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Implante coclear em criança diagnosticada com Variante da Síndrome de Dandy-Walker: estudo de caso

RESUMO

A Variante da Síndrome de Dandy-Walker apresenta uma forma mais branda em relação à Síndrome de Dandy-Walker, sendo a hipoplasia do vermes menos acentuada e dentre suas características, a deficiência auditiva. O estudo objetivou relatar o caso de um paciente do sexo masculino, 4:5 anos, quadro compatível com Variante da Síndrome, usuário de implante coclear, referenciado ao serviço de reabilitação com equipe multidisciplinar. Foi inserido em terapia com fonoaudiólogo e fisioterapeuta, no período entre julho a dezembro de 2016, totalizando 20 sessões, com ênfase na abordagem Aurioral. Avaliou-se sua evolução quanto às habilidades auditivas e motoras, por meio de instrumentos padronizados que auxiliaram na catalogação da evolução e das respostas do paciente de maneira empírica. O desenvolvimento das habilidades auditivas e motoras, avaliadas por meio de testes utilizados como parâmetros de evolução terapêutica demonstraram que a reabilitação, realizada em equipe multiprofissional, pode ser aplicada satisfatoriamente no gerenciamento de casos em que a surdez não aparece como único fator. Sugere-se que o implante coclear, apesar das dificuldades peculiares à síndrome, pode ser um recurso eficiente para aquisição da linguagem oral e alcance de etapas mais complexas relacionadas às habilidades auditivas e de linguagem.

Descritores:
Implante Coclear; Síndrome de Dandy-Walker; Desempenho Psicomotor; Reabilitação; Linguagem

ABSTRACT

Dandy-Walker Syndrome Variant presents itself as a milder form of Dandy-Walker Syndrome, with less pronounced vermis hypoplasia, and hearing impairment is among its characteristics. This study aimed to report the case of a male patient aged 4.5 clinically diagnosed with Dandy-Walker Syndrome variant, a cochlear implant user, who was referred to rehabilitation services and followed up by a multidisciplinary team. The patient underwent therapy assisted by an audiologist/speech therapist and a physiotherapist between June 2016 and December 2016, totaling 20 sessions, with emphasis on the Aurioral approach. His evolution regarding hearing and motor abilities was evaluated through standardized instruments that helped to catalogue the patient’s evolution and responses in an empirical way. The development of his auditory and motor skills, evaluated through standardized tests used as parameters of therapeutic evolution, demonstrated that rehabilitation, performed by a multi-professional team, can be satisfactorily applied in the management of cases where deafness does not appear as the only associated factor. It is suggested that a cochlear implant, despite the difficulties peculiar to the syndrome in question, can be an effective resource to acquire oral language and reach more complex stages related to hearing and language skills.

Keywords:
Cochlear Implant; Dandy-Walker Syndrome; Psychomotor Performance; Rehabilitation; Language

Introdução

Caracterizada pela dilatação cística do quarto ventrículo, por aplasia ou hipotrofia total ou parcial do vermes cerebelar, a Síndrome de Dandy-Walker é uma síndrome não familiar, na qual podem ocorrer malformações cerebrais com agenesia do corpo caloso, heteropsias, lissenfalia e estenose do aqueduto de Sylvius. A variante de Dandy-Walker apresenta uma forma mais branda, sendo a hipoplasia do vermis menos acentuada e a hidrocefalia menos comum 11. Albright AL, Pollack IF, Adelson PD. Principles and practice of pediatric neurosurgery. 2th ed. New York: Thieme Medical Publishers; 2008.,22. Cueva-Núñez JE, Lozano-Bustillo A, Irias-Álvarez MS, Vásquez-Montes RF, Varela-González DM. Variante de Dandy Walker: reporte de um caso. Rev Chil Pediatr. 2016;87(5):406-10.. Dentre suas principais características relata-se o déficit auditivo. A surdez sensório-neural bilateral pode fazer parte do quadro clínico da síndrome, sendo o implante coclear uma opção para minorar os efeitos da surdez na aquisição da linguagem oral33. Oliveira AKP, Hamerschmidt R, Mocelin M, Rezende RK. Implante coclear em paciente com síndrome de Dandy-Walker. Int Arch Otorhinolaryngol. 2012;16(3):406-9.. O tratamento envolve equipe multidisciplinar e o prognóstico é variável de acordo com o fenótipo44. Khan RL, Leon CA, Romagna ES, Ballardin PAZ. Dandy Walker variant: a case report. Scientia Medica. 2009;19(4):186-91.. O estudo objetivou avaliar as habilidades auditiva, linguística e motora de uma criança implantada, inserida em programa de terapia fonoaudiológica com abordagem aurioral, em equipe multidisciplinar.

Apresentação do Caso

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade Estadual do Amazonas, parecer 1.679.634, assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelos responsáveis, conforme a Resolução CNS 466/2012.

A casuística dessa pesquisa constitui-se de uma criança, KL, 4:5 anos de idade cronológica, sexo masculino, diagnosticada com perda auditiva sensório-neural profunda bilateral de grau profundo com 1 ano e 8 meses, em decorrência da síndrome da variante de Dandy-Walker.

Os dados do prontuário indicam os exames audiológicos realizados anteriormente ao implante: Emissões Otoacústicas Transientes e Emissões Otoacústicas evocadas Produto de Distorção com respostas ausentes em todas as bