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Adoção de business analytics na contabilidade

RESUMO

O objetivo desta pesquisa é analisar iniciativas de adoção de business analytics (BA) factíveis à contabilidade e seus potenciais antecedentes e efeitos, de acordo com especialistas e early adopters. As soluções de BA apoiam os profissionais na exploração de dados e na obtenção de insights para tomada de decisão. Embora haja uma relação evidente entre BA e contabilidade, há uma lacuna entre a teoria e sua adoção na prática. A pesquisa é relevante para a academia e o mercado, por apresentar principais antecedentes, efeitos, usos, técnicas e fontes de dados, além das características da tarefa, tecnologia e indivíduo que impactam o fit entre BA e contabilidade. Evidenciam-se os principais antecedentes de adoção e boas práticas dos projetos de uso de BA dos early adopters, diminuindo a lacuna teoria-prática e trazendo novos elementos para impulsionar sua adoção entre profissionais e organizações. Foi realizada uma pesquisa qualitativa-exploratória, operacionalizada por entrevistas semiestruturadas com 20 profissionais de áreas contábeis distintas. Os resultados evidenciam as principais iniciativas de uso de BA: identificação de transações indevidas, análise de maior volume de dados e análises preditivas. Eficiência, qualidade e melhora da tomada de decisão foram os principais efeitos do uso de BA. A factibilidade das iniciativas de BA foi analisada pelo modelo task-technology fit (TTF) e os antecedentes da adoção pelo modelo technology-organization-environment (TOE), identificando-se características da tarefa, tecnologia e indivíduo, bem como fatores tecnológicos, organizacionais e ambientais que aumentam o fit entre BA e contabilidade. Contribui-se para a evidenciação de barreiras (regulação e disponibilidade dos dados) que impactam a adoção de BA e a conclusão que as finalidades de uso, a profundidade da adoção e os efeitos diferem conforme a área contábil, uma vez que os principais efeitos do uso de BA impactam, primeiramente, a própria área contábil, em seguida, demais partes interessadas.

Palavras-chave:
business analytics; adoção; antecedentes; efeitos; contabilidade

ABSTRACT

The aim of this study is to analyze feasible business analytics (BA) adoption initiatives in accounting and their potential antecedents and effects, according to experts and early adopters. BA solutions help professionals explore data and gain insights for decision making. Although there is a clear relationship between BA and accounting, there is a gap between the theory and its adoption in practice. The research is relevant to academia and the market because it presents the main antecedents, effects, uses, techniques, and data sources, as well as the characteristics of the task, technology, and individual that impact the fit between BA and accounting. The main antecedents of adoption and good practices in early adopter projects using BA are highlighted, reducing the theory-practice gap and bringing new elements to promote its adoption among professionals and organizations. A qualitative-exploratory study was conducted using semi-structured interviews with 20 professionals from different accounting areas. The results highlight the main BA usage initiatives: identifying improper transactions, analyzing larger volumes of data, and performing predictive analyses. Efficiency, quality, and improved decision making were the main effects of using BA. The feasibility of BA initiatives was analyzed using the task-technology fit (TTF) model and the antecedents of adoption were analyzed using the technology-organization-environment (TOE) model, identifying characteristics of the task, technology, and individual as well as technological, organizational, and environmental factors that increase the fit between BA and accounting. The study contributes to highlighting the barriers (regulation and data availability) that affect the adoption of BA and concludes that the purposes of use, the depth of adoption, and the effects differ according to the accounting area, as the main effects of the use of BA primarily impact the accounting area itself, followed by other stakeholders.

Keywords:
business analytics; adoption; antecedents; effects; accounting

1. INTRODUÇÃO

O ambiente de negócios atual está centrado em dados (Appelbaum et al., 2021Appelbaum, D., Showalter, D. S., Sun, T., & Vasarhelyi, M. A. (2021). A framework for auditor data literacy: A normative position.Accounting Horizons,35(2), 5-25. https://doi.org/10.2308/HORIZONS-19-127
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) e seu crescente volume provoca, nas organizações, uma necessidade de aprender a usar essas informações disponíveis para a geração de melhores resultados (Camm et al., 2020Camm, J. D., Bowers, M. R., & Davenport, T. H. (2020). The recession’s impact on analytics and data science. MIT Sloan Management Review. https://sloanreview.mit.edu/article/the-recessions-impact-on-analytics-and-data-science/
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). Davenport (2021Davenport, T. H. (2021). Enterprise adoption and management of artificial intelligence.Management and Business Review, 1(1). https://ssrn.com/abstract=3916451
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) destaca que entre 20 e 37% das maiores corporações globais estão adotando alguma tecnologia de inteligência artificial, a maioria na forma de machine learning, nos projetos de business analytics (BA) para auxiliar as empresas a explorar dados, revelar padrões e tendências e gerar insigths para suas operações (Deloitte, 2021Deloitte. (2021). Tech Trends 2021.). Por exemplo, escândalos contábeis, como o recente caso das Americanas, poderiam ser minimizados com uso de BA para detecção de fraudes e/ou erros (Comissão de Valores Mobiliários [CVM], 2023Comissão de Valores Mobiliários. (2023). Informações adicionais relativas à companhia aberta Americanas S.A.https://www.gov.br/cvm/pt-br/assuntos/noticias/informacoes-adicionais-relativas-a-companhia-aberta-americanas-s-a
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).

As soluções de analytics estão transformando os mercados, em especial o ambiente contábil, devido à natureza do trabalho do contador de dar suporte aos gestores por meio de informações contábeis (Wongsim et al., 2019Wongsim, M., Tantrabundit, P., Khantong, S., & Savithi, C. (2019). Effect of big data in accounting: Case studies in Thailand. InAnais da 4th Technology Innovation Management and Engineering Science International Conference (pp. 1-5).). Para Rikhardsson e Yigitbasioglu (2018Rikhardsson, P., & Yigitbasioglu, O. (2018). Business intelligence & analytics in management accounting research: Status and future focus.International Journal of Accounting Information Systems,29, 37-58. https://doi.org/10.1016/j.accinf.2018.03.001
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), há uma relação clara entre o uso de BA e a área contábil, por terem a missão comum de facilitar a tomada de decisão organizacional. Desse modo, técnicas e processos de BA podem se concentrar na identificação de tendências e ideias significativas a partir de dados financeiros e não financeiros, na apresentação e visualização inteligente de dados e no uso desses para melhorar o desempenho (Cockcroft & Russell, 2018Cockcroft, S., & Russell, M. (2018). Big data opportunities for accounting and finance practice and research.Australian Accounting Review,28(3), 323-333. https://doi.org/10.1111/auar.12218
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).

Essas contribuições, o relatório The Future of Analytics in The Finance Function - Global Survey 2020, respondido por executivos seniores de finanças e contabilidade, apontaram que apenas 14% das funções contábeis e financeiras utilizam BA para obter valor a partir dos dados (DFSN - The Modern Finance Forum, 2020FSN - The Modern Finance Forum. (2020). The future of analytics in the finance function - Global Survey 2020. https://fsn.co.uk/app/uploads/2020/09/Future-of-Analytics-2020-FSN-Report-Publish.pdf
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). Mesmo com novos negócios centrados em dados e no papel da contabilidade nesse contexto, ainda há pouca evidência do uso de BA pela contabilidade (Schmidt et al., 2020Schmidt, P. J., Riley, J., & Church, K. S. (2020). Investigating accountants' resistance to move beyond Excel and adopt new data analytics technology.Accounting Horizons,34(4), 165-180. https://doi.org/10.2308/HORIZONS-19-154
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). O estudo de Schmidt et al. (2020) apontou os custos de mudança como fator inibidor da adoção, mas, em contrapartida, que a opinião de colegas influencia positivamente, sendo relevante a compreensão de outros aspectos que influenciam sua adoção.

