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Discutindo o afroempreendedorismo: reflexões sobre o conceito a partir dos casos brasileiro e colombiano

DISCUSSING BLACK ENTREPRENEURSHIP: ANALYSIS ON THE CONCEPT THROUGH COLOMBIAN AND BRAZILIAN CASES

Resumo

O artigo debate o conceito de afroempreendedorismo e as suas consequências para o direito, valendo-se da crítica ao racismo e às relações raciais na América Latina. Para tanto, primeiro, apresenta as características do empreendedorismo dentro do marco do direito empresarial. Desses atributos, desprendem-se os elementos centrais do que seria o afroempreendedor. Em um segundo momento, a partir de entrevistas com empreendedores negros realizadas em Bogotá e Brasília, delimita-se uma estrutura aberta do conceito de afroempreendedorismo, conectada com o cotidiano e as demandas dos próprios comerciantes. Com isso, entende-se que essa estrutura conceitual aberta é a mais adequada a um campo de investigação e intervenção ainda incipiente, respeitando as definições dos próprios empreendedores. Ademais, ela se apresenta como mais apropriada na formulação de políticas públicas e na orientação do sistema jurídico diante dos desafios da igualdade racial e do enfrentamento do racismo nas Américas, inscritos na Constituição brasileira de 1988 e na Constituição colombiana de 1991.

Empreendedorismo; relações raciais; afroempreendedorismo; direito empresarial; direito comparado

Abstract

The paper discusses the concept of black entrepreneurship and its consequences for the law, drawing on the criticism of racism and race relations in Latin America. Therefore, first, it presents the characteristics of entrepreneurship within the framework of business law. From these attributes, it develops the central elements to identify the afro-entrepreneurship. In a second step, based on interviews with Black entrepreneurs held in Bogotá and Brasília, an open structure of the concept of afro-entrepreneurship is defined, connected with the daily life and the demands of the Black entrepreneurs themselves. Thereby, it is understood that this open conceptual structure is the most suitable for a field of research and intervention that is still incipient, respecting the definitions of the entrepreneurs themselves. In addition, it presents itself as more appropriate in the formulation of public policies and in the orientation of the legal system in the face of the challenges of racial equality and the fight against racism in the Americas, registered in the Brazilian Constitution of 1988 and the Colombian Constitution of 1991.

Entrepreneurship; racial relations; afro-entrepreneurship; business law; comparative law

INTRODUÇÃO1 1 Este artigo é resultado das atividades do projeto “Justiça, racismo e sexismo: dimensões da desigualdade nos sistemas de justiças do Brasil, dos EUA e da Colômbia, as estratégias de análise do controle judicial”, aprovado e financiado no âmbito do Programa de Desenvolvimento Acadêmico Abdias Nascimento, Edital Secadi/Capes, n. 02/2014, sob a supervisão dos professores Evandro Piza Duarte, Claudia Mosquera Rosero--Labbé e Rosembert Ariza Santamaría, na Universidade de Brasília e na Universidad Nacional de Colombia.

Em diversos campos de estudo das ciências sociais, as interconexões entre as relações raciais com a circulação de riqueza, o capital, a formação de patrimônio e as dinâmicas empresariais passaram a ser trabalhadas, analisadas e debatidas nos últimos anos. Como pano de fundo, há o entendimento de que os processos econômicos não são passíveis de explicação sem a compreensão dos marcadores raciais. Contrariando hipótese ancorada em certa tradição do pensamento nacional – de que as diferenças e clivagens entre negros e brancos se diluíram com a passagem do regime escravista para o mundo do trabalho livre (FERNANDES, 2008FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes (o legado da “raça branca”). São Paulo: Globo, 2008. v. I.) –, esses novos estudos apontam como o racismo se reinventa e se rearticula na sociedade capitalista, ao mesmo tempo que a constitui e mobiliza sua dinâmica interna (ROCHA, 2015ROCHA, Emerson Ferreira. O negro no mundo dos ricos: um estudo sobre a disparidade racial de riqueza no Brasil com os dados do Censo Demográfico de 2010. 2015. 188 f. Tese (Doutorado em Sociologia) – Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Brasília, Brasília, 2015.; PAIXÃO, 2013PAIXÃO, Marcelo. 500 anos de solidão: estudos sobre desigualdades raciais no Brasil. Curitiba: Apris, 2013.; COELHO JÚNIOR, 2011COELHO JÚNIOR, Pedro Jaime. Executivos negros: racismo e diversidade no mundo empresarial. Uma abordagem socioantropológica. 2011. 553 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, e Faculté d’Anthropologie et Sociologie de L’Université Lumiére Lyon 2, França, 2011.).2 2 No Brasil, seguindo abordagens desenvolvidas pelo movimento negro em sua rearticulação nos anos 1970, é fundamental a obra Discriminação e desigualdades raciais no Brasil, de Carlos Hasenbalg, publicada em 1979. Por meio da interpretação sociológica dos dados estatísticos, o livro demonstrava como as permanências e mutações da desigualdade racial decorriam do racismo, não sendo explicáveis apenas de um ponto de vista “puramente” econômico. Ou seja, rompia-se com o paradigma anterior vigente nas ciências sociais brasileiras.

No entanto, esse debate formulado somente dá os seus primeiros passos na pesquisa jurídica. Especificamente em relação ao ramo responsável por compreender e regular os processos de circulação de riqueza, o direito empresarial, essa aproximação com os estudos das relações raciais é praticamente inexistente. Nesse sentido, o artigo pretende enfrentar esse silêncio. Por meio do entrelaçamento entre direito e relações raciais, com foco na área do empreendedorismo, busca-se a conceitualização do termo “afroempreendedor” e uma reflexão sobre suas consequências jurídicas e políticas no contexto latino-americano.

“Afroempreendedorismo” é um termo que ainda não possui conceito definido, sendo interpretado de modos distintos por autores e entidades governamentais. Há uma disparidade de definições, especialmente entre os marcos legais sobre o assunto e os agentes e grupos comerciais envolvidos com a área. Ademais, praticamente não há pesquisa jurídica que dimensione as nuanças do afroempreendedorismo a partir das experiências de longa duração da população negra, como o racismo e as reinvenções de África nas Américas. Diante dessas questões, o artigo procura desprender e diferenciar o conceito de afroempreendedorismo do de empreendedorismo. Também procura dimensionar e refinar como os elementos do afroempreendedorismo podem ser interpretados à luz de uma hermenêutica jurídica e da construção de políticas públicas comprometidas com a promoção da igualdade racial.

Para tanto, a aproximação do conceito será feita pela análise de entrevistas semiestruturadas realizadas com afroempreendedores nas cidades de Bogotá e Brasília, no ano de 2018. A partir da autopercepção dos próprios empreendedores, serão esmiuçados elementos e discussões que preenchem e dão sentido à palavra “afroempreendedor” na experiência concreta dos comerciantes. Com base nesses relatos, é possível extrair características que balizem uma conceituação jurídica, além de tornar possível uma ancoragem interpretativa desse conceito nas vivências, histórias e dilemas da população negra.

A escolha da realização do campo no Brasil e na Colômbia se justifica especialmente por três razões. Primeiro, ao lado dos Estados Unidos, Brasil e Colômbia são os países da América com as maiores populações afrodescendentes, além de compartilharem um passado marcado pela escravidão (ROSERO-LABBÉ, 2017ROSERO-LABBÉ, Claudia Mosquera. Reparaciones para negros, afrocolombianos y raizales como rescatado de la Trata Negrera Transatlántica y Desterrados de la Guerra en Colombia. In: VERGARA--FIGUEROA, Aurora et al. Descolonizando mundos: aportes de intelectuales negras y negros al pensamiento social colombiano. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: CLACSO, 2017. p. 117-170.; THEODORO, 2008THEODORO, Mário. As políticas públicas e a desigualdade racial no Brasil 120 anos após a abolição. Brasília: Ipea, 2008.). Nesse sentido, apresentam realidades importantes para compreender os dilemas e as contradições na concretização da cidadania negra nas formações nacionais latino-americanas, a exemplo das dificuldades de negros e negras adquirirem independência financeira, constituírem patrimônio ou se tornarem donos dos seus próprios negócios.

Ademais, Colômbia e Brasil compartilham, em grande medida, um mesmo mito fundador da identidade nacional: o de que são países mestiços e marcados por uma suposta harmonia/democracia racial (MUNANGA, 2019MUNANGA, Kabengele. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional versus identidade negra. Belo Horizonte: Autêntica, 2019.; SANTOS, 2014SANTOS, Márcio André de Oliveira dos. Formação racial, nação e mestiçagem na Colômbia. Revista de História Comparada, Rio de Janeiro, v. 8, n. 1, p. 36-58, 2014.). São, assim, representativos das ideologias que conformaram, por muito tempo, o debate público e jurídico a respeito do racismo e dos direitos dos negros em outros países do continente. Essas ideologias, em linhas gerais, afirmam que a mestiçagem anula os antagonismos entre negros e brancos, e, consequentemente, desnatura a influência do racismo sobre a sociedade (ANDREWS, 2007ANDREWS, George Reid. América Afro-Latina 1800-2000. São Carlos: EdUFSCar, 2007.; NASCIMENTO, 2017NASCIMENTO, Abdias. O genocídio do negro brasileiro: processo de um racismo mascarado. São Paulo: Perspectiva, 2017.; MOURA, 1988MOURA, Clóvis. Sociologia do negro brasileiro. São Paulo: Ática, 1988.). Perante a inexistência do racismo, não haveria a necessidade de se falar em medidas afirmativas e políticas públicas enfocadas para a população negra (DUARTE, 2011DUARTE, Evandro Piza. Do medo da diferença à liberdade com igualdade: as ações afirmativas para negros no ensino superior e os procedimentos de identificação de seus beneficiários. 2011. 475 f. Tese (Doutorado em Direito) – Universidade de Brasília, Brasília, 2011.; ROSERO-LABBÉ e DÍAZ, 2015ROSERO-LABBÉ, Claudia Mosquera; DÍAZ, Ruby Esther León. Entre la negación del racismo institucional y la etnización de la diversidad étnico-racial negra en programas de combate a la pobreza. Trabajo Social, Bogotá, n. 17, p. 47-59, ene./dic. 2015.). Ainda que esse discurso nacional tenha perdido força nos últimos anos, ele ainda permeia o imaginário político do continente, afetando a estruturação do sistema jurídico e a construção de políticas públicas por meio da invisibilização da presença da população negra e dos seus respectivos dilemas.

Por fim, uma terceira característica que justifica a escolha dos dois países são os marcos constitucionais inaugurados na virada da década de 1980 para a de 1990 do século XX. Tanto a Constituição brasileira de 1988 como a Constituição colombiana de 1991 são os primeiros textos constitucionais, de cada país, a reconhecer a plurietnicidade da nação, o passado da escravidão, a presença do racismo na contemporaneidade e a necessidade da adoção de medidas destinadas a erradicá-lo (DUARTE e SCOTTI, 2013DUARTE, Evandro Piza; SCOTTI, Guilherme. História e memória nacional no discurso jurídico: o julgamento da ADPF 186. Universitas JUS, [s.l.], v. 24, n. 3, p. 33-45, 2013.; CASTELBLANCO, 2017CASTELBLANCO, Libia Grueso. La población afrodescendiente y su referencia como sujeto de ley en el desarrollo normativo de Colombia. In: VERGARA-FIGUEROA, Aurora et al. Descolonizando mundos: aportes de intelectuales negras y negros al pensamiento social colombiano. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: CLACSO, 2017. p. 543-567.). Ou seja, no plano jurídico, são instrumentos normativos que rasuraram os discursos hegemônicos sobre a identidade nacional, permitindo a construção de marcos legais e políticos em torno dos direitos da população negra. Temos, como exemplo, as cotas raciais no Brasil e a Lei n. 70 na Colômbia, que versa, sobretudo, sobre os territórios das comunidades negras no país.

Esses três elementos evidenciam como o tema do afroempreendedorismo não interessa somente ao campo das relações raciais no direito empresarial, mas à análise das próprias condições de realização da democracia em países ainda marcados pelo racismo e pela desigualdade racial. Na medida em que a prática do afroempreendedor está inserida em um contexto histórico-social mais abrangente, a formulação do conceito no plano jurídico deve dar conta desses fenômenos. Assim, partindo da pesquisa de campo no Brasil e na Colômbia para perquirir uma conceituação adequada às Américas do termo “afroempreendedorismo”, o artigo se divide em duas seções. Primeiro, apresenta como o tema do afroempreendedorismo se relaciona ao e se desprende do empreendedorismo em geral, bem como apresenta definições legais e da sociedade civil sobre o assunto. Posteriormente, analisam-se as entrevistas como forma de refinar o conceito de afroempreendedor. Com isso, objetiva-se fornecer elementos para que a discussão jurídica sobre afroempreendedorismo não relativize ou olvide a experiência vivida da diáspora africana no continente, ao passo que também seja feita com a responsabilidade necessária para o enfrentamento do racismo.

1. EMPREENDEDORISMO E AFROEMPREENDEDORISMO: NUANÇAS E DIFERENÇAS

O empreendedorismo é caracterizado como um processo de criação de algo inovador e com valor, sendo necessários a dedicação de tempo, o esforço e a assunção de riscos financeiros, psicológicos e sociais com o objetivo de obter recompensas econômicas e pessoais (HISRICH e PETERS, 2004HISRICH, Robert; PETERS, Michael. Empreendedorismo. Porto Alegre: Bookman, 2004.). Em geral, ele é estudado pela administração e pela economia, em que a atividade empreendedora aparece como o “processo de tomar e colocar em prática decisões sobre objetivos e utilização de recursos” (MAXIMIANO, 1997MAXIMIANO, Antônio César Amaru. Teoria geral da administração: da escola científica à competitividade em economia globalizada. São Paulo: Atlas, 1997., p. 16). Já no campo jurídico, a área responsável por estudar, regular e superar os conflitos de interesse entre os agentes que exercem atividades econômicas é o direito comercial, também denominado direito empresarial (COELHO, 2016COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial: direito de empresa. 20. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.; TOMAZETTE, 2013TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: teoria geral e direito societário. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2013. v. 1.).

Do ponto de vista jurídico, não existe um consenso na academia sobre a conceituação de empreendedorismo, mas é possível dizer que este se caracteriza por um conjunto de práticas que são capazes de gerar riqueza e proporcionar uma melhor performance às sociedades que o apoiam (BAGGIO e BAGGIO, 2014BAGGIO, Adelar Francisco; BAGGIO, Daniel Knebel. Empreendedorismo: conceitos e definições. Revista de Empreendedorismo, Inovação e Tecnologia (REIT-IMED), Porto Alegre, v. 1, n. 1, p. 25-38, 2014.). Apesar de não ser uníssono, segundo Baggio e Baggio (2014)BAGGIO, Adelar Francisco; BAGGIO, Daniel Knebel. Empreendedorismo: conceitos e definições. Revista de Empreendedorismo, Inovação e Tecnologia (REIT-IMED), Porto Alegre, v. 1, n. 1, p. 25-38, 2014. três são as características em comum aos empreendedores dentro das distintas conceituações: iniciativa para criar um novo negócio e paixão pelo que faz; utilização dos recursos disponíveis de forma criativa transformando o ambiente social e econômico onde vive; e aceitação dos riscos e da possibilidade de fracassar.

De acordo com Coelho (2016)COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial: direito de empresa. 20. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016., um empresário é um indivíduo que toma a iniciativa de organizar certa atividade econômica de produção ou de circulação de bens ou serviços. Tomazette (2013)TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: teoria geral e direito societário. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2013. v. 1. adiciona à conceituação o fato de o empresário ser um sujeito de direito munido de personalidade, que pode ser tanto física como jurídica. O autor ainda indica os elementos característicos essenciais na figura do empresário, que são: economicidade, organização, profissionalidade, assunção de riscos e direcionamento ao mercado (TOMAZETTE, 2013TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: teoria geral e direito societário. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2013. v. 1.). Seguindo o mesmo raciocínio, Fazzio (2016)FAZZIO, Waldo. Manual de direito comercial. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2016. diz que o empresário, seja na modalidade unipessoal ou de sociedade, é um agente que pratica determinada atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens e serviços visando ao lucro.

Os empreendedores são hoje, em escala mundial, partes integrantes dos processos econômicos e da circulação monetária (BAGGIO e BAGGIO, 2014BAGGIO, Adelar Francisco; BAGGIO, Daniel Knebel. Empreendedorismo: conceitos e definições. Revista de Empreendedorismo, Inovação e Tecnologia (REIT-IMED), Porto Alegre, v. 1, n. 1, p. 25-38, 2014.). Nas palavras de Hisrich (apudBAGGIO e BAGGIO, 2014BAGGIO, Adelar Francisco; BAGGIO, Daniel Knebel. Empreendedorismo: conceitos e definições. Revista de Empreendedorismo, Inovação e Tecnologia (REIT-IMED), Porto Alegre, v. 1, n. 1, p. 25-38, 2014., p. 26), “O papel do empreendedorismo no desenvolvimento econômico envolve mais do que apenas o aumento de produção e renda per capita; envolve iniciar e constituir mudanças na estrutura do negócio e da sociedade”. Para Drucker (1998)DRUCKER, Peter Ferdinand. Inovação e espírito empreendedor: práticas e princípios. São Paulo: Pioneira, 1998., os empreendedores não causam mudanças, mas se utilizam das oportunidades oriundas das constantes mudanças sociais.

