Acessibilidade / Reportar erro

Investigação de um sistema de alimentação em recém-nascidos prematuros a partir de estimulação gustativa

Resumos

Objetivo

investigar a existência do sistema de alimentação em recém-nascidos prematuros a partir da estimulação gustativa.

Métodos

estudo experimental, analítico, duplo-cego. Participaram 90 recém-nascidos prematuros, de uma maternidade pública de Sergipe. O teste foi filmado, constituindo-se por três momentos de cinco minutos. O primeiro e último momento sem realizar estímulo, o segundo momento com estimulação gustativa, sendo que os recém-nascidos foram divididos em dois grupos (água ou sacarose). Foram estudados os comportamentos específicos sucção de mão direita e esquerda, protrusão de língua e movimentos de sucção nos estados comportamentais sono profundo, sono leve, sonolento, agitado/irritado e choro. Para caracterizar a população foram utilizadas média, desvio-padrão e prevalências. Foi utilizado o teste não paramétrico Mann-Whitney para comparação de médias. O teste de Spearman verificou correlação entre estados comportamentais e comportamentos específicos em cada momento do teste. O valor de p foi significante quando menor que 0,05.

Resultados

independente do estímulo administrado, a correlação aumentou em todos os comportamentos específicos. Comparando os grupos separadamente, após a estimulação, observou-se aumento de correlação em sucção de mão direita e protrusão de língua para ambos os grupos. O mesmo aconteceu em sucção, com exceção do estado agitado/irritado. Após a estimulação, houve maior correlação para o comportamento de sucção de mão esquerda no grupo sacarose quando comparado ao grupo água. Os resultados evidenciam que estímulos gustativos podem contribuir na prontidão para alimentação nesta população.

Conclusões

evidenciou-se nos recém-nascidos prematuros aumento de correlação para os comportamentos específicos relacionados ao sistema de alimentação, após estimulação oral, o que vislumbra a possibilidade da estimulação gustativa ser utilizada para ativação de um sistema de alimentação em recém-nascidos prematuros.

Fonoaudiologia; Alimentação; Recém-Nascido; Prematuro; Sacarose


Purpose

to investigate the existence of the alimentation system in premature newborns in response to gustatory stimulation.

Methods

experimental, analytical, double-blind study. 90 premature newborns of a public maternity in Sergipe took part in the test which was filmed and divided into three parts of five minutes. In the first and last, there was no stimulus; in the second, the gustatory stimulation was applied and the newborn children were divided into two groups (water or sucrose). We studied the specific behaviors suction right and left hands, tongue protrusion and suction movements in behavioral states deep sleep, light sleep, drowsy, restless / irritable and crying. In the statistical analysis of the population, average, standard deviation and prevalence studies were performed. We used the non-parametric Mann-Whitney test to compare averages. The Spearman test observed correlation between behavioral states at each time of the test. The p value was significant when less than 0.05.

Results

independent of the given stimulus, the correlation increased in all specific behaviors. Comparing the groups separately, after stimulation, we observed an increase in correlation in right hand suction and tongue protrusion for both. The same happened in suction, except for the agitated/irritated state. After stimulation, there was a higher correlation to the behavior of left hand suction in the sucrose group when compared to water. The results show that gustatory stimuli may contribute to the readiness to feed this population.

Conclusions

it was found in premature newborns an increased in correlation for the specific behaviors related to the alimentation system after oral stimulation, which envisions the possibility of gustatory stimulation be used for activating a alimentation system in premature newborns.

Speech; Language and Hearing Sciences; Feeding; Infant; Newborn; Infant; Premature; Sucrose


INTRODUÇÃO

Por vários anos os pressupostos teóricos que nortearam as pesquisas sobre o desenvolvimento e o comportamento humano, trouxeram em seu bojo a concepção do recém-nascido como um ser sem capacidades ou habilidades. Neste sentido, Thoman1. Thoman EB. Changing views of the being and becoming of infant. In: Thoman EB (ed.), Origins of the infant’s social responsivenes. Cap 17. Hillsdale, New Jersey U.S.A: Lawrense Erlbaum Associates, publishers, 1979. refere a existência de alguns mitos sobre a infância, entre eles o fato do recém nascido (RN) humano ser considerado deficiente ao nascer, incompleto, imaturo e inacabado, sendo visto de modo essencialmente reflexo e sem capacidade de aprender e se relacionar socialmente.

Diferentemente, ao serem adotados os pressupostos humanista e holístico, pesquisas2. Medeiros AMC. Contato das mãos com a região oral, protrusão de língua e movimentos de sucção em recém-nascidos humanos, a partir da estimulação oro gustativa [tese]. São Paulo: Instituto de Psicologia. NEC – Neurociências e Comportamento. Universidade de São Paulo; 2002.,3. Brazelton TB. Bebês e mamães. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Campus, 1981. P. 299. e estudos sobre o desenvolvimento passaram a buscar o entendimento da organização do comportamento biológico e social do ser humano, a partir de uma variedade de eventos, onde o RN responde aos estímulos ambientais e sociais, sendo influenciado e influenciando o meio em que vive. Neste pressuposto, o ser humano apresenta um vasto repertório comportamental ao nascimento e possui capacidades de aprendizagem e de interação social em uma idade extremamente precoce.

Nessa perspectiva estudiosos4. Rochat P., Senders SJ. Active touch in infancy: action systems in development. In: Weiss MJS, Zelaro PR. Newborn attention: biological constraints and the influence of experience. NJ: Ablez Publishers, 1992. Cap 14, p. 412-42. passaram a defender que os comportamentos específicos evidenciados no recém-nascido, fazem parte de sistemas funcionais específicos que explicitam determinadas capacidades e habilidades do ser humano, em um período de vida extremamente precoce.

Esses mesmos autores4. Rochat P., Senders SJ. Active touch in infancy: action systems in development. In: Weiss MJS, Zelaro PR. Newborn attention: biological constraints and the influence of experience. NJ: Ablez Publishers, 1992. Cap 14, p. 412-42. consideram ainda que os comportamentos podem ser identificados como ‘ações’ muito mais do que ‘respostas’ ou ‘reflexos’ mecânicos, demandando um entendimento mais completo da especificidade funcional do comportamento infantil. Esses comportamentos são tidos como pertencentes a um grupo de ‘sistemas de ação’, os quais são definidos pela função hipotética a que se destinam, cumprindo determinadas funções de sobrevivência para o ser humano, tais como alimentação e proteção2. Medeiros AMC. Contato das mãos com a região oral, protrusão de língua e movimentos de sucção em recém-nascidos humanos, a partir da estimulação oro gustativa [tese]. São Paulo: Instituto de Psicologia. NEC – Neurociências e Comportamento. Universidade de São Paulo; 2002..