Considerando esses aspectos, esta pesquisa objetiva analisar iniciativas de adoção de BA factíveis à contabilidade e seus potenciais antecedentes e efeitos. Optou-se por uma abordagem qualitativa e exploratória, operacionalizada por meio de entrevistas com especialistas e early adopters de BA. Ao total, foram entrevistados 20 profissionais distribuídos em cinco diferentes áreas contábeis, totalizando quase 30 horas de gravação. Os dados foram analisados por meio da técnica de análise de conteúdo com codificação hierárquica (hierarchical coding) e os resultados foram a evidenciação das principais iniciativas factíveis de uso do BA no campo contábil, seus principais efeitos, antecedentes da adoção, além das características da tarefa, tecnologia e profissional que contribuem para o fit entre BA e contabilidade.

Este estudo tem sua contribuição na cobertura de lacunas relacionadas à adoção de BA na contabilidade. Se por um lado pesquisas indicam que as organizações continuarão investindo no uso de BA para obter vantagens competitivas diante de avanços tecnológicos (Deloitte, 2021Deloitte. (2021). Tech Trends 2021.), por outro lado um número importante de empresas ainda não conseguiu implementar BA (Nam et al., 2019Nam, D., Lee, J., & Lee, H. (2019). Business analytics adoption process: An innovation diffusion perspective.International Journal of Information Management ,49, 411-423. https://doi.org/10.1016/j.ijinfomgt.2019.07.017
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). Argumenta-se, ainda, sobre o protagonismo que a área contábil pode assumir no atual contexto, por fornecer informações úteis para a tomada de decisão (Coyne et al., 2018Coyne, E. M., Coyne, J. G., & Walker, K. B. (2018). Big data information governance by accountants.International Journal of Accounting & Information Management,26(1), 153-170. https://doi.org/10.1108/IJAIM-01-2017-0006
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); porém, há poucas evidências se realmente os profissionais contábeis estão exercendo esse papel (Schmidt et al., 2020Schmidt, P. J., Riley, J., & Church, K. S. (2020). Investigating accountants' resistance to move beyond Excel and adopt new data analytics technology.Accounting Horizons,34(4), 165-180. https://doi.org/10.2308/HORIZONS-19-154
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). Há a necessidade de mais estudos que explorem empiricamente fatores de adoção de BA na contabilidade e seus efeitos (Perkhofer et al., 2019Perkhofer, L. M., Hofer, P., Walchshofer, C., Plank, T., & Jetter, H. C. (2019). Interactive visualization of big data in the field of accounting.Journal of Applied Accounting Research, 20(4), 497-525. https://doi.org/10.1108/JAAR-10-2017-0114
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; Rikhardsson & Yigitbasioglu, 2018Rikhardsson, P., & Yigitbasioglu, O. (2018). Business intelligence & analytics in management accounting research: Status and future focus.International Journal of Accounting Information Systems,29, 37-58. https://doi.org/10.1016/j.accinf.2018.03.001
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).

2. BA E CONTABILIDADE

BA trata do uso de dados, análises estatísticas, métodos quantitativos e matemáticos para ajudar os gestores a obter informações aprimoradas sobre suas operações e a tomar melhores decisões baseadas em fatos (Davenport & Harris, 2017Davenport, T., & Harris, J. (2017).Competing on analytics: Updated, with a new introduction: The new science of winning. Harvard Business Press.). Davenport (2014Davenport, T. H. (2014). How strategists use “big data” to support internal business decisions, discovery and production. Strategy & Leadership.) criou o termo para representar o principal componente analítico do business intelligence (BI) e os diferencia pela forma como atendem ao objetivo primário. Segundo o autor, BI se baseia em relatórios para apoiar os decisores, enquanto BA foca em análises estatísticas e matemáticas.

Holsapple et al. (2014Holsapple, C., Lee-Post, A., & Pakath, R. (2014). A unified foundation for business analytics.Decision Support Systems,64, 130-141. https://doi.org/10.1016/j.dss.2014.05.013
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) propuseram três dimensões para o entendimento de BA. A primeira trata do domínio, que se refere a disciplinas de negócios tradicionais, como a contabilidade. A segunda trata da orientação e refere-se ao porquê está sendo usado BA, dividindo-se em descritiva, preditiva ou prescritiva. Esses três tipos de orientações tratam de uma “jornada analítica” (Appelbaum et al., 2017Appelbaum, D., Kogan, A., Vasarhelyi, M., & Yan, Z. (2017). Impact of business analytics and enterprise systems on managerial accounting.International Journal of Accounting Information Systems,25, 29-44. https://doi.org/10.1016/j.accinf.2017.03.003
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; Nielsen, 2018Nielsen, S. (2018). Reflections on the applicability of business analytics for management accounting - and future perspectives for the accountant.Journal of Accounting & Organizational Change, 14(2), 167-187. https://doi.org/10.1108/JAOC-11-2014-0056
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) na qual (i) a descritiva busca responder perguntas sobre o que ocorreu e seus desdobramentos, por meio de relatórios, consultas ad hoc e visualizações interativas, (ii) a preditiva visa entender o futuro, respondendo sobre o que poderia ocorrer, usando-se de mineração de dados e técnicas estatísticas para descobrir modelos explicativos e preditivos a partir de dados históricos acumulados para calcular probabilidades de eventos futuros, e (iii) a prescritiva busca responder o que deve ser feito com base nos resultados analíticos descritivos e preditivos.

A terceira dimensão, chamada técnica, refere-se à maneira pela qual uma tarefa de analytics está sendo executada (Holsapple et al., 2014Holsapple, C., Lee-Post, A., & Pakath, R. (2014). A unified foundation for business analytics.Decision Support Systems,64, 130-141. https://doi.org/10.1016/j.dss.2014.05.013
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). Quanto às técnicas de analytics utilizadas no domínio contábil, Appelbaum et al. (2017Appelbaum, D., Kogan, A., Vasarhelyi, M., & Yan, Z. (2017). Impact of business analytics and enterprise systems on managerial accounting.International Journal of Accounting Information Systems,25, 29-44. https://doi.org/10.1016/j.accinf.2017.03.003
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) destacam modelos de agrupamento e classificação, mineração de dados e texto e visualização, além de redes neurais artificiais, árvores de decisão, regressões e diferentes técnicas estatísticas. Há uma evolução das técnicas utilizadas, uma vez que, no passado, originavam-se de análises estatísticas básicas e, atualmente, incorporam técnicas que se originam do aprendizado de máquinas, que aprendem padrões a partir de dados existentes para fazer previsões de eventos futuros, sendo um subconjunto da inteligência artificial (Appelbaum et al., 2017; Cho et al., 2020Cho, S., Vasarhelyi, M. A., Sun, T., & Zhang, C. (2020). Learning from machine learning in accounting and assurance. Journal of Emerging Technologies in Accounting, 17(1), 1-10. https://doi.org/10.2308/jeta-10718
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). Assim, duas abordagens técnicas de analytics são descritas (Appelbaum et al., 2017; Han et al. (2011Han, J., Pei, J., & Kamber, M. (2011).Data mining: Concepts and techniques. Elsevier.): a abordagem não supervisionada (trata de técnicas que extraem inferências de conjuntos de dados rotulados - dados de treinamento) e a supervisionada (trata de técnicas que extraem inferências de conjuntos de dados não rotulados, nos quais as instâncias não têm saída especificada ou o valor da saída é desconhecido).

