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Associação entre auto-referência de tontura e perda auditiva assimétrica no idoso

RESUMO

Objetivo:

verificar a relação entre auto referência de tontura, o grau, a simetria da perda auditiva, idade e sexo, em idosos.

Métodos:

estudo retrospectivo que incluiu a análise de 440 registros de idosos com média de idade de 72,9 anos, cadastrados no período de 2011 a 2015 em um Serviço de Reabilitação Auditiva. Foram aplicados modelos de regressão logística binária entre as variáveis, os dados foram tabulados e processados pelo software SPSS 24.00. Para todos os testes, os valores de alfa foram considerados significantes quando menores que 0,05.

Resultado:

na amostra, 78 (17,7%) idosos apresentaram perda auditiva assimétrica, sendo que destes, 27 (34,6%) referiram queixa de tontura. A queixa de tontura apresentou relação estatisticamente significante com o sexo feminino (p<0,001), com o grau da perda auditiva severa (p<0,001), com a idade inferior a 70 anos (DP 8,6 anos) e com a assimetria da perda auditiva (p<0,001).

Conclusão:

no presente estudo, idosos do sexo feminino, mais jovens, com perda auditiva assimétrica e grau de perda auditiva severo apresentaram queixa auto referida de tontura. Estes resultados sugerem que essa população seja rotineiramente rastreada sobre problemas de equilíbrio, com o objetivo de fornecer programas de reabilitação, a fim de prevenir futuras quedas.

Descritores:
Audição; Tontura; Idosos; Saúde Pública

ABSTRACT

Purpose:

to verify the association between self-reported dizziness, degree and symmetry of hearing loss, age and gender in a sample of older adults.

Methods:

this retrospective study included the analysis of 440 records of older adults with a mean age of 72.9 years, enrolled from 2011 to 2015 in an auditory rehabilitation service. Binary logistic regression models were performed between the variables, and the data was analyzed using the SPSS 24.00 software. For all tests, alpha values were considered significant when lower than 0.05.

Results:

in the sample, 78 (17.7%) older adults had asymmetric hearing loss, and 27 (34.6%) of them complained of dizziness. Self-reported complaint of dizziness was significantly associated with female gender (p<0,001), to severe hearing loss (p<0,001), age under 70 years, and with asymmetric hearing loss(p<0,001).

Conclusion:

in this study, younger female elderlies with severe asymmetric hearing loss presented self-reported complaint of dizziness . These results suggest that this population should be routinely screened for balance problems in order to provide rehabilitation programs to avoid future falls.

Keywords:
Hearing; Dizziness; Elderly; Public Health

Introdução

A perda auditiva relacionada à idade é uma das três condições crônicas mais prevalentes na população idosa e que pode interferir em sua capacidade funcional11. Moraes EM. Processo de envelhecimento e bases da avaliação multidimensional do idoso. In: Borges APA, Coimbra AMC (orgs). Envelhecimento e saúde da pessoa idosa. Rio de Janeiro: Fiocruz/ENSP/EAD; 2008.p.151-75.. Segundo os dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), aproximadamente um terço de pessoas acima de 65 anos de idade são afetadas pela perda auditiva22. Organization WH. International Classification of Functioning, Disability, and Health: Children & Youth Version: ICF-CY. World Health Organization; 2007.. Segundo o National Institute on Deafness and Other Communication Disorders (NIDCD), 30 a 35% dos adultos com idades entre 65 e 70 anos apresentam algum grau de perda auditiva e essa porcentagem sobe para 40 a 50% nos indivíduos com mais de 75 anos33. Disorders NIoDaOC. Hearing loss prevalence declining in U.S. adults aged 20 to 69 years. National Institute on Deafness and Other Communication Disorders (NIDCD); 2016.. No Brasil, estudos mostram uma prevalência de perda auditiva entre idosos que varia de 19,2% a 82,7%, dependendo da amostra investigada e dos critérios diagnósticos utilizados44. Baraldi GA, Almeida LC, Borges ACC. Evolução da perda auditiva no decorrer do envelhecimento. Rev. Bras. Otorrinolaringol. 2007;73(1): 64-70. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-72992007000100010
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. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população idosa totaliza 23,5 milhões de pessoas, isto significa que o número de idosos com perda auditiva pode estar acima de 1.220.000 pessoas55. Síntese de indicadores sociais : uma análise das condições de vida da população brasileira : 2016 / IBGE, Coordenação de População e Indicadores Sociais. - Rio de Janeiro : IBGE, 2016 146 p. - (Estudos e pesquisas. Informação demográfica e socioeconômica, ISSN 1516-3296 ; n. 36)..

