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Transparência nas dispensas de licitação em governo locais em situações de emergência

RESUMO

Usando a perspectiva de paradoxo organizacional, o estudo discute como um contexto de emergência nacional modifica a propensão à transparência das dispensas de licitações em prefeituras. A análise empírica indica as tensões à transparência do processo de compras no poder público e que a literatura de controle público deve considerar, de forma diferenciada, os contextos de emergência e de normalidade. Situações emergenciais, em que recursos orçamentários são aplicados a contratações emergenciais em regime de urgência, requerem maior transparência e controle, para reduzir o risco de mau uso do recurso. Paradoxalmente, observam-se redução da transparência e maior fragilização do controle social. Os níveis de transparência de governos locais, sob uma mesma legislação, oscilam de acordo com o apoio político e entendimento de autoridades em diferentes legislaturas e mandatos e entre períodos de emergência ou normalidade. É desejável que entidades de controle e sociedade civil estejam atentas aos eventuais retrocessos nas práticas de transparência em períodos de emergência, mesmo para as prefeituras que são exemplos de transparência em períodos de normalidade. Foi realizada análise de conteúdo de 1.528 dispensas de licitações de 32 municípios paulistas de pequeno porte nos anos de 2019 e 2020. O nível de transparência das licitações foi comparado antes e no 1º ano de pandemia. Em seguida, foram realizadas entrevistas com servidores públicos com experiência nas práticas de transparência nesses municípios, assim como com jornalistas e líderes de organizações não governamentais (ONGs), para validar as reflexões sobre a transparência do processo de contratação durante a pandemia. Situações de emergência podem alterar as práticas associadas à transparência fiscal em governos locais quando autoridades nacionais flexibilizam as regras de contratação. O estudo mostra que a emergência da pandemia da covid-19 gerou redução da transparência na contratação de insumos em alguns municípios, sobretudo nos contratos de insumos e serviços para combater a crise da pandemia.

Palavras-chave:
transparência; paradoxos; contratação pública; dispensa de licitação; pandemia

ABSTRACT

Using the organizational paradox perspective, the study discusses how a context of national emergency modifies the propensity for transparency in tender waivers in municipalities. The empirical analysis indicates that there are tensions in the transparency of the public procurement process and that the public control literature should consider emergency and normal contexts differently. Emergency situations, in which budgetary funds are urgently allocated to emergency contracts, require greater transparency and control to reduce the risk of misuse of funds. Paradoxically, there is a reduction in transparency and a weakening of social control. The level of transparency of local governments under the same legislation varies according to the political support and understanding of the authorities in different legislatures and mandates, and between periods of emergency and normality. It is desirable for supervisory agencies and civil society to be aware of possible regressions in transparency practices in times of emergency, even for municipalities that are examples of transparency in times of normality. A content analysis was conducted on 1,528 tender waivers in 32 small municipalities in São Paulo State from 2019 to 2020. The level of transparency of the tenders was compared before and during the first year of the pandemic. Interviews were then conducted with public officials with experience in transparency practices in these municipalities, as well as with journalists and leaders of non-governmental organizations (NGOs), to validate the analysis on the transparency of the procurement process during the pandemic. Emergency situations can alter practices related to fiscal transparency in local governments when national authorities relax procurement rules. The study shows that the COVID-19 pandemic emergency led to reduced transparency in the procurement of supplies in some municipalities, particularly in contracts for supplies and services to cope with the pandemic crisis.

Keywords:
transparency; paradoxes; public procurement; waiving of tenders; pandemic

1. INTRODUÇÃO

Estudos de transparência pública, e mais recentemente sobre os efeitos da pandemia em governos, têm sido alvo de diversas pesquisas na administração pública brasileira. Na análise empírica em questão, abordamos a “transparência de governos locais” como algo dinâmico e sujeito a retrocessos, não como um nível em que se atinge e se preserva no tempo. A transparência de contratos, por exemplo, pode ser ampliada ou reduzida na transição de governos ou de contextos sociais. No caso em questão, discutimos a redução da transparência motivada pelas tensões trazidas por uma emergência sanitária nacional.

Períodos de emergência como da pandemia da doença do coronavírus 2019 (covid-19) podem ser caracterizados por eventos inesperados e incertos, alterando significativamente a prestação de serviços e atendimento à população (Ansell et al., 2020Ansell, C., Sørensen, E., & Torfing, J. (2020). The COVID-19 pandemic as a game changer for public administration and leadership? The need for robust governance responses to turbulent problems. Public Management Review, 23(7), 949-960. https://doi.org/10.1080/14719037.2020.1820272
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). No Brasil, a pandemia da covid-19 afetou de forma mais intensa a população vulnerável (Rodrigues et al., 2020Rodrigues, V. P., Oliveira, I. C. de, Chaves, G. de L. D., Aquino, E. L. de C., & Viegas, C. V. (2020). Pandemic responses in vulnerable communities: A simulation-oriented approach. Revista de Administração Pública , 54(4), 1111-1122). https://doi.org/10.1590/0034-761220200250x
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), trouxe desafios de regulação (Guerra et al., 2020Guerra, S., Salinas, N. S. C., & Gomes, L. T. (2020). Regulatory agencies in response to the COVID-19 crisis. Revista de Administração Pública, 54(4), 874-897). https://doi.org/10.1590/0034-761220200321x
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) e sérios desafios de coordenação no enfrentamento à crise (Rodrigues et al., 2020Rodrigues, V. P., Oliveira, I. C. de, Chaves, G. de L. D., Aquino, E. L. de C., & Viegas, C. V. (2020). Pandemic responses in vulnerable communities: A simulation-oriented approach. Revista de Administração Pública , 54(4), 1111-1122). https://doi.org/10.1590/0034-761220200250x
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). Tais períodos de emergência demandam rápidas respostas e flexibilidade na distribuição de recursos para as soluções necessárias, incluindo autonomia, prototipação e outras características de governança usualmente não presentes na organização burocrática (Ansell et al., 2020Ansell, C., Sørensen, E., & Torfing, J. (2020). The COVID-19 pandemic as a game changer for public administration and leadership? The need for robust governance responses to turbulent problems. Public Management Review, 23(7), 949-960. https://doi.org/10.1080/14719037.2020.1820272
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), além de mudanças na dinâmica de contratação e de accountability (Leoni et al., 2021Leoni, G., Lai, A., Stacchezzini, R., Steccolini, I., Brammer, S., Linnenluecke, M., & Demirag, I. (2021). Accounting, management and accountability in times of crisis: lessons from the COVID-19 pandemic. Accounting, Auditing & Accountability Journal, 34(6), 1305-1319.https://doi.org/10.1108/AAAJ-05-2021-5279
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; Sian & Smyth, 2021Sian,.S., & ..Smyth,.S..(2021)..Supreme.emergencies.and.public.accountability:.The.case.of.procurement.in.the.UK.during.the.Covid-19.pandemic...Accounting, Auditing.&.Accountability.Journal, 35(1), 146-157.https://doi.org/10.1108/AAAJ-08-2020-4860
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).

A literatura indica que períodos de emergência demandam novas formas de governança para lidar com períodos de turbulência (Ansell et al., 2020Ansell, C., Sørensen, E., & Torfing, J. (2020). The COVID-19 pandemic as a game changer for public administration and leadership? The need for robust governance responses to turbulent problems. Public Management Review, 23(7), 949-960. https://doi.org/10.1080/14719037.2020.1820272
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; O’Flynn, 2020O’Flynn, J. (2020). Confronting the big challenges of our time: Making a difference during and after COVID-19. Public Management Review, 23(7), 961-980). https://doi.org/10.1080/14719037.2020.1820273
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). Em momentos de emergência nacional, as respostas de governos e outras autoridades devem ser rápidas para atender à população vulnerável, e em geral lidam com “conflitos distributivos e morais” (Peci et al., 2021Peci, A., Avellaneda, C. N., & Suzuki, K. (2021). Respostas governamentais à pandemia da Covid-19. Revista de Administração Pública , 55(1), 1-11. https://doi.org/10.1590/0034-761220210023
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) e demandam execução de contratos de alto valor em caráter de urgência. Nesses períodos, as práticas de accountability, por exemplo, devem ir além da simples contagem e divulgação de mortes, pois com o tempo um volume inaceitável de mortes acaba sendo naturalizado (Yu, 2021Yu, A. (2021). Accountability as mourning: Accounting for death in the time of COVID-19. Accounting, Organizations and Society, 90. https://doi.org/10.1016/j.aos.2020.101198
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).

No Brasil, a Lei n. 13.979, de 6 de fevereiro de 2020Law no. 13,979 of February 6, 2020 (2020, February 6). Provides for measures to deal with the public health emergency of international importance resulting from the coronavirus responsible for the 2019 outbreak. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l13979.htm#view
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, flexibilizou as exigências legais, visando facilitar o enfrentamento da covid-19. Porém, tais períodos de emergência trazem tensão entre uma contratação com regras mais relaxadas e a maior demanda por transparência para mitigar casos de corrupção e favorecimentos (Costa, 2020Costa, L. M. (2020, 12 April). A corrupção nos tempos da covid-19. Estadão. https://politica.estadao.com.br/blogs/gestao-politica-e-sociedade/a-corrupcao-nos-tempos-da-covid-19
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). Denúncias de mau uso de recurso público surgiram nesse período nos diversos níveis de governo no Brasil. Por exemplo, a Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado Federal trouxe evidências de como a janela de oportunidade aberta pela emergência favoreceu ilegalidades em contratação pública. Outras evidências trazidas pela imprensa, inquéritos e investigações deflagradas durante a pandemia sugerem que a transparência dos governos piorou em muitos municípios.

Apesar de tais fatos noticiados, não temos conhecimento de estudos que analisem de forma mais sistemática a redução da transparência de governos nesses períodos. Entre os poucos estudos a respeito da transparência de contratações no Brasil, Pinho et al. (2020Pinho, J. A. G. de, Sacramento, A. R. S., Raupp, F. M., & Amaral, M. S. (2020). Transparência governamental em capitais dos estados no Brasil nas contratações emergenciais para o combate da COVID-19. Revista da CGU, 12(22), 260-274. https://doi.org/10.36428/revistadacgu.v12i22.330
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) analisaram o levantamento da Transparência Internacional - Brasil para capitais brasileiras durante a pandemia (maio e julho de 2020). O estudo identificou que, apesar de governos de algumas capitais ampliarem o conteúdo divulgado no período, governos de outras capitais reduziram a transparência no mesmo período. Outro estudo trata de como os Tribunais de Contas tiveram de reforçar a exigência de transparência dos recursos públicos empregados no combate à pandemia (Ribeiro et al., 2020Ribeiro, F. de O., Sallaberry, J. D., Santos, E. A. dos, & Tavares, G. de O. D. (2020). Ações dos Tribunais de Contas no enfrentamento dos efeitos do coronavírus. Revista de Administração Pública , 54(5), 1402-1416. https://doi.org/10.1590/0034-761220200244
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).

O presente artigo explora as tensões que surgem durante períodos de emergência em relação à transparência de contratos em governos em comparação com um período de normalidade. O objetivo é ao mesmo tempo elucidar como se comporta a transparência de governos nesses períodos e contribuir para a discussão de paradoxos organizacionais aplicada à administração pública (Klein et al., 2018Klein, R. H., Klein, D. C., & Luciano, E. M. (2018). Identificação de mecanismos para a ampliação da transparência em portais de dados abertos: uma análise no contexto brasileiro. Cadernos EBAPE.BR, 16(4), 692-715. https://doi.org/10.1590/1679-395173241
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; Luciano et al., 2018Luciano, E. M., Wiedenhöft, G. C., & Santos, F. P. (2018). Barreiras para a ampliação de transparência na administração pública brasileira: questões estruturais e culturais ou falta de estratégia e governança? Administração Pública e Gestão Social, 10(4), 282-291. http://dx.doi.org/10.21118/apgs.v10i4.1997
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). Paradoxos e tensões são recorrentes na discussão de transparência de governos. Se por um lado a ampliação da transparência ajuda a impulsionar a eficiência de governos (Kornberger et al., 2017Kornberger, M., Meyer, R. E., Brandtner, C., & Höllerer, M. A. (2017). When bureaucracy meets the crowd: Studying “open government” in the Vienna City administration. Organization Studies, 38(2), 179-200. https://doi.org/10.1177/0170840616655496
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), em certos contextos, maior transparência coloca em risco a reputação de agentes públicos (Bannister & Connolly, 2011Bannister, F., & Connolly, R. (2011). The trouble with transparency: A critical review of openness in e-government. Policy & Internet, 3(1), 158-187. https://doi.org/10.2202/1944-2866.1076
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) e expõe o governo de forma mais intensa ao escrutínio público e às autoridades judiciais (Bannister & Connolly, 2011Bannister, F., & Connolly, R. (2011). The trouble with transparency: A critical review of openness in e-government. Policy & Internet, 3(1), 158-187. https://doi.org/10.2202/1944-2866.1076
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; Rowley, 2011Rowley, J. (2011). E-government stakeholders - Who are they and what do they want? International Journal of Information Management, 31(1), 53-62. https://doi.org/10.1016/j.ijinfomgt.2010.05.005
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) ao permitir maior controle sobre gastos com pessoal (Di Pietro, 2009Di Pietro, M. S. (2009). Parcerias na administração pública (7a. ed.). Atlas.) e detecção de corrupção (Campos, 2019Campos, M. (2019, 11 July). A pedido do Ministério Público do Trabalho, a Justiça reconheceu a prática de fraude na terceirização de médicos do Hospital Universitário de Canoas. O Sul. https://www.osul.com.br/uma-liminar-do-ministerio-publico-do-trabalho-reconhece-a-pratica-de-fraude-na-terceirizacao-de-medicos-do-hospital-universitario-de-canoas
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; globo.com, 2015globo.com (2015, July 20). MP apura fraude em licitações com envolvimento de 10 empresas no RS. http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2015/07/mp-apura-fraude-em-licitacoes-com-envolvimento-de-10-empresas-no-rs.html
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, 20 julho; Jusbrasil, 2015Jusbrasil (2015). Prefeitura é processada por fraude na terceirização da saúde. https://daniellixavierfreitas.jusbrasil.com.br/noticias/176462993/ prefeitura-e-processada-por-fraude-na-terceirizacao-da-saude. Access on April 10, 2022.
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, acesso em 10 de abril de 2022).

Usando a abordagem de paradoxos organizacionais, é observada como a mudança de um contexto de normalidade para um de emergência afeta o equilíbrio entre polos opostos do paradoxo: “transparência versus opacidade”. Os polos do paradoxo são contraditórios, inter- relacionados (Lewis, 2000Lewis, M. W. (2000). Exploring paradox: Toward a more comprehensive guide. Academy of Management Review , 25(4), 760-776. https://doi.org/10.5465/amr.2000.3707712
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) e mutuamente excludentes (Berti & Simpson, 2021Berti, M., & Simpson, A. V. (2021). The dark side of organizational paradoxes: The dynamics of disempowerment. Academy of Management Review, 46(2), 252-274. https://doi.org/10.5465/amr.2017.0208
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). As tensões e contradições surgem das consequências por escolher um polo do paradoxo (Jarzabkowski et al., 2013Jarzabkowski, P., Lê, J. K., & Van de Ven, A. H. (2013). Responding to competing strategic demands: How organizing, belonging, and performing paradoxes coevolve. Strategic Organization, 11(3), 245-280. https://doi.org/10.1177/1476127013481016
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; Putnam et al., 2016Putnam, L. L., Fairhurst, G. T., & Banghart, S. (2016). Contradictions, dialectics, and paradoxes in organizations: A constitutive approach. Academy of Management Annals, 10(1), 65-171. https://doi.org/10.5465/19416520.2016.1162421
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), ou seja, dar mais ou menos transparência aos atos de contratação (Alves, 2019Alves, T. (2019). Panorama da contratação temporária e terceirização nos Municípios. Confederação Nacional dos Municípios. https://www.cnm.org.br/cms/biblioteca/Panorama%20da%20terceiriza%C3%A7%C3%A3o%20e%20contrata%C3%A7%C3%A3o%20tempor%C3%A1ria.pdf
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). Se algo reforça os incentivos para a opacidade, também reduz o efeito dos benefícios da transparência.

A pesquisa comparou a transparência de 1.528 dispensas de licitações para 32 municípios paulistas de pequeno porte (dois a 90 mil habitantes) no 1º ano da pandemia (março a dezembro de 2020) com o mesmo período do ano anterior (março a dezembro de 2019). A comparação do nível de transparência é feita com base na divulgação de contratos por cada município (e não entre municípios), analisando os documentos disponibilizados para processos de contratação efetivados antes e durante a pandemia. Em seguida, foram realizadas entrevistas com profissionais que atuam rotineiramente com práticas de divulgação de contratação pública, como contadores das prefeituras, analistas que gerenciam portais de transparência e aqueles que atuam no controle social, como jornalistas, sindicalistas e líderes de organizações sociais.

O artigo apresenta como a literatura de transparência de governos pode ser conectada com a discussão de paradoxos organizacionais. Em seguida, são apresentados o método baseado em análise das licitações divulgadas pelos municípios observados, as entrevistas realizadas, bem como a análise da variação da transparência de licitações, separando os casos em grupos segundo o comportamento observado, e a discussão, com uso das entrevistas sobre a redução da transparência em parte dos casos. Argumentamos que a entrada do contexto de emergência de forma repentina altera as tensões do paradoxo existente e afeta o equilíbrio de questões como transparência versus opacidade de divulgação de contratos. O artigo finaliza com conclusões e sugestão de agenda futura no tema.

2. TRANSPARÊNCIA EM GOVERNOS E SOLUÇÕES DO PARADOXO

A publicização de dados por governos (McDermott, 2010McDermott, P. (2010). Building open government. Government Information Quarterly, 27(4), 401-413. https://doi.org/10.1016/j.giq.2010.07.002
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; Sandoval-Almazán, 2015Sandoval-Almazán, R. (2015). Open government and transparency: Building a conceptual framework. Convergencia Revista de Ciencias Sociales, 22(68), 41-46.) traz situações conflitantes para todos os interessados (agentes públicos, cidadãos, órgãos fiscalizadores etc.). Apesar de os governos avançarem nessa direção, abrindo bases de dados à consulta pública, em essência os mesmos governos permanecem notavelmente opacos (Lindquist & Huse, 2017). Políticos “majoritariamente valorizam a opacidade em detrimento da transparência” (Michener et al., 2018Michener, G., Contreras, E., & Niskier, I. (2018). From opacity to transparency? Evaluating access to information in Brazil five years later. Revista de Administração Pública, 52(4), 610-629. https://doi.org/10.1590/0034-761220170289
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) e tendem a evitar a abertura de dados e oferecer ao público material para críticas (Janssen et al., 2012Janssen, M., Charalabidis, Y., & Zuiderwijk, A. (2012). Benefits, adoption barriers and myths of open data and open government. Information Systems Management, 29(4), 258-268. https://doi.org/10.1080/10580530.2012.716740
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).

A regulação da transparência de governos no Brasil teve seu momento de expansão nas últimas décadas. A evolução da transparência de governos foi lenta e não uniforme nos diversos estados da federação (Abdala & Torres, 2016Abdala, P., & Torres, C. S. (2016). A transparência como espetáculo: uma análise dos portais de transparência de estados brasileiros. Administração Pública e Gestão Social, 8(3), 147-158.; Pinho, 2008Pinho, J. A. (2008). Investigando portais de governo eletrônico de estados no Brasil: muita tecnologia e pouca democracia. Revista de Administração Pública , 42(3), 471-493. https://doi.org/10.1590/S0034-76122008000300003
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; Prado & Loureiro, 2006Prado, O., & Loureiro, M. R. (2006). Governo eletrônico, transparência e democracia: a publicização das contas públicas das capitais brasileiras. Revista Alcance, 13(3), 355-372.; Sales, 2012Sales,.T..(2012)..Acesso.à.informação,.controle.social.das.finanças.públicas.e.democracia:.análise.dos.portais.da.transparência.dos.estados.brasileiros.antes.e.após.o.advento.da.Lei.nº.12.527/2011.. https://repositorio.idp.edu.br/bitstream/123456789/1566/1/Direito%20Publico%20n482012_TAINAH%20SIMOES%20SALES.pdf
https://repositorio.idp.edu.br/bitstream...
; Souza et al., 2019Souza,.R..J.,.Barbosa,.R..B.,.Cabral,.A..C., .& .Santos,.S..M..(2019)..Avaliação.da.qualidade.das.informações.disponibilizadas.no.Portal.da.Transparência.do.Estado.do.Ceará..Encontros.Bibli,..24(54),.91-104. https://doi.org/10.5007/1518-2924.2019v24n54p91
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), ainda não é plena e por vezes desatualizada (Antunes, 2018Antunes, M. C. (2018). A efetividade informacional dos portais de transparência governamentais na perspectiva do cidadão. Perspectivas em Gestão & Conhecimento, 8(2), 162-178. http://dx.doi.org/10.21714/2236-417X2018v8n2p162
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; Cruz et al., 2016Cruz, M. C., Silva, T. A., & Spinelli, M. V. (2016). O papel das controladorias locais no cumprimento da Lei de Acesso à Informação pelos municípios brasileiros. Cadernos EBAPE.BR, 14(3), 721-743. https://doi.org/10.1590/1679-395131556
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; Klein et al., 2018Klein, R. H., Klein, D. C., & Luciano, E. M. (2018). Identificação de mecanismos para a ampliação da transparência em portais de dados abertos: uma análise no contexto brasileiro. Cadernos EBAPE.BR, 16(4), 692-715. https://doi.org/10.1590/1679-395173241
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; Leite et al., 2015Leite, G. A. Filho , Colares, A. F., & Andrade, I. C. (2015). Transparência da gestão fiscal pública: um estudo a partir dos portais eletrônicos dos maiores municípios do estado de Minas Gerais. Revista Contabilidade Vista & Revista, 26(2), 114-136.; Luciano et al., 2018Luciano, E. M., Wiedenhöft, G. C., & Santos, F. P. (2018). Barreiras para a ampliação de transparência na administração pública brasileira: questões estruturais e culturais ou falta de estratégia e governança? Administração Pública e Gestão Social, 10(4), 282-291. http://dx.doi.org/10.21118/apgs.v10i4.1997
http://dx.doi.org/10.21118/apgs.v10i4.19...
; Michener et al., 2018Michener, G., Contreras, E., & Niskier, I. (2018). From opacity to transparency? Evaluating access to information in Brazil five years later. Revista de Administração Pública, 52(4), 610-629. https://doi.org/10.1590/0034-761220170289
https://doi.org/10.1590/0034-76122017028...
; Silva et al., 2019Silva,.J...M.,.Cristovan,.P..F.,.Cavalcante,.L..F., &. . Vechiato,.F..L.. (2019)..Encontrabilidade.e.usabilidade.da.informação.no.Portal.da.Transparência.do.Poder.Executivo.Federal..Colóquio.em.Organização,.Acesso.e.Apropriação.da.Informação.e.do.Conhecimento (pp.106-120).). A mesma abertura de dados lenta e parcial também ocorre com a divulgação das licitações e repasses para entidades conveniadas (Ribeiro, 2009Ribeiro, M. M. (2009). Usando a internet para a promoção da transparência: os portais na América Latina. XIV Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública (pp. 27-30).), remuneração de servidores (Jacques et al., 2013Jacques, F. V., Quintana, A. C., & Macagnan, C. B. (2013). Transparência em municípios da Região Sul do Brasil. XXXVII Encontro do Anpad. http://www.anpad.org.br/admin/pdf/2013_EnANPAD_CON402.pdf
http://www.anpad.org.br/admin/pdf/2013_E...
) e pareceres prévios de Tribunais de Contas (Sediyama et al., 2018Sediyama,.G..A.,.Anjos,.D..A., & ..Felix,.E..M..(2018)..Transparência.pública.municipal:.uma.análise.dos.municípios.mineiros.que.decretaram.calamidade.financeira..Gestão.&.Regionalidade,.35(104),.201-218.).

A demanda por transparência coloca os agentes públicos entre os benefícios e riscos associados à escolha entre se aproximar de uma gestão mais transparente ou mais opaca. Na maior parte das vezes, os interesses e motivações da abertura de dados são contraditórios. Por exemplo, uma publicização mais ampla dos dados e atos do governo pode acarretar perda de reputação ou maior responsabilização dos gestores por erros ou má conduta. Para tratar dessas contradições, o estudo utiliza a teoria de paradoxos organizacionais. Um paradoxo é formado por polos opostos e contraditórios de um mesmo aspecto social ou organizacional (ex.: participação versus exclusão, transparência versus opacidade), inter-relacionados e persistentes ao longo do tempo (Farjoun, 2010Farjoun, M. (2010). Beyond dualism: Stability and change as a duality. Academy of Management Review , 35(2), 202-225. https://doi.org/10.5465/amr.35.2.zok202
https://doi.org/10.5465/amr.35.2.zok202...
; Poole & van de Vem, 1989Poole, M. S., & Van de Ven, A. H. (1989). Using paradox to build management and organization theories. Academy of Management Review , 14(4), 562-578. https://doi.org/10.5465/amr.1989.4308389
https://doi.org/10.5465/amr.1989.4308389...
; Putnam et al., 2016Putnam, L. L., Fairhurst, G. T., & Banghart, S. (2016). Contradictions, dialectics, and paradoxes in organizations: A constitutive approach. Academy of Management Annals, 10(1), 65-171. https://doi.org/10.5465/19416520.2016.1162421
https://doi.org/10.5465/19416520.2016.11...
; Smith & Lewis, 2011Smith,.W..K., .&. Lewis,.M..W..(2011)..Toward.a.theory.of.paradox:.A.dynamic.equilibrium.model.of.organizing..Academy.of.Management.Review,..36(2),.381-403. https://doi.org/10.5465/amr.2009.0223
https://doi.org/10.5465/amr.2009.0223...
).

No caso da transparência de governos, as tensões surgem com a demanda legal que gestores públicos recebem por divulgarem informação sobre atos do governo e contas públicas ao mesmo tempo que lidam com limitações de capacidade para prover tal informação com qualidade mínima (Fan & Zhao, 2017Fan, B., & Zhao, Y. (2017). The moderating effect of external pressure on the relationship between internal organizational factors and the quality of open government data. Government Information Quarterly, 34(3), 396-405. https://doi.org/10.1016/j.giq.2017.08.006
https://doi.org/10.1016/j.giq.2017.08.00...
) e com pressões de grupos internos ou externos para reduzir ou ampliar a divulgação de dados, dependendo dos interesses em jogo. Um exemplo é a pressão exercida por alguns representantes de sindicatos para não abrir detalhes sobre salários de servidores públicos, temendo serem questionados por seus atuais salários e benefícios. Ou, ainda, prefeitos que precisam justificar a destinação de recursos em projetos de interesse político-eleitoral em vez de alocar recursos em serviços de interesse público (Wagner, 2017Wagner, A. J. (2017). Essential or extravagant: Considering FOIA budgets, costs and fees. Government Information Quarterly, 34(3), 388-395. https://doi.org/10.1016/j.giq.2017.09.001
https://doi.org/10.1016/j.giq.2017.09.00...
).

Na presença de um paradoxo, a organização e seus gestores ficam sujeitos às tensões, pressões e desconfortos e precisam justificar sua posição ou escolha (Putnam et al., 2016Putnam, L. L., Fairhurst, G. T., & Banghart, S. (2016). Contradictions, dialectics, and paradoxes in organizations: A constitutive approach. Academy of Management Annals, 10(1), 65-171. https://doi.org/10.5465/19416520.2016.1162421
https://doi.org/10.5465/19416520.2016.11...
). Uma das formas de organizações e gestores gerenciarem as forças opostas do paradoxo é chegar ao equilíbrio entre as forças, reduzindo as consequências de violar os interesses de quem se posiciona no polo oposto (Smith & Lewis, 2011Smith,.W..K., .&. Lewis,.M..W..(2011)..Toward.a.theory.of.paradox:.A.dynamic.equilibrium.model.of.organizing..Academy.of.Management.Review,..36(2),.381-403. https://doi.org/10.5465/amr.2009.0223
https://doi.org/10.5465/amr.2009.0223...
). A literatura empírica sobre paradoxos organizacionais descreve as estratégias que gestores usam para assimilar ou eliminar as pressões que emergem com o paradoxo, ou seja, “resolver” o paradoxo. Várias formas já foram identificadas, contudo, em geral, o paradoxo não deixa de existir, mas a organização encontra uma forma de atender aos diversos stakeholders ou reduzir os impactos de não os atender.

Por exemplo, empresas sujeitas à pressão por políticas de sustentabilidade ambiental e pressionadas por economia de custos e eficiência tentam resolver o paradoxo distribuindo as equipes em departamentos ou unidades especializadas para que essas tenham um objetivo único e coerente. Contudo, levam a tensão para outro nível organizacional. Esse é um exemplo de separação espacial (cada parte da organização atende a um polo). Outra estratégia é a separação temporal (atender a diferentes polos em momentos distintos), em que a empresa pode atender, em cada período, aos interesses de um dos grupos interessados, priorizar um polo a cada vez enquanto reduz a importância dada ao outro polo. Isso não implica que o paradoxo desapareça. Em outros casos, a organização busca uma síntese (nova forma de atender a ambos os polos), consegue moldar a resposta de forma que convença os dois polos a uma solução que atenda de forma satisfatória. Uma lista extensiva das estratégias identificadas na literatura é apresentada em Schad et al. (2016Schad,.J.,.Lewis,.M..W.,.Raisch,.S., .&. Smith,.W..K..(2016)..Paradox.research.in.management.science:.Looking.back.to.move.forward.. Academy.of.Management.Annals, 10(1),.5-64. https://doi.org/10.5465/19416520.2016.1162422
https://doi.org/10.5465/19416520.2016.11...
). Em um exemplo recente no debate da administração pública, a divulgação de salários de servidores tinha, por um lado, a pressão por transparência e, por outro, a resistência de alguns sindicatos, apresentando argumentos de que isso violaria a privacidade e colocaria servidores em risco (Precinotto et al., 2020Precinotto, A., Dias, L. N., & Aquino, A. C. (2020). Paradoxos na divulgação de salários em governos locais. In Anais do XX USP International conference in Accounting. https://congressousp.fipecafi.org/anais/20UspInternational/ArtigosDownload/2306.pdf
https://congressousp.fipecafi.org/anais/...
). Ao julgar a questão, o Supremo Tribunal Federal resolveu o paradoxo com uma separação espacial, recortando o que deveria ser divulgado e garantindo a privacidade de alguns dados. Nesse caso, a solução veio de um ator externo que regulou melhor a questão.

3. MÉTODO

A pesquisa parte de uma análise comparada sobre a divulgação de documentos completos de 1.528 dispensas de licitações de 32 municípios paulistas. Foi comparado o nível de divulgação em dois momentos, antes da pandemia e no 1º ano da pandemia. Foram coletados documentos publicizados pelos próprios municípios em seus websites para todas as contratações mencionadas em diário oficial. Em seguida, foram entrevistados profissionais experientes nas práticas de publicização desses documentos, assim como potenciais usuários dessas informações para controle social. A coleta de dados se iniciou quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a pandemia da covid-19, em março de 2020. Foram selecionados 32 municípios de pequeno porte (dois mil a 90 mil habitantes) do estado de São Paulo, fixando o mesmo estado da federação para que os municípios observados estivessem sob o entendimento do mesmo Tribunal de Contas.

O estado de São Paulo foi escolhido pelo conhecimento prévio dos pesquisadores sobre o entendimento do Tribunal de Contas e acesso a entrevistados. Destaca-se que não há intenção de generalização dos resultados para todo o estado de São Paulo; o estudo é típico de pequenas amostras (small-N analysis) (Mahoney, 2000Mahoney, J. (2000). Strategies of causal inference in small-N analysis. Sociological methods & Research, 28(4), 387-424. https://doi.org/10.1177/0049124100028004001
https://doi.org/10.1177/0049124100028004...
), com objetivo de compreender melhor o fenômeno e interpretar como os casos se comportam quando variam o contexto ou algum aspecto específico dos casos em si.

Para seleção dos casos analisados, partiu-se dos 172 municípios paulistas avaliados pela Controladoria Geral da União (CGU) [Escala Brasil Transparente (EBT)] no período de 2015 a 2017. Foi enviada uma solicitação com uso da Lei de Acesso à Informação (Lei n. 12.527, de 18 de novembro de 2011Law no. 12,527 of November 18, 2011 (2011, November 18). Regulates the access to information provided for in item XXXIII of art. 5, in item II of § 3 of art. 37, and in § 2 of art. 216 of the Federal Constitution; amends Law no. 8,112 of December 11, 1990; repeals Law no. 11,111 of May 5, 2005 and provisions of Law no. 8,159 of January 8, 1991; and makes other provisions. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_a...
) para todos esses municípios, perguntando quais eram os sistemas ou soluções de software utilizados para o (i) Portal da Transparência e o (ii) Sistema Único e Integrado de Execução Orçamentária, Administração Financeira e Controle (SIAFIC). Dos 83 casos que responderam à solicitação, foram selecionados, para a amostra final do estudo, os 32 municípios que adotavam, à época, soluções de uma mesma empresa de software. Foi omitido o nome do fornecedor para evitar a identificação dos casos e dos respondentes, dada a confidencialidade acordada nas entrevistas. Todos os 32 casos adotam os dois sistemas fornecidos pela mesma empresa, uma das maiores fornecedoras de softwares de gestão para prefeituras no Brasil.