Para analisar as iniciativas factíveis de BA na contabilidade e os respectivos determinantes de seus efeitos, foi utilizado o construto task-technology fit (TTF). Para Goodhue e Thompson (1995Goodhue, D. L., & Thompson, R. L. (1995). Task-technology fit and individual performance.MIS Quarterly, 19(2), 213-236. https://doi.org/10.2307/249689
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, p. 216), TTF é “o grau em que uma tecnologia auxilia um indivíduo na execução de suas tarefas” e, quanto maior o grau, ou seja, o ajuste (fit), maior a probabilidade de utilização da tecnologia, levando a um melhor desempenho, uma vez que atende mais de perto às necessidades da tarefa do indivíduo. Para tanto, são consideradas características da tarefa, da tecnologia e do indivíduo, de forma que a combinação entre os requisitos da tarefa, as habilidades individuais e a funcionalidade da tecnologia são os fatores que determinam o TTF.

Complementarmente, o modelo technology-organization-environment (TOE) foi a lente teórica usada para analisar os antecedentes da adoção dos early adopters e foi proposto para o estudo da adoção de inovações tecnológicas por organizações (Depietro et al., 1990Depietro, R., Wiarda, E., & Fleischer, M. (1990). The context for change: Organization, technology and environment. In The Processes of Technological Innovation (pp. 151-175). Lexington Books.). O modelo pressupõe três aspectos do contexto de uma empresa que podem influenciar o processo pelo qual a empresa adota e implementa inovações tecnológicas (Tornatzky & Fleischer, 1990Tornatzky, L., & Fleischer, M. (1990). The process of technology innovation. Lexington Books.). O contexto tecnológico inclui os equipamentos e processos necessários e tecnologias internas e externas que sejam relevantes para a empresa (Tornatzky & Fleischer, 1990). O contexto organizacional é normalmente definido em termos de medidas descritivas, como tamanho e escopo da empresa, estrutura gerencial, qualidade dos recursos humanos e número de recursos disponíveis internamente. O contexto do ambiente refere-se ao ambiente externo à empresa - sua indústria, concorrentes, acesso a recursos fornecidos por terceiros e regulamentações governamentais (Tornatzky & Fleischer, 1990).

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Com objetivo de analisar iniciativas de adoção de BA factíveis à contabilidade e seus potenciais antecedentes e efeitos, foi adotada uma abordagem qualitativa e exploratória nesta pesquisa. Dentre os critérios de rigor da pesquisa, utilizou-se a triangulação de fontes de dados ao entrevistar-se especialistas e early adopters.

O primeiro perfil de unidades de análise examinado é formado por especialistas que já atuaram ou atuam na área contábil, tendo conhecimento técnico orientado a processos e interpretativo de suas respectivas áreas de atuação. Foram selecionados especialistas das subáreas de auditoria, contabilidade financeira, forense, gerencial e tributária. Foram considerados especialistas aqueles que tinham conhecimento de BA, independentemente de usarem ou já terem participado de algum projeto de analytics. O objetivo com essas entrevistas foi a indicação das iniciativas factíveis de BA, mapeadas previamente na literatura (Apêndice A), e os potenciais efeitos de sua adoção na contabilidade. A escolha dos especialistas foi feita por nível de conhecimento da temática, conveniência e proximidade das empresas/profissionais.

O segundo perfil é composto pelos early adopters. Pelo fato de BA ser um termo relativamente novo e com poucos estudos empíricos no contexto contábil, foram considerados early adopters os profissionais de contabilidade que já tiveram alguma experiência profissional no âmbito das atividades da área contábil com práticas de analytics, preferencialmente com o uso contínuo das técnicas. O objetivo foi aprofundar a adoção de BA com os early adopters, descrevendo que tipo de adoção é feita e caracterizando a iniciativa em termos de orientação e aspectos técnicos, além de investigar os antecedentes e os efeitos de sua adoção.

Como técnica de coleta de dados, foram utilizadas entrevistas semiestruturadas em profundidade. Os roteiros de entrevista dos especialistas (Apêndice B) e dos early adopters (Apêndice C) foram desenvolvidos com base na revisão da literatura e validados por um pesquisador experiente em sistemas de informações e contabilidade. As entrevistas foram realizadas no período de março a julho de 2021. Foram entrevistados 20 profissionais das cinco subáreas contábeis (cada área contando com, pelo menos, três profissionais). Quatro profissionais tinham perfil tanto de especialista quanto de early adopter, outros quatro tinham expertise em mais de um subdomínio contábil e duas unidades de análise foram formadas por duas pessoas cada. O Apêndice D apresenta mais informações sobre o perfil de cada entrevistado. A experiência profissional média dos entrevistados é de 16 anos e 80% das empresas nas quais atuam são de grande porte e importantes em seus segmentos. Nos resultados, os especialistas estão identificados por ESP e os early adopters por EA.

As entrevistas foram gravadas, resultando em quase 30 horas de gravação, as quais foram transcritas para análise. A técnica de análise dos dados adotada foi a técnica de análise de conteúdo com codificação hierárquica (hierarchical coding). Essa técnica permite ao pesquisador fazer inferências replicáveis e válidas para os contextos de seu uso (Krippendorff, 2018Krippendorff, K. (2018).Content analysis: An introduction to its methodology. Sage publications.). Como ferramenta de apoio, foi utilizado o software NVivo na interpretação e codificação dos dados, com diferentes conjuntos de codificação. Para as iniciativas e os efeitos, a codificação foi data driven. Para análise dos antecedentes da adoção, a codificação foi theory driven, utilizando os fatores do modelo TOE a posteriori, pois os fatores foram sendo identificados a partir da análise dos resultados. Para os determinantes dos efeitos, a codificação foi híbrida, tendo em vista que os códigos iniciais foram definidos a priori da coleta dos dados, com abordagem theory driven com base no modelo TTF, e as categorias finais foram definidas com abordagem data driven. O codebook utilizado está apresentado no Apêndice E. Os apêndices estão disponíveis sob solicitação aos autores.

4. ANÁLISE DOS DADOS

4.1 Iniciativas Factíveis de BA de acordo com os Especialistas

Inicialmente, são apresentadas as iniciativas de BA julgadas factíveis para a contabilidade pelos especialistas, a partir das iniciativas levantadas previamente na literatura. As iniciativas foram caracterizadas de acordo com as três dimensões de BA: domínio, orientação e técnica.

4.1.1 Domínio - Finalidades de uso

Domínio refere-se a disciplinas de negócios, como a área contábil. Nas respostas dos especialistas, foram identificados dois grupos de finalidades de uso de BA para a contabilidade: 1) iniciativas que “automatizam” as tarefas; e 2) iniciativas que “turbinam” as atividades. Dentre as iniciativas que automatizam as atividades, foram tidas como factíveis as iniciativas para “identificar transações suspeitas”, utilizadas na contabilidade forense: “os quesitos seriam detectar relacionamentos, isso sim bastante viável, eu diria que é 100% aplicável” (ESP10-O); e na auditoria:

tem uma ferramenta que eu simplesmente faço a carga dos dados e, de acordo com o tipo de necessidade que eu quero, ela me traz as respostas, então eu consigo ver se tem alguma coisa muito fora da curva, se tem algo que me chama atenção para investigar, se algo que não deveria está acontecendo (ESP3-A).

Também foram confirmadas iniciativas para “identificar duplicidades”, tanto na auditoria quanto na área tributária. ESP1-A destaca “usar programação para isso e, por usar programação, se está automatizando coisas, está enquadrado dentro de analytics, a questão é que é uma abordagem simples, é uma abordagem supervisionada”. ESP2-A ratifica sobre essa iniciativa dizendo que “esse é o item que a gente pode, com certeza, explorar através do analytics, porque a gente pode partir de uma abordagem supervisionada.

Os especialistas visualizam uso de analytics para atividades de “análises diversas” na contabilidade tributária, gerencial, financeira e auditoria, por exemplo:

é possível ter análise histórica dos preços da empresa e das notícias, é claro muito baseado em dados não estruturados” (ESP9-F) e “para monitorar nível de satisfação do cliente que não tem nenhuma forma, nenhuma abordagem preditiva, que se encaixa na análise descritiva de fato” (ESP5-G).

Quanto às iniciativas de analytics que turbinam as atividades da contabilidade, tem-se “análise de maior volume de dados”, conforme explica ESP11-O: “eu posso fazer isso de uma forma muito mais artesanal, mas ao utilizar uma ferramenta de analytics, eu consigo fazer uma varredura muito maior para cobrir minha base inteira ao invés de cobrir, por exemplo, uma amostra”. ESP1-A complementa que “durante muito tempo a auditoria se serviu desses números menores, mas está longe do ideal, se pode trabalhar e testar a integralidade dos números e garantir que tudo está sendo capturado pelos sistemas, é muito melhor”.

Outro conjunto de iniciativas são as que permitem “desenvolver análises preditivas”. Essa finalidade foi validada por especialistas de todas as áreas contábeis. Para o ESP12-F, “ver o comportamento de risco de pequenas e médias empresas, baseado num conjunto de variáveis, e entender a direção do comportamento dessas variáveis [...] poderia ligar um alerta”. Por fim, os especialistas analisaram um conjunto de iniciativas que julgam factíveis que permitiriam o campo contábil “inovar”, como, por exemplo, a iniciativa para “apoiar a auditoria externa na fase de planejamento e avaliação de risco, como, por exemplo, desenvolver modelos que permitam inferir o que poderia e deveria acontecer, e comparar ao que efetivamente aconteceu, ajudando no dimensionamento da auditoria” que, segundo ESP1-A, “é uma questão de usar analytics para criar modelos preditivos de avaliação de risco, por exemplo, então aí eu vejo que realmente tem uma bela de uma aplicação.

Infere-se que os especialistas legitimam o uso de BA no contexto contábil, não só possibilitando a automatização de algumas tarefas, como potencializando a atividade do profissional contábil. Na finalidade de uso relacionada à automatização das tarefas, ressalta-se a validação de duas iniciativas relacionadas à identificação de transações (suspeitas e em duplicidade). Outro destaque fica para a área de auditoria, apontada em todas as iniciativas, tanto as com finalidade de automatização quanto as de incremento. Os resultados corroboram os argumentos do Institute of Internal Auditors (IIA, 2021Institute of Internal Auditors. (2021). Folha informativa: análise de dados e monitoramento contínuo dos controles.) sobre a evolução analítica na auditoria, relacionada à cobertura de 100% da base de dados, aos alertas das exceções (a partir de parâmetros previamente estabelecidos) e à implantação do monitoramento contínuo de controles (devido à automatização de tarefas).

Apesar disso, Appelbaum et al. (2021Appelbaum, D., Showalter, D. S., Sun, T., & Vasarhelyi, M. A. (2021). A framework for auditor data literacy: A normative position.Accounting Horizons,35(2), 5-25. https://doi.org/10.2308/HORIZONS-19-127
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) destacam que muitas ferramentas utilizadas pelos auditores ainda não têm modernas técnicas de analytics internalizadas, sendo importante compreender os desafios e consequências de sua implantação de BA (Perkhofer et al., 2019Perkhofer, L. M., Hofer, P., Walchshofer, C., Plank, T., & Jetter, H. C. (2019). Interactive visualization of big data in the field of accounting.Journal of Applied Accounting Research, 20(4), 497-525. https://doi.org/10.1108/JAAR-10-2017-0114
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; Rikhardsson & Yigitbasioglu, 2018Rikhardsson, P., & Yigitbasioglu, O. (2018). Business intelligence & analytics in management accounting research: Status and future focus.International Journal of Accounting Information Systems,29, 37-58. https://doi.org/10.1016/j.accinf.2018.03.001
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). Torna-se relevante, também, capacitar os auditores em técnicas e ferramentas mais avançadas de analytics para agregar valor ao negócio com tarefas que precisam de julgamento humano (Appelbaum et al., 2021), contribuindo para as iniciativas de BA relacionadas ao segundo grupo de finalidade (turbinar as atividades contábeis com inovação e análises preditivas). Essas inferências podem ser estendidas às demais áreas.

4.1.2 Orientação das análises

Quanto à dimensão da orientação das análises, os especialistas atribuíram que: 1) grande parte das iniciativas é “descritiva”; 2) algumas “descritivas-preditivas”; 3) outras “preditivas”; e 4) poucas foram classificadas como “prescritivas”. Ou seja, a partir das finalidades de uso das iniciativas factíveis de BA, de automatizar e incrementar as tarefas contábeis, as orientações de análises têm por objetivo descrever os dados e predizer o que pode ocorrer, principalmente.

As iniciativas classificadas como orientação descritiva tiveram as seguintes justificativas: a necessidade de “entender o pormenor da informação” (ESP2-T) e “buscar o que está acontecendo” (ESP3-A), sendo utilizado “muito mais painel, indicadores e resultados de outros produtos de analytics” (ESP6-A). Iniciativas de “Levantar transações suspeitas como, por exemplo, gráficos comparando as despesas de viagens dos funcionários” (I14) foram um dos exemplos desse grupo.

Para o grupo de iniciativas de orientação descritiva-preditiva, os especialistas explicam que são tarefas de analytics que iniciam explorando os dados do passado (para ter entendimento desses) e, posteriormente, criam-se modelos para fazer previsões. Tem-se uma evidência dessa prática em: “inicialmente seria uma descritiva, onde é preciso, minimamente, olhar para o passado para identificar valores que ocorreram [...] depois da descritiva, caminha-se para uma preditiva, digamos assim, porque ele poderia aprender e depois começar a sugerir” (ESP7-T) e “eu poderia usar a mesma técnica com a visão investigativa, então, nesse caso, é necessariamente descritiva, mas, no caso de detecção, eu estou buscando olhar para frente, é uma combinação descritiva e preditiva sem dúvida”. Iniciativas de “Rastrear alíquotas e demais alterações na legislação tributária’ (I92) são exemplos desse grupo.

Outro grupo de iniciativas foi classificado como orientação preditiva. Os especialistas destacaram o uso de técnicas de analytics para fazer predições, a partir de dados históricos e por meio de treinamento de modelos, e o papel necessário do profissional contábil para analisar o resultado desses modelos, a fim de concluir a tarefa contábil.

Eu, provavelmente, vou rodar estatísticas, comparar estatísticas de algo e inferir que essa transação que é fraudulenta ou não, então eu diria que é preditivo, porque eu indico para o auditor o que tem possivelmente fraude e ele toma decisão depois (ESP6-A).

Alguns exemplos de inciativas são “Modelar o lucro líquido trimestral de uma organização durante um período X de anos e usar o modelo para prever o lucro líquido trimestral de um período X de anos posterior” (I03).

Por fim, algumas iniciativas foram classificadas como prescritivas. Para os especialistas, modelos prescritivos tratam de modelos “quando praticamente a máquina, o algoritmo, toma a decisão mais sozinho” (ESP6-A). Nesse sentido, ESP12-F explica, por exemplo, sobre a iniciativa de “habilitar sistema de alerta antecipado de dificuldades financeiras”, como prescritiva, pois

vai usar uma predição de futuro para ligar um alerta e dizer “tome alguma ação para mitigar esse risco que está sendo previsto para o futuro”, não é um alerta de algo que já aconteceu, é um alerta de que aumentou o risco de acontecer um evento no futuro.