Alguns estudos demonstram que a prevalência de perda auditiva é maior em homens do que mulheres. Um estudo realizado pelo National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES) durante os anos 2011 e 2012, com população entre 20 e 69 anos, demonstrou que 39% das pessoas com perda auditiva tem idade entre 60 e 69 anos e que os homens tem duas vezes mais possibilidade de desenvolver perda auditiva do que as mulheres66. Lin FR, Thorpe R, Gordon-Salant S, Ferrucci L. Hearing loss prevalence and risk factors among older adults in the United States. J Gerontol A Biol Sci Med Sci. 2011;66(5):582-90. doi: 10.1093/gerona/glr002.
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.

É importante considerar que a tontura é outro sintoma muito comum na população idosa. Sua prevalência descrita na literatura internacional é bastante variável; são demonstrados valores entre 13% a 38%77. Gopinath B, McMahon CM, Rochtchina E, Mitchell P. Dizziness and vertigo in an older population: the Blue Mountains prospective cross-sectional study. Clin Otolaryngol. 2009;34(6):552-6. doi.org/10.1111/j.1749-4486.2009.02025.x.
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. Em estudo brasileiro, de caráter epidemiológico, foi encontrada prevalência de tontura em idosos um pouco mais elevada, de 45%88. Araujo TM, Iório MCM. Profile of the elderly population referred for hearing aid fitting in a public hospital . Audiol., Commun. Res. 2014;19(1):45-51.. Uma pesquisa realizada em 2015, com 63 idosos, verificou a associação de tontura e perda auditiva relacionada a idade. Os achados sugeriram que a tontura pode estar associada a perda auditiva sem quaisquer possíveis fatores predisponentes para vestibulopatia99. Helzner EP, Cauley JA, Pratt SR, Wisniewski SR, Zmuda JM, Talbott EO et al. Race and sex differences in age-related hearing loss: the health, aging and body composition study. J Am Geriatr Soc. 2005;53(12):2119-27. doi:10.1111/j.1532-5415.2005.00525.x.
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, não sendo descrito neste estudo a prevalência de tontura encontrada. Um levantamento de 200 prontuários de idosos foi realizado no período de 2008 a 2011, tendo os autores observado que 74,5% dos idosos tinha a queixa de tontura não rotatória e que, em 30% desta população (n=60), houve associação entre tontura e perda auditiva bilateral1010. Kasse CA, Onishi ET, Ganança MM, Branco-Barreiro FCA, Dona F, Gazzola J. Característica clínica de 200 idosos da comunidade com queixas vestibulares. Rev Bras Med. 2014;71(5):129-34.. No entanto, pouco se sabe da possível associação entre o grau e a simetria da perda auditiva e a prevalência da tontura nos idosos, e se existe diferença na prevalência de tontura entre homens e mulheres idosos com perda auditiva assimétrica. Estudos como este se constituem como importante ferramenta epidemiológica para a definição de novas políticas de saúde pública, já que pesquisas demostram que as pessoas com pior acuidade auditiva têm risco maior de cair, pois apresentam controle postural pior1111. Gazzola JM, Freitas Ganança F, Aratani MC, Rodrigues Perracini M, Malavasi Ganança M. Caracterização clínica de idosos com disfunção vestibular crônica. BJORL. 2006;72(4):515-22..

O objetivo deste estudo foi determinar a possível relação entre a presença de tontura auto referida e o grau e a simetria da perda auditiva e o sexo numa amostra de pessoas idosas brasileiras.

Métodos

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/ SP sob número CAEE: 43831015.10000.5482. Trata-se de estudo retrospectivo descritivo e analítico, cuja coleta de dados foi realizada por meio de consulta a prontuários arquivados no Serviço de Reabilitação Auditiva do município de Jacareí, SP, Brasil, que contava, segundo a Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE 2016), com aproximadamente 223.207 habitantes, entre os quais em torno de 31.409 pessoas tinham 60 anos ou mais (14,07% da população total).

Foram encontrados 469 prontuários que pertenciam a pessoas que se cadastraram no serviço de reabilitação auditiva. Após a aplicação do filtro dos critérios de exclusão, a saber: idade inferior a 60 anos; resultados alterados nas medidas de imitância acústica com curvas tipos B, C, Ad, As; perdas auditivas unilaterais e perdas auditivas de grau profundo que podem não estar associadas a perda auditiva relacionada à idade (presbiacusia), restaram 440 registros para serem analisados. Foram incluídos idosos com prescrição de aparelho de amplificação sonora individual (AASI) pelo médico otorrinolaringologista, cadastrados com perda auditiva bilateral relacionada à idade, com limiares nas frequências de 250 a 8000 kHz superior a 25dB NA, e que estavam aguardando o processo de seleção e adaptação de AASI.