O sistema de ação relacionado à alimentação seria demonstrado pela habilidade do RN reconhecer determinado estímulo gustativo, levar a mão à boca e ainda coordenar os movimentos de sucção e respiração, para sugá-la2. Medeiros AMC. Contato das mãos com a região oral, protrusão de língua e movimentos de sucção em recém-nascidos humanos, a partir da estimulação oro gustativa [tese]. São Paulo: Instituto de Psicologia. NEC – Neurociências e Comportamento. Universidade de São Paulo; 2002.,5. Medeiros, AMC. A existência de “Sistema Sensório-Motor Integrado” em Recém-nascidos humanos. Psicologia USP. 2007;18(2):11-33.. Esses comportamentos, referentes ao “sistema de alimentação”, por sua vez, estão relacionados ao desenvolvimento dos órgãos fonoarticulatórios e à coordenação das funções de deglutição, sucção e respiração e podem ser influenciados por fatores internos e/ou externos5. Medeiros, AMC. A existência de “Sistema Sensório-Motor Integrado” em Recém-nascidos humanos. Psicologia USP. 2007;18(2):11-33., como por exemplo, os estímulos gustativos.

A estimulação gustativa tem sido utilizada com RNs, a partir do pressuposto que a capacidade gustativa já tem seu início nas primeiras experiências da vida intra-uterina, visto que o desenvolvimento dos corpúsculos gustativos ocorre precocemente6. Douglas CR. Fisiologia da gustação. In: Douglas CR. Tratado de Fisiologia aplicada à ciência da saúde. 4. Ed. São Paulo: Robe, 1999. Cap 11, p. 197-204., permitindo que o feto já tenha a possibilidade de sentir o paladar do líquido amniótico.

Além disso, a sacarose vem sendo utilizada também como medida não farmacológica em RNs submetidos a procedimentos dolorosos, observando que a mesma tem efeito de analgésico e, consequentemente, calmante7. Brasil, Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Atenção humanizada ao recém-nascido de baixo peso: Método Canguru. 2ª. ed. Brasília, Ministério da Saúde, 2011. 203p.

. Fernandes AM. The efficacy of kangaroo mother care, sucrose and pacifier to reduce responses of preterm infants to procedural pain (tese). Universidade de Lisboa/Escola Superior de Enfermagem de Lisboa. Lisboa, 2010.

. Aquino, FM, Christoffel, MM. Dor neonatal: Medidas não-farmacológicas utilizadas pela equipe de enfermagem. Rev. Rene, vol. 11, Número Especial, 2010. p. 169-77.

10 . Blasco, PG, Levites, MR, Mônaco, C. Açúcar reduz sinais de dor na vacinação de bebês. Diagn Tratamento. 2009;14(1):31.

11 . Gaspardo CM, Linhares MBM, Martinez FE. A eficácia da sacarose no alívio de dor em neonatos: revisão sistemática da literatura. J. Pediatr. (Rio J.) 2005; 81(6).

12 . Gaspardo CM, Miyase CI, Chimello JT, Martinez FE, Linhares MBM. Is pain relief equally efficacious and free of side effects with repeated doses of oral sucrose in preterm neonates? PAIN [online], 2008;137(1):16-25. ISSN 03043959.

13 . Gibbins S, Stevens B, Hodnett E, Pinelli J, Ohlsson A, Darlington G. Efficacy and safety of sucrose for procedural pain relief in preterm and term neonates. Nur Res. 2002;51:375-82.

14 . Gibbins S, Stevens B. The influence of gestational age on the efficacy and short-term safety of sucrose for procedural pain relief. Adv Neonatal Care. 2003;3:241-9.

15 . Allen KD, White DD, Walburn JN. (1996). Sucrose as an Analgesic Agent for Infants During Immunization Injections. Archives of Pediatrics Adolescent Medicine, 1996;150: 270-4.
-1616 . Acharya AB, Annamali S, Taub NA, Field D. (2004). Oral sucrose analgesia for preterm infant venepuncture. Archives of Disease in Childhood - Fetal and Neonatal Edition, 89, F17-F8. nessa população. O uso da sacarose, por sua vez, ainda deve ser discutido com mais abrangência no campo fonoaudiológico, como uma provável estratégia de estimulação para recém-nascidos com dificuldades de alimentação.

Nesse sentido, Medeiros2. Medeiros AMC. Contato das mãos com a região oral, protrusão de língua e movimentos de sucção em recém-nascidos humanos, a partir da estimulação oro gustativa [tese]. São Paulo: Instituto de Psicologia. NEC – Neurociências e Comportamento. Universidade de São Paulo; 2002. utilizou a sacarose como estímulo gustativo em recém-nascidos termos, para discutir a existência de um sistema de alimentação logo no momento do nascimento.

O conhecimento do sistema de alimentação poderia ampliar a fundamentação na atuação fonoaudiológica no incentivo ao aleitamento materno, a partir da interpretação diferenciada dos comportamentos de prontidão para mamada apresentados pelo RN.

Estratégias para promover a amamentação são importantes para garantir a sobrevivência da espécie humana, uma vez que este favorece a imunidade, digestão e absorção de nutrientes1717 . Gorgulho FR, Pacheco STA. Amamentação de prematuros em uma unidade neonatal: a vivência materna. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2008;12(1):19- 24.

18 . Pedras CTPA, Pinto EALC, Mezzacappa MA. Uso do copo e da mamadeira e o aleitamento materno em recém-nascidos prematuros e a termo: uma revisão sistemática. Rev. Bras. Saude Mater. Infant. 2008;8(2):163-9.

19 . Hernandez AM, Giordan CR, Shiguematsu RA. A intervenção fonoaudiológica em recém-nascidos de risco para distúrbios da deglutição e sua influência no aleitamento materno. Rev Bras Nutr Clin 2007;22(1):41-4.
-2020 . Fujinaga CI, Scochi CGS, Santos CB, Zamberlan NE, Leite AM. Validação do conteúdo de um instrumento de avaliação de prontidão do prematuro para início da alimentação oral. Rev. Bras. Saúde Matern. Infant. 2008;8(4):391-9., mas sobretudo, na área fonoaudiológica, essa promoção pode auxiliar no desenvolvimento das estruturas do sistema sensório motor oral (lábios, língua, bochechas, palato duro e mole), propiciando um melhor funcionamento das funções estomatognáticas2121 . Marques MCS, Melo AM. Amamentação no alojamento conjunto. Revista CEFAC. 2008;10(2):261-71.

22 . Medeiros AMC, Olivieira ARM, Fernandes AM, Guardachoni GAS, Aquino JPSP, Rubinick ML et al. Caracterização da técnica de transição da alimentação por sonda enteral para seio materno em recém-nascidos prematuros. J. Soc. Bras. Fonoaudiol. [online]. 2011;23(1):57-65. ISSN 2179-6491. http://dx.doi.org/10.1590/S2179-64912011000100013.
https://doi.org/10.1590/S2179-6491201100...