Assim, a amostra de casos é homogênea quanto à solução tecnológica que suporta o processo de publicização de documentos nos portais de transparência. Logo, eventuais variações de nível de publicização de documentos, antes e depois da pandemia, ou mesmo entre os casos analisados, não seriam explicadas por limitações tecnológicas do sistema de administração financeira ou do Portal da Transparência, pois o sistema é o mesmo utilizado em todos os casos. Com esse desenho de amostra, a explicação recairia sobre as escolhas políticas ou sobre o entendimento legal por parte dos gestores para reduzir, manter ou ampliar a transparência.

A Tabela 1 apresenta os casos em estudo, a distância em relação à capital do estado e a população, a dinâmica do 1º ano de pandemia em relação às mortes por habitante, a semana epidemiológica brasileira, o número de semanas na fase vermelha do Plano São Paulo e datas de assinatura de decretos de emergência e calamidade pelos prefeitos.

Tabela 1
Municípios da amostra cujas dispensas de licitação foram acompanhadas no período de março a dezembro de 2019 e 2020

No estado de São Paulo, durante os primeiros meses de pandemia, as prefeituras tiveram que se adaptar rapidamente às novas normas que delimitavam a divulgação e as compras destinadas ao combate da pandemia. Mas cada município enfrentou a chegada da pandemia em momento e intensidade distintos. O Plano São Paulo, lançado em junho de 2020, coordenou a resposta estadual nas 17 regiões de saúde do estado, relaxando ou endurecendo as medidas de isolamento baseadas em critérios como a taxa de ocupação de leitos de unidades de terapia intensiva (UTI) exclusivos a pacientes infectados por covid-19, número de novas internações e número de óbitos (Secretaria de Estado de São Paulo, 2020Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo. (2020). Retomada consciente. https://www.saopaulo.sp.gov.br/planosp/
https://www.saopaulo.sp.gov.br/planosp/...
). A mudança de fase de maior ou menor criticidade sanitária não afetava as regras de contratação ou a publicidade de contratos, contudo aumentava a expectativa e a justificativa de contratações em regime de urgência.

Para todos os 32 municípios, foram coletados e analisados documentos das dispensas de licitação operadas pelas prefeituras, informadas nos diários oficiais e nos portais da transparência no período de março a dezembro de 2020 (pandemia) e março a dezembro de 2019 (pré-pandemia). Foram identificadas 1.528 dispensas de licitação realizadas pelas prefeituras dos 32 municípios, incluindo aquelas canceladas ou interrompidas durante a contratação, dado que o eventual cancelamento não impediria que ao menos parte dos documentos estivesse publicada. O período em análise (2019-2020) engloba os 2 últimos anos de mandato dos prefeitos e 1 ano de eleições municipais. Boa parte dos municípios decretou estado de emergência ou calamidade pública (29 de 32 casos). Seguindo o padrão visto em todo o Brasil, em geral tais decretos eram emitidos quando os danos à saúde e aos serviços públicos se tornavam eminentes (Agência Senado, 2019Agência Senado. (2019). Situação de emergência e estado de calamidade pública. https://www12.senado.leg.br/noticias/especiais/especial-cidadania/defesa-civil/situacao-de-emergencia-e-estado-de-calamidade-publica
https://www12.senado.leg.br/noticias/esp...
). Parte dos prefeitos que estava à frente do combate à pandemia nesses casos se candidatou à reeleição naquele município e alguns alinharam seu discurso ao do governo federal na questão da pandemia.

A Tabela 2 apresenta a taxa de divulgação (0-1), razão entre licitações divulgadas em relação ao total de licitações. A taxa é apresentada para três diferentes canais de comunicação, em geral, utilizados por prefeituras: (i) Portal da Transparência, (ii) Portal de Licitações ou (iii) Portal de Contratos. Apresenta, também, a taxa para “divulgação completa”, ou seja, quando todos os documentos requeridos são divulgados. A tabela segrega por objeto de contratação (se tinha ou não relação com as ações de enfrentamento da covid-19) antes e durante a pandemia. No ano anterior à pandemia, não havia contratação de itens para combate à pandemia, pois a crise não foi antecipada. Por isso, os atos se concentram na categoria “outros”. Já no 1º ano da pandemia, as dispensas de licitação são classificadas quanto ao insumo adquirido, se associados ao combate à “covid-19” ou “outros”.

Os quase 420 atos de contratação (com dispensa de licitação) no ano anterior à pandemia foram largamente listados (mencionados) nos portais de transparência (99%), contudo, apenas em 21% foi feita a completa publicização dos documentos da dispensa de licitação. Ou seja, a sociedade até teria conhecimento de que ocorreu uma dispensa de licitação, mas não teria acesso aos detalhes. O uso de dispensas de licitação triplicou na comparação dos mesmos períodos antes e durante a pandemia (419 versus 1.109), porém a divulgação completa dos documentos caiu de 21,7% para 6% para contratações relacionadas ao enfrentamento da covid-19.

Além da coleta dos documentos, foram entrevistados cerca de 30 profissionais envolvidos com o processo de publicização de dados ou com uso dessas informações. As entrevistas semiestruturadas tiveram duração média de 49 minutos (total de 1.572 minutos), foram gravadas e transcritas, e o termo de livre consentimento foi aplicado em conformidade com o comitê de ética em pesquisa (CEP FFCLRP/USP 4.415.315).

Tabela 2
Média de divulgação das dispensas de licitações antes e durante a pandemia

Os entrevistados podem ser divididos em dois grupos de profissionais. O primeiro representa os profissionais que podem sofrer pressão para reduzir o escopo da informação divulgada, como gestores ou servidores públicos responsáveis pela divulgação da informação em prefeituras e contadores. Esses últimos, sobretudo, têm amplo conhecimento do processo de contratação de insumos e serviços devido ao contato com outros departamentos da prefeitura (departamento pessoal, tributação, almoxarifado, patrimônio, compras, licitações etc.). O segundo grupo representa os potenciais usuários da informação de licitações que podem pressionar pelo aumento do escopo da divulgação, pois usam dados de governos para controle social ou legislativo, como representantes de servidores nos sindicatos, vereadores, jornalistas e líderes de organizações não governamentais (ONGs) que se dedicam a controle social. Reconhece-se que a figura não é tão dicotômica, dessa forma, a realidade é mais complexa, mas essa é uma forma viável de abordar a questão.

O protocolo das entrevistas com contadores e outros servidores cobriu temas como: (i) processo de integração dos dados entre os diversos sistemas do município; (ii) dificuldades e desafios encontrados no processo de implantação dos sistemas; (iii) solicitações de melhorias nos sistemas; (iv) processos internos antes da implantação dos sistemas; (v) possibilidade de ajustes na parametrização dos sistemas; (vi) divulgação de informações nos portais de transparência; (vii) procedimentos de lançamentos no sistema de compras; (viii) opinião sobre governos abertos e transparência. Já o protocolo aplicado a vereadores, jornalistas e líderes de ONGs abordou: (i) qualidade das publicizações de contratos pelas prefeituras nos portais da transparência; (ii) transparência das dispensas de licitação na pandemia; (iii) histórico da transparência no setor público; (iv) efeito da pandemia na transparência do governo local.

4. TRANSPARÊNCIA DE DISPENSAS DE LICITAÇÃO ANTES E DURANTE A PANDEMIA

Os governos usaram decretos de emergência e/ou calamidade pública durante a pandemia da covid-19 em efeito cascata a partir do Decreto Legislativo n. 6. (2020Legislative Decree no. 6 (2020, March 20). Recognizes, for the purposes of art. 65 of Complementary Law no. 101 of May 4, 2000, the occurrence of a state of public emergency, as requested by the President of the Republic in Message no. 93 of March 18, 2020. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/portaria/dlg6-2020.htm
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/po...
, 20 de março), conforme matéria publicada (Senado Federal, 2020Senado Federal (2020). Em sessão histórica, Senado aprova calamidade pública contra covid-19. https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/03/20/em-sessao-historica-senado-aprova-calamidade-publica-contra-covid-19. Access on April 10, 2022.
https://www12.senado.leg.br/noticias/mat...
, acesso em 10 de abril de 2022). Esse Decreto suspendeu artigos da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n. 101, de 4 de maio de 2000Complementary Law no. 101 of May 4, 2000 (2000, May 4). Establishes public finance rules aimed at fiscal responsibility and makes other provisions. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp101.htm
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/le...
) (artigos que tratam de prazos para recuperar a posição fiscal, como Art. 23, 70 e 31) e flexibilizou outros pontos, como uso de operação de crédito e atingimento de metas fiscais até dezembro de 2020.