Os seguintes dados foram coletados nestes 440 registros: sexo, idade, audiometria tonal limiar, timpanometria e a presença de queixas auto relatadas relacionadas a tontura. A classificação dos exames audiológicos para grau de perda auditiva foi realizada de acordo com Lloyd e Kaplan (1978)1212. Lloyd LL, Kaplan H. Audiometric interpretation: a manual of basic audiometry. Baltimore: University Park Press; 1978, Vol 1., assim descrito: média de tom puro (0,5-2kHz) ≤ 25 dBNA (normal); 26-40dBNA (leve); 41- 55dBNA (moderado); 56-70 dBNA (moderadamente severo) e 71 - 90 dBNA (severo). A perda auditiva bilateral foi classificada como assimétrica, segundo critério descrito no Editorial Guidelines for description of inherited hearing loss1313. Parving A, Newton V. Guidelines for description of inherited hearing loss. J Audiol Med. 1995;4:2-5. quando houvesse diferença maior ou igual que 15 dB NA em pelo menos duas frequências contínuas entre as orelhas direita e esquerda.

Análise Estatística

Os dados foram tabulados e processados pelo software SPSS 24.00. Foi aplicado o teste de qui-quadrado para determinar possíveis associações entre as variáveis categóricas de presença de tontura (sim/não) e sexo (feminino/ masculino), simetria da perda auditiva (simétrica/assimétrica) e grau da perda auditiva (leve, moderada, moderadamente severa e severa). Em seguida, foi utilizado um modelo de regressão logística entre a variável tontura (variável dependente) e as variáveis independentes (sexo, idade, grau e simetria da perda auditiva). O objetivo desta análise foi determinar as variáveis associadas significantemente com a presença de tontura controlando por todas as variáveis independentes. O teste de Wald foi utilizado para determinar o nível de significância estatística de cada uma das variáveis independentes. Todas as variáveis independentes foram categóricas. Para a variável do sexo, o masculino foi a categoria de referência, para a variável de idade, as pessoas entre 60 e 69 anos foram a categoria de referência, para a variável simetria da perda auditiva, a perda auditiva simétrica foi a categoria de referência e para a variável grau da perda auditiva, o grau leve foi a referência. Para todos os testes, os valores de alfa foram considerados significantes quando menores a 0,05.

Resultados

Na Figura 1 é possível visualizar o fluxograma da amostra após a aplicação dos critérios de inclusão a que foram submetidos os prontuários.

Figura 1:
Fluxograma da composição da amostra deste estudo

Dos 469 registros coletados, foram excluídos 14 sujeitos com resultados alterados nas medidas de imitância acústica com curvas tipos B, C, Ad, As; 7 prontuários com perdas auditivas unilaterais e 8 prontuários de idosos com perdas auditivas de grau profundo que podem não estar associado à perda auditiva relacionada à idade (presbiacusia). A idade média do grupo selecionado foi de 72,9 anos (mínima de 60 anos e máxima de 94 anos, desvio padrão de 8,6 anos).

Pela Tabela 1 é possível perceber que, dos 280 idosos do sexo feminino, 83 (29,6%) apresentaram queixa de tontura. Já, dos 160 idosos do sexo masculino, 10 (6,3%) apresentaram queixa de tontura. Foi encontrada associação significante entre sexo e queixa auto referida de tontura (p <0,001).

Tabela 1:
Distribuição de frequências conjunta entre sexo e queixa auto referida de tontura (as porcentagens foram calculadas por sexo) e valor-p do teste qui-quadrado de independência

Na Tabela 2 pode-se observar a distribuição conjunta dos idosos quanto ao grau de perda auditiva e a queixa auto referida de tontura. Observa-se ainda que a porcentagem de idosos com queixa de tontura aumenta com o grau de perda auditiva (12,1% de pessoas com perda auditiva leve apresentaram tontura em comparação a 42,0% de pessoas com perda auditiva severa). Houve evidência de associação estatisticamente significante entre a queixa auto referida de tontura e o grau da perda auditiva (p < 0,001).