23 . Medeiros AMC, Bernardi AT. Alimentação do recém-nascido prematuro: aleitamento materno, copo e mamadeira. Rev. Soc. Bras. Fonoaudiol. 2011;16(1):73-9.
-2424 . Rocha MS, Delgado SE. Intervenção fonoaudiológica em recém-nascido pré-termo com Gastrosquise. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2007;12(1):55-62..

O sistema de alimentação já foi evidenciado em recém-nascidos termos por Medeiros2. Medeiros AMC. Contato das mãos com a região oral, protrusão de língua e movimentos de sucção em recém-nascidos humanos, a partir da estimulação oro gustativa [tese]. São Paulo: Instituto de Psicologia. NEC – Neurociências e Comportamento. Universidade de São Paulo; 2002., como relacionado ao status neurológico e importante na prontidão para alimentação. Pretende-se, portanto, investigar o sistema de alimentação em recém-nascidos prematuros, população que geralmente apresenta dificuldades de alimentação no período neonatal.

Alguns autores2525 . Zomignani AP, Zambelli HJL, Antonio MARGM. Desenvolvimento cerebral em recém-nascidos prematuros. Rev. Paul. Pediatr. 2009;27(2):198-203.-2626 . Ferreira AM, Bergamasco NHP. Análise comportamental de recém-nascidos pré-termos incluídos em um programa de estimulação tátil-cinestésica durante a internação hospitalar. Rev Bras Fisioter. 2010;14(2):141-8. descrevem o nascimento prematuro como fator de risco para alterações no neurodesenvolvimento e nas capacidades funcionais. Neste sentido, considerando que a habilidade para alimentação é alcançada concomitantemente ao desenvolvimento do sistema nervoso central (SNC)2727 . Telles MS, Macedo CS. Relação entre desenvolvimento motor corporal e aquisição de habilidades orais. Rev. Pró-Fono. 2008;20(2):117-22., as alterações que ocorrem nos recém-nascidos prematuros poderiam inclusive interromper o curso normal do desenvolvimento da alimentação.

A literatura2828 . Moura LTL, Tolentino GM, Costa TLS, Aline A. Atuação Fonoaudiológica na estimulação precoce da sucção Não-Nutritiva em Recém-Nascidos Prematuro. Revista CEFAC. 2009;11(Supl3):448-56. refere que a introdução da alimentação por via oral nos RNs prematuros pode ser realizada a partir de 34 semanas de idade gestacional, quando o padrão de sucção destes bebês coincide ao do RN a termo. Dessa forma, faz-se necessário investigar se em idade tão precoce já há um sistema de alimentação desenvolvido.

Sendo assim, o objetivo desse estudo foi investigar a existência do sistema de alimentação em recém-nascidos prematuros a partir da estimulação gustativa (sacarose para análise - PA a 12% ou água).

MÉTODOS

O projeto em questão foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos da Universidade Federal de Sergipe sob CAAE nº 0027.0.107.000-11.

Trata-se de um estudo experimental, analítico, duplo-cego, realizado em uma maternidade pública de Aracaju (SE) com 90 recém-nascidos prematuros, de ambos os gêneros, internados em alojamento conjunto. Os critérios de inclusão estabelecidos para esta pesquisa foram: condições clínicas estáveis no momento do teste, Idade Gestacional Corrigida (IGC) de até 36 semanas e um dia de vida, com média de 34,92 dias (desvio padrão de ±1,05 dias) e curva de crescimento intrauterino Adequado para a Idade Gestacional (AIG). Foram excluídos deste estudo os sujeitos que faziam uso de suporte respiratório, apresentaram histórico clínico de intercorrências neurológicas ou cardíacas importantes e eram portadores de síndromes e/ou malformações diagnosticadas ou a serem esclarecidas.

Inicialmente selecionava-se o RN e obtinha-se assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Cada recém-nascido era colocado em berço de transporte, na posição de decúbito supino, com tronco e membros superiores despidos. Os recém-nascidos foram divididos em dois grupos (água ou sacarose para análise 12%), sendo filmados no berço por câmera digital acoplada em um tripé, de modo que a face e membros superiores ficassem enquadrados no vídeo.

Este procedimento durava 15 minutos, divididos em três etapas. Na primeira, ou linha de base inicial (LB1) nenhum estímulo era aplicado. O segundo período correspondia à estimulação gustativa (sacarose PA a 12% ou água destilada), administrada por via oral por meio de seringa descartável. No total era dado a cada recém-nascido 1,0 ml dessa solução (dividida em cinco doses de 0,2 ml, ofertadas em intervalos de um em um minuto, totalizando cinco minutos). Na última etapa correspondente à linha de base final (LB2) novamente era feita a observação do RN sem aplicação de nenhum estímulo.

É importante mencionar que este estudo seguiu o mesmo desenho metodológico realizado na tese de Doutorado de Medeiros2. Medeiros AMC. Contato das mãos com a região oral, protrusão de língua e movimentos de sucção em recém-nascidos humanos, a partir da estimulação oro gustativa [tese]. São Paulo: Instituto de Psicologia. NEC – Neurociências e Comportamento. Universidade de São Paulo; 2002. com recém-nascidos termos, sobretudo em relação ao procedimento de teste, bem como à caracterização dos estados comportamentais e comportamentos específicos estudados.

Um dos pesquisadores ficou responsável pelo procedimento duplo-cego, distribuindo aleatoriamente as substâncias de água ou sacarose nos frascos, os quais eram numerados. Para os recém-nascidos do gênero feminino utilizaram-se frascos pares e para os do gênero masculino, os frascos ímpares. A administração da solução de sacarose ou água era feita pelos outros pesquisadores, que não tinham conhecimento sobre a solução administrada (procedimento duplo-cego). Os frascos eram sorteados no momento da realização da filmagem. A randomização foi realizada no sorteio dos frascos para os respectivos RNs, até que todos os frascos tivessem sido selecionados.

Além do procedimento (teste propriamente dito) para a coleta dos dados, as pesquisadoras estudaram os prontuários dos bebês e das mães, registrando em um protocolo específico os seguintes dados: gênero do RN, Idade Gestacional ao Nascimento (IGN), Idade Gestacional Corrigida (IGC), peso ao nascer, tempo de vida, Apgar (1º e 5º minutos), nome completo e idade da mãe, tipo de parto, data e horário do teste.

Vale ressaltar que houve previamente a realização de um estudo piloto a fim de que os pesquisadores treinassem a execução do procedimento e, na condição de juízes analisassem os vídeos (estados comportamentais e comportamentos específicos) de forma fidedigna. Assim, foi realizado o procedimento de calibração dos juízes, no qual foram analisados em conjunto alguns vídeos do piloto.

