Acessibilidade / Reportar erro

O papel das finanças sustentáveis na transição verde

1. INTRODUÇÃO

Discussões e iniciativas para abordar os problemas socioambientais existem há décadas. O Protocolo de Kyoto, estabelecido em 1997, deu origem ao mercado de crédito de carbono. Em 2000, a Organização das Nações Unidas (ONU) lançou o Pacto Global, plataforma que discute e promove políticas e práticas para empresas comprometidas com a sustentabilidade e responsabilidade social corporativa ( corporate social responsibility - CSR). Em 2004, Kofi Annan, então secretário-geral da ONU, introduziu o termo environmental, social, and governance (ESG) (ambiental, social e governança) para convidar investidores institucionais a se unirem ao Pacto Global na integração do investimento responsável ao mercado de capitais. Em 2006, com o apoio da ONU, foram lançados os Princípios de Investimento Responsáveis ( Principles for Responsible Investment - PRI), plataforma que auxilia investidores institucionais na incorporação dos aspectos ESG em seus processos de investimento. Em 2015, a ONU estabeleceu os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), agenda mundial para construção e implementação de políticas públicas que visam guiar a humanidade até 2030, e países se comprometeram com metas de redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE).

Na última década, os critérios ESG vêm se tornando cada vez mais relevantes na tomada de decisão de investimentos. O número de signatários do PRI aumentou de 63 instituições financeiras, que administravam US$ 6,5 trilhões em ativos em 2006, para mais de 5.000, com o total de US$ 120 trilhões em ativos sob gestão em 2022 ( PRI, 2022Principles for Responsible Investment. (2022). PRI em um mundo em mudança. https://www.unpri.org/download?ac=17654
https://www.unpri.org/download?ac=17654...
). Em 2020, a Global Sustainable Investment Alliance (GSIA) estimou em US$ 35,3 trilhões o valor de investimentos vinculados a estratégias ESG, correspondendo a 35,9% do total de ativos geridos globalmente. Diante dessa demanda, as corporações vêm se comprometendo com metas de sustentabilidade e intensificando a divulgação de suas práticas ESG.

No entanto, existem vários questionamentos sobre o poder do investimento sustentável de promover maior sustentabilidade e prosperidade compartilhada para a sociedade como um todo ( Baghat, 2022Baghat, S. (2022). An inconvenient truth about ESG investing. Harvard Business Review. https://hbr.org/2022/03/an-inconvenient-truth-about-esg-investing
https://hbr.org/2022/03/an-inconvenient-...
; Cornell & Damodaran, 2020Cornell, B., & Damodaran, A. (2020). Valuing ESG: Doing good or sounding good? [Working Paper]. Social Science Research Network. https://doi.org/10.2139/ssrn.3557432
https://doi.org/10.2139/ssrn.3557432...
). Embora o capital possa influenciar o comportamento de empresas e governos e a lógica do investimento responsável e ESG pareça adequada para direcionar o mundo para a agenda 2030, a transição verde é complexa, requer visão sistêmica e investidores e corporações são apenas algumas das peças da engrenagem para implementar essa mudança. Visões simplistas podem até mesmo retardar transições para modelos mais sustentáveis.

O objetivo deste artigo é discutir a lógica do investimento ESG, desafios e tendências. As finanças sustentáveis têm ganhado destaque na literatura acadêmica, impulsionadas pela crescente conscientização sobre a necessidade da transição verde: migração de uma economia linear, com base em combustível fóssil e muita desigualdade social, para uma economia circular, neutra em carbono e socialmente mais justa. É uma área promissora para novas pesquisas.