ESP12-F destaca que, quando “se fala em análise preditiva e prescritiva, não se pode esquecer que a gente começa pela descritiva”. Logo, a análise descritiva é a base preliminar para as análises preditivas e prescritivas, evidenciando as características evolutivas dessas (Nielsen, 2018Nielsen, S. (2018). Reflections on the applicability of business analytics for management accounting - and future perspectives for the accountant.Journal of Accounting & Organizational Change, 14(2), 167-187. https://doi.org/10.1108/JAOC-11-2014-0056
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). No campo contábil, prevalece o uso de análises descritivas e preditivas.

4.1.3 Abordagens técnicas de analytics

Quanto às abordagens técnicas, os especialistas classificaram as iniciativas factíveis de BA como 1) “supervisionada”, 2) “não supervisionada”, 3) “híbrida” ou 4) “não aplicável”. Para justificar o uso da abordagem supervisionada, os especialistas evidenciaram a necessidade da relação de causa e efeito, de se terem modelos com variáveis pré-definidas pela literatura e regras a cumprir. Quanto ao uso de abordagem não supervisionada, os argumentos foram: necessidade de se fazer uma exploração inicial dos dados, não se ter dados “rotulados” antecipadamente e tratar de eventos complexos e/ou com baixa frequência.

Para algumas iniciativas, os especialistas apontaram que a abordagem poderia ser híbrida, pois podem ser usadas ambas as abordagens. ESP1-A explica que “a abordagem pode ser supervisionada e não supervisionada [...] porque a maior parte dos modelos começa com algo pré-definido, uma regressão simples, para tentar criar uma previsão, e depois pode trabalhar também em coisas mais complexas de machine learning”. Por fim, algumas iniciativas foram apontadas com abordagem não aplicável. ESP1-A explica e justifica da seguinte forma:

Eu me sentiria mais confortável para falar de supervisionado e não supervisionado para aquilo que eu acho que tu podes usar regressão ou machine learning [...] Se eu faço um teste de diferença de médias, não tem sentido de chamar de supervisionada ou não supervisionada, eu não estou querendo prever, eu não estou querendo explicar uma relação, eu só estou comparando [...] eu vou separar entre supervisionado e não supervisionado quando eu tiver fazendo realmente uma análise classificatória ou preditiva mesmo, explicativa.

Infere-se que as técnicas possíveis de uso em iniciativas de BA não se limitam à abordagem supervisionada ou não supervisionada. Consequentemente, as principais técnicas citadas foram machine learning e regressão. Os especialistas caracterizam machine learning como um conjunto amplo de técnicas e algoritmos com potencial de utilização em diversas iniciativas de BA no campo contábil. Pode-se citar seu uso na auditoria para apoiar na detecção de fraude: “tem diversos algoritmos que tu podes usar de machine learning, tem árvore de regressão, tem random forest, tem redes neurais artificiais, tem redes neurais recorrentes, é uma infinidade de técnicas” (ESP1-A). A regressão e suas variações também foram indicadas como técnicas úteis para diversas iniciativas de analytics, principalmente na contabilidade gerencial, ajudando a identificar correlações, tais como componentes de custo do preço, qualidade e prazo versus receita com base na satisfação e reação do cliente online etc. Outras técnicas também foram apontadas, como clusterização, classificação, agrupamento, redes neurais, estatística, combinação por similaridade e visualizações gráficas.

Quanto aos algoritmos, alguns especialistas preferiram não opinar por desconhecerem. Muitas ferramentas de analytics disponíveis no mercado trazem algoritmos encapsulados, de forma que o usuário da ferramenta não tem conhecimento de qual exatamente está sendo utilizado (Appelbaum et al., 2021Appelbaum, D., Showalter, D. S., Sun, T., & Vasarhelyi, M. A. (2021). A framework for auditor data literacy: A normative position.Accounting Horizons,35(2), 5-25. https://doi.org/10.2308/HORIZONS-19-127
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). Outro ponto foi trazido pelo ESP1-F ao afirmar que “rede neural é uma classe, tu tens diversos tipos de redes neurais, tem recorrente, não recorrente, eu devo conhecer duas, três, só, mas eu sei que tem trocentas”. Dentre as classes de algoritmos mais citadas estão redes neurais, algoritmos estatísticos, de clusterização, para análise semântica e de sentimentos e de árvores de decisão.

Por fim, analisaram-se as fontes de dados utilizadas. Dentre as fontes internas-estruturadas, destacam-se: enterprise resource planning (ERP), sistemas legados, informações financeiras oriundas de planilhas, dados de clientes obtidos do customer relationship management (CRM), bases de sistemas de compras, cadastro de produtos etc. Como exemplos de fontes internas não estruturadas, os especialistas indicaram o uso de e-mails e documentos diversos de processos. Já informações de bancos e de entidades reguladoras, como consulta de notas fiscais, indicadores de mercado, vendas do segmento de atuação e concorrentes, são indicadas como fontes externas-estruturadas. Como fontes externas não estruturadas, foram citados dados de mídias sociais para verificação do comportamento de agentes relacionados. Conclui-se que dados estruturados são os mais utilizados, majoritariamente de fontes internas, oriundos de ERP e sistemas legados. A Figura 1 sintetiza o resultado da análise das iniciativas factíveis de BA de acordo com os especialistas.

Figura 1
Sistematização das dimensões de business analytics (BA) de acordo com os especialistas

Infere-se que os especialistas entrevistados validam o uso de BA na contabilidade com duas principais finalidades: automatizar e turbinar as tarefas da área contábil, tendo como objetivos descrever os dados, e predizer o que pode ocorrer. Para tanto, são adotadas diferentes abordagens e técnicas, agrupadas genericamente como machine learning e regressão, e as principais fontes de dados são as já existentes nas organizações de forma estruturada.

4.2 Síntese dos Casos de Uso de BA de acordo com os Early Adopters

Nesta seção, são analisados os casos de uso de BA pelos early adopters. Primeiramente, verificou-se sobre os objetivos das iniciativas. Pela análise aprofundada das entrevistas, infere-se que as principais finalidades de uso de BA pelos early adopters estão alinhadas ao que foi destacado pelos especialistas, classificando-se as iniciativas como meio de “automatizar” (relacionada à palavra “tempo”) e “turbinar” (relacionada à palavra “melhor”).

No que se refere a automatizar, predomina o uso para “análises diversas”, conforme destacado por EA3-A, “várias análises contábeis que são feitas em cima desses dados, dados de receita, dados de despesa, tanto orçamentária quanto patrimonial, dados de folha de pagamento, rubricas”, e por EA9-G, “acompanhamento de rentabilidade mais voltado para gestão de projetos por cliente”. Observa-se o uso, também, para “detecção de transações suspeitas”, como exemplificado por EA7-O: “monitoramento de transações sensíveis ou transações com terceiros para identificação de padrões”. Para os early adopters, uma finalidade de uso não presente na análise dos especialistas foi evidenciada, o uso de BA para “prestar informações a terceiros”, conforme ressalta EA4-G: “automatizar ao máximo o que é popular, planilha por exemplo [..] estamos nessa busca de automatizar via analytics. O fato de essa finalidade de uso ter surgido somente dentre os early adopters pode ser explicado por estar mais relacionada ao uso de BI e não de BA, podendo-se inferir que dentre os early adopters não é clara a diferença entre BI e BA.