Os empresários, de acordo com Coelho (2016)COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial: direito de empresa. 20. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016., são pessoas que, estimuladas pelo ganho pecuniário, estruturam organizações econômicas especializadas para atender às necessidades diárias da população. Essas pessoas possuem uma vocação para a atividade empresarial que, de acordo com o citado autor, caracteriza-se pela junção de quatro fatores de produção: capital, mão de obra, insumo e tecnologia. O capital é o aporte financeiro que será responsável pela criação da empresa, a mão de obra são os funcionários necessários para a execução da empresa, o insumo são os materiais necessários para tal execução e a tecnologia é referente ao desenvolvimento constante do empreendimento por meio dos aportes tecnológicos disponíveis. Segundo o autor, um comerciante que não possui essas quatro características não pode ser considerado um empresário (COELHO, 2016COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial: direito de empresa. 20. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.). Por exemplo, um vendedor que leva seus produtos consigo para obter lucro nas ruas não possui mão de obra contratada, logo, apesar de buscar o lucro, essa pessoa não pode ser caracterizada como um empresário.

O Código Civil brasileiro de 2002 define a figura do empresário como: “Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”.

Já na legislação colombiana, a conceituação do termo é feita por meio do Decreto n. 410 de 1971, o qual emite o Código de Comércio do país:

Art. 10. São comerciantes as pessoas que, profissionalmente, se ocupam em alguma das atividades que a lei considera mercantil. A qualidade de comerciante se adquire mesmo que a atividade mercantil seja exercida por procurador, intermediário ou interposto.

[...]

Art. 21. Serão considerados mercantis todos os atos dos comerciantes relacionados com atividades ou empresas de comércio, e os exercidos por qualquer pessoa para assegurar o cumprimento das obrigações comerciais. (Tradução nossa)

Sob a ótica de que “a liberdade escraviza e a lei liberta” (LACORDAIRE apudCOELHO, 2016COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial: direito de empresa. 20. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016., p. 32), o princípio da isonomia é hoje um grande alicerce das relações comerciais. Mecanismos criados pelo Estado com a intenção de equalizar as pretensões de sujeitos desiguais se tornaram cada vez mais presentes nas últimas décadas nas relações empregador--empregado, empresário-consumidor, franqueador-franqueado, etc. (COELHO, 2016COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial: direito de empresa. 20. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.). Dialogando com essas ideias, Fazzio (2016FAZZIO, Waldo. Manual de direito comercial. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2016., p. 29), em seu Manual de direito comercial, faz a seguinte afirmação:

A atividade econômica sempre foi e é a matriz de relações fundamentais de infraestrutura determinantes da superestrutura política e jurídica. Sem a preocupação de verticalizar, basta dizer que a necessidade de regulamentação da atividade econômica tem sido um permanente e necessário componente dos sistemas jurídicos, em todas as fases da história humana. O Direito sempre caminha atrás da realidade, apreendendo-a para conformá-la aos padrões éticos e sociais. De tal forma que, inevitavelmente, suporta modificações na mesma proporção em que os sucessivos quadros econômicos se transformam.

Não raro encontramos pronunciamentos semelhantes a esse, afirmações no sentido de que o Direito está sempre disposto a se modificar para fazer valer os princípios que diz seguir. Mas estaria esse ideal sendo alcançado em sua plenitude nas relações comerciais quando as intersecções raciais entram em cena? Ou ainda, estariam as agências governamentais responsáveis se empenhando o suficiente para a garantia da concretização desses princípios?

Nesse contexto, é importante questionar se a narrativa jurídica sobre o empreendedorismo, construída com ares de universalidade e que fundamenta os marcos normativos e as doutrinas hegemônicas, é suficiente ou adequada para lidar com realidades de sociedades pós--coloniais e pós-escravistas, ainda fortemente racistas, como os casos de Brasil e Colômbia. Em geral, essa história possui um tom eurocêntrico, marcado por três elementos fundamentais: o foco nos fenômenos ocorridos, sobretudo, na Inglaterra, na França e nos Estados Unidos (MAXIMIANO, 1997MAXIMIANO, Antônio César Amaru. Teoria geral da administração: da escola científica à competitividade em economia globalizada. São Paulo: Atlas, 1997.); o silenciamento sobre os vínculos existentes entre capitalismo e escravidão na conformação do sistema-mundo moderno (WILLIAMS, 2002WILLIAMS, Eric. Capitalism & Slavery. Richmond, Virgínia: The University of North Carolina Press, 2002.; MARQUESE, 2012MARQUESE, Rafael de Bivar. Capitalismo & escravidão e a historiografia sobre a escravidão nas Américas. Estudos Avançados, [s.l.], v. 26, n. 75, p. 341-354, 2012.; WALLERSTEIN, 2004WALLERSTEIN, Immanuel. World-Systems Analysis: An Introduction. Durham/Londres: Duke University Press Books, 2004.); e o apagamento da agência das populações subalternizadas, não só do ponto de vista político e cultural, mas também como agentes circuladores de riquezas (DAVIS, 2016DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo, 2016.; CALDEIRA, 2009CALDEIRA, Jorge. História do Brasil com empreendedores. São Paulo: Mameluco, 2009.).

Constrói-se a imagem do burguês branco, iluminado pelas vivas ruas de Paris e Londres, formando sua moral política e econômica entre cafés, reuniões políticas e inventos industriosos – sem nunca mencionar os vínculos desse mesmo burguês com as plantations nas Américas ou o tráfico negreiro transatlântico –, às expensas de uma imaginação que dê conta de que parte da circulação de riqueza pelas ruas das principais cidades latino-americanas, como Salvador, Cartagena, Rio de Janeiro e Popayán, era feita por homens e mulheres negras, a exemplo de sapateiros, ferreiros, carpinteiros, quitandeiras, aguadeiras, lavadeiras, mercadoras, vendedeiras de toda espécie, como bem aponta recente historiografia (MÚNERA, 2008MÚNERA, Alfonso. El fracaso de la nación: región, clase y raza en el Caribe colombiano (1717-1810). Bogotá, Colombia: Editorial Planeta, 2008.; FARIAS, 2012FARIAS, Juliana Barreto. Mercados Minas: africanos ocidentais na Praça do Mercado do Rio de Janeiro (1830-1890). 2012. 294 f. Tese (Doutorado em História) – Programa de Pós-Graduação em História Social, do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.; POPINIGIS, 2012POPINIGIS, Fabiane. “Aos pés dos pretos e pretas quitandeiras”: experiências de trabalho e estratégias de vida em torno do primeiro Mercado Público de Desterro – 1840-1890. Afro-Ásia, [s.l.], 46, p. 193--226, 2012.; SOUZA, 2014SOUZA, Adriana França. Tabuleiros e negociações: negras e mestiças nas ruas de Salvador. 2014. 125 f. Dissertação (Mestrado) – Programa Multidisciplinar da Pós-Graduação em Cultura e Sociedade na Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2014.). Por outro lado, novas pesquisas informam que essa realidade não ficou no passado.3 3 Segundo pesquisa de 2017 realizada pela Global Entrepreneurship Monitor, em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), negros correspondem a 51% dos empresários no Brasil. No entanto, são apenas 1% entre os que ganham de R$ 60 mil a R$ 360 mil e correspondem a 60% dos empreendedores que não lucram nada. Para mais informações, veja-se IBQP (2018).

A saga de Kehinde, também conhecida como Luísa Mahin, narrada por Ana Maria Gonçalves no romance Um defeito de cor (2006), é uma bela demonstração dos vínculos entre circulação da riqueza, construção da liberdade e agências da população negra nas Américas. Mais do que isso, ao relatar como a atividade empreendedora exercida sobre situações-limite, primeiro como escrava de ganho e, posteriormente, como liberta, em que o ato comercial carrega consigo a luta pela liberdade pessoal e de seus semelhantes – liberdade real e não apenas metafórica – mais do que a possibilidade de constituição de capital, o romance de Ana Maria Gonçalves chama a atenção para o fato de que qualquer sistema jurídico que ignore esse passado e esse presente de extremas violências e desigualdades é incapaz de efetivar os direitos da imensa maioria da população. Ao contrário: corrobora e aprofunda uma ordem injusta.