2. A LÓGICA POR TRÁS DO INVESTIMENTO SUSTENTÁVEL

Ao se tornar signatário do PRI, o investidor institucional reconhece que tem o dever fiduciário de agir no melhor interesse de longo prazo de seus beneficiários, e que as questões ESG podem afetar o desempenho dos portfólios de investimento em graus variáveis entre empresas, setores, regiões, classes de ativos e ao longo do tempo. Também reconhece que a aplicação dos PRI alinha os investidores com os objetivos mais amplos da sociedade. Comprometem-se com seis princípios ( PRI, 2022Principles for Responsible Investment. (2022). PRI em um mundo em mudança. https://www.unpri.org/download?ac=17654
https://www.unpri.org/download?ac=17654...
): 1) incorporar questões de ESG na análise de investimento e nos processos de tomada de decisão; 2) ser proprietário ativo e incorporar questões de ESG nas políticas e práticas de propriedade; 3) buscar a divulgação apropriada sobre questões de ESG pelas entidades nas quais investem; 4) promover a aceitação e implementação dos PRI na indústria de investimentos; 5) trabalhar juntos para melhorar a eficácia na implementação dos PRI; 6) relatar as atividades e progresso em relação à implementação dos PRI.

Os investidores institucionais podem ser segmentados em dois grupos: os detentores dos recursos e os gestores de ativos. Os detentores dos recursos são os fundos de pensão, fundos soberanos, wealth managers e family office que administram bilhões de dólares de investidores; alocam esse capital em diversas classes de ativo, de acordo com as preferências de risco, retorno e liquidez de seus beneficiários. As classes são renda fixa, renda variável, hedge funds, ilíquidos [ private equity, venture capital (VC), imóveis, infraestrutura, legal claims] e outros ( tokens, criptomoedas). Em vez de alocarem seus recursos diretamente em títulos de dívida e ações de empresas, investem por meio dos gestores de ativos, especializados em uma ou mais classes de ativos, oferecendo produtos e fundos passivos que seguem algum índice ou benchmark ou fundos ativos que procuram ter um retorno superior ao mercado.

Os detentores de recursos são pressionados por governos, sociedade e beneficiários para integrar ESG na decisão de investimento. Cobram que os gestores de ativos incorporem aspectos ESG nas políticas e práticas de propriedade e divulguem como estão implementando e o progresso obtido. Dessa maneira, os gestores de recursos são induzidos a realizar investimentos sustentáveis para não serem negligenciados por detentores de recursos. Além das considerações de risco, retorno e liquidez, passam a incorporar considerações ESG na seleção e manutenção de títulos de dívida e ações nos fundos e outros produtos que administram. As empresas, por sua vez, acabam sendo pressionadas por esses gestores a se comprometer com metas de melhorias socioambientais e a publicar relatórios de sustentabilidade para não terem dificuldade em captar recursos. As publicações aumentam a transparência do sistema.

Provedores de informação, como Bloomberg, Morgan Stanley Capital International (MSCI), Morningstar e Standard & Poor's (S&P), examinam os relatórios das empresas e dos investidores institucionais, fazem análises e emitem scores ESG de empresas e de fundos e índices ESG. As análises, scores e índices são utilizados pelos investidores institucionais para tomar a decisão de investimento.

Investimentos sustentáveis englobam produtos financeiros ou estratégias de investimento que seguem uma ou um conjunto das estratégias a seguir ( GSIA, 2021Global Sustainable Investment Alliance. (2021). Global Sustainable Investment Review 2020. https://www.riacanada.ca/content/uploads/2021/07/GSIR-2020.pdf
https://www.riacanada.ca/content/uploads...
):

  1. Screening com base em normas - Seleção de investimentos com base em padrões mínimos de práticas de negócios ou emissores baseados em normas internacionais, tais como as emitidas pela ONU, Organização Internacional do Trabalho (OIT) e Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE);

  2. Screening negativo ou de exclusão - Exclusão de certos setores, empresas, países ou outros emissores de um fundo ou portfólio com base em atividades consideradas não apropriadas para investimento. Os critérios de exclusão são baseados em normas e valores e podem se referir, por exemplo, a categorias de produtos (ex.: armas, tabaco), práticas empresariais (ex.: testes em animais, violação dos direitos humanos, corrupção) ou controvérsias;

  3. Screening positivo ou melhor da classe - Investimento em setores, empresas ou projetos selecionados por desempenho positivo em ESG em relação aos pares da indústria e que alcançam uma classificação acima de um limite definido;

  4. Integração ESG - A inclusão sistemática e explícita dos fatores ESG na análise financeira pelos gestores de investimento;