Tabela 2:
Distribuição de frequências conjunta entre grau da perda auditiva e queixa auto referida de tontura (as porcentagens foram calculadas por categoria de grau da perda) e valor-p do teste qui-quadrado de independência

A Tabela 3 mostra que, entre os 78 idosos com perda auditiva assimétrica, 27 (34,6%) apresentaram queixa auto referida de tontura, enquanto que entre os 362 idosos com perda auditiva simétrica, apenas 66 (18,2%) apresentaram queixa de tontura. O teste qui-quadrado de independência mostrou uma associação significante entre a simetria da perda auditiva e a queixa auto referida de tontura (p < 0,01).

Tabela 3:
Distribuição de frequências conjunta entre simetria da perda auditiva e queixa auto referida de tontura (as porcentagens foram calculadas por categoria da simetria da perda auditiva) e valor-p do teste qui-quadrado de independência

A Tabela 4 apresenta a distribuição conjunta dos idosos quanto à idade e a queixa auto referida de tontura. Pode-se observar que a porcentagem de idosos com queixa de tontura diminui com a idade (28,6% de pessoas com menos de 70 anos apresentaram tontura em comparação a 14,8% de pessoas com pelo menos 80 anos). Houve evidência de associação estatisticamente significante entre a queixa auto referida de tontura e a idade (valor-p = 0,012).

Tabela 4:
Distribuição de frequências conjunta entre idade e queixa auto referida de tontura (as porcentagens foram calculadas por categoria de grau da perda) e valor-p do teste qui-quadrado de independência

No modelo de regressão logística entre a queixa auto referida de tontura (variável dependente) e as variáveis independentes de idade, sexo, simetria e grau da perda auditiva, constatou-se que o sexo feminino, o grau da perda auditiva severa, a perda auditiva assimétrica e a idade de 70 anos ou mais foram as variáveis estatisticamente significantes quando ajustadas pelas outras variáveis independentes. As mulheres demonstraram 26 vezes mais chances de apresentar tontura que os homens. Os idosos com perda auditiva assimétrica apresentaram 4 vezes mais chances de manifestar tontura que os idosos com perda auditiva simétrica. Os idosos com perda auditiva severa tiveram 6 vezes mais chances de apresentar tontura que os idosos com perda auditiva leve. Finalmente, os idosos entre 60 e 69 anos tiveram 8 vezes mais chances de apresentar tontura que os idosos de 70 anos ou mais.

A Tabela 5 mostra que as quatro variáveis independentes são significantes ao nível de 5% de significância.

Tabela 5:
Resultados da regressão logística entre a queixa auto referida de tontura e as variáveis idade, sexo, simetria e grau da perda auditiva

Discussão

Neste estudo, a análise estatística indicou associação significante entre a presença de queixa auto referida de tontura e sexo, grau de perda auditiva, simetria da perda e idade. Resultados similares foram encontrados em um estudo longitudinal realizado na África em 2014, que demonstrou uma associação significante entre sexo e presença da tontura em população idosa1414. Lasisi AO, Gureje O. Prevalence, clinical and life-style correlate of dizziness among the community elderly from the ibadan study of agein. ENT Journal. 2014;93(0):E37-E44.. Um estudo audiológico realizado por Carmo et al. no Brasil em 2008 encontrou relação significante entre queixa auto-referida de tontura e o sexo feminino. No entanto, um estudo realizado na Inglaterra mostrou que há associação significante entre tontura e audição, mas não com idade ou sexo1515. Tinetti ME, Williams CS, Gill TM. Dizziness among older adults: a possible geriatric syndrome.Annals of International Medicine. American College of Physicians. 2000;132(5):337-44. doi.org/10.7326/0003-4819-132-5-200003070-00002
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. Um estudo de corte transversal, realizado nos Estados Unidos com 1.087 idosos , constatou que há associação entre tontura e perda auditiva, mas não foi citado qualquer associação com sexo1616. Stevens KN, Lang IA, Guralnik JM, Melzer D. Epidemiology of balance and dizziness in a national population: findings from the english longitudinal study of ageing. Ageing. 2008;37(3):300-5..

É interessante observar que nos estudos que tratam das questões do envelhecimento é difícil encontrar amostras pareadas quanto ao sexo. Em geral há maior número de participantes do sexo feminino do que do sexo masculino nos estudos consultados. Além disto, dados estatísticos comprovam que as mulheres constituem a maioria da população idosa em todas as regiões do mundo, e as estimativas são de que as mulheres vivam, em média, de cinco a sete anos a mais que os homens1717. Nicodemo D, Godoi MP. Juventude dos anos 60-70 e envelhecimento: estudo de casos sobre feminização e direitos de mulheres idosas. RCE. 2010;6(1):40-53..