Para análise dos vídeos dos 90 recém-nascidos que participaram dessa pesquisa, cada vídeo foi assistido por 3 juízes diferentes e independentes, estabelecendo-se como critério de concordância entre os mesmos, apenas os comportamentos visualizados por pelo menos dois juízes.

A observação das variáveis foi pautada na seguinte classificação:

1. Estados Comportamentais2,29

a. Sono Profundo (SP): respiração regular; olhos fechados sem presença de nistagmos; ausência de atividade motora espontânea.

b. Sono Leve (SL): respiração irregular; olhos fechados com movimentação; ocorrência eventual de abertura dos olhos; baixo nível de atividade motora.

c. Sonolento (SO): olhos geralmente abertos (embaçados) com pálpebra pesada, trêmula e/ou fechada; nível de atividade motora espontânea variável e suave.

d. Alerta (AL): olhos abertos (olhar brilhante) ou fechados, com nítida atividade de concentração; baixo nível de atividade motora global.

e. Agitado/Irritado (AG/IR): olhos abertos ou fechados (apertados); alto nível de atividade motora, com movimentos impulsivos das extremidades. Ocorrência eventual de resmungos e vocalizações.

f. Choro (CH): olhos fechados (apertados); alto nível de atividade motora; presença de sobressalto e/ou tremores; presença de choro intenso.

2. Comportamentos Específicos2

a. Sucção de mão, direita (SMD) e esquerda (SME): contato de uma das mãos ou ambas na região oral juntamente com movimentos de sucção; pode haver ou não protrusão de língua; frequentes movimentos rítmicos na região bucal (bochechas) e protrusão e retração da mandíbula.

b. Protrusão de Língua (PL): lábios necessariamente não oclusos; visualização do ápice da língua entre os lábios superior e inferior; existência de movimentação de língua no sentido póstero-anterior.

c. Movimentos de Sucção (SU): lábios oclusos ou entreabertos (arredondados); visualização de retração da região do ângulo da boca, correspondente à ação do músculo; frequentemente são observados movimentos rítmicos na região bucal (bochechas); pode haver ou não movimentos de protrusão e retração da mandíbula.

Entende-se por região oral2. Medeiros AMC. Contato das mãos com a região oral, protrusão de língua e movimentos de sucção em recém-nascidos humanos, a partir da estimulação oro gustativa [tese]. São Paulo: Instituto de Psicologia. NEC – Neurociências e Comportamento. Universidade de São Paulo; 2002., para efeitos de registro e análise: os lábios, a cavidade da boca, a língua e o soalho da cavidade da boca.

As frequências dos estados comportamentais e dos comportamentos específicos foram registradas no software SPSS (versão 18, 2008, Chicago, Illinois, EUA). Contabilizou-se cada estado comportamental e cada comportamento específico, segundo a segundo, no exato momento da ocorrência, sendo calculada a quantidade total de vezes que estes comportamentos apareceram.

Para a IGC, utilizaram-se frações de semana para calcular os dias avulsos (1 dia = 0,14 semanas).

No tratamento estatístico foram feitas correlações de todos os RNs, independente do estímulo administrado, e nos dois grupos separadamente. Para a caracterização da população forma utilizadas medidas de tendência central (média), variabilidade (desvio-padrão) e prevalências (absoluta e relativa). Para testar a normalidade dos dados foi feito o teste de Shapiro-Wilk. Devido à ausência de normalidade foi utilizado o teste não paramétrico Mann-Whitney para comparação de médias. Foi empregado o teste de correlação de Spearman para verificar a correlação entre estados comportamentais e comportamentos específicos em cada momento do teste. Foi considerada como correlação fraca os valores entre 0,1 e 0,3; moderada entre 0,4 e 0,6; forte acima de 0,7, e ideal quando igual a 1,03030 . Dancey, CP, Reidy, J. Estatística sem matemática: usando SPSS para Windows. 3 ed. Porto Alegre: Artmed. 2006.. Os valores de p inferiores a 5% (p< 0,05) foram considerados estatisticamente significantes.

Figura 1
Protocolo de dados do bebê, da mãe e do teste

RESULTADOS

Foram estudados 90 recém-nascidos prematuros, cujas características observadas foram: 48,9% do gênero masculino e 51,1% do feminino, média de peso ao nascer de 2,11 gramas variando entre [2,02;2,21], média de IGC de 34,91 semanas variando entre [34,69;35,14] e IGN (exame físico) de 34,10 semanas variando entre [33,73;34,49]. De acordo com os tipos de estímulos que foram ministrados, os recém-nascidos foram divididos em dois grupos: água (46 sujeitos) e sacarose (44 sujeitos).

Os comportamentos específicos estudados foram observados em cada estado comportamental e em cada momento do teste.

Os resultados a seguir referem-se aos dados mais significantes encontrados, seja considerando os RNs no total (grupo água e sacarose juntos), ou separadamente, grupo água e grupo sacarose.

Nenhum recém-nascido esteve no estado comportamental sono profundo (1), não havendo então correlações para este estado.

Quando os RNs são analisados juntos, independente do estímulo administrado (água ou sacarose), o comportamento específico sucção de mão direita (SMD) apresentou correlação forte apenas no estado comportamental sonolento (3) e fraca no estado de alerta (4) antes da estimulação, na LB1. Após a estimulação, na LB2, este comportamento apresentou correlação forte nos estados comportamentais de sono leve (2) e agitado/irritado (5) e correlação moderada nos estados sonolento (3) e alerta (4). Já para o comportamento específico de sucção de mão esquerda (SME), notou-se valores de correlação mais fracos na LB1 do que a LB2 (TABELA 1).

Tabela 1
Correlação entre os comportamentos específicos de SMD e SME e os estados comportamentais em cada momento do teste, independente do estímulo

Tratando-se os grupos separadamente, o comportamento específico de sucção de mão direita (SMD) no grupo água somente apresentou correlação fraca na LB1 no estado alerta (4) e correlação forte na LB2, nos estados alerta (4) e agitado/irritado (5). No grupo sacarose, já havia correlação forte na LB1 no estado comportamental sonolento (3) e fraca no de alerta (4), mas na LB2 houve correlação moderada em 3 e 4. Para o comportamento específico sucção de mão esquerda (SME) observou-se no grupo sacarose correlação forte na LB2 em 2, 3 e 4. Já no grupo água, as correlações desses estados comportamentais diminuíram na LB2. (TABELAS 2 e 3).