Quanto a turbinar, observa-se o uso para “analisar grandes volumes de dados” a fim de “identificar dentro de todo o volume de dados que a gente recebe onde estariam os pontos focais para atuação das auditorias in loco ou a distância” (EA3-A), “desenvolver análises preditivas” “para provisão e aí se usa vários algoritmos de predição baseado no comportamento daquela operação” (EA8-F) e “inovar”, como na narrativa de EA1-T quando destaca que se criaram “dois produtos para a área tributária”. Na Tabela 1, são apresentados os casos de adoção dessa pesquisa. A maior parte das iniciativas é descritiva, sendo destacadas em negrito as que têm iniciativas com orientação preditivas mais avançadas. Outras informações sobre abordagens técnicas de analytics também são evidenciadas.

Tabela 1
Iniciativas dos early adopters (EA)

Muitas iniciativas são voltadas para a própria área contábil, corroborando o relatório do The Modern Finance Forum de que boa parte das iniciativas de uso ainda não transpassou o limite de seus próprios departamentos (FSN, 2020FSN - The Modern Finance Forum. (2020). The future of analytics in the finance function - Global Survey 2020. https://fsn.co.uk/app/uploads/2020/09/Future-of-Analytics-2020-FSN-Report-Publish.pdf
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). Em termos de “frequência de uso”, observa-se a predominância do uso diário e mensal, o que indica que são soluções sistematizadas e em uso nas organizações, conforme indicam Goodhue e Thompson (1995Goodhue, D. L., & Thompson, R. L. (1995). Task-technology fit and individual performance.MIS Quarterly, 19(2), 213-236. https://doi.org/10.2307/249689
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). Quanto às “técnicas”, as mais utilizadas são visualização, estatística descritiva, classificação, regressão e árvore de decisão.

A “visualização” e a “apresentação dos dados” foram aspectos evidenciados por muitos respondentes, por exemplo: “comunicação não é o que a gente fala, mas o que os outros entendem [...] a gente pega o dado, avalia em qual gráfico ficaria melhor e o combinado é que tudo isso seja visual e simples” (EA1-T). EA7-O afirma que a visualização e a apresentação dos dados, no contexto forense, “é um meio, mas pode ser um fim; [..] nós usamos nas duas pontas, ela é uma ótima ferramenta de comunicação, mas ela também traz muitos insights para o próprio processo, na fase exploratória”. Isso corrobora os achados de Cockcroft e Russell (2018Cockcroft, S., & Russell, M. (2018). Big data opportunities for accounting and finance practice and research.Australian Accounting Review,28(3), 323-333. https://doi.org/10.1111/auar.12218
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), que mostram que a apresentação inteligente de dados é uma das características do uso de BA no campo contábil. As formas mais utilizadas de apresentação dos resultados pelos respondentes são gráficas, tabelas em Excel e relatórios, disponibilizadas por meio de dashboards que permitem facilidades como uso de filtros e drill-downs.

Quanto às “fontes de dados”, as mais utilizadas são as fontes internas e estruturadas, com dados obtidos principalmente dos sistemas das empresas, como ERP e sistemas legados, confirmando a indicação dos especialistas. O destaque fica com os adotantes da área forense, visto que ambos enfatizam o uso de dados externos para cruzar com os dados internos, tanto estruturados como não estruturados. Para EA7-O, “a maior riqueza na análise em um contexto forense é quando eu consigo combinar dados internos e externos”.

Cabe observar que, em boa parte das organizações nas quais foram analisados os casos de adoção de BA, a jornada analítica já durava entre um 1 e 4 meses até aproximadamente 2 anos. Com base na experiência dos early adopters, observam-se alguns elementos que podem contribuir para alavancar projetos de analytics no contexto contábil. O primeiro elemento é a capacitação das pessoas, devido ao conhecimento necessário tanto para trabalhar no desenvolvimento dos produtos de analytics quanto para consumir os resultados a fim de melhor analisá-los. Os adotantes comentam sobre conhecimentos de tecnologia e estatística e competência para lidar com dados analiticamente, além de conhecimentos de conceitos básicos de contabilidade para as áreas de negócio interpretarem o resultado das análises (EA2-T, EA3-A, EA4-G, EA5-F, EA7-O, EA8-F, EA9-G, EA10-F).

Outro ponto destacado é o fato de se terem pessoas com conhecimento em analytics no time contábil, sendo profissionais de contabilidade ou equipes multidisciplinares, como fator que assegura mais velocidade e assertividade nos projetos de analytics (EA1-T, EA2-T, EA5-F, EA7-O, EA8-F, EA9-G). Infere-se que os profissionais de contabilidade que procuram desenvolver competências para uso de analytics poderão assumir posições em times de desenvolvimento desses produtos, contribuindo para acelerar a adoção de BA. Por fim, EA1-T e EA9-G comentam que, após mostrarem os primeiros resultados do esforço analítico, conseguiram levantar mais recursos para continuar avançando, devido ao apoio das áreas de negócio. A Figura 2 sintetiza o resultado da análise dos casos de uso dos early adopters.

Figura 2
Síntese dos casos de uso de business analytics (BA) de acordo com os early adopters

A partir da Figura 2, infere-se que os early adopters entrevistados neste estudo, das subáreas contábeis auditoria, contabilidade forense, tributária, financeira e gerencial, usam sistematicamente - diária e mensalmente - BA na contabilidade com duas principais finalidades: automatizar e turbinar atividades, destacando a finalidade de uso para a prestação de informações contábeis, tendo como principal objetivo descrever os dados para diferentes públicos internos. Para tanto, são adotadas diversas abordagens e técnicas, tendo como principais fontes de dados as já existentes nas organizações de forma estruturada, predominantemente dados de ERP e sistemas legados, e fontes externas estruturadas, coletadas de bases públicas governamentais e bases com indicadores setoriais.

Comparativamente aos resultados das iniciativas analisadas pelos especialistas como factíveis, observa-se, nos early adopters, o uso adicional para prestar informações como finalidade. Quanto à orientação de análise, não se observou o uso de análise prescritiva, embora os especialistas indiquem que se pode atingir esse nível de análise. E na dimensão técnica, destaca-se que não foi observado o uso de fontes de dados não estruturados. Por meio desse comparativo, pode-se inferir que, perante a opinião dos especialistas do que é factível, os early adopters ainda estão em estágios iniciais de exploração do potencial de adoção.

4.3 Principais Efeitos das Iniciativas de BA na Contabilidade

A Tabela 2 apresenta os efeitos de BA na contabilidade destacados pelos respondentes.

Tabela 2
Principais efeitos das iniciativas de business analytics (BA) na contabilidade

De uma perspectiva mais macro dos efeitos, foram destacados: eficiência, qualidade, melhoria na tomada de decisão, aumento da lucratividade, compliance, eficácia e antecipação de tendência de mercado. Outras considerações foram feitas e complementam-se aos efeitos. Destaca-se, primeiramente, o fato de que, durante a implementação de uma iniciativa de analytics ou até mesmo ao final, surgem insights e dados para fazer novas análises, conforme explica ESP6-A: “geração de insight eu enxergo como: vou gerar novas hipóteses, novos produtos de analytics”. EA1-T complementa que

tem resultados que a gente espera e tem reflexões e provocações que surgem e que a gente nem esperava; [...] hoje, a gente trabalha muito com dados financeiros, [...] mas a gente indo para uma segunda onda em que a gente vai começar a confrontar esses dados com indicadores operacionais de outras áreas.

Outro efeito indireto é gerar para a organização uma capacidade de conhecer melhor seus processos e dados: “na maioria dos casos nas implantações, provoca maior conhecimento dos próprios dados” (ESP9-F). EA1-T exemplifica:

algumas perguntas do questionário da OECD [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico] demandaram informações que a gente tinha rapidamente, [...] e eu vi muita gente dizendo “eu vou precisar de uns 3 ou 4 dias para conseguir isso”, então isso me dava uma mensagem de que a gente estava em um estágio, se não é o mais avançado, na turma de early adopters mesmo.