No presente estudo, a presença de queixa auto referida de tontura foi maior nos idosos mais jovens. Este resultado é semelhante a estudo realizado no Ambulatório de Otoneurologia da Santa Casa de São Paulo, em que foi constatada maior presença de tontura nas faixas etárias mais jovens. Os pesquisadores demonstraram que 35,9% de idosos entre 61-70 anos e 12,8% de 71-80 anos apresentaram queixa de tontura 1818. Nishino LK, Ganança CdF, Manso A, Campos CAHd, Korn GP. Reabilitação vestibular personalizada: levantamento de prontuários dos pacientes atendidos no ambulatório de otoneurologia da ISCMSP. Rev Bras Otorrinolaringol. 2005;71(4):440-7..

Diversas são as razões pelas quais idosos mais jovens relatam mais queixa de tontura do que os mais velhos. Existem fatores determinantes que contribuem de modo considerável para que esse sintoma apareça com mais frequência nos idosos; entre eles, encontram-se na literatura o estresse, a baixa (ou má) qualidade de vida; a atitude frente o aparecimento progressivo de doenças e dificuldades funcionais; excesso de atividades de vida diária dentre outros1919. Johnsson R, Sixt E, Landahl S, Rosenhall U. Prevalence of dizziness and vertigo in an urban elderly population. J Vestib Res. 2004;1(14):47-52 . Outro fator que pode explicar essa prevalência é o conflito afetivo emocional devido à necessidade de continuar trabalhando após a aposentadoria e cuidar de netos e filhos que permanecem dependentes2020. Fonseca SC. O Envelhecimento Ativo e seus Fundamentos . 1. ed.São Paulo. Portal Edições, Envelhecimento; 2016. . Esse acúmulo de tarefas, associado ao envelhecimento, pode ser um agente disparador deste sintoma. Finalmente, uma outra explicação seria que, devido aos mecanismos centrais de neuroplasticidade2121. Woellner SS, Araujo AGS, Martins JS. Protocolos de equilíbrio e quedas em idosos. Neurociências. 2009;10(2):104-17., é provável que as pessoas mais idosas compensaram o sintoma de tontura no decorrer dos anos. Entretanto, são necessários novos estudos sobre a interação entre os fatores citados acima e a maior presença de tontura em idosos mais jovens.

Este estudo demonstrou que os idosos com perda auditiva assimétrica e de grau severo referiram ter mais queixa de tontura quando comparados com os de grau leve e moderado. Pesquisadores da Noruega publicaram em 2019 um estudo com 1.075 pacientes e encontraram uma relação entre o grau da perda auditiva e alteração do equilíbrio2222. Berge JE, Nordahl SHG, Aarstad HJ, Goplen FK. Hearing as an independent predictor of postural balance in 1075 patients evaluated for dizziness. 2019. Otolaryngol Head Neck Surg. 2019;161(3):478-84.. Não foi encontrado na literatura pesquisas que avaliaram a associação entre a perda auditiva assimétrica e a queixa auto referida de tontura em idosos.

Na clínica audiológica é recomendado que toda perda auditiva assimétrica ou unilateral deva ser melhor investigada2323. Mattos LC, Veras RP. A prevalência da perda auditiva em uma população de idosos da cidade do Rio de Janeiro: um estudo seccional. BJORL. 2007;73(5):654-9., pois a perda auditiva assimétrica tanto pode ser secundária ao processo de envelhecimento como pode estar associada a patologias do sistema nervoso central2424. Martins K, Fontenele M, Camara S, Sartorato EL. Genetic and audio logic study in elderly with sensorineural hearing loss. CoDAS. 2013;25(3):224-8.,2525. Prasad J, Cousins VC. Asymmetrical hearing loss. Aust Fam Physician. 2008;37(4):312-20.. É importante lembrar que perdas auditivas assimétricas requerem maior cuidado no momento da adaptação de aparelhos auditivos pois as demandas auditivas podem ser diferentes em cada orelha. É também importante que essas perdas auditivas assimétricas sejam melhor investigadas do ponto de vista clínico, para que sejam diferenciados quadros que necessitam de intervenção médica daqueles que necessitam de reabilitação auditiva.