A dispensa de licitação como modalidade de contratação pública, prevista pela Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993Law no. 8,666 of June 21, 1993 (1993, June 21). Regulates art. 37, item XXI, of the Federal Constitution, establishes the rules for tenders and contracts of the Public Administration, and makes other provisions. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/le...
, era a forma menos morosa e mais simples de contratação (Lima et al., 2021Lima, S. S. Filho , Martins, G. D., & Peixe, B. C. (2021). Compras públicas para enfrentamento da covid-19: uma análise sob a lente da teoria contingencial. Revista Contemporânea de Contabilidade, 18(48), 40-55.). Contudo, dada a emergência da pandemia, a Lei n. 13.979, de 6 de fevereiro de 2020Law no. 13,979 of February 6, 2020 (2020, February 6). Provides for measures to deal with the public health emergency of international importance resulting from the coronavirus responsible for the 2019 outbreak. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l13979.htm#view
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_a...
, sancionou a modalidade para agilizar, por exemplo, a obtenção de recursos médico-hospitalares (Lima et al., 2021Lima, S. S. Filho , Martins, G. D., & Peixe, B. C. (2021). Compras públicas para enfrentamento da covid-19: uma análise sob a lente da teoria contingencial. Revista Contemporânea de Contabilidade, 18(48), 40-55.; Luiz, 2020Luiz, P. (2020). Os impactos do Coronavírus nas compras públicas. Conlicitação. https://portal.conlicitacao.com.br/plantao-coronavirus/covid-19-e-as-licitacoes/os-impactos-do-coronavirus-nas-compras-publicas/
https://portal.conlicitacao.com.br/plant...
). Até 31/12/2020, o Portal de Compras do Governo Federal (2021Portal de Compras do Governo Federal. (2021). Transparência dos dados de dispensa para o COVID-19. https://www.gov.br/compras/pt-br/painel-covid
https://www.gov.br/compras/pt-br/painel-...
) registrou R$ 6,8 bilhões de gastos referentes a cerca de 10,3 mil dispensas de licitação.

Logo no início da crise sanitária surgiu a preocupação com a transparência e o bom uso dos recursos públicos. Com pouco mais de 1 mês do início da pandemia, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (2020) divulgou a Nota Técnica SDG n. 155, de 24 de abril de 2020, anunciando que 361 municípios no estado confirmaram ter decretado calamidade pública e indicando procedimentos para contratação e divulgação. A nota reforçava que o Tribunal faria a fiscalização dos atos e despesas nos municípios “onde foram decretados a situação de emergência ou o estado de calamidade pública”. Claramente indicando que, para as dispensas de licitação com base no artigo 4º da Lei n. 13.979, de 6 de fevereiro de 2020Law no. 13,979 of February 6, 2020 (2020, February 6). Provides for measures to deal with the public health emergency of international importance resulting from the coronavirus responsible for the 2019 outbreak. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l13979.htm#view
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_a...
, a divulgação deveria ser no dia imediatamente posterior ao ato, em website destinado à covid-19, incluindo “o nome do contratado, o número de sua inscrição na Receita Federal do Brasil, o prazo contratual, o valor e o respectivo processo de contratação ou aquisição”. Deveria, também, ser publicado um termo de referência simplificado com objeto, fundamentação, descrição da solução, requisitos da contratação, estimativas de preços e justificativa para aquisições por valores superiores aos pesquisados e contratação de fornecedores com restrições.

A Tabela 3 mostra o uso de dispensa de licitação pelos 32 municípios no período analisado (29 decretaram estado de emergência ou calamidade). A primeira parte da tabela apresenta o número de dispensas de licitação identificadas (como já visto, em 99% das vezes listadas no Portal da Transparência) e, entre parênteses, a porcentagem das dispensas com divulgação completa de documentos. A tabela segrega as contratações antes e depois da pandemia e por tipo de insumo contratado (colunas A, B e C).

Na Tabela 3, os casos foram agregados pela redução ou pelo aumento da proporção de divulgação de documentos completos. Os casos foram divididos e comparados em três grupos segundo fatores que explicariam a diferença da divulgação, na lógica de análise para pequenas amostras (Mahoney, 2000Mahoney, J. (2000). Strategies of causal inference in small-N analysis. Sociological methods & Research, 28(4), 387-424. https://doi.org/10.1177/0049124100028004001
https://doi.org/10.1177/0049124100028004...
). Começando pelo grupo 3 (19 casos ordenados por terem ou não decretos de emergência), os municípios que não variaram o nível de divulgação, pois mantiveram o padrão de operação antes da pandemia, qual seja, de não divulgar documentos completos. Diferentemente do observado pela Transparência Internacional - Brasil para capitais e governos de estados (Pinho et al., 2020Pinho, J. A. G. de, Sacramento, A. R. S., Raupp, F. M., & Amaral, M. S. (2020). Transparência governamental em capitais dos estados no Brasil nas contratações emergenciais para o combate da COVID-19. Revista da CGU, 12(22), 260-274. https://doi.org/10.36428/revistadacgu.v12i22.330
https://doi.org/10.36428/revistadacgu.v1...
), a divulgação dos documentos completos na dispensa de licitações para a amostra em questão é baixa, e já era baixa antes da pandemia. Os demais 13 casos tiveram mudança de padrão de divulgação na pandemia. O grupo 1 (sete casos) se refere a municípios que reduziram a divulgação na pandemia e o grupo 2 (seis casos) àqueles que ampliaram a divulgação apenas para “outros objetos”.

Tabela 3
Divulgação de documentos completos das dispensas de licitação antes e durante a pandemia

A parte direita da tabela apresenta três efeitos (pela diferença das colunas A, B e C). O efeito da pandemia é visto comparando-se o nível de divulgação de documentos completos das dispensas de licitação não relacionadas à covid-19, antes e durante a pandemia. O efeito objeto é visto comparando-se o nível de divulgação de documentos completos das dispensas de licitação associadas a insumos para combate à pandemia com aquisições de outros insumos durante a pandemia. E o efeito geral é a comparação de dispensas para insumos para a covid-19 (durante a pandemia) com aquelas dispensas de licitação antes da pandemia (de outros insumos).

Os casos do grupo 1 (ordenados pela proporção de divulgação completa antes da pandemia) têm redução generalizada da divulgação com a chegada da pandemia (mediana -30%), e dispensas relacionadas a insumos para covid-19 tinham propensão ainda menor à divulgação completa em relação a outros objetos (mediana -7%). É interessante que os municípios do grupo 2 aumentaram a divulgação dos documentos completos de outros objetos em relação a antes da pandemia (mediana +25%), mas a divulgação de contratos de insumos para covid-19 não seguiu a mesma propensão à publicização de documentos completos (mediana -41%), o que indicamos como efeito do objeto de contratação.

Parece haver uma seleção do que será ou não divulgado. Dado que todos os municípios analisados usam o mesmo software de gestão financeira e contábil e Portal da Transparência, a variação na taxa de divulgação não é uma questão de tecnologia no processo de publicização dos documentos.

5. ALTERAÇÕES NO EQUILÍBRIO NO PARADOXO OPACIDADE VERSUS TRANSPARÊNCIA DE CONTRATAÇÕES

Nesta seção, trazemos evidências das entrevistas realizadas e discutimos as respostas que surgem às pressões por transparência ou opacidade. Nas entrevistas, os relatos que comparavam como era “antes da pandemia” e como estavam lidando com o atual cenário relacionavam alguns fatores que causaram perplexidade, incerteza, que justificavam decisões em relação à publicização de contratos ou que eram motivos para críticas ou preocupações dos agentes de controle social em relação ao risco de desvio de finalidade das contratações. A Tabela 4 indica os principais fatores, ou “perturbações” do equilibro do paradoxo, mencionados pelos entrevistados.