Tabela 2
Correlação entre o comportamento específico de SMD e os estados comportamentais em cada momento do teste, estimulados com água ou sacarose
Tabela 3
Correlação entre o comportamento específico de SME e os estados comportamentais em cada momento do teste, estimulados com água ou sacarose

Considerando os RNs na totalidade, ou seja, independente do estímulo administrado ter sido água ou sacarose, no comportamento específico de protrusão de língua (PL) observou-se que já existe correlação moderada e forte na LB1. Entretanto, essa correlação fica ainda mais forte durante e após a estimulação (LB2) no estado de alerta (4) (TABELA 4).

Tabela 4
Correlação entre os comportamentos específicos de PL e SU e os estados comportamentais em cada momento do teste, independente do estímulo

Quando os grupos água e sacarose foram analisados separadamente para o comportamento PL, em sacarose a correlação tornou-se forte na LB2 na maioria dos estados comportamentais. No grupo água isso também ocorreu, com exceção do estado sonolento (3) que na LB2 teve correlação menor do que na LB1.

Considerando os RNs no total, estimulados com água ou sacarose, para o comportamento específico de sucção (SU), nos estados comportamentais de sono leve (2) e sonolento (3) a correlação modificou-se de moderada na LB1 para forte na LB2 (TABELA 4).

Na análise dos dois grupos separadamente (água e sacarose), observou-se nos estados comportamentais sono leve (2) e sonolento (3) que o comportamento SU tanto no grupo água como no sacarose, apresentou mudança de correlação moderada na LB1 para forte na LB2. No grupo sacarose na LB2, no estado comportamental de alerta (4), este comportamento atingiu valor mais alto do que no grupo água, em contrapartida, o estado comportamental agitado/irritado (5) saiu de correlação forte na LB1 para moderada na LB2 (TABELA 5).

Tabela 5
Correlação entre o comportamento específico de SU e os estados comportamentais em cada momento do teste, estimulados com água ou sacarose

DISCUSSÃO

Os dados apresentados serão aqui discutidos considerando que o sistema de alimentação pode ser evidenciado por alguns comportamentos específicos realizados pelo recém-nascido (sucção de mãos, protrusão de língua e movimentos de sucção) a partir da estimulação gustativa, tal como proposto por Medeiros2. Medeiros AMC. Contato das mãos com a região oral, protrusão de língua e movimentos de sucção em recém-nascidos humanos, a partir da estimulação oro gustativa [tese]. São Paulo: Instituto de Psicologia. NEC – Neurociências e Comportamento. Universidade de São Paulo; 2002. em recém-nascidos termos e saudáveis.

Quanto à habilidade de discriminação do estímulo gustativo, a mesma pretende ser discutida de acordo com a análise dos comportamentos específicos apresentados pelos recém-nascidos frente aos diferentes sabores (água e sacarose). Além disso, as respostas apresentadas também devem ser entendidas como influenciadas pelo estado comportamental que o recém-nascido encontrava-se no momento da estimulação.

A sacarose é amplamente utilizada como medida não farmacológica no controle da dor9. Aquino, FM, Christoffel, MM. Dor neonatal: Medidas não-farmacológicas utilizadas pela equipe de enfermagem. Rev. Rene, vol. 11, Número Especial, 2010. p. 169-77.

10 . Blasco, PG, Levites, MR, Mônaco, C. Açúcar reduz sinais de dor na vacinação de bebês. Diagn Tratamento. 2009;14(1):31.
-1111 . Gaspardo CM, Linhares MBM, Martinez FE. A eficácia da sacarose no alívio de dor em neonatos: revisão sistemática da literatura. J. Pediatr. (Rio J.) 2005; 81(6). e apesar desse não ser o propósito deste estudo, vale ressaltar que o fato do Ministério da Saúde7. Brasil, Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Atenção humanizada ao recém-nascido de baixo peso: Método Canguru. 2ª. ed. Brasília, Ministério da Saúde, 2011. 203p. propor o uso dessa substância em seus protocolos, de certa forma poderia facilitar a indicação de estímulos gustativos prazerosos de forma segura, uma vez que já foram atestados para indicação na população caracterizada.

Entretanto, o interesse neste trabalho é evidenciar os aspectos de estimulação gustativa como meio de observar o sistema de alimentação em idade precoce, contribuindo inclusive, para eliciar respostas de maior prontidão para a situação de aleitamento materno.

Entretanto, diante da escassez de estudos sobre o tema, os resultados obtidos com os recém-nascidos prematuros são aqui discutidos, sobretudo, a partir dos achados obtidos com recém-nascidos termos estudados por Medeiros2. Medeiros AMC. Contato das mãos com a região oral, protrusão de língua e movimentos de sucção em recém-nascidos humanos, a partir da estimulação oro gustativa [tese]. São Paulo: Instituto de Psicologia. NEC – Neurociências e Comportamento. Universidade de São Paulo; 2002., que investigou a existência de um sistema de alimentação nas primeiras 36 horas de vida.

Ao observar os resultados encontrados no presente estudo, a partir da administração do estímulo gustativo, independente deste ser água ou sacarose, percebe-se que há nitidamente correlações mais fortes na LB2 para os comportamentos específicos de sucção de mão direita e sucção de mão esquerda (SMD e SME, respectivamente). Este dado corrobora com a literatura2. Medeiros AMC. Contato das mãos com a região oral, protrusão de língua e movimentos de sucção em recém-nascidos humanos, a partir da estimulação oro gustativa [tese]. São Paulo: Instituto de Psicologia. NEC – Neurociências e Comportamento. Universidade de São Paulo; 2002., a qual afirma que o estímulo gustativo na região oral desencadeia a realização de movimentos de sucção.

As correlações no comportamento específico de sucção de mão direita (SMD) apresentaram aumento quando os grupos água e sacarose foram considerados separadamente. Assim, diferentemente dos dados apresentados na literatura2. Medeiros AMC. Contato das mãos com a região oral, protrusão de língua e movimentos de sucção em recém-nascidos humanos, a partir da estimulação oro gustativa [tese]. São Paulo: Instituto de Psicologia. NEC – Neurociências e Comportamento. Universidade de São Paulo; 2002. com recém-nascidos termos, na população aqui estudada (prematuros) a água também possibilitou aumento da correlação deste comportamento, mesmo não sendo um estímulo gustativo considerado tão eficaz quanto a sacarose.

Para o comportamento de sugar as mães, o fato de não ocorrer diferença significante entre os grupos de estímulos (água e sacarose) nesta população nascida com média de IG de 34,10 semanas e testada com média de IGC de 34,91 semanas, faz com que os dados obtidos não corroborem com os estudos6. Douglas CR. Fisiologia da gustação. In: Douglas CR. Tratado de Fisiologia aplicada à ciência da saúde. 4. Ed. São Paulo: Robe, 1999. Cap 11, p. 197-204. que referem que no período intrauterino o feto já apresenta discriminação e preferência gustativa.