Essa constatação se torna ainda mais importante quando esse mesmo sistema jurídico atuou e continua atuando para impedir a prática comercial por pessoas negras. Se durante o período escravista a suspeição sobre a pele negra era generalizada, acarretando posturas de controle urbano que colocavam sob vigilância as atividades comerciais de escravos e libertos (REIS, 2016REIS, João José. De escravo a rico liberto: a história do africano Manoel Joaquim Ricardo na Bahia oitocentista. Revista de História, São Paulo, n. 174, p. 15-68, jan./jun. 2016.), a transição para o pós-abolição foi marcada pela “gestão das ilegalidades”, que cerceava agências econômicas no espaço público de negros e negras (NOVAES, 2017NOVAES, Bruna Portella. Embranquecer a cidade negra: gestão do trabalho de rua em Salvador no início do século XX. 2017. 144 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade de Brasília, Brasília, 2017.). Assim, há uma longa história de branqueamento de zonas urbanas, acompanhada da expropriação das práticas e dos saberes negros, em que os Estados latino-americanos foram protagonistas, atuando positivamente por meio de posturas municipais, batidas policiais, normas de conduta e comportamento e distribuição desigual de benefícios e restrições (BERTÚLIO, 2019BERTÚLIO, Dora Lúcia de Lima. Direito e relações raciais: uma introdução crítica ao racismo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019.). Diferentemente do que se conta, os negros não foram abandonados à própria sorte na América Latina após o término da escravidão, ao contrário, tiveram suas vidas extremamente dificultadas pelos respectivos estados-nações, em que o devir branco não significava apenas “melhorar a população em termos raciais”, mas garantir e aprofundar a reprodução extremamente branca do capital (MOURA, 1988MOURA, Clóvis. Sociologia do negro brasileiro. São Paulo: Ática, 1988.). Essa lógica oculta, que vincula Estado, patrimonialismo e supremacismo branco, é a história não contada do capitalismo e empreendedorismo no continente.

Diante dessas considerações, nota-se a relevância do conceito de afroempreendedorismo, especialmente em realidades marcadas pela considerável presença negra e pelas profundas desigualdades raciais, a exemplo de Brasil e Colômbia. Especificamente na academia brasileira, um estudo emblemático sobre os empresários negros é Destino manifesto: estudo sobre o perfil familiar, social e econômico dos empreendedores/as afro-brasileiros/as dos anos 1990, realizado em 2003 por Marcelo Paixão como um relatório para o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). O trabalho possui tamanha importância por ser uma análise inédita para a superação da lacuna até então existente nos estudos sobre os indicadores sociais dos empreendedores negros no país, sendo até hoje utilizado como marco teórico e referência nacional.

Após analisar os trabalhadores autônomos negros e brancos de distintas macrorregiões do país, Paixão (2003)PAIXÃO, Marcelo. Destino manifesto: estudo sobre o perfil familiar, social e econômico dos empreendedores/as afro-brasileiros/as dos anos 1990. [S.l.]: PNUD, 2003. concluiu que existia acentuado hiato separando as condições de reprodução econômica e social entre os dois grupos étnicos, além de uma minoria negra compor a categoria ocupacional gerencial. O autor alega que dificilmente as tradicionais políticas públicas voltadas para a geração de emprego e aumento de renda atingirão seus objetivos se os elementos causadores das diferenças étnico-raciais não forem postos em consideração e enfrentados singularmente. O estudo do empreendedorismo com a intersecção racial traz à tona uma visão mais crítica em relação ao estudo clássico da matéria, nas palavras de Paixão (2003PAIXÃO, Marcelo. Destino manifesto: estudo sobre o perfil familiar, social e econômico dos empreendedores/as afro-brasileiros/as dos anos 1990. [S.l.]: PNUD, 2003., p. 146-147):

[...] a indiferenciação da categoria dos empreendedores poderia parecer aceitável nos marcos de teorias que procuravam compreender, puramente, a dimensão estrutural de funcionamento do mercado de trabalho e sua função na dinâmica da acumulação capitalista. Todavia, esta postura é menos defensável no caso concreto de aplicação de políticas públicas de geração de emprego e renda, quando a plena compreensão do perfil das categorias ocupacionais a serem beneficiadas, pode se transformar em um fator crucial no processo de acerto, ou erro, na condução de uma determinada política social.

Além da discussão sobre a constituição racialmente desigual do mercado de trabalho, um elemento sempre presente quando debatemos o afroempreendedorismo é a cultura, que se caracteriza por ser um conjunto de características não inatas que se criam e se preservam por meio da cooperação de indivíduos em sociedade, que permeia espiritualidade, normas de comportamento, criação material, expressividades, vestimentas, etc. (BRASIL, 2014BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão. História e cultura africana e afro-brasileira na educação infantil. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão. Brasília: MEC/SECADI, UFSCar, 2014.). Os negros africanos trazidos forçadamente à América no período escravocrata carregaram consigo sua cultura, a qual foi transformada e reinventada sob as novas condições e hoje está inserida nas culturas nacionais americanas (ORTIZ, 2017ORTIZ, José Caicedo. La diáspora africana como acontecimiento histórico. In: VERGARA-FIGUEROA, Aurora et al. Descolonizando mundos: aportes de intelectuales negras y negros al pensamiento social colombiano. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: CLACSO, 2017. p. 185-215.; SOARES e GOMES, 2002SOARES, Carlos Eugênio Líbano; GOMES, Flávio dos Santos. Fronteiras e margens do Atlântico: personagens, experiências e culturas no Brasil Escravista. Dimensões, [s.l.], v. 14, p. 339-364, 2002.; MINTZ e PRICE, 2003MINTZ, Sidney Wilfred; PRICE, Richard. O nascimento da cultura afro-americana: uma perspectiva antropológica. Rio de Janeiro: Pallas: Universidade Candido Mendes, 2003.). Desse modo, atualmente existe forte influência cultural e material proveniente da África expressa das mais diferentes formas, inclusive no comércio.

A expressiva influência cultural da população negra nas Américas e a permanência do racismo possibilitam um consumo diferenciado e inovador: o afroconsumo. Este é um movimento que surge na Nigéria e nos Estados Unidos e demarca a necessidade social de identificação e reconhecimento dos cidadãos negros quando vão consumir os mais diversos produtos (ETNUS, 2016ETNUS. Afroconsumo: pesquisa sobre comportamento e hábitos de consumo dos afrodescendentes da cidade de São Paulo. São Paulo: Etnus, 2016.). O afroconsumo pode ser definido da seguinte maneira:

Um movimento de contracultura, que considera a influência direta ou indireta das características étnico-raciais nas experiências do consumo, conscientes ou inconscientemente, protagonizando a estética e as características raciais e culturais intrínsecas aos afrodescendentes. Esta disruptura surge como expressão das demandas de sujeitos ainda invisíveis aos olhos do mercado em sua totalidade (comunicação, produção industrial, etc.), que possam exigir que suas individualidades e especificidades sejam consideradas e respeitadas. Esta união de pessoas pela identidade e necessidade potencializa o surgimento de um novo nicho de consumo, colocando os afro-brasileiros no centro dos estudos. (ETNUS, 2016ETNUS. Afroconsumo: pesquisa sobre comportamento e hábitos de consumo dos afrodescendentes da cidade de São Paulo. São Paulo: Etnus, 2016., p. 10)

Em 2017, o Sebrae desenvolveu um estudo para analisar o mercado das feiras de afroempreendedores no Rio de Janeiro. O enfoque da pesquisa foi em empreendedores que atuam nas feiras de afroempreendedorismo que comercializam produtos relacionados à ancestralidade africana, produtos esses que também transformam o meio social por meio da representação negra e da narrativa antirracista (SEBRAE, 2017).

A conceituação de afroempreendedor trazida pela entidade é restrita, sendo este um “pequeno empresário que se declara negro e que manufatura e/ou comercializa produtos voltados para sua própria etnia” (SEBRAE, 2017SERVIÇO BRASILEIRO DE APOIO ÀS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS (SEBRAE). Feiras de afroempreendedores: análise de um mercado emergente no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Sebrae, 2017., p. 15). Por outro lado, quando se fala da ordem jurídica, a definição é mais abrangente. Especificamente no Distrito Federal, a palavra “afroempreendedor” ainda é compreendido pela Lei distrital n. 5.447/2015, que institui o Programa Afroempreendedor no Distrito Federal, como “um brasileiro afrodescendente que conduz empresa ou empreendimento” (DISTRITO FEDERAL, 2015). O estudo do Sebrae afirma, ainda, que as pessoas incluídas nesse grupo construíram seu negócio a partir da história pessoal de exclusão e possuem uma visão de mundo propensa a valorizar os aspectos culturais relacionados ao comércio. Estima-se que 18,9% dos afroempreendedores ingressaram nesse ramo para suprir as demandas consumeristas da população negra (SEBRAE, 2017).

