor valorização do uso de legislação e de regulamentações específicas, tais como a Lei n. 9.656/1996 e a Resolução Normativa de Diretoria Colegiada da ANS n. 465/2021 (BRASIL, 2021aBRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Resolução Normativa n. 465, de 24 de fevereiro de 2021. Atualiza o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde que estabelece a cobertura assistencial obrigatória a ser garantida nos planos privados de assistência à saúde contratados a partir de 1o de janeiro de 1999 e naqueles adaptados conforme previsto no artigo 35 da Lei n. 9.656, de 3 de junho de 1998; fixa as diretrizes de atenção à saúde; e revoga a Resolução Normativa - RN n. 428, de 7 de novembro de 2017, a Resolução Normativa - RN n. 453, de 12 de março de 2020, a Resolução Normativa - RN n. 457, de 28 de maio de 2020 e a RN n. 460, de 13 de agosto de 2020. Brasília: Agência Nacional de Saúde Suplementar, 2021a. Disponível em: Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-normativa-rn-n-465-de-24-de-fevereiro-de-2021-306209339 . Acesso em: 5 out. 2023.
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), que atualiza o rol de procedimentos e eventos e estabelece a cobertura assistencial mínima a ser garantida nos planos privados de assistência à saúde.

Quanto às ações que nomearam o estado no polo passivo do processo, os pedidos foram apreciados como procedentes em 70% dos casos. O principal fundamento concessivo consistiu na afirmação do direito fundamental à saúde e no dever prestacional estatal, tal como expresso no art. 196 da Constituição (BRASIL, 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Presidência da República, 1988. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm . Acesso em: 21 set. 2023.
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). A primazia do direito à vida, do qual o direito à saúde é compreendido como decorrente, também foi frequentemente mencionada nas decisões. Temas materialmente constitucionais envolvendo a organização do Estado, como a solidariedade dos entes federativos na promoção da saúde, a ausência de violação do princípio da separação dos poderes na concretização do direito à saúde e a prevalência de direitos e garantias individuais em detrimento de questões orçamentárias, mostraram-se presentes em inúmeras decisões.

Nesse contexto, a ministra Ellen Gracie, por ocasião do julgamento da Suspensão de Tutela Antecipada (STA) n. 91, pronunciou-se a respeito da PNPS e de seu objetivo de promover maior racionalização entre os custos e os benefícios dos tratamentos oferecidos gratuitamente pelo SUS, a fim de alcançar o maior número possível de usuários (BRASIL, 2007bBRASIL. Supremo Tribunal Federal. Suspensão de Tutela Antecipada n. 91, Alagoas. Rel. Ministra Ellen Gracie, Tribunal Pleno, julgamento em 26 fev. 2007. Diário da Justiça, Brasília, 3 mar. 2007b., p. 165). Desse modo, a ministra compreende que a regra expressa no art. 196 da Carta Magna (BRASIL, 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Presidência da República, 1988. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm . Acesso em: 21 set. 2023.
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) refere-se, em princípio, à efetivação de políticas públicas para toda a coletividade, assegurando-lhe acesso igualitário e universal, e não em situações individualizadas.

Fagundes e Chiappa (2010FAGUNDES, Priscila Oliveira; CHIAPPA, Ricardo. Avaliação do uso de medicamentos não registrados no Brasil demandados por meio de ações judiciais no estado de Minas Gerais. In: AITH, Fernando et al. (orgs.). Direito sanitário: saúde e direito, um diálogo possível. Belo Horizonte: Escola de Saúde Pública do Estado de Minas Gerais, 2010. p. 353-371.) compartilham semelhante posição. Para os autores, a priorização de uma ética individualista, pautada no discurso de que “a saúde não tem preço e que qualquer esforço na tentativa de salvar uma vida é válido e justificável” (FAGUNDES e CHIAPPA, 2020FAGUNDES, Priscila Oliveira; CHIAPPA, Ricardo. Avaliação do uso de medicamentos não registrados no Brasil demandados por meio de ações judiciais no estado de Minas Gerais. In: AITH, Fernando et al. (orgs.). Direito sanitário: saúde e direito, um diálogo possível. Belo Horizonte: Escola de Saúde Pública do Estado de Minas Gerais, 2010. p. 353-371., p. 364), resulta em uma sobreposição das decisões judiciais às regras sanitárias do país. Nesse cenário, a ausência de robusto respaldo científico para o uso de determinada droga frequentemente colide com a necessária garantia da saúde, em vez de proporcionar a recuperação desejada com a demanda judicial.

Em linha com esse pensamento, o ministro Luís Roberto Barroso (2009BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. Revista Jurisprudência Mineira, Belo Horizonte, v. 60, n. 188, p. 29-60, 2009., p. 4) sustenta a necessidade de imposição de limites ao direito individual à saúde em decorrência de irrefletidas decisões judiciais sobre o tema, sob pena de inviabilização dos preceitos constitucionais e do próprio direito à saúde:

[...] Tais excessos e inconsistências não são apenas problemáticos em si. Eles põem em risco a própria continuidade das políticas de saúde pública, desorganizando a atividade administrativa e impedindo a alocação racional dos escassos recursos públicos. No limite, o casuísmo da jurisprudência brasileira pode impedir que políticas coletivas, dirigidas à promoção da saúde pública, sejam devidamente implementadas. Trata-se de hipótese típica em que o excesso de judicialização das decisões políticas pode levar à não realização prática da Constituição Federal.

Conclusão

Neste artigo, foi possível evidenciar a expressiva proporção de sentenças favoráveis à concessão da medicação de elevado custo, tendo como fundamentos primordiais o dever estatal e o direito individual à proteção e à recuperação da saúde. No entanto, em grande parte das demandas apreciadas pelos magistrados não se verificou, de forma inequívoca, a ocorrência da necessária subsunção entre os dispositivos constitucionais e a descrição dos fatos concretos. Com efeito, a configuração de requisitos apontados por orientações jurisprudenciais e enunciados do CNJ, como a imprescindibilidade da medicação, a inutilidade de demais tratamentos alternativos disponíveis para a fonte pagadora e a aferição de custo-efetividade por órgãos técnicos, mostrou-se prejudicada nas decisões.

Nesse contexto, a impressão geral do estudo foi a de que apenas dois critérios principais serviram como referência para a ampla maioria das sentenças prolatadas pelos juízes: a incapacidade financeira do paciente para arcar com os custos do tratamento e a existência de registro do medicamento na Anvisa. No entanto, a atual compreensão doutrinária sobre o tema exige a demonstração de provável e iminente lesão ao núcleo básico que qualifica o mínimo existencial, de modo a, só assim, afastar a usual argumentação da Administração Pública sobre a escassez de recursos financeiros e a cláusula de reserva do possível.

Esse panorama descrito para o medicamento eculizumab mostrou-se compatível e passível de reprodução em estudos similares que também avaliaram o processo de judicialização da saúde. Tal fenômeno pode apresentar contornos perversos, na medida em que possui potencial de deslocar os processos de planejamento e de priorização em saúde, e direcionar, preferencialmente, os recursos apenas para quem é capaz de acessar o Poder Judiciário para a satisfação de direitos sociais de forma individualizada. Há, ainda, todo um público hipossuficiente que nem sequer chega ao Poder Judiciário, público esse que pode e deve ser atendido por políticas públicas universais e igualitárias. Com efeito, essa banalização de problemas e respostas é duramente criticada por Bucci (2017BUCCI, Maria Paula Dallari. Contribuição para a redução da judicialização da saúde. Uma estratégia jurídico-institucional baseada na abordagem de direito e políticas públicas. In: BUCCI, Maria Paula Dallari; DUARTE, Clarice Seixas (coords.). Judicialização da saúde: a visão do Poder Executivo. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 31-88., p. 34), que arremata, parafraseando o antigo ditado: “[...] aos que tiverem a sorte do caminho judicial, tudo; à coletividade, a lei. O direito à saúde de uns oposto ao direito à saúde de muitos”.

Nesse cenário, destaca-se que uma revisão criteriosa das melhores práticas e a replicação de experiências exitosas envolvendo a judicialização da saúde tornam-se urgentes para a reversão dessa “máquina cartorária” de concessão, automatizada e destituída de critérios, de medicamentos de alto custo. A estratégia diante do desafio identificado deverá envolver a participação de diversos atores institucionais, como o Poder Legislativo, o Poder Executivo, o próprio Poder Judiciário e, evidentemente, os usuários do SUS.

REFERÊNCIAS

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    Disponível em: http://esaj.tjsp.jus.br/cjpg/.
  • Como citar este artigo:

    RAMOS, Marcelo Cristiano de Azevedo; AMARAL JR., José Levi Mello do. Judicialização da saúde: um estudo de caso envolvendo medicamento de alto custo. Revista Direito GV, São Paulo, v. 19, e2338, 2023. https://doi.org/10.1590/2317-6172202338
  • Declaração de Disponibilidade de Dados:

    O conjunto de dados deste artigo está disponível no SciELO Dataverse da Revista Direito GV, no link: https://doi.org/10.48331/scielodata.2AYB8L.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    25 Mar 2022
  • Aceito
    03 Maio 2023
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