Por outro lado, as correlações aumentaram após a estimulação gustativa em ambos os grupos, o que pode evidenciar que independente do estímulo, a estimulação gustativa é uma importante conduta para ativar comportamentos de prontidão para mamada, tal como os movimentos de sucção, que são fundamentais para a efetividade da alimentação, sobretudo do seio materno3131 . Yamamoto RCC, Bauer MA, Häeffner LSB, Weinmann ARM, Keske-Soares M. Os efeitos da estimulação sensório motora oral na sucção nutritiva na mamadeira de recém-nascidos pré-termo. Rev CEFAC. 2010;12(2):272-9..

Considerando-se os comportamentos de sucção de mão como indicativos de prontidão para mamada e relacionados a um sistema de alimentação, no grupo sacarose, o aumento de correlação do comportamento de sucção da mão direita no estado de alerta e redução no estado sonolento, bem como o aumento de correlação do comportamento específico de sucção de mão esquerda, também no estado de alerta, corrobora com a literatura2. Medeiros AMC. Contato das mãos com a região oral, protrusão de língua e movimentos de sucção em recém-nascidos humanos, a partir da estimulação oro gustativa [tese]. São Paulo: Instituto de Psicologia. NEC – Neurociências e Comportamento. Universidade de São Paulo; 2002.,3232 . Medeiros, AMC. A existência de “Sistema Sensório-Motor Integrado” em Recém-nascidos humanos. Psicologia USP. 2007;18(2):11-33.-3333 . Andrade ISN, Guedes ZCF. Sucção do recém-nascido prematuro: comparação do método Mãe-Canguru com os cuidados tradicionais. Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil, Recife, 2005;5(1):61-9. que refere que a sacarose elicia comportamentos específicos de prontidão para alimentação, sobretudo no estado comportamental considerado ideal (alerta) para ocorrência de comportamentos de prontidão para mamada7. Brasil, Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Atenção humanizada ao recém-nascido de baixo peso: Método Canguru. 2ª. ed. Brasília, Ministério da Saúde, 2011. 203p.-8. Fernandes AM. The efficacy of kangaroo mother care, sucrose and pacifier to reduce responses of preterm infants to procedural pain (tese). Universidade de Lisboa/Escola Superior de Enfermagem de Lisboa. Lisboa, 2010..

Ao analisar que o comportamento de protrusão de língua (PL), independente do estímulo administrado (água ou sacarose) mostrou-se mais evidente no estado de alerta (4), após a estimulação, tal como ocorreu nos comportamentos de sucção de mão, realmente evidencia que os comportamentos de prontidão para mamada7. Brasil, Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Atenção humanizada ao recém-nascido de baixo peso: Método Canguru. 2ª. ed. Brasília, Ministério da Saúde, 2011. 203p.-8. Fernandes AM. The efficacy of kangaroo mother care, sucrose and pacifier to reduce responses of preterm infants to procedural pain (tese). Universidade de Lisboa/Escola Superior de Enfermagem de Lisboa. Lisboa, 2010. são mais incidentes no estado de alerta.

Desta forma, pode-se vislumbrar a importância de serem realizados estímulos em estados comportamentais favoráveis à prontidão para mamada. Por outro lado, a própria realização da estimulação gustativa oral provavelmente contribui para que esses recém-nascidos prematuros atinjam e permaneçam em estados comportamentais mais favoráveis para a situação de alimentação, colaborando no sucesso da oferta da dieta por via oral e, sobretudo, do aleitamento materno.

O fato de ter ocorrido aumento do comportamento específico de sucção (SU), independente do estímulo gustativo recebido, aponta na direção, de que a população de prematuros estudada não tem a mesma habilidade de discriminação gustativa dos recém-nascidos termos e saudáveis pesquisados por Medeiros2. Medeiros AMC. Contato das mãos com a região oral, protrusão de língua e movimentos de sucção em recém-nascidos humanos, a partir da estimulação oro gustativa [tese]. São Paulo: Instituto de Psicologia. NEC – Neurociências e Comportamento. Universidade de São Paulo; 2002..

Além disso, ao analisar os grupos água e sacarose separadamente, também foi observado aumento de correlação do comportamento de sucção nos estados comportamentais sono leve (2) e sonolento (3) em ambos os grupos. Esse aumento de correlação parece evidenciar que a estimulação intraoral contribui efetivamente para que houvesse movimentos de sucção, os quais também são considerados importantes para a situação de alimentação do recém-nascido.

O mesmo foi observado na pesquisa2. Medeiros AMC. Contato das mãos com a região oral, protrusão de língua e movimentos de sucção em recém-nascidos humanos, a partir da estimulação oro gustativa [tese]. São Paulo: Instituto de Psicologia. NEC – Neurociências e Comportamento. Universidade de São Paulo; 2002. realizada com recém-nascidos termos, em que a estimulação, tanto no grupo água como em sacarose, desencadeou a ação dos músculos bucinadores, e consequentemente de sucção seguida de deglutição. Importante ressaltar que esta sincronia de movimentos, associada à respiração é fundamental para uma efetiva amamentação.

Entretanto, vale ressaltar que no grupo sacarose, no estado comportamental de alerta (4), o comportamento de SU atingiu valor mais alto do que no grupo água, podendo esta resposta de sucção ser efeito da sacarose sobre o estado comportamental considerado mais efetivo para presença de comportamentos relacionados à prontidão para mamada e alimentação7. Brasil, Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Atenção humanizada ao recém-nascido de baixo peso: Método Canguru. 2ª. ed. Brasília, Ministério da Saúde, 2011. 203p.-8. Fernandes AM. The efficacy of kangaroo mother care, sucrose and pacifier to reduce responses of preterm infants to procedural pain (tese). Universidade de Lisboa/Escola Superior de Enfermagem de Lisboa. Lisboa, 2010.. O mesmo pode ter ocorrido na diminuição de correlação de forte para moderada no estado comportamental agitado/irritado (5), já que este estado não é considerado favorável, diferentemente do estado comportamental de alerta2929 . Csillag S. Os três primeiros dias de vida: uma observação dos estados comportamentais do bebê recém-nascido [tese]. São Paulo: Instituto de Psicologia. Universidade de São Paulo, 1997..

Esses dados parecem evidenciar que a sacarose no comportamento específico de sucção proporcionou acalmia, tal como os efeitos obtidos de analgésico e calmante, nas medidas não farmacológicas realizadas em RNs submetidos a procedimentos dolorosos7. Brasil, Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Atenção humanizada ao recém-nascido de baixo peso: Método Canguru. 2ª. ed. Brasília, Ministério da Saúde, 2011. 203p.