  5. Engajamento corporativo - Uso do poder do acionista para influenciar o comportamento corporativo orientado por diretrizes abrangentes de ESG, seja por meio de engajamento direto (por exemplo, comunicação com alta administração e/ou conselho da empresa), apresentando ou coapresentando propostas de acionistas e votação por procuração;

  6. Investimento temático em sustentabilidade - Investir em temas ou ativos que contribuem especificamente para soluções sustentáveis (ex.: agricultura sustentável, construções verdes, portfólio com menor inclinação ao carbono, igualdade de gênero, diversidade);

  7. Investimento de impacto - Investir para alcançar impactos socioambientais positivos. Exige medição e relatórios dos impactos, demonstrando a intencionalidade do investidor e do ativo/investimento subjacente, assim como a contribuição do investidor;

  8. Investimento em comunidades - O capital é direcionado especificamente para indivíduos ou comunidades tradicionalmente desassistidos ou para financiar empresas com claro propósito social ou ambiental. Embora exista intersecção com investimentos de impacto, o investimento comunitário é mais amplo e considera outras formas de investimento e atividades de empréstimo direcionadas.

A lógica sobre o papel do investidor responsável na promoção de benefícios socioambientais para a sociedade parece bastante coerente. Por meio da integração ESG e/ou estratégias de screening, as empresas com melhores práticas de CSR são valorizadas e as de piores práticas penalizadas. Dessa forma, cresce a demanda (diminui) por ativos com scores ESG elevados (mais baixos), gerando redução (aumento) do custo de capital para as empresas com melhores (piores) práticas. Por meio de estratégias de engajamento corporativo, investidores conseguem influenciar a alta administração e conselheiros das empresas para implementarem melhores práticas e financiar projetos e iniciativas necessárias para a transição. Por meio da estratégia de investimentos em temáticos, impacto e comunitário é possível direcionar os recursos para o financiamento de projetos e de metas ESG.

3. FALTA DE CONSENSO SOBRE MATERIALIDADE

As empresas utilizam o conceito de materialidade para guiar o processo do planejamento estratégico da sustentabilidade. Um assunto é material quando a empresa tem impacto sobre ele ou pode ser impactada por ele, e/ou influencia a avaliação e decisões de stakeholders. Materialidade difere entre setores industriais e estratégias. Por exemplo, emissão de carbono é muito mais material para uma empresa de óleo e gás do que para um banco. Direitos humanos é mais material para uma empresa que utiliza mão de obra barata de países em desenvolvimento do que para uma empresa que utiliza mão de obra altamente especializada num país desenvolvido ( Eccles & Serafeim, 2013Eccles, R. G., & Serafeim, G. (2013). Performance frontier: Innovating for a sustainable strategy. Harvard Business Review, 91(5), 17-18.).

O número de empresas que reportam aspectos ESG tem aumentado; entretanto, a qualidade da informação ainda é baixa, existe falta de informações relevantes, diversos padrões para reportar ESG (GRI, SAASB, TCFD, CDP) e não há consenso sobre o que é material ( Matos, 2020Matos, P. (2020). ESG and responsible institutional investing around the world: A critical review. CFA Institute Research Foundation. https://www.cfainstitute.org/-/media/documents/book/rf-lit-review/2020/rflr-esg-and-responsible-institutional-investing.pdf
https://www.cfainstitute.org/-/media/doc...
). Khan et al. (2016Khan, M., Serafeim, G., & Yoon, A. (2016). Corporate sustainability: First evidence on materiality. The Accounting Review, 91(6), 1697-1724. https://doi.org/10.2308/accr-51383
https://doi.org/10.2308/accr-51383...
) encontraram evidências de que empresas com melhor CSR em aspectos materiais, de acordo com o mapa de materialidade do Sustainability Accounting Standards Board (SASB), têm melhor retorno do que as com piores práticas, mas o mesmo não ocorre com os aspectos não materiais, refletindo que o mercado financeiro precifica aspectos materiais. Identificaram, também, que o score total ESG da MSCI, principal provedor de rating de sustentabilidade, não representa corretamente as forças e preocupações nos itens considerados materiais pelo SASB e que a variabilidade nos scores ESG totais é explicada principalmente por aspectos imateriais.

Há bastante dispersão entre os scores de sustentabilidade dos principais provedores. Berg et al. (2022Berg, F., Kölbel, J., & Rigobon, R. (2022). Aggregate confusion: The divergence of ESG ratings. Review of Finance, 26(6), 1315-1344. https://doi.org/10.1093/rof/rfac033
https://doi.org/10.1093/rof/rfac033...
) observaram que a correlação média entre os ratings ESG dos principais provedores é 0,54 e que a intersecção das 186 empresas classificadas no primeiro quintil entre todos os provedores é composta por apenas 8,15% da amostra total. Segundo os autores, o principal fator de divergência é a medição (como o atributo é medido), seguido pela divergência de escopo (o conjunto de atributos que descreve o desempenho E, S ou G da empresa). A divergência de ponderação (pesos dos atributos na agregação do score) é bem menos importante. Essa grande dispersão entre ratings indica que as empresas recebem sinais ambíguos sobre o que é valorizado como prática sustentável pelo mercado e sobre qual é a melhor forma de reportar. A falta de consenso dá margem a greenwashing - ter um aumento no rating ESG sem ter melhorado suas práticas em itens materiais ou com melhorias apenas cosméticas.

A busca pela padronização da taxonomia ESG é muito importante para a diminuição de dispersão entre os ratings e para uma melhor incorporação das práticas sustentáveis no valor das empresas. Embora longa, essa jornada já teve início. Em junho de 2023, o International Sustainability Standard Board (ISSB), criado pela International Financial Reporting Standards Foundation (IFRS Foundation), lançou o primeiro padrão global de reporte de sustentabilidade (IFRS S1 e IFRS S2), com o intuito de integrar nos relatórios contábeis. Deverá entrar em vigor em 1 de janeiro de 2024 e é apoiado por diversos países que deverão adotá-lo e muito provavelmente tornar a divulgação dos aspectos ESG obrigatórias ( Viri, 2023Viri, N. (2023). ISSB lança padrão global para sustentabilidade nos balanços. Reset. https://www.capitalreset.com/issb-lanca-padrao-global-para-sustentabilidade-nos-balancos/
https://www.capitalreset.com/issb-lanca-...
). Muitos traçam um paralelo sobre a evolução dos padrões de reporte de sustentabilidade com a dos padrões de reporte de contabilidade, iniciada há décadas.

Porém, mesmo que aumentem o consenso sobre o que é material e a qualidade das medições dos atributos ESG, ainda existirão divergências em classificações. Sustentabilidade não é um estado, mas um processo. Soluções para problemas atuais, como a descarbonização da economia, causarão novos problemas que gerações futuras terão que resolver. Por exemplo, o que será feito das diversas pás eólicas, painéis solares e baterias elétricas que precisarão ser descartados ao final da vida útil ou com o gás carbônico que foi estocado em cavernas para não aumentar a emissão de GEE? Portanto, a preocupação com a produção de informação de qualidade para os relatórios de sustentabilidade e com a interpretação desses dados não deve ofuscar a importância de investigar o processo, ou seja, como a sustentabilidade está inserida na cultura das empresas, como são identificados problemas e soluções e quais os projetos existentes para endereçar problemas e oportunidades.

4. ESTRATÉGIAS DE SCREENING E PROMESSA DE RETORNO SUPERIOR PARA PRODUTOS ESG

Várias gestoras lançam fundos e exchange traded funds (ETFs) ESG compostos por títulos de empresas com score de sustentabilidade alto, prometendo retorno superior - “ do well by doing good” ( Matos, 2020Matos, P. (2020). ESG and responsible institutional investing around the world: A critical review. CFA Institute Research Foundation. https://www.cfainstitute.org/-/media/documents/book/rf-lit-review/2020/rflr-esg-and-responsible-institutional-investing.pdf
https://www.cfainstitute.org/-/media/doc...
). Porém, produtos ESG são consistentes com uma estratégia de mitigação de risco e não com uma promessa de retorno superior. Uma maior CSR deveria contribuir para reduzir diversos tipos de riscos, como, por exemplo, regulatório, de cadeia de suprimento, de produto e de tecnologia e reputacional ( Gillan et al., 2021Gillan, S. L., Koch, A., & Starks, L. T. (2021). Firms and social responsibility: A review of ESG and CSR research in corporate finance. Journal of Corporate Finance, 66, 101889. https://doi.org/10.1016/j.jcorpfin.2021.101889
https://doi.org/10.1016/j.jcorpfin.2021....
). Estratégias de mitigação de risco são consistentes com a responsabilidade fiduciária de investidores institucionais com beneficiários de longo prazo.

Diversos artigos mostram que empresas com maior CSR correm menor risco sistemático ( Gillan et al., 2021Gillan, S. L., Koch, A., & Starks, L. T. (2021). Firms and social responsibility: A review of ESG and CSR research in corporate finance. Journal of Corporate Finance, 66, 101889. https://doi.org/10.1016/j.jcorpfin.2021.101889
https://doi.org/10.1016/j.jcorpfin.2021....
). Bénabou e Tirole (2010Bénabou, R., & Tirole, J. (2010). Individual and corporate social responsibility. Economica, 77(305), 1-19. https://doi.org/10.1111/j.1468-0335.2009.00843.x
https://doi.org/10.1111/j.1468-0335.2009...
) observaram que as empresas com propostas ESG mais elevadas são mais resilientes em tempo de crise, enquanto Albuquerque et al. (2019Albuquerque, R., Koskinen, Y., & Zhang, C. (2019). Corporate social responsibility and firm risk. Theory and empirical evidence. Management Science, 61(10), 4451-4469. https://doi.org/10.1287/mnsc.2018.3043
https://doi.org/10.1287/mnsc.2018.3043...
) propõem e encontram evidências de que melhores práticas de CSR resultam em menor elasticidade produto-renda devido à diferenciação do produto. Outros artigos relacionam risco de crédito com CRS ( Capasso et al., 2020Capasso, G., Gianfrate, G., & Spinelli, M. (2020). Climate change and credit risk. Journal of Cleaner Production, 266, 121634. https://doi.org/10.1016/j.jclepro.2020.121634
https://doi.org/10.1016/j.jclepro.2020.1...
; Gillan et al., 2021Gillan, S. L., Koch, A., & Starks, L. T. (2021). Firms and social responsibility: A review of ESG and CSR research in corporate finance. Journal of Corporate Finance, 66, 101889. https://doi.org/10.1016/j.jcorpfin.2021.101889
https://doi.org/10.1016/j.jcorpfin.2021....
; Zeidan & Onabulu, 2023Zeidan, R., & Onabulu, S. (2023). The generalized sustainability credit rating system. Revista Brasileira de Finanças, 21(1), 21-47. https://doi.org/10.12660/rbfin.v21n1.2023.88861
https://doi.org/10.12660/rbfin.v21n1.202...
). Apergis et al. (2022Apergis, N., Poufinas, T., & Antonopoulos, A. (2022). ESG scores and cost of debt. Energy Economics, 112, 106186. https://doi.org/10.1016/j.eneco.2022.106186
https://doi.org/10.1016/j.eneco.2022.106...
) e Seltzer et al. (2022Seltzer, L., Starks, L. T., & Zhu, Q. (2022). Climate regulatory risks and corporate bonds studies [Working Paper]. National Bureau of Economic Research. https://dx.doi.org/10.2139/ssrn.3563271
https://dx.doi.org/10.2139/ssrn.3563271...
) fornecem evidências de que o risco de crédito e os spreads de bonds corporativos estão relacionados negativamente com o score ESG, sobretudo com risco ambiental e em lugares que a regulamentação ambiental é mais rigorosa.

Pástor et al. (2021Pástor, L., Stambaugh, R. F., & Taylor, L. A. (2021). Sustainable investing in equilibrium. Journal of Financial Economics, 142(2), 550-571. https://doi.org/10.1016/j.jfineco.2020.12.011
https://doi.org/10.1016/j.jfineco.2020.1...
) demonstram, por meio de um modelo teórico, que, em equilíbrio, investimentos verdes funcionam como um hedge para o risco climático, reduzindo o risco sistemático e a exigência de retorno do investidor. Quanto menor a exigência de retorno do investidor, menor o custo de capital para a empresa. Isso é consistente com empresas mais sustentáveis sendo premiadas pelos investidores, e as com pior CSR sendo punidas. Entretanto, menor expectativa de retorno para investidores não é coerente com a promessa de retorno superior para investimentos ESG. Hong e Kaperczyk (2009Hong, H., & Kaperczyk, M. (2009). The price of sin: The effect of social norms on markets. Journal of Financial Economics, 93(1), 15-36. https://doi.org/10.1016/j.jfineco.2008.09.001
https://doi.org/10.1016/j.jfineco.2008.0...
) observaram evidências empíricas nesse sentido: as ações do “pecado” (empresas dos segmentos de bebida, tabaco e jogos) têm retorno superior às ações de risco comparável a de outros setores, pois são menos cobertas por analistas, negligenciadas por investidores sujeitos a normas para investir e têm maior risco de litígio.

Entretanto, o artigo bastante citado pelo PRI, escrito por Friede et al. (2015Friede, G., Busch, T., & Bassen, A. (2015). ESG and financial performance: Aggregated evidence from more than 2000 empirical studies. Journal of Sustainable Finance & Investment, 5(4), 210-233. https://doi.org/10.1080/20430795.2015.1118917
https://doi.org/10.1080/20430795.2015.11...
), mostra que a maior parte das evidências em estudos acadêmicos é favorável a do well by doing good. Os autores fizeram uma meta-análise de 60 revisões de literatura envolvendo mais de 2.200 estudos. Observaram que 90% dos estudos encontraram relação não negativa entre ESG e retorno, sendo que 63% das revisões encontraram correlação positiva. Porém, Matos (2020Matos, P. (2020). ESG and responsible institutional investing around the world: A critical review. CFA Institute Research Foundation. https://www.cfainstitute.org/-/media/documents/book/rf-lit-review/2020/rflr-esg-and-responsible-institutional-investing.pdf
https://www.cfainstitute.org/-/media/doc...
) levanta diversos problemas nessa análise, pois não foram discutidos fatores que podem influenciar os resultados, como, por exemplo, quais aspectos CSR/ESG foram medidos, qual foi o horizonte de tempo considerado e qual o país analisado, os métodos de comparação, a causalidade.

Como o consenso sobre boas práticas ESG e CSR ainda está em evolução e o mercado aprendendo sobre elas, ganhos superiores ao equilíbrio risco e retorno podem ser explicados por ineficiências. É possível que investidores estejam subestimando os benefícios dos fatores ESG e, assim, companhias com modelos mais sustentáveis surpreendam com fluxos de caixa mais alto do que o esperado. Vários benefícios da CSR são intangíveis e não são capturados por valor presente líquido (VPL), ou há muita incerteza sobre quando se tornará efetivo e em que montante ( Adams, 2020Adams, A. (2020). Growth the pie: How great companies deliver both purpose and profit. Cambridge University Press.). À medida que a sociedade valorize mais os modelos verdes e os países taxem modelos menos sustentáveis e gerem punições mais severas, o prêmio verde será reduzido, a clareza sobre os benefícios aumentará e será mais bem refletida nos preços dos títulos.

A sociedade também está em transformação e essa mudança, por sua vez, pode gerar retornos superiores. A parcela de investidores que preferem modelos mais sustentáveis por razões não financeiras vem crescendo com o tempo e os preços dos títulos das empresas mais sustentáveis capturam essa transição. Gibson et al. (2018Gibson, R., Krueger, P., & Mitali, S. (2018). The sustainability footprint of institutional investors: ESG driven price pressure and performance studies [Working Paper]. Swiss Social Science Research Network. https://dx.doi.org/10.2139/ssrn.2918926
https://dx.doi.org/10.2139/ssrn.2918926...
) analisam que os efeitos positivos na carteira de instituições 13F [relatório exigido pela Securities and Exchange Commission (SEC) para investidores com assets under management(AUM) acima de US$ 100 milhões] estão concentrados no pilar ambiental e em períodos mais recentes, e que a performance superior é explicada pela crescente preferência por investimentos sustentáveis ao longo do tempo e pressão positiva no preço das ações com bons scores ambientais. Pástor et al. (2022Pástor, L., Stambaugh, R. F., & Taylor, L. A. (2022). Dissecting green returns. Journal of Financial Economics, 146(2), 403-424. https://doi.org/10.1016/j.jfineco.2022.07.007
https://doi.org/10.1016/j.jfineco.2022.0...
) encontraram que títulos verdes ( green bonds alemães e ações verdes dos Estados Unidos da América) tiveram desempenho superior aos não verdes, mas que esse desempenho foi explicado por aumentos não esperados nas preocupações ambientais. À medida que mais investidores prefiram modelos sustentáveis por motivos não meramente financeiro, as práticas sustentáveis estarão mais bem refletidas no custo de capital.