Neste estudo foi encontrada alta prevalência de tontura entre os idosos avaliados. Em estudo prospectivo realizado no Brasil, foram entrevistados 50 idosos com idades entre 60 e 80 anos e os autores concluíram que a tontura era um sintoma prevalente no idoso dessa comunidade, assim como a presença de comorbidades (48%) e uso de três ou mais medicamentos ao dia (40%)2626. Valete-Rosalino CM. Perda auditiva e tontura em idosos: medicamentos e outros fatores associados [Tese]. Rio de Janeiro (RJ): Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz; 2005.. A presença de tontura nos idosos pode estar relacionada a uma alteração do sistema vestibular. A degeneração relacionada à idade, de diferentes estruturas neurais, afeta o sistema vestibular e como consequência o equilíbrio desta população. Esta degeneração ocorre nos receptores vestibulares, nos neurônios vestibulares centrais, no cerebelo e nas vias visual e proprioceptiva. Os estudos mostram que o número de células ciliadas nos órgãos vestibulares e o número de fibras nos nervos vestibular superior e inferior diminuem com a idade2727. Merchant SN, Velazquez-Villasenor L, Tsuji K, Glynn RJ, Wall C III, Rauch SD. Temporal bone studies of the human peripheral vestibular system. Normative vestibular hair cell data. Ann Otol Rhinol Laryngol. 2000;181(suppl):3-13..

É preciso considerar que a tontura é um fator de risco para quedas na população idosa, podendo ser pensada como um problema de Saúde Pública. À medida que a população idosa se torna cada vez mais numerosa passa a ser uma preocupação dos profissionais da saúde prevenir a queda e seus riscos inerentes.

A literatura tem mostrado que a tontura quando associada à perda auditiva torna-se um problema ainda maior, trazendo mais insegurança e perda de autonomia desta população. A tontura pode ser o resultado de várias doenças agindo em um organismo já debilitado pelo próprio desgaste natural, causando injúrias na manutenção do equilíbrio corporal. Quanto maior o número de doenças associadas, maior o risco de apresentar tontura, especialmente se esse número é superior a três2828. Cruz MS, Lima MCP, Santos JLF, Duarte YAO, Lebrão ML, Ramos-Cerqueira ATA. Deficiência auditiva referida por idosos no município de São Paulo, Brasil: prevalência e fatores associados (Estudo SABE, 2006). Cad Saúde Pública. 2012;28(8):1479-92..

Magrini e Momensohn-Santos (2019) estudaram a questão de auto referência sobre audição e sensação de tontura em uma população de idosos com perda auditiva, e constataram que 63,3% (n=95) dos idosos referiram sentir tontura; e 54,7% (n=82) acham que a audição é regular. Apesar de mencionar tontura, quando questionados se nos últimos 12 meses o sujeito caiu, 65,3% (n=98) não informou quedas; porém, 60,7% (n=91) citaram ter tontura ou dificuldade de equilíbrio nos últimos 12 meses2929. Magrini A, Momensohn-Santos T. A análise e a caracterização de uma população de idosos com perda auditiva e queixa de tontura. Rev. Kairós. 2019;22(1):353-65..

Desta forma, os dados deste estudo indicam que as pessoas idosas, principalmente com perda auditiva assimétrica, devem ser rotineiramente rastreadas para problemas de equilíbrio, sendo importante considerar que estudos retrospectivos de dados secundários por si só limitam a coleta de informações, pois muitas vezes o preenchimento dos registros dos pacientes é feito de forma incompleta ou perguntas que seriam de interesse para o pesquisador não foram realizadas.

O fato de ser levantamento de prontuário retrospectivo com informações auto referidas de tontura limitou esta pesquisa, pois neste estudo não foi possível obter informação de outras patologias associadas; devido ao delineamento transversal, não há como realizar inferências temporais ou de causalidade.

Outra questão a ser discutida diz respeito ao que o paciente entende por tontura; talvez haja confusão sobre esta terminologia. A tontura pode ser confundida pelo paciente com vertigem, instabilidade e desequilíbrio. Esta confusão de conceitos pode ter levado a uma superestimativa ou subestimativa deste sintoma nesta população.

Conclusão

Considerando a base de dados analisada, foi possível encontrar relação entre auto-referência de tontura e a perda auditiva assimétrica de grau severo em idosos do sexo feminino, mais jovens, sugerindo que atuação e/ou reabilitação fonoaudiológica voltada para os problemas auditivos na terceira idade considerem a singularidade e características específicas da população.

Agradecimentos

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo apoio financeiro dado a este estudo.

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  • Fonte de auxílio: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Mar 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    07 Jan 2019
  • Aceito
    18 Dez 2019
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