A própria pandemia, a necessidade de contratação de insumos não catalogados e a sensação de caos foram o pano de fundo do contexto. No início da pandemia, os mais de 300 municípios do estado de São Paulo, ao decretarem calamidade, passaram a ter a dispensa de licitação como a principal modalidade de contratação para insumos de combate à covid-19.

A delegação da gestão da crise sanitária para governos locais e estaduais, com a transferência de recursos para combate à pandemia, delegando a flexibilização do regime de contratação e a execução de políticas públicas sem uma coordenação central, abriu um contexto de contratação de serviços diversos daquele que por longo tempo se institucionalizou no país. Quando prefeitos se viram obrigados a contratar com rapidez, em um regime mais flexível, a administração pública operou por 45 dias sem orientação clara até a divulgação da Nota Técnica do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (2020Tribunal de Contas do Estado de São Paulo. (2020). Nota Técnica SDG n. 155, de 24 de abril de 2020. Orientações à Fiscalização - Crise Coronavírus - Covid 19. https://www.tce.sp.gov.br/legislacao/comunicado/orientacoes-fiscalizacao-crise-coronavirus-covid-19
https://www.tce.sp.gov.br/legislacao/com...
). Destaca-se que, até então, a dispensa de licitação era um modelo de contratação utilizado com restrição na administração pública. A flexibilização das regras de contratação, somada ao entendimento desvirtuado de que essa flexibilização com uso de dispensas de licitação poderia relaxar a publicização dos documentos, levou à desestabilização inicial das práticas de publicização.

Tabela 4
Fatores identificados com efeito no equilibro do paradoxo

A partir do alerta do Tribunal de Contas de São Paulo, a tentativa de atender às exigências de forma rápida fez com que os dados de contratações fossem mal ou apenas parcialmente divulgados. Apesar de a recomendação do Tribunal de Contas de São Paulo não ter aumentado os itens a serem divulgados, mas apenas reforçado a necessidade de que assuntos da pandemia fossem divulgados de forma identificável, ainda houve certa confusão de como deveriam ser publicadas as informações de contratações emergenciais:

No primeiro momento eu entendi, “ah tem que publicar”, tá, todas as coisas têm que serem publicadas, vai estar lá, e eu vou indicando o que é covid, mas não, né? Tinha que ser separado, tinha que ter um ícone só para a covid. (Contador)

Diversos relatos, como os de um contador e um jornalista, a seguir, retratam a tentativa de entender como a divulgação deveria ser feita.

De todos os gastos, de todas as receitas e despesas que … ocorrer por conta dessa situação de emergência, né?... Tem que estar divulgando também, os boletins de casos confirmados, de óbitos, … internações, … De forma, assim, individualizada … você vai clicar lá [no ícone covid-19 no Portal da Transparência] e vai aparecer as receitas, as despesas … contratos, atos oficiais referentes ao enfrentamento do covid, né? Os decretos, né? Decretos, regras para comércio, regras … tal. (Contador)

Tal incerteza poderia levar prefeituras, por prudência, a intensificarem o rigor das práticas de transparência de contratação. Apesar de menos frequente, essa foi a postura de alguns governos que não apenas deram publicização ampla de contratos, mas ampliaram o escopo da informação em geral sobre a covid-19. Algumas secretarias de saúde passaram a emitir boletins de covid-19 com o número de casos, leitos de UTI, casos tratados, mortes, agendamento de vacinação e número de vacinados. Surgiram divulgações específicas de atos e contratações para o combate da pandemia. Em alguns casos, como o relatado pelo jornalista a seguir, o evento trouxe destaque e nível de detalhe até então não existente no website da prefeitura.

... nas prefeituras aqui da região [apareceu] uma visibilidade para os dados referentes à covid que eles nunca haviam dado. Se você for acessar o site da prefeitura, por exemplo, a primeira informação que você vai ver em letras enormes é o agendamento da vacina. … normas estaduais de covid, … boletim da covid. E se você for no Portal da Transparência … eles criaram uma página específica para as receitas, contratos, licitações … recursos humanos da covid e dentro da página de gastos em geral da prefeitura eles também criaram uma opção para você ver os gastos com covid. (Jornalista)

Porém, tal melhoria ocorreu apenas em casos isolados. Na maior parte dos casos, como visto na seção anterior, houve piora na divulgação. Outro fator levantado por entrevistas com jornalistas ou gestores de ONGs é a possível percepção de tolerância sinalizada pelo governo federal à época em relação à supressão de informações em portais da transparência. A seguir, transcrevemos a opinião de um jornalista que apareceu de forma similar na opinião de líderes de ONGs.

Na pandemia, o Ministério da Saúde teve muitos retrocessos [em relação à transparência] … o portal do governo federal que fazia o monitoramento de casos de infectados e mortes da pandemia foi retirado do ar e depois reapresentado em formato muito inferior ao que existia antes… Depois quando trocou o ministro esse portal saiu do ar e funcionalidades foram retiradas e só depois de muita pressão da sociedade elas foram sendo reinseridas. (Jornalista)

Mas outras explicações para redução da transparência podem estar associadas ao período conturbado para a administração pública. Destaca-se que os portais da transparência e sistemas de gestão contábil eram os mesmos de antes da pandemia, e as práticas supostamente não seriam dificultadas por um regime de contratação mais simplificado; nada existia de necessariamente novo ou mais complexo para divulgação de contratos públicos durante a pandemia. Apesar de a dispensa de licitação ser um modelo já utilizado por todos os municípios analisados, as prefeituras tiveram de contratar em regime de urgência, com necessidade de insumos desconhecidos e inflacionados pela demanda geral, sem procedimentos e controles adequados. Ainda, quando medidas de lockdown foram adotadas e servidores passaram a fazer trabalho remoto, responsáveis por compras e contadores tiveram problemas para acessar seus sistemas que não operavam em nuvem. Em alguns casos, os governos chegaram a divulgar fotos de relatórios escritos à mão, como tratado no relato a seguir.

Fazia uma lista do que tinha sido … compras de seringas, compras de testes, vai, compra de testes rápidos, né? Tantos testes, pagou tanto por unidade [de teste], valor total tanto. Tiraram uma foto [das anotações escritas à mão] em uma folha de papel e colocaram lá [no Portal]. Isso não serve para praticamente nada, né? … eles colocaram o CNPJ do fornecedor, não colocaram nem o nome … deu um trabalho gigantesco para … tentar entender o que estava acontecendo [fazer controle social] … demorou dias. (Gestor de ONG)

Nos casos em que os municípios responderam positivamente em direção à transparência, os portais foram aprimorados ao longo dos meses, similar ao que descreve o respondente a seguir.

O portal, conforme as exigências ao longo do tempo, foi evoluindo, e hoje tem uma infinidade de informações. Com as despesas associadas à covid foi a mesma coisa, começou, primeiro não tinha exigência nenhuma de separar os dados no portal. Depois [o Tribunal de Contas] exigiu que separássemos os dados no próprio Portal, clicando no item [covid-19], acessa as despesas associadas à covid. Aí foi exigindo outras coisas, licitação, decretos, funcionários que contratou … (Contador)

Por fim, surgiu a questão do favorecimento e o receio de gestores serem envolvidos em esquemas ilegais. Alguns líderes de organizações do terceiro setor entrevistados destacaram que o grande volume de recursos, a urgência e a flexibilização da contratação abriram oportunidades para gestores não comprometidos com o bom uso do recurso público. ONGs e jornalistas mencionaram essa janela de oportunidade aberta para gestores mal-intencionados, como o exemplo a seguir.

Essa lei [da pandemia, Lei n. 13.979, de 6 de fevereiro de 2020] dispensou [licitação] nas compras emergenciais de ter maiores controles. E são bilhões que estão sendo gastos. Então, aí permite para o mau gestor a opacidade … porque ele justifica na lei que ele está … covid tem que ser rápido, tem que ser daquele jeito e não tem muita informação a prestar. (Gestor de ONG)

O mesmo problema é apontado por vereadores e jornalistas. As duas falas a seguir sugerem que as análises de economia e economicidade deram lugar à urgência das contratações, reduzindo o controle e expondo gestores públicos ao risco de se verem envolvidos em atos ilícitos.

No começo da pandemia, eles não estavam fazendo mais licitação. O Supremo [Tribunal Federal] … deu [legitimou] poderes para prefeitos e governadores, se a pessoa quer se auto beneficiar com isso [dada a falta de transparência] não tem como descobrir porque não sabe onde está investindo o dinheiro. (Jornalista)

… boa por um lado [dispensa de licitação], passa a ser um processo rápido, menos custoso, sem as publicações obrigatórias em jornais de grande circulação, no diário oficial do estado … Porém, como é pesquisa de preço, acho que fica meio difícil ter um controle mais efetivo. (Vereador)

Em resumo, dadas a mudança de contexto geral e como a administração pública interpretou e respondeu ao contexto, o ponto de equilíbrio se movimentou em direção à opacidade. As entrevistas indicam que os fatores e seus efeitos mudam o ponto de equilíbrio e, portanto, como os responsáveis pela publicização irão lidar com as pressões atuais.

6. DISCUSSÃO E SOLUÇÕES PARA O EQUILÍBRIO NO PARADOXO

No estudo em questão, analisamos como o equilíbrio no paradoxo pode ser alterado por fatores que emergem com choques externos abruptos, como a crise sanitária. A inclinação em direção à opacidade no contexto em questão tem a influência, por exemplo, de como prefeitos e servidores interpretaram a aplicação da regulação e recomendações de transparência durante a pandemia, e da desorganização da burocracia pela interrupção de jornadas de trabalho dadas as medidas de isolamento ou por opção por reduzir o controle social. Não são fatores isolados, e se combinam no tempo.

As prefeituras lidaram de formas distintas com essa perturbação no equilíbrio do paradoxo. Foi mostrado que enquanto os casos do grupo 2 (Tabela 3) ampliaram seletivamente a divulgação para dispensas de outros objetos (não associados à covid-19), a política de transparência dos casos do grupo 1 se aproximou de mais opacidade. A adequação do nível de divulgação varia com o objeto contratado (insumos relacionados ou não à covid-19), indicando certa escolha da administração local em termos de transparência. Como foi fixada a integração dos sistemas de administração financeira e Portal da Transparência, e é o mesmo Tribunal de Contas que atua em todos os casos, nem a tecnologia nem a coerção do órgão de controle explicam a variação da transparência entre os casos analisados e os objetos de contratação (associados ou não à covid-19). Ainda, as hipóteses de erro ou aleatoriedade do que é ou não divulgado não parecem ser o caso para os grupos 1 e 2, pelo padrão observado.

As diferenças nos níveis de divulgação de documentos completos podem vir de uma divulgação seletiva por parte da administração desses governos. Se for esse o caso, governos podem estar separando em grupos de objetos de licitação, se dão mais ou menos transparência. É uma típica “separação espacial”, já identificada em outros contextos, como exposto na revisão de Schad et al. (2016Schad,.J.,.Lewis,.M..W.,.Raisch,.S., .&. Smith,.W..K..(2016)..Paradox.research.in.management.science:.Looking.back.to.move.forward.. Academy.of.Management.Annals, 10(1),.5-64. https://doi.org/10.5465/19416520.2016.1162422
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). Governos manteriam maior divulgação de dispensas de licitação para objetos não relacionados à covid-19, atendendo em certa medida às exigências do Tribunal de Contas e da sociedade civil. Em casos relacionados à covid-19, a publicização é reduzida, talvez pelo risco da exposição de ineficiência ou mau uso de recursos.

Para reduzir esse efeito para sociedade, sobretudo em situações de emergência nacional, é necessário reequilibrarem as pressões que surgem dos diferentes interesses do sistema político-econômico. Órgãos de controle e autoridades do governo federal podem (i) reduzir os custos de compliance com o polo da transparência (ex.: criando sistemas que cruzem dados de fornecedores em compras públicas) e (ii) atenuar incertezas sobre o que deve ser feito nesses casos (prevendo na legislação e no manual os procedimentos para períodos de emergência). Tribunais de Contas, que desenvolvem sistemas de coleta de dados para diversos temas de auditoria (Aquino et al., 2021Aquino, A. C. B. D., Lino, A. F., & Azevedo, R. R. D. (2021). Enraizamento de infraestruturas digitais de coleta de dados pelos Tribunais de Contas. Revista Contabilidade & Finanças, 33(88), 46-62. https://doi.org/10.1590/1808-057x202111600
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), poderiam (iii) incluir, na coleta de dados, módulos que recebam tais dispensas, incluindo os períodos de emergência, e publicar automaticamente em um Portal de Compras do estado, (iv) além de ter posicionamento claro e imediato no momento da crise (diferente dos 45 dias para a primeira orientação do Tribunal de Contas analisado).

Ainda, barreiras à divulgação seletiva poderiam ser criadas com soluções de tecnologia. Por exemplo, todo processo de compra poderia ser executado em uma plataforma nacional ou estadual dedicada, em que o registro, seleção de fornecedores e pagamento da compra sejam liberados com uso de tokens e mecanismos de segurança, incluindo certificados emitidos pelo governo (ex.: regularidade fiscal). Com isso, toda informação estaria previamente registrada na plataforma e disponível para consulta. Isso reduziria discricionariedade da divulgação seletiva.

6. CONCLUSÕES

Municípios em épocas de normalidade desenvolvem suas políticas de transparência que podem ter retrocessos ou avanços em períodos de emergência, como a pandemia da covid-19. O equilíbrio das pressões, contradições e ação dos diversos grupos interessados no uso de recursos públicos muda com o tempo à medida que esses respondem ao contexto, trazendo potencial retrocesso na política de transparência de atos de governos ou contas públicas.

No caso em questão, a obrigação de combater a pandemia de forma rápida fez com que os governos optassem por maior uso de contratações com dispensas de licitações, mas com uma tímida divulgação dos contratos. Agentes públicos adequaram o nível de divulgação ao contexto de emergência, em detrimento do interesse e pressão da imprensa e agentes de controle social. Nos diferentes casos, a tecnologia empregada para divulgação das informações e os servidores dedicados à contratação pública não mudaram significativamente de um ano para outro; a urgência da contratação e as incertezas trazidas pela pandemia, sim. O que afetaria o sucesso da contratação em decorrência da emergência sanitária seria a identificação de fornecedores de insumos até então não utilizados ou mesmo desconhecidos da grande parte das prefeituras, ou mesmo não disponíveis, dada a demanda inesperada. Porém, parece pouco defensável a justificativa de que a dificuldade em identificar fontes de insumos ou sobrecarga de trabalho nos meses de lockdown prejudicaria a publicização dos documentos de dispensa.

A pesquisa traz duas principais implicações para discussão de transparência de governos. Primeiro, o nível de transparência de governos não é apenas dado por contingências estáticas para certo período, como características demográficas ou sociais [ex.: Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), Produto Interno Bruto (PIB)] ou por recursos materiais e humanos na prefeitura, mas por um tênue equilíbrio entre diversas pressões dos principais stakeholders que mudam com o contexto. As pesquisas sobre transparência de governos do tipo cross-section (transversais em um momento no tempo) não têm captado essa dinâmica. Segundo, os períodos de crise ou de emergência demandam atenção especial dos órgãos de controle e da sociedade civil. Mesmo municípios que são exemplares nas suas políticas de transparência em períodos de normalidade podem facilmente perder a transparência com a perturbação no equilíbrio do paradoxo.

A consideração que a execução de políticas de transparência é algo a ser mantido e passível de retrocessos pela mudança das pressões de contexto abre agenda de pesquisa em outras situações de emergência. Além de crises nacionais como pandemia, eventos locais como enchentes e deslizamentos causados pelas chuvas de verão podem levar governos à divulgação seletiva no regime emergencial. O estudo em questão foi baseado na lógica de pequenas amostras e não têm pretensão de generalização dos resultados para um grupo maior de casos. Contudo, os resultados da amostra de municípios de pequeno porte podem ser testados com outros estados da federação, por exemplo, observando se um claro entendimento e divulgação pelos Tribunais de Contas em outros estados eventualmente reduziu esse efeito observado na amostra de São Paulo. Se sim, isso mostraria uma importante função dos órgãos de controle em seu papel preventivo e de orientação.

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  • 20
    Este é um texto bilíngue. Este artigo também foi traduzido para o idioma inglês, publicado sob o DOI https://doi.org/10.1590/1808-057x20231716.en
  • 30
    Este artigo deriva de uma dissertação de mestrado defendida pelo autor André Precinotto, em 2021.

Editado por

Editor-Chefe:

aprovado por Fábio Frezatti, publicado por Andson Braga de Aguiar

Editor Associado:

Eliseu Martins

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    13 Maio 2022
  • Revisado
    08 Jun 2022
  • Aceito
    17 Jun 2023
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