Melhorar a jornada do cliente foi um efeito comentado por EA7-O em: “especialmente para aquelas empresas que são prestadoras de serviços, fazendo uso dos mecanismos de visualização facilita o processo de comunicação dos achados e ajuda a contar a história de uma forma mais compreensível. ESP1-A complementa com a narrativa de que, à medida que o profissional contábil contribui com novos insigths para o negócio, ele se torna mais valioso. Infere-se, então, que o uso de analytics pode ajudar a promover o profissional contábil.

Alguns especialistas destacaram o efeito da mudança de comportamento que iniciativas de monitoramento para detecção de transações suspeitas podem causar:

se a academia começa a analisar as divulgações das empresas, procurando o tom de texto usando o algoritmo de machine learning, o que impede a empresa de contratar um pesquisador para passar suas demonstrações por um algoritmo antes de levar elas a mercado e embelezar sua demonstração contábil?” (ESP1-A).

Destacam-se, assim, tanto mudanças positivas, como redução de fraudes por inibição causada pelo uso de analytics, quanto negativas, como uso da mesma inteligência para ocultar transações suspeitas e enganar o monitoramento.

4.4 Principais Drivers da Adoção de BA na Contabilidade

Os principais elementos determinantes do efeito do uso de analytics na contabilidade, das iniciativas consideradas factíveis pelos especialistas e das iniciativas adotadas pelos early adopters, foram agrupados conforme o modelo TTF (Goodhue & Thompson, 1995Goodhue, D. L., & Thompson, R. L. (1995). Task-technology fit and individual performance.MIS Quarterly, 19(2), 213-236. https://doi.org/10.2307/249689
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). As características da “tarefa”, segundo os respondentes, concentram-se em três aspectos. Primeiramente, o fato de a tarefa contábil ser “altamente regulamentada e complexa”, se executada manualmente, pois pode ensejar falha humana. A segunda característica da tarefa é ser “repetitiva” e a última é trabalhar com “grandes volumes de dados”.

Quanto às características da “tecnologia”, destaca-se a própria “evolução tecnológica”, evidenciada pela existência de ferramentas que encapsulam diversas técnicas de analytics e facilitam o uso pelos profissionais (ESP3-A, ESP8-T, EA7-O, EA10-F) de modelos, algoritmos estatísticos e machine learning utilizados nas análises preditivas (ESP1-A, ESP5-G, ESP7-T, EA2-T) e pelo hardware, que oferece maior capacidade de processamento e análises (EA3-A, EA7-O). Outro aspecto é a “disponibilidade dos dados”. Os respondentes destacam a importância de se ter acesso aos dados, em número suficiente, com qualidade assegurada e tempestividade, para que se façam melhores análises. Por fim, tem-se a questão da “preparação dos dados”. Conforme ESP1-A, “a preparação dos dados é um ponto bem forte, do tipo se tu não tiveres dados bons ou se tu não tiveres coisas que ajudam a contar a história que está querendo prever, complica [..]. EA4-G e EA9-G adicionam o aspecto da padronização dos dados, quando relatam atividades de criação e formatação de um data warehouse com regras unificadas e de criação de taxonomia dos dados, antes da implementação.

As características do perfil do “indivíduo” de executor das tarefas evidenciadas nesta pesquisa baseiam-se, fundamentalmente, no “conhecimento de analytics” que o profissional contábil precisa ter das suas principais técnicas, estatística, ferramentas disponíveis e possibilidades de uso ante a um problema de negócio ou uma necessidade que precisa ser suprida. Outra característica destacada é a capacidade de “análise crítica”, conforme evidencia-se no relato de ESP12-F: “é usar essas informações, conseguir perceber essas relações de causa-efeito, fator humano.” Soma-se o “conhecimento do negócio” e de outras áreas afins, conforme ESP5-G: “perfil profissional contábil focado no planejamento financeiro, alinhamento de estratégias com os executivos.” Alguns especialistas pontuam também a importância de o profissional contábil saber “apresentar os resultados” das análises, conforme destaca ESP11-O: “a visão do profissional de como comunicar o resultado do seu trabalho, ou como comunicar os seus achados ou a sua visão no caso, ela é o principal fator determinante.” Por fim, ESP3-A, EA1-T e EA10-F destacam a questão comportamental do profissional de “aceitar o uso da nova tecnologia” como fator determinante para utilização e seus efeitos.

De acordo com os early adopters, o principal determinante foi a tarefa, pelas questões já explicitadas de grande volume de dados e repetibilidade, tornando a execução manual morosa e muito suscetível a erro humano. Como segundo determinante, foram destacadas as características dos profissionais, tanto competências técnicas, como conhecimento de analytics e estatística, quanto competências comportamentais, para promover as iniciativas. O último determinante é o efeito da tecnologia, destacando a evolução tecnológica. Além disso, no estudo dos early adopters, foram identificados os elementos que motivaram a adoção das iniciativas, analisados à luz do modelo TOE (Depietro et al., 1990Depietro, R., Wiarda, E., & Fleischer, M. (1990). The context for change: Organization, technology and environment. In The Processes of Technological Innovation (pp. 151-175). Lexington Books.) (Tabela 3).

Tabela 3
Antecedentes technology-organization-environment (TOE) dos early adopters (EA)

Com base na Tabela 3, ressalta-se a “competência tecnológica”, já que a maior parte das organizações pesquisadas tem, no time contábil ou ainda no time da TI, profissionais com competências técnicas requeridas para sua implantação. Outro destaque é o “suporte da alta administração”, agindo como alavanca para os projetos, especialmente tratando-se de projetos exploratórios de média e longa duração. Nos fatores ambientais, destaca-se a “pressão externa”. Tanto a pressão competitiva, devido à concorrência, quanto a pressão devido à complexidade da legislação tributária, pressionam as organizações a buscarem alternativas tecnológicas para executar suas atividades. Infere-se que, uma vez que as competências tecnológicas estão disponíveis e que há apoio da alta administração e/ou pressão externa, as iniciativas de adoção de BA na contabilidade são priorizadas com base nas características da tarefa a ser executada. A Figura 3 consolida os elementos apontados na seção.

Figura 3
Principais drivers da adoção de business analytics (BA) na contabilidade e seus efeitos

A adoção de BA na contabilidade busca automatizar e turbinar tarefas e seus objetivos de análise são descrever e predizer cenários. Faz-se uso de abordagens de mineração de dados variadas, por técnicas de machine learning e regressão, tendo como principal fonte de dados as fontes estruturadas e internas (ERP e sistemas legados). Os early adopters entrevistados tiveram, como motivação para adoção, pelo menos um elemento dos contextos tecnológico, organizacional ou ambiental do modelo TOE. Logo, o modelo explica os antecedentes da intenção da adoção de BA nessas organizações, visto que todas as motivações foram categorizadas em algum de seus construtos, destacando-se competência tecnológica, suporte da alta administração e pressão externa. Tal fato corrobora os achados de Schmidt et al. (2020Schmidt, P. J., Riley, J., & Church, K. S. (2020). Investigating accountants' resistance to move beyond Excel and adopt new data analytics technology.Accounting Horizons,34(4), 165-180. https://doi.org/10.2308/HORIZONS-19-154
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) de que a opinião de partes interessadas influencia positivamente sua adoção.

As iniciativas consideradas válidas para uso foram analisadas à luz do modelo TTF. Foram levantadas diferentes características da tarefa e da tecnologia, além de diversas características do perfil do profissional, dentre essas habilidades com tecnologia e motivação, em conformidade com as características apresentadas por Goodhue e Thompson (1995Goodhue, D. L., & Thompson, R. L. (1995). Task-technology fit and individual performance.MIS Quarterly, 19(2), 213-236. https://doi.org/10.2307/249689
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). Observam-se os principais efeitos de acordo com os especialistas e early adopters, destacando-se eficiência e qualidade. Não houve conflito entre os efeitos sugeridos pelos especialistas e os efeitos reais experimentados pelos adotantes. Assim, o modelo TTF explica os elementos responsáveis pelo fit entre BA e contabilidade, pois foram identificadas características da tarefa, tecnologia e indivíduo geradoras do fit; e o fit, por sua vez, antecede a efetiva utilização, ajudando a explicar os determinantes do efeito de BA na contabilidade. O uso de BA na contabilidade produz efeitos tanto para o profissional quanto para as organizações.

Também foram categorizadas, segundo o modelo TTF, as justificativas dadas pelos especialistas para as iniciativas consideradas não factíveis, constituindo barreiras à adoção. Como características das tarefas, foram identificados aspectos regulatórios, complexidade e custo-benefício. Disponibilidade dos dados destacou-se como fator tecnológico e, por fim, capacitação como característica do indivíduo.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa atingiu seu objetivo ao analisar iniciativas de adoção de BA factíveis à contabilidade e seus potenciais antecedentes e efeitos, de acordo com especialistas e early adopters. Os efeitos da adoção de BA mais evidenciados foram eficiência, qualidade, melhora da tomada de decisão e compliance. Destacam-se, também, as principais características da tarefa (grande volume de dados e repetibilidade), da tecnologia (evolução tecnológica) e do indivíduo (conhecimento de analytics e estatística e competências comportamentais) que impactam positiva e negativamente o fit entre o uso de BA e a área contábil e os principais antecedentes da adoção à luz do modelo TOE, como competência tecnológica (tecnológico), suporte da administração (contexto organizacional) e pressão e suporte externos (ambiental).

Outro importante resultado foi a evidenciação de que BA na contabilidade é usado para automatizar e/ou acelerar parte das tarefas dos profissionais contábeis, por meio de diferentes técnicas e fontes de dados, fazendo com que o profissional contábil se dedique a outra parcela de tarefas de maior complexidade e valor agregado que exijam intervenção humana, aumentando a utilização da informação contábil por outras áreas de negócio e stakeholders e contribuindo mais significativamente para o processo decisório.

Como contribuições teóricas, destacam-se: (i) que as finalidades de uso, a profundidade da adoção e os efeitos diferem conforme a área contábil, como, por exemplo, iniciativas envolvendo automações com maior volume de dados no campo da auditoria e contabilidade forense e iniciativas com modelos descritivos e preditivos na contabilidade tributária; (ii) que os principais efeitos de uso de BA na contabilidade impactam, primeiramente, a própria área contábil, em seguida, estendem-se para as demais partes interessadas. Também foram identificadas barreiras que impactam a adoção de BA na contabilidade, com ênfase para aspectos regulatórios das atividades (tarefa) e falta de disponibilidade de dados para execução de alguns modelos (tecnologia), complementando Schmidt et al. (2020Schmidt, P. J., Riley, J., & Church, K. S. (2020). Investigating accountants' resistance to move beyond Excel and adopt new data analytics technology.Accounting Horizons,34(4), 165-180. https://doi.org/10.2308/HORIZONS-19-154
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), que destacaram os custos como barreiras.

Em termos de contribuições práticas, destacam-se os resultados trazidos pelos early adopters quanto aos principais antecedentes da adoção - suporte da alta administração e competência tecnológica. Somam-se a isso as boas práticas e aprendizados dos projetos implementados pelos early adopters, nos quais conhecimentos em analytics e negócio foram fundamentais para o sucesso de suas iniciativas, sendo muitas vezes esses conhecimentos supridos por equipes multidisciplinares. Outro resultado é a importância da disponibilidade dos dados para poder aplicar técnicas mais avançadas e elevar o nível dos produtos de analytics, além de tempo para aprender no decorrer dos projetos de implementações. Além disso, todos os participantes foram enfáticos em destacar a importância de o profissional contábil estar capacitado para assumir diferentes papéis nos projetos de analytics e de como analytics pode promover a função contábil nas organizações, corroborando os autores Appelbaum et al. (2017Appelbaum, D., Kogan, A., Vasarhelyi, M., & Yan, Z. (2017). Impact of business analytics and enterprise systems on managerial accounting.International Journal of Accounting Information Systems,25, 29-44. https://doi.org/10.1016/j.accinf.2017.03.003
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) e Rikhardsson e Yigitbasioglu (2018Rikhardsson, P., & Yigitbasioglu, O. (2018). Business intelligence & analytics in management accounting research: Status and future focus.International Journal of Accounting Information Systems,29, 37-58. https://doi.org/10.1016/j.accinf.2018.03.001
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). Por isso destaca-se que o que foi encontrado como factível está alinhado ao estágio atual de conhecimento dos profissionais entrevistados e das tecnologias disponíveis no momento, mas ainda há mais a ser explorado com o aumento do uso em função de mais conhecimento do contador e mais recursos disponíveis, contribuindo para a sustentabilidade da carreira de contador (Wanderley, 2021Wanderley, C. D. A. (2021). Sustentabilidade da carreira de contador: uma profissão em transição.Revista Contabilidade & Finanças,33(88), 7-12. https://doi.org/10.1590/1808-057x202190380
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). Esses resultados servem como norteadores para os gestores que queiram atingir melhores resultados a partir da adoção, pois compõe uma síntese de boas práticas de adoção de BA na contabilidade.

Diante dos resultados desta pesquisa, e principalmente devido à evidência dos efeitos benéficos produzidos a partir do uso de ferramentas de analytics na área contábil, sugerem-se algumas oportunidades de estudos futuros. Dentre essas, a avaliação qualitativa e quantitativa sobre o uso de análises preditivas e prescritivas sobre novos efeitos e/ou potencializando os efeitos já identificados, principalmente no que se refere ao suporte à tomada de decisão organizacional. Outra sugestão é aplicar este estudo em adotantes de BA com contextos que tenham diferentes níveis de complexidade de sistema tributário, a fim de comparar as finalidades de uso, drivers do fit e efeitos e as possíveis diferenças nos resultados obtidos.

Para os profissionais e empresas interessados em contribuir para o aumento do uso de BA na contabilidade, sugere-se ampliar a capacitação dos profissionais contábeis em tecnologia, ferramentas de análise de dados e estatística, com objetivo de aumentar o patrocínio das iniciativas e a adoção, acelerar os projetos de implantação e potencializar os efeitos. Por fim, sugerem-se estudos de como ampliar a adoção de BA na contabilidade em pequenas e médias organizações, para que as organizações de menor porte também possam se beneficiar de seus efeitos.

Como limitação, não foram discutidos com maior profundidade as técnicas e os algoritmos citados pelos especialistas como úteis às iniciativas de contabilidade, por isso sugerem-se estudos para potencializar o uso de análises preditivas e prescritivas por meio de técnicas mais avançadas e heterogêneas, e de como aumentar a diversidade das fontes de dados, combinando fontes internas e externas, estruturadas e não estruturadas. Ressalta-se, também, o caráter qualitativo desta pesquisa, que não permite que seus resultados sejam generalizados.

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  • Este é um texto bilíngue. Este artigo também foi traduzido para o idioma inglês, publicado sob o DOI https://doi.org/10.1590/1808-057x20231771.en
  • Este artigo deriva de uma dissertação de mestrado defendida pela autora Letícia Araújo, em 2021.
  • FINANCIAMENTO

    Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo apoio financeiro na realização desta pesquisa, sob o processo número 310570/2021-2.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    30 Ago 2022
  • Revisado
    16 Set 2022
  • Aceito
    22 Mar 2023
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