Dessa discussão, deduz-se que a maneira de se ganhar dinheiro com sustentabilidade em mercados em equilíbrio é investir em empresas com processos para melhoria de problemas socioambientais, e manter a posição enquanto melhora a CSR. Haverá uma valorização da empresa com a redução de risco socioambiental, trazendo retorno superior ao investidor. Sverner et al. (2023Sverner, C., Minardi, A. M. A. F., & Moraes, F. T. (2023). The impact of ESG momentum in stock prices. Revista Brasileira de Finanças, 21(1), 77-105.) identificaram que comprar as ações das empresas do S&P 500 que tiveram o maior aumento de rating ESG e vender as que tiveram a maior piora geram um ganho mensal entre 0,23 e 0,35% a.m., controlando-se por diversos fatores de risco. Isso é consistente com as estratégias de engajamento corporativo nas quais gestores ativistas pressionam o conselho da empresa e a alta gestão para melhorarem as práticas de CSR. Também segue a linha dos investimentos em fundos de private equity que identificam problemas e oportunidades ESG durante a due diligence, melhoram a performance da CSR por meio do estabelecimento de governança, processos e monitoramento de key performance indicators (KPIs) durante o período de investimento (3 a 7 anos) e se beneficiam da valorização da empresa no momento de venda.

Screening é razoavelmente simples de ser implementado e, consequentemente, bastante usado pelos investidores institucionais: 58% do volume alocado em investimentos sustentáveis adotam alguma estratégia de screening, praticamente o dobro do percentual de investimentos sustentáveis que seguem estratégia de engajamento corporativo (29,76%) ( GSIA, 2021Global Sustainable Investment Alliance. (2021). Global Sustainable Investment Review 2020. https://www.riacanada.ca/content/uploads/2021/07/GSIR-2020.pdf
https://www.riacanada.ca/content/uploads...
). Embora estratégias de screening premiem empresas mais sustentáveis e punam as menos sustentáveis, corre-se o risco de gerar um efeito de retardar a transição para uma economia global carbono neutra. Se as grandes empresas poluidoras, como petroquímicas, empresas de óleo e gás, siderurgia e mineração, aviação e transporte, não migrarem para modelos de baixo carbono, não haverá descarbonização do mundo. Esses processos envolvem investimentos vultuosos em tecnologias intensivas em capital. Há evidências de que essas empresas têm score abaixo da média, são negligenciadas por investidores, têm menos bancos em seus sindicatos e, consequentemente, custo de capital mais elevado ( Borghesi et al., 2015Borghesi, S., Crespi, F., D’Amato, A., Mazzanti, M., & Silvestri, F. (2015). Carbon abatement, sector heterogeneity and policy responses: evidence on induced eco innovations in the EU. Environmental Science and Policy, 54, 377-388. https://doi.org/10.1016/j.envsci.2015.05.021
https://doi.org/10.1016/j.envsci.2015.05...
; Fard et al., 2020Fard, A., Javadi, S., & Kim, I. (2020). Environmental regulation and the cost of bank loans: International evidence. Journal of Financial Stability, 51, 10097. https://doi.org/10.1016/j.jfs.2020.100797
https://doi.org/10.1016/j.jfs.2020.10079...
). A elevação do custo de capital de empresas controversas mas importantes na economia atual pode dificultar a transição verde.