Portanto, dois conceitos de afroempreendedorismo emergem no horizonte. O primeiro, geralmente elaborado por organizações sociais negras voltadas para a inclusão social, afirma que afroempreendedor é um empresário que se autodeclara negro e que possui um negócio voltado à comercialização de produtos e/ou serviços relacionados à cultura negra, seja africana, seja latina: o afroempreendedorismo. O segundo, normalmente expresso em legislações, políticas públicas e pesquisas do Estado, descreve o afroempreendedor como uma pessoa que se autodeclara negra e comercializa quaisquer tipos de produtos e serviços, ou ainda uma pessoa que tenha seu público consumerista exclusivamente negro (TEIXEIRA, 2017TEIXEIRA, Lineker Gomes. Afroempreendedores: desafios e oportunidades para empreendedores negros no Distrito Federal. 2017. 84 f. Monografia (Graduação em Administração) – Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de Brasília, Brasília, 2017.; DISTRITO FEDERAL, 2015DISTRITO FEDERAL. Decreto n. 36.680, de 18 de agosto de 2015. Regulamenta a Lei n. 5.447, de 12 de janeiro de 2015, que institui o Programa Afroempreendedor e dá outras providências. Brasília, 2015.; SEBRAE, 2017SERVIÇO BRASILEIRO DE APOIO ÀS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS (SEBRAE). Feiras de afroempreendedores: análise de um mercado emergente no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Sebrae, 2017.).

O primeiro está atrelado à força política trazida pelo afroempreendedorismo como processo de luta por igualdade, refletindo não apenas a face meramente empresarial, mas também a difusão da cultura negra, a alteração das concepções racistas existentes na sociedade, o fortalecimento da identidade negra, o estímulo à autoestima das pessoas negras, etc. Essa interpretação do termo “afroempreendedorismo” encontra suporte em uma definição apresentada por Nascimento (2018)NASCIMENTO, Eliane Quintiliano. Afroempreendedorismo como estratégia de inclusão socioeconômica. III Seminário de Ciências Sociais. PGCS UFES. Vitória, 2018. ao relatar a explicação feita por uma representante do Coletivo das Pretas em um evento realizado em 2015. Na oportunidade, foi elucidado que um afroempreendedor é uma pessoa autodeclarada preta ou parda que produz e/ou oferece serviços ou produtos relacionados à identidade cultural afro-brasileira. Já o empreendedor negro seria uma pessoa que igualmente se autodeclara preta ou parda e desenvolve um negócio não necessariamente correlacionado à questão étnico-racial negra (NASCIMENTO, 2018NASCIMENTO, Eliane Quintiliano. Afroempreendedorismo como estratégia de inclusão socioeconômica. III Seminário de Ciências Sociais. PGCS UFES. Vitória, 2018.).

Por outro lado, a segunda definição decorre das disputas em torno das estatísticas e das políticas de promoção da igualdade racial, tendo como enquadramento qualquer empresário negro, independentemente do bem comercializado ou do sentido do negócio. Nesse sentido, a partir de uma constatação das clivagens entre brancos e negros no mercado de trabalho e no mundo empresarial, o termo “afroempreendedorismo” demarcaria essa diferença e visibilizaria a existência de empreendedores negros e a necessidade de políticas específicas baseadas no recorte racial.

Diante desses dois enquadramentos, um mais restrito e outro mais abrangente, a seção 2 busca compreender, a partir de entrevistas realizadas nas cidades de Bogotá e Brasília no ano de 2018, como os próprios empreendedores negros se enxergam. A constatação dessa autopercepção fornecerá elementos para uma melhor delimitação do conceito de “afroempreendedor” e de suas respectivas consequências em termos jurídicos e políticos.

2. O CONCEITO DE AFROEMPREENDEDORISMO: REFLEXÕES A PARTIR DE BRASIL E COLÔMBIA

Com o objetivo de aprofundar a análise sobre o campo e o conceito de “afroempreendedorismo”, além do seu entrelaçamento com as políticas públicas e o Direito, a exemplo das políticas de crédito, e com a construção da identidade nacional na América Latina, foram realizadas dez entrevistas semiestruturadas com afroempreendedores de empresas de pequeno e médio porte nas cidades de Bogotá e Brasília, sendo cinco entrevistas em cada, no ano de 2018. Por razões éticas, optou-se por preservar a identidade de todos os entrevistados, por isso seus nomes não serão expostos.

Todos os empreendedores entrevistados são formalizados e trabalham em espaços físicos regularizados. A metodologia de escolha dos entrevistados teve que ser adaptada em cada país objeto da pesquisa. Em Bogotá, uma cidade com bairros evidentemente marcados pelo fator racial, três dos entrevistados são donos de estabelecimentos no bairro Santa Fe, cuja população, em sua quase totalidade, é negra, assim como o público de tais estabelecimentos. Os outros dois entrevistados são donos de estabelecimentos altamente conhecidos na cidade, em razão da culinária da região do pacífico colombiano e por serem locais que promovem a cultura afro-colombiana. Já em Brasília, o critério utilizado para a escolha dos entrevistados se baseou em buscas on-line acerca de empreendimentos cujo marketing e divulgação da marca são voltados para a população negra e/ou cujo serviço está intrinsecamente relacionado à cultura africana. Para as entrevistas, foi utilizado um roteiro contendo as seguintes perguntas: a. Por que você decidiu empreender? b. Quando seu empreendimento foi criado? c. Você considera seu negócio um afroempreendimento? d. Você fez uso de algum programa de crédito (ou microcrédito) para constituir o capital inicial da sua empresa ou para seu desenvolvimento? Qual? e. Seu negócio é gerenciado apenas por você ou há outros sócios? f. Você tem empregados formais? g. Você considera necessária a criação de uma lei específica de incentivo aos afroempreendimentos?

Nesse sentido, interrogou-se qual a visão dos entrevistados sobre o afroempreendedorismo e se o seu negócio pode ser configurado como tal. Assim, ao serem questionados se conheciam a palavra “afroempreendedor”, objetivou-se não só delinear a presença negra e as dinâmicas raciais no mundo empreendedor, mas também perquirir sobre a possibilidade de uma conceituação da palavra a partir do próprio autorreconhecimento e das experiências particulares de empresários e comerciantes negros e negras, enquadrados em uma paisagem mais ampla das dinâmicas sociais, políticas e jurídicas da América Latina.

Em Bogotá, no tocante ao perfil dos cinco entrevistados, três afroempreendedores eram do sexo masculino e duas do feminino; a faixa etária está entre 42 e 60 anos; os ramos dos afroempreendimentos são: quatro culinários e um estético. Apesar de todos serem colombianos, nenhum dos entrevistados é natural de Bogotá, cidade na qual decidiram desenvolver os seus negócios. Uma característica em comum é a de que todos são da região pacífica da Colômbia, onde a maior parte da população negra se encontra no país.4 4 De 80% a 90% dos habitantes da região banhada pelo Pacífico na Colômbia são negros (WADE, 2003).

Quando perguntados se consideravam o negócio um afroempreendimento, a maioria dos entrevistados aparentou dúvida ou falta de familiaridade com o termo, que precisou ser explicado em algumas ocasiões, seguindo o conceito do Sebrae. Apesar disso, todos afirmaram que sim, tratava-se de um afroempreendimento, com destaque para duas respostas: um entrevistado do ramo culinário declarou que trazia a cultura de sua região (o estado de Chocó, localidade onde a maioria da população é negra) para a cidade andina; e uma entrevistada do ramo estético afirmou que muitos de seus clientes são negros, o que caracteriza seu negócio como um afroempreendimento.

Em Brasília, foram identificados afroempreendimentos com maior facilidade que em Bogotá, e o desconforto ao falar sobre a questão afro relacionada ao negócio foi identificado, porém em menor quantidade que na Colômbia. Nos casos em que esse desconforto ocorreu, foi seguido da explicação que o estabelecimento era um empreendimento, mas não um afroempreendimento. Foram entrevistados quatro mulheres e um homem com idades entre 29 e 50 anos, sendo um dos entrevistados nacional da Nigéria. Os empreendimentos se classificam em quatro estéticos e um culinário. Característica em comum com os entrevistados de Bogotá é que nenhum empresário participante da entrevista é natural de Brasília, mas todos escolheram a cidade para desempenhar seu trabalho. Entre eles, apenas três dos cinco consideram seu negócio um afroempreendimento.

Em um primeiro momento, é interessante observar os motivos que os entrevistados deram para o seu negócio ser considerado um afroempreendimento. Diferentemente de um enquadramento único, as respostas seguem variados caminhos, as quais consideram o público-alvo, o conceito/enfoque, o processo de produção dos produtos vendidos, os tipos de pessoas que gerenciam e trabalham no empreendimento e a cultura. Ou seja, a cultura é um elemento presente nas respostas, mas não único e exclusivo.

Em relação ao público, vejamos algumas respostas:

Pesquisador: E por que você considera que seja um afroempreendimento?

Entrevistada: É que aqui vêm muitas pessoas negras, de todos os tipos.

Entrevistada do ramo estético em Bogotá, 48 anos.

Sim, porque a gente tá voltado pra literalmente em afro, então acho que sim. Não que a gente não faça cabelos de pessoas brancas, mas a grande maioria dos clientes que a gente tem, a gente considera negro.

Entrevistada do ramo estético em Brasília, 29 anos.

Como pode ser visto, as respostas apontam que a questão de o público-alvo ser negro é importante. Ou seja, e como é observado em outras entrevistas, o negócio é planejado para atender e absorver um nicho específico de pessoas, as quais muitas vezes não se veem representadas pelos produtos circulados por outras empresas. Muitas vezes, inclusive, os negócios surgem de demandas pessoais e coletivas, como os salões de beleza ou os restaurantes voltados para a congregação de negros e negras oriundos de outras regiões do país. Por outro lado, por mais que seja fundamental esse animus de atender pessoas negras, ele não é um fator absolutamente determinante, na medida em que os negócios realizam serviços e vendem produtos para pessoas brancas. Há, portanto, uma consciente orientação, não exclusiva, para abarcar um público específico.

A questão do público-alvo exclusivo apareceu, inclusive, nas respostas das pessoas que não consideravam o seu estabelecimento um afroempreendimento, justamente por atenderem pessoas não negras, como pode ser visto nas seguintes entrevistas:

Eu não sei, eu acho que é empreendedorismo, eu chamo de empreendedorismo, não afro, entendeu? Talvez seja, mas eu nunca tive essa visão, de ser afroempreendedorismo. Eu queria trabalhar com cabelo crespo e cacheado porque eu me identificava porque como eu tinha mais facilidade aí eu trabalhei com o público crespo e cacheado, e eu gostava, entendeu? Agora não por ser “ah porque crespo, porque cacheado, porque é negro”, acho que eu não tinha essa visão.

Entrevistada do ramo estético em Brasília, 44 anos.

Isto é um empreendimento comum, como qualquer outro que está estabelecendo posicionamento para um nicho de mercado onde antes não se trabalhava. Eu não vou ter um afronegócio, isso nunca passou pela minha cabeça. Afro vem das descendências africanas, para públicos únicos e exclusivamente negros. [...] eu tenho origens de afrodescendência então eu sempre gostei dessas coisas mais voltadas [ao afro], mas eu atendo qualquer tipo de pessoa. É um salão afro e afins.

Entrevistada do ramo estético em Brasília, 32 anos.

Diante dessas respostas e da dificuldade ou negação das entrevistadas de enquadrar os seus estabelecimentos como afroempreendimento em decorrência do público-alvo, por mais que eles tenham todas as demais características típicas desse tipo de negócio (propriedade, gerência e trabalhadores negros, circulação de bens simbólicos da cultura negra, comercialização de certos serviços e produtos), entende-se que, para a formulação de marcos legais e políticas públicas, o elemento público não deve ser indispensável, sob o risco de se realizar uma exclusão de sujeitos que mereceriam ser alvo de medidas afirmativas e de inclusão no campo empresarial.

Em relação ao processo de produção, é interessante a resposta de uma empresária do ramo culinário em Bogotá, que, além de caracterizar o seu negócio a partir de um enfoque racial e inclusivo de todos os agentes envolvidos na manufatura do produto, ajuda a iluminar possíveis políticas públicas para empreendimentos negros que sejam capazes de abarcar toda a cadeia produtiva:

Sim, o considero porque, primeiro, pelo enfoque que se dá ao restaurante. A proposta ou conceito, como queiram dizer, é totalmente afro. Por quê? Porque primeiro manejo uma política que todos os que trabalham no restaurante são negros, para manter a constância da comida, o acorde. Ademais os produtos que manejamos da nossa costa pacífica, ou seja, o peixe se traz de lá, os que pescam são pessoas negras, e isso me parece que é uma cadeia que ajuda a que nossa raça cresça em diferentes conceitos. [...] Eu quero que cada pessoa que venha aqui comer meu prato de comida se conscientize de que nós negros somos grandes empresários, somos grandes atletas, somos grandes artistas, e que temos muito a trazer ao mundo em todos os âmbitos.

Entrevistada do ramo culinário em Bogotá, 50 anos.

Como essa foi a única resposta que apresentou uma visão de afroempreendimento que leva em consideração a necessidade de toda a cadeia produtiva ser formada por pessoas negras, acredita-se que esse elemento não deve ser fundamental ao preenchimento do conceito. Por outro lado, notam-se dois aspectos importantes que potencializam a utilização do termo. Primeiro, percebe-se como uma política voltada para o empresário negro pode gerar processos de inclusão racial que vão muito para além do seu negócio em si. Como a entrevistada aponta, um pargo rojo en salsa de camarones5 5 Prato típico colombiano. servido em Bogotá pode trazer uma série de benefícios à comunidade negral em geral, desde os cozinheiros e garçons que trabalham no restaurante às comunidades de pescadores de cidades como Buenaventura e Tumaco, localizadas na costa do Pacífico, além dos intermediários que facilitam o trânsito, armazenamento e condicionamento do produto ao longo do país. Essa perspectiva aparece em outro momento da entrevista:

Pesquisador: E quantos empregados formais possui?

Entrevistada: Formais, dezessete. Mães cabeças de família, essa é outra política que sempre procurei que se concretizasse dentro do restaurante. É uma maneira de ajudá-las.

Ademais, a consciência radical da importância de um afroempreendimento em países ainda estruturados pelo racismo desloca as percepções raciais sobre os vínculos e os lugares dos negros com a economia e a circulação de riquezas. Ou seja, rasura as ideias que atribuem negros e negras necessariamente ao subemprego e à subcidadania, apontando outro horizonte de produção e absorção da riqueza, mais justo e democrático. Assim, o enfoque adotado pela entrevistada permite importantes deslocamentos de fundo sobre as definições de empreendimento e afroempreendimento, tanto do ponto de vista econômico como do simbólico.6 6 O enfrentamento do racismo simbólico fica evidente na continuação do diálogo com a entrevistada: “Pesquisador: Ah, bom. E eu percebi que as paredes, em todo o restaurante, têm muitas [fotos de] personalidades negras. Por que decidiu decorar assim? Entrevistada: Bom, isso foi uma decisão tomada por várias pessoas que possuem negócio aqui em Bogotá. Porque queremos ressaltar que os negros não somos somente como querem ver aqui em Bogotá, pois esse é um problema que temos, que temos lutado. E é que o negro supostamente é o que vende a fruta nas esquinas. Que a negra tem que ser a senhora do serviço [de limpeza], e não. Eu quero que cada pessoa que venha aqui comer meu prato de comida se conscientize de que nós negros somos grandes empresários, somos grandes atletas, somos grandes artistas, e que temos muito a trazer ao mundo em todos os âmbitos”.

Sobre a importância da cultura para a definição do afroempreendimento, das dez entrevistas, três a mencionaram diretamente. Vejamos:

Bom, aqui é um intercâmbio cultural entre as pessoas negras com as pessoas daqui de Boyacá, com as pessoas do interior, entende? É uma cultura totalmente diferente. [...] é um lugar que nos congrega, é um lugar que nos convoca. As pessoas chegam, almoçam e ficam aqui, e ficamos debatendo temas a nível nacional e internacional, sobre tudo o que abarca a política negra, a diáspora africana fora da África e ao mesmo tempo sobre a África também.

Entrevistado do ramo culinário em Bogotá, 60 anos.

É um afroempreendimento porque é um restaurante que representa a culinária e cultura africana. [...] Como eu sou um homem de negócios, eu acho que às vezes é bom trazer o pessoal na mesa, com ideias, debates, que faz mais sentido. Debates que trazem ideias que vai ajudar a divulgar a cultura africana para o povo brasileiro.

Entrevistado do ramo culinário em Brasília, 29 anos.

Sim, exatamente. Sim, algo que uma pessoa conhece, sua cultura. Aqui nós trabalhamos com peixe, que é o que consumimos na região [de Chocó] e trazemos um pouquinho disso para cá, para a cidade.

Entrevistado do ramo culinário em Bogotá, 42 anos.

Como pode ser visto nessas três entrevistas, a importância da cultura emerge em dois sentidos. Primeiro, ela está nos próprios produtos comercializados, os quais representam e significam valores africanos ou afro-diaspóricos, além de estarem atrelados a processos de produção vinculados às experiências da população negra ao redor do mundo. Ademais, a cultura aparece como elemento a que o estabelecimento fornece acesso e permite a circulação, ou seja, o empreendimento permite relações, trocas e discussões culturais e políticas sobre temas, assuntos e princípios relacionados à população negra.

Nesse sentido, a cultura não está somente no produto em si, mas também no que é facilitado a partir da circulação do negócio. Ou melhor: o próprio produto carrega valores, processos e sensibilidades que articulam esse intercâmbio cultural. Um prato servido à mesa não é somente uma comida. Assim, no conjunto das entrevistas, por mais que a cultura não apareça como um elemento necessário para a conceituação da palavra “afroempreendedor”, devido à sua importância para esses empreendimentos, ela deve ser tomada em uma acepção mais ampla, vinculada à africanidade e às suas reinvenções diaspóricas nas Américas. Tal entendimento, inclusive, permite um deslocamento das ideias de produção, produto e mercadoria, as quais, em geral, são entendidas em termos eurocêntricos, invisibilizadores e inviabilizadores de experiências negras (FLOR DO NASCIMENTO, 2016FLOR DO NASCIMENTO, Wanderson. Ojolá: entre encontros – Exu, o senhor do mercado. Das Questões, [s.l.], v. 4, n. 1, p. 28-39, 2016.). Potencializam-se, assim, novas estratégias jurídicas e políticas de enfrentamento do racismo no campo do empreendedorismo.

Por fim, uma última definição de afroempreendedorismo apareceu em entrevista com um empreendedor do ramo culinário em Bogotá. Essa visão entende o afroempreendimento como aquilo que permite à pessoa negra alcançar um grau de autonomia e de ser dona da sua própria vida. Vejamos:

Pesquisador: Por que decidiu fazer um restaurante, começar a empreender?

Entrevistado: Porque quis montar meu negócio próprio, ou seja, quis ser independente e não trabalhar para ninguém mas sim ter minha própria empresa.

Pesquisador: E desde quando o restaurante existe?

Entrevistado: Há trinta anos.

Pesquisador: Você considera que é um afroempreendimento?

Entrevistado: Sim, claro.

Pesquisador: Por que o considera?

Entrevistado: Porque é um trabalho independente, não precisa prestar contas a ninguém. Se quer trabalhar trabalha, se não quiser trabalhar não trabalha. Esse é o bom de ser independente [sic].

Entrevistado do ramo culinário em Bogotá, 49 anos.

Apesar de aparentemente singela, ao relacionar o afroempreendedorismo à ideia de independência, essa resposta é reveladora de diversas questões de fundo. Primeiro, é importante contextualizar a ideia de autonomia dentro da história de longa duração da população negra nas Américas. Como abordado na seção 1, em uma experiência coletiva que vai do cativeiro da escravidão às condições de subcidadania nos pós-abolições, o ato comercial está vinculado a uma dimensão profunda da liberdade individual e coletiva. Não uma liberdade abstrata ou facilmente reinscrita em novos processos de constituição de capital, mas uma liberdade material, real e concreta. Essa autonomia – expressa no não precisa prestar contas a ninguém – significa romper com o passado e o destino coletivos de uma comunidade que constantemente tem o seu lugar social de exploração e subalternidade recriado pelas dinâmicas políticas e econômicas. Há, portanto, nos atos dos afroempreendedores de hoje, como havia nos atos das ganhadeiras do passado, que utilizavam o dinheiro oriundo do lucro dos seus negócios para pagar as alforrias de filhos, irmãos, marido, parentes e amigos, uma vinculação profunda entre liberdade e enfrentamento do racismo, articuladas no ato comercial.

Essas estruturas de imobilismo e servidão da população negra continuam no presente, como algumas das entrevistas demonstram. O ato comercial, longe de se encaixar na narrativa do empreendedor individual supostamente portador de um grande mérito, é fruto de esforços, dramas, dilemas e investimentos coletivos, muitas vezes familiares, em que a prática empreendedora tem como condição a prática comunitária ao mesmo tempo que objetiva a transcendência da condição de subalternidade dessa mesma comunidade. Vejam-se os seguintes relatos:

Pesquisador: Então qual foi o capital inicial que você conseguiu montar a empresa?

Entrevistada: O que acontece, meu marido tinha uma conta em um banco do governo e a gente teve que pedir dinheiro emprestado para esse banco porque estava no nome do meu marido, porque ele já tinha essa conta antiga. A gente precisava para começar de R$ 60.000,00 e o banco só emprestava R$ 6.000,00, mas a gente queria começar de toda a forma, então nós pegamos esses seis mil, pagamos esse valor em três anos, pagamos R$ 24.000,00 de R$ 6.000,00, isso banco do governo. Aí o meu irmão, por ser funcionário público, pegou também um crédito que ele tinha para emprestar para gente, também três anos pagando. Aí o irmão empresta, o primo empresta, então vamos juntando, pegando ali as migalhas que você tem e você consegue começar a dar início ao negócio. Depois você vai passar uns três anos apertado, porque você vai ter que pagar tudo o que você pediu e depois você começa a respirar para aí poder investir no negócio. É difícil empreender no Brasil, é muito difícil.

Entrevistada do ramo estético em Brasília, 44 anos.

Pesquisador: E vocês fizeram algum programa de crédito ou microcrédito pra começar a empresa ou pra desenvolver ela?

Entrevistada: Não, a gente teve um investimento da nossa mãe. Assim, em meio de terceiros a gente ainda não precisou. No momento nossa mãe investiu na gente e desde que ela investiu a gente vem reinvestindo aquele investimento que ela fez, a gente não precisou de banco ainda não, graças a Deus.

Entrevistada do ramo estético em Brasília, 29 anos.

Pesquisador: E você já fez uso de algum programa de crédito pra começar ou pra desenvolver a empresa?

Entrevistada: Não, só dos meus filhos [risos], meu banco foram os filhos. Graças a Deus até agora eu não precisei.

Entrevistada do ramo estético em Brasília, 50 anos.

Nota-se, portanto, como o ato de comercializar envolve trajetórias coletivas. Mais do que isso: ele é um rompimento, muitas vezes em um sentido comunitário, com o destino racial de países marcados pelo racismo, nos quais o Estado e o sistema econômico são estruturados para impedir o progresso da população negra. Os negócios, portanto, surgem do enfrentamento desse estado de coisas, que impossibilita o bem viver, a liberdade e a autonomia de negros e negras. Assim, no afroempreendedorismo, há um animus, muitas vezes implícito, de combate ao racismo e de reversão da distribuição desigual do acesso à riqueza e aos direitos. O ato comercial deve ser interpretado dentro de fenômenos de longa duração e de aniquilação do exercício da autonomia, em que ser negro implica a negação constante da possibilidade de constituir patrimônio e circular riquezas. É contra o pano de fundo de constituição branca do capital nas Américas que se coloca o afroempreendedor.

A análise das entrevistas aponta também para uma conceituação de afroempreendedorismo que deve levar em conta uma série de elementos – público, cadeia produtiva, força de trabalho empregada, enfoque do negócio, animus do empreendedor, usos da cultura negra e raça dos envolvidos no estabelecimento –, os quais, à exceção das características raciais do próprio dono do negócio, não precisam estar presentes em sua totalidade em determinado empreendimento. Por outro lado, esses elementos devem ser analisados em conjunto, colocados em perspectiva histórica, percebidos à luz das desigualdades do presente e compreendidos dentro das práticas negras de enfrentamento do racismo. Essa análise mais complexa, ainda que preliminarmente aberta, talvez seja a mais adequada à construção de mecanismos de promoção da igualdade racial em contextos nos quais o afroempreendedorismo se apresenta sob diversas formas, não reduzíveis a um único padrão.

Todos esses elementos apontam para uma reorientação da hermenêutica jurídica, especialmente nas interseções entre direito público e privado. De princípio, visualizam-se três aspectos. Primeiro, notam-se a suspeita e a desconfiança que devem acompanhar a leitura e a interpretação de diferentes textos jurídicos, como manuais de dogmática e decisões judiciais, que, ao pretensamente descreverem processos universais, silenciam experiências e práticas da população negra (NASCIMENTO, DUARTE e QUEIROZ, 2017). Particularmente no âmbito do direito empresarial, é preciso entender que o sujeito de direitos e obrigações ali descrito (o empresário) muitas vezes contrasta com a vasta maioria das pessoas que empreendem e circulam valores no cotidiano latino-americano. Aponta-se, portanto, a necessidade de reconstrução da cultura e do imaginário do direito privado, das salas de aulas aos tribunais, levando-se em consideração o racismo como fenômeno estruturante das relações empresariais. O silêncio sobre a “raça” universaliza uma experiência em geral branca, masculina e abastada, tornando a prática jurídica pouco hábil a efetivar direitos de negros e negras que empreendem ou querem empreender.

Ademais, o afroempreendedorismo requer um horizonte mais complexo nas políticas de direitos para a população negra, transcendendo os marcos tradicionais, em geral enfocados em políticas de educação, saúde, segurança pública e territórios. Como já apontava Abdias Nascimento, ao propor o simbólico Projeto de Lei n. 1.332/1983, o enfrentamento do racismo requer um rearranjo não só das instituições públicas, mas também da sociedade civil e do mundo empresarial. Para tanto, faz-se necessária a presença de juristas habilitados a interpretar criativamente as constituições colombiana e brasileira – levando-se em conta a própria constitucionalização do direito privado (FACCHINI NETO, 2013) – na estruturação do quadro normativo de políticas que forneçam insumos e possibilidades a empreendedores negros e também tornem as relações empresariais mais inclusivas e democráticas. Ações afirmativas e práticas antidiscriminatórias adotadas por empresas nos últimos anos dão um importante tom de que a sociedade civil começou a se mover; no entanto, falta ao próprio Estado incentivar e coordenar esse tipo de iniciativa em um projeto maior de promoção da igualdade racial.

Por fim, o afroempreendedorismo coloca uma grande questão no centro da sala do direito privado: “raça” e racismo importam para as relações empresariais. Trata-se de um pequeno gesto, mas de consequências profundas. A partir do momento em que juristas começarem a levar a sério o impacto desses dois fatores nos espaços de circulação de riquezas na América Latina, poderemos assistir a um giro nas posturas e decisões a respeito de dinâmicas cotidianas das empresas, desde as relativas a créditos, insumos e tributos até aquelas pertinentes à fixação da qualidade e dos valores indenizatórios em casos de racismo cometidos em estabelecimentos comerciais. O afroempreendedorismo, portanto, aponta outras prioridades na hermenêutica do direito privado, exigindo que os juristas estejam aptos a pensar e encaminhar as demandas da população negra. Não se pode falar de direito e riqueza esquecendo-se do grupo humano que construiu as bases materiais deste continente. Fazer isso é perpetuar a injustiça.

CONCLUSÃO

“Eu montei meu negócio porque quis ser independente e não trabalhar para ninguém, mas sim ter minha própria empresa.”

Entrevistado do ramo culinário em Bogotá, 49 anos.

O artigo buscou realizar uma aproximação do conceito de afroempreendedorismo por meio de entrevistas com empresários negros nas cidades de Bogotá e Brasília. Ao realizar esse movimento, dentro da discussão mais ampla de empreendedorismo e relações raciais, refinou como certos elementos aparecem constantemente nas diferentes definições do termo. Dimensionando-os a partir das próprias respostas dos entrevistados, constatou-se que uma conceitualização mais adequada deve estar atenta à presença dessas características, as quais, no entanto, não devem necessariamente aparecer em sua totalidade na prática comercial. Ou seja, a cultura, o enfoque, o tipo de bem comercializado, a estrutura da cadeia produtiva, o processamento do produto, a raça/cor dos trabalhadores do negócio e outros elementos devem auxiliar, de maneira não exclusiva, na definição de um negócio, capitaneado por uma pessoa negra, como afroempreendedorismo ou não.

Essa definição aberta se apresenta como mais adequada a um campo de investigação e intervenção ainda incipiente, respeitando as próprias definições dos empreendedores e tendo responsabilidade com o passado e o presente de exclusão racial nas Américas. Tal responsabilidade se caracteriza por conectar os afroempreendedores de hoje à longa tradição de empreendedorismo negro no continente, que remonta ao período escravista e às lutas por liberdade. Assim, formula-se um enquadramento no qual o conceito seja capaz de apontar e tensionar o entrelaçamento entre direito, políticas públicas, história e identidade nacional em países como o Brasil e a Colômbia, os quais apresentaram avanços em medidas de promoção da igualdade racial nos últimos anos, mas que pouco fizeram em relação a uma distribuição mais democrática e justa da riqueza, do patrimônio e do capital entre negros e brancos. Por fim, foi fornecida não somente uma aproximação do conceito, mas também uma visão de como determinados elementos que rondam a prática afroempreendedora podem auxiliar na interpretação jurídica e na formulação de políticas públicas. Como foi colocado, o afroempreendedorismo é marcado por uma experiência, que é a da diáspora africana, e é a partir dela que ele deve ser lido.

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  • WILLIAMS, Eric. Capitalism & Slavery. Richmond, Virgínia: The University of North Carolina Press, 2002.
  • 1
    Este artigo é resultado das atividades do projeto “Justiça, racismo e sexismo: dimensões da desigualdade nos sistemas de justiças do Brasil, dos EUA e da Colômbia, as estratégias de análise do controle judicial”, aprovado e financiado no âmbito do Programa de Desenvolvimento Acadêmico Abdias Nascimento, Edital Secadi/Capes, n. 02/2014, sob a supervisão dos professores Evandro Piza Duarte, Claudia Mosquera Rosero--Labbé e Rosembert Ariza Santamaría, na Universidade de Brasília e na Universidad Nacional de Colombia.
  • 2
    No Brasil, seguindo abordagens desenvolvidas pelo movimento negro em sua rearticulação nos anos 1970, é fundamental a obra Discriminação e desigualdades raciais no Brasil, de Carlos Hasenbalg, publicada em 1979. Por meio da interpretação sociológica dos dados estatísticos, o livro demonstrava como as permanências e mutações da desigualdade racial decorriam do racismo, não sendo explicáveis apenas de um ponto de vista “puramente” econômico. Ou seja, rompia-se com o paradigma anterior vigente nas ciências sociais brasileiras.
  • 3
    Segundo pesquisa de 2017 realizada pela Global Entrepreneurship Monitor, em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), negros correspondem a 51% dos empresários no Brasil. No entanto, são apenas 1% entre os que ganham de R$ 60 mil a R$ 360 mil e correspondem a 60% dos empreendedores que não lucram nada. Para mais informações, veja-se IBQP (2018)INSTITUTO BRASILEIRO DE QUALIDADE E PRODUTIVIDADE (IBQP). Análise dos resultados do GEM 2017 por raça/cor. [S.l.], 2018..
  • 4
    De 80% a 90% dos habitantes da região banhada pelo Pacífico na Colômbia são negros (WADE, 2003WADE, Peter. Compreendendo a “África” e a “negritude” na Colômbia: a música e a política da cultura. Estudos Afro-Asiáticos [on-line], [s.l.], ano 25, n. 1, p. 145-178, 2003.).
  • 5
    Prato típico colombiano.
  • 6
    O enfrentamento do racismo simbólico fica evidente na continuação do diálogo com a entrevistada: “Pesquisador: Ah, bom. E eu percebi que as paredes, em todo o restaurante, têm muitas [fotos de] personalidades negras. Por que decidiu decorar assim? Entrevistada: Bom, isso foi uma decisão tomada por várias pessoas que possuem negócio aqui em Bogotá. Porque queremos ressaltar que os negros não somos somente como querem ver aqui em Bogotá, pois esse é um problema que temos, que temos lutado. E é que o negro supostamente é o que vende a fruta nas esquinas. Que a negra tem que ser a senhora do serviço [de limpeza], e não. Eu quero que cada pessoa que venha aqui comer meu prato de comida se conscientize de que nós negros somos grandes empresários, somos grandes atletas, somos grandes artistas, e que temos muito a trazer ao mundo em todos os âmbitos”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    24 Jul 2020
  • Aceito
    17 Mar 2022
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