. Fernandes AM. The efficacy of kangaroo mother care, sucrose and pacifier to reduce responses of preterm infants to procedural pain (tese). Universidade de Lisboa/Escola Superior de Enfermagem de Lisboa. Lisboa, 2010.

. Aquino, FM, Christoffel, MM. Dor neonatal: Medidas não-farmacológicas utilizadas pela equipe de enfermagem. Rev. Rene, vol. 11, Número Especial, 2010. p. 169-77.

10 . Blasco, PG, Levites, MR, Mônaco, C. Açúcar reduz sinais de dor na vacinação de bebês. Diagn Tratamento. 2009;14(1):31.

11 . Gaspardo CM, Linhares MBM, Martinez FE. A eficácia da sacarose no alívio de dor em neonatos: revisão sistemática da literatura. J. Pediatr. (Rio J.) 2005; 81(6).

12 . Gaspardo CM, Miyase CI, Chimello JT, Martinez FE, Linhares MBM. Is pain relief equally efficacious and free of side effects with repeated doses of oral sucrose in preterm neonates? PAIN [online], 2008;137(1):16-25. ISSN 03043959.

13 . Gibbins S, Stevens B, Hodnett E, Pinelli J, Ohlsson A, Darlington G. Efficacy and safety of sucrose for procedural pain relief in preterm and term neonates. Nur Res. 2002;51:375-82.

14 . Gibbins S, Stevens B. The influence of gestational age on the efficacy and short-term safety of sucrose for procedural pain relief. Adv Neonatal Care. 2003;3:241-9.

15 . Allen KD, White DD, Walburn JN. (1996). Sucrose as an Analgesic Agent for Infants During Immunization Injections. Archives of Pediatrics Adolescent Medicine, 1996;150: 270-4.
-1616 . Acharya AB, Annamali S, Taub NA, Field D. (2004). Oral sucrose analgesia for preterm infant venepuncture. Archives of Disease in Childhood - Fetal and Neonatal Edition, 89, F17-F8.. O uso da sacarose, por sua vez, ainda deve ser discutido com mais abrangência no campo fonoaudiológico, como uma provável estratégia de estimulação para recém-nascidos com dificuldades de alimentação.

A sacarose foi um estímulo capaz de aumentar a correlação de comportamentos de sucção de mão e movimentos de sucção no estado de alerta, os quais são considerados ideais para ocorrência de comportamentos de prontidão para alimentação7. Brasil, Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Atenção humanizada ao recém-nascido de baixo peso: Método Canguru. 2ª. ed. Brasília, Ministério da Saúde, 2011. 203p.-8. Fernandes AM. The efficacy of kangaroo mother care, sucrose and pacifier to reduce responses of preterm infants to procedural pain (tese). Universidade de Lisboa/Escola Superior de Enfermagem de Lisboa. Lisboa, 2010.. Além disso, no comportamento específico de protrusão de língua, independentemente do RN ter sido estimulado com água ou sacarose, a estimulação gustativa favoreceu a presença do mesmo, evidenciando que os diferentes estímulos gustativos aqui utilizados contribuíram na prontidão para alimentação nesta população.

Em suma, foi possível verificar, nos recém-nascidos prematuros, aumento de correlação para os comportamentos específicos relacionados ao sistema de alimentação, após estimulação oral, o que vislumbra a possibilidade da estimulação gustativa ser utilizada a fim de interferir na ativação de um sistema de alimentação.

CONCLUSÃO

Na população de prematuros desse estudo, houve evidências da existência dos comportamentos específicos relacionados ao sistema de alimentação, tal como demonstrado por Medeiros2. Medeiros AMC. Contato das mãos com a região oral, protrusão de língua e movimentos de sucção em recém-nascidos humanos, a partir da estimulação oro gustativa [tese]. São Paulo: Instituto de Psicologia. NEC – Neurociências e Comportamento. Universidade de São Paulo; 2002. nos recém-nascidos termos e saudáveis. Todavia os recém-nascidos deste estudo não apresentaram a mesma capacidade de discriminação gustativa dos RNs termos, não corroborando com a literatura7. Brasil, Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Atenção humanizada ao recém-nascido de baixo peso: Método Canguru. 2ª. ed. Brasília, Ministério da Saúde, 2011. 203p. que refere ser essa capacidade desenvolvida ainda com 32 semanas gestacionais.

Entretanto, vale ressaltar, que ambos os estímulos (água e sacarose) ao favorecem os comportamentos de prontidão para mamada, nos diferentes estados comportamentais, e, sobretudo em alerta, evidenciam que o uso de estímulos gustativos na rotina hospitalar de recém-nascidos prematuros, poderia contribuir para eliciar comportamentos de prontidão para mamada que colaborem na ativação de um sistema de alimentação, contribuindo para que o recém-nascido possa ser alimentado por via oral mais precocemente.

Desta forma, a principal contribuição do presente estudo foi evidenciar o efeito de estímulos gustativos na faixa etária estudada (Médias de IG ao nascimento de 34,14 e IGC 34,91 semanas) para comportamentos específicos de prontidão para mamada, sobretudo no estado comportamental alerta, apontando que estímulos gustativos podem ser utilizados em procedimentos que visam eliciar comportamentos de prontidão para a mamada, a fim de contribuir para a alimentação do prematuro e promoção do aleitamento materno em idade precoce.