5. NECESSIDADE DE COLABORAÇÃO ENTRE DIVERSOS ATORES PARA PROMOVER A TRANSIÇÃO VERDE

O custo da descarbonização da economia global é expressivo: a McKinsey Global Institute ( 2022McKinsey Global Institute. (2022). The net-zero transition: What it would cost, what it could bring. https://www.mckinsey.com/capabilities/sustainability/our-insights/the-net-zero-transition-what-it-would-cost-what-it-could-bring
https://www.mckinsey.com/capabilities/su...
) estimou em US$ 375 trilhões no período de 2021 a 2050. O mercado financeiro tem grande potencial para contribuir com recursos financeiros, mas os investimentos temáticos e de impacto/comunitário que financiam direta ou indiretamente projetos ESG ainda representam uma parcela pequena dos investimentos sustentáveis. O volume de recursos destinado a temáticos, como sustainability linked loans, green bonds e fundos direcionados para temas socioambientais, cresceu 91% no período de 2018 a 2020, mas representava apenas 5,5% do total destinado a investimentos sustentáveis em 2020, e impacto comunitário teve queda de 21% e representava 1% dos investimentos responsáveis em 2020. Muitos investidores não estão dispostos ou não podem abrir mão de retorno por maior CSR, e diversos projetos importantes para a transição ainda envolvem muitos riscos e incertezas para atrair capital privado.

Investidores financeiros e corporações correspondem apenas a algumas peças da engrenagem para a transição verde. A colaboração entre empresas, universidades, agências de fomento governamentais ou de fundações é essencial para desenvolver ciência de base e tecnologia. Governos precisam fomentar e regular novas infraestruturas, limite de emissões de GEE e comércio de créditos de carbono. Consumidores precisam mudar hábitos e valorizar soluções mais verdes e penalizar grandes emissores que não estão fazendo a transição. Soluções blended, que combinam capital concessional e privado, são necessárias para multiplicar o capital que financia projetos.

Começam a surgir iniciativas que orquestram parcerias e esforços, como, por exemplo, o fundo de VC Breakthrough Energy ( https://www.breakthroughenergy.org/) e a Mission Possible Partnership ( https://missionpossiblepartnership.org/), dando esperança de que os desafios e obstáculos para viabilizar essa transição sejam superados. Porém, há ainda muita aprendizagem nos desenhos das parcerias e necessidade de escalar os modelos bem-sucedidos.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A transição verde está apenas no começo e conceitos sobre o que é sustentável e o que é material, formas de medir e reportar e compreensão dos benefícios e custos estão em evolução. A sociedade também está em transformação. Isso cria muita ineficiência; por um lado, oportunidades para investidores ganharem dinheiro com estratégias bem montadas de investimento ESG, mas, por outro lado, frustração em empresas engajadas que ainda não têm o total reconhecimento de seu esforço. Com o tempo, melhores práticas CSR e ESG serão mais bem precificadas e corporações que não enxergarem essa tendência estarão em desvantagem.

Investimentos sustentáveis têm grande potencial de promover e financiar a transformação verde, mas o percentual de volume direcionado às estratégias que trazem mais adicionalidade ainda é pequeno. A maior parte dos investimentos sustentáveis está alocada em screening, que é mais simples de ser executada, mas contribui pouco para a transição verde. São necessários modelos mais sofisticados, como investimento em gestores ativistas e fundos de private equity, para promover mudanças em empresas e desenhos fora da caixa para promover maior capital para financiar a transição e orquestrar colaboração entre diversos atores. Há grande expectativa de crescimento do mercado de crédito de carbono. Iniciativas blended e de capital catalítico estão surgindo, mas com grandes desafios para se tornarem modelos escaláveis. Isso gerará muitas oportunidades para profissionais do mercado financeiro e de sustentabilidade, novos negócios e desafios para corporações. As perspectivas para pesquisas acadêmicas não ficam atrás. Nada como um mundo em transição para surgirem problemas interessantes e relevantes para serem investigados com rigor.

REFERENCES

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023
Universidade de São Paulo, Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Departamento de Contabilidade e Atuária Av. Prof. Luciano Gualberto, 908 - prédio 3 - sala 118, 05508 - 010 São Paulo - SP - Brasil, Tel.: (55 11) 2648-6320, Tel.: (55 11) 2648-6321, Fax: (55 11) 3813-0120 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: recont@usp.br