Aponta-se a necessidade de continuidade de pesquisas que vislumbrem condutas efetivas de estimulação gustativa, a partir da intervenção fonoaudiológica, que permitam a ativação do sistema de alimentação, trazendo benefícios aos recém-nascidos, especialmente na situação do aleitamento materno.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Thoman EB. Changing views of the being and becoming of infant. In: Thoman EB (ed.), Origins of the infant’s social responsivenes. Cap 17. Hillsdale, New Jersey U.S.A: Lawrense Erlbaum Associates, publishers, 1979.
  • 2
    Medeiros AMC. Contato das mãos com a região oral, protrusão de língua e movimentos de sucção em recém-nascidos humanos, a partir da estimulação oro gustativa [tese]. São Paulo: Instituto de Psicologia. NEC – Neurociências e Comportamento. Universidade de São Paulo; 2002.
  • 3
    Brazelton TB. Bebês e mamães. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Campus, 1981. P. 299.
  • 4
    Rochat P., Senders SJ. Active touch in infancy: action systems in development. In: Weiss MJS, Zelaro PR. Newborn attention: biological constraints and the influence of experience. NJ: Ablez Publishers, 1992. Cap 14, p. 412-42.
  • 5
    Medeiros, AMC. A existência de “Sistema Sensório-Motor Integrado” em Recém-nascidos humanos. Psicologia USP. 2007;18(2):11-33.
  • 6
    Douglas CR. Fisiologia da gustação. In: Douglas CR. Tratado de Fisiologia aplicada à ciência da saúde. 4. Ed. São Paulo: Robe, 1999. Cap 11, p. 197-204.
  • 7
    Brasil, Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Atenção humanizada ao recém-nascido de baixo peso: Método Canguru. 2ª. ed. Brasília, Ministério da Saúde, 2011. 203p.
  • 8
    Fernandes AM. The efficacy of kangaroo mother care, sucrose and pacifier to reduce responses of preterm infants to procedural pain (tese). Universidade de Lisboa/Escola Superior de Enfermagem de Lisboa. Lisboa, 2010.
  • 9
    Aquino, FM, Christoffel, MM. Dor neonatal: Medidas não-farmacológicas utilizadas pela equipe de enfermagem. Rev. Rene, vol. 11, Número Especial, 2010. p. 169-77.
  • 10
    Blasco, PG, Levites, MR, Mônaco, C. Açúcar reduz sinais de dor na vacinação de bebês. Diagn Tratamento. 2009;14(1):31.
  • 11
    Gaspardo CM, Linhares MBM, Martinez FE. A eficácia da sacarose no alívio de dor em neonatos: revisão sistemática da literatura. J. Pediatr. (Rio J.) 2005; 81(6).
  • 12
    Gaspardo CM, Miyase CI, Chimello JT, Martinez FE, Linhares MBM. Is pain relief equally efficacious and free of side effects with repeated doses of oral sucrose in preterm neonates? PAIN [online], 2008;137(1):16-25. ISSN 03043959.
  • 13
    Gibbins S, Stevens B, Hodnett E, Pinelli J, Ohlsson A, Darlington G. Efficacy and safety of sucrose for procedural pain relief in preterm and term neonates. Nur Res. 2002;51:375-82.
  • 14
    Gibbins S, Stevens B. The influence of gestational age on the efficacy and short-term safety of sucrose for procedural pain relief. Adv Neonatal Care. 2003;3:241-9.
  • 15
    Allen KD, White DD, Walburn JN. (1996). Sucrose as an Analgesic Agent for Infants During Immunization Injections. Archives of Pediatrics Adolescent Medicine, 1996;150: 270-4.
  • 16
    Acharya AB, Annamali S, Taub NA, Field D. (2004). Oral sucrose analgesia for preterm infant venepuncture. Archives of Disease in Childhood - Fetal and Neonatal Edition, 89, F17-F8.
  • 17
    Gorgulho FR, Pacheco STA. Amamentação de prematuros em uma unidade neonatal: a vivência materna. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2008;12(1):19- 24.
  • 18
    Pedras CTPA, Pinto EALC, Mezzacappa MA. Uso do copo e da mamadeira e o aleitamento materno em recém-nascidos prematuros e a termo: uma revisão sistemática. Rev. Bras. Saude Mater. Infant. 2008;8(2):163-9.
  • 19
    Hernandez AM, Giordan CR, Shiguematsu RA. A intervenção fonoaudiológica em recém-nascidos de risco para distúrbios da deglutição e sua influência no aleitamento materno. Rev Bras Nutr Clin 2007;22(1):41-4.
  • 20
    Fujinaga CI, Scochi CGS, Santos CB, Zamberlan NE, Leite AM. Validação do conteúdo de um instrumento de avaliação de prontidão do prematuro para início da alimentação oral. Rev. Bras. Saúde Matern. Infant. 2008;8(4):391-9.
  • 21
    Marques MCS, Melo AM. Amamentação no alojamento conjunto. Revista CEFAC. 2008;10(2):261-71.
  • 22
    Medeiros AMC, Olivieira ARM, Fernandes AM, Guardachoni GAS, Aquino JPSP, Rubinick ML et al. Caracterização da técnica de transição da alimentação por sonda enteral para seio materno em recém-nascidos prematuros. J. Soc. Bras. Fonoaudiol. [online]. 2011;23(1):57-65. ISSN 2179-6491. http://dx.doi.org/10.1590/S2179-64912011000100013.
    » https://doi.org/10.1590/S2179-64912011000100013
  • 23
    Medeiros AMC, Bernardi AT. Alimentação do recém-nascido prematuro: aleitamento materno, copo e mamadeira. Rev. Soc. Bras. Fonoaudiol. 2011;16(1):73-9.
  • 24
    Rocha MS, Delgado SE. Intervenção fonoaudiológica em recém-nascido pré-termo com Gastrosquise. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2007;12(1):55-62.
  • 25
    Zomignani AP, Zambelli HJL, Antonio MARGM. Desenvolvimento cerebral em recém-nascidos prematuros. Rev. Paul. Pediatr. 2009;27(2):198-203.
  • 26
    Ferreira AM, Bergamasco NHP. Análise comportamental de recém-nascidos pré-termos incluídos em um programa de estimulação tátil-cinestésica durante a internação hospitalar. Rev Bras Fisioter. 2010;14(2):141-8.
  • 27
    Telles MS, Macedo CS. Relação entre desenvolvimento motor corporal e aquisição de habilidades orais. Rev. Pró-Fono. 2008;20(2):117-22.
  • 28
    Moura LTL, Tolentino GM, Costa TLS, Aline A. Atuação Fonoaudiológica na estimulação precoce da sucção Não-Nutritiva em Recém-Nascidos Prematuro. Revista CEFAC. 2009;11(Supl3):448-56.
  • 29
    Csillag S. Os três primeiros dias de vida: uma observação dos estados comportamentais do bebê recém-nascido [tese]. São Paulo: Instituto de Psicologia. Universidade de São Paulo, 1997.
  • 30
    Dancey, CP, Reidy, J. Estatística sem matemática: usando SPSS para Windows. 3 ed. Porto Alegre: Artmed. 2006.
  • 31
    Yamamoto RCC, Bauer MA, Häeffner LSB, Weinmann ARM, Keske-Soares M. Os efeitos da estimulação sensório motora oral na sucção nutritiva na mamadeira de recém-nascidos pré-termo. Rev CEFAC. 2010;12(2):272-9.
  • 32
    Medeiros, AMC. A existência de “Sistema Sensório-Motor Integrado” em Recém-nascidos humanos. Psicologia USP. 2007;18(2):11-33.
  • 33
    Andrade ISN, Guedes ZCF. Sucção do recém-nascido prematuro: comparação do método Mãe-Canguru com os cuidados tradicionais. Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil, Recife, 2005;5(1):61-9.
  • Fonte de auxílio: bolsa ao estudante PIBIC/FAPITEC

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    may-jun 2014

Histórico

  • Recebido
    12 Jul 2012
  • Aceito
    29 Jan 2013
ABRAMO Associação Brasileira de Motricidade Orofacial Rua Uruguaiana, 516, Cep 13026-001 Campinas SP Brasil, Tel.: +55 19 3254-0342 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revistacefac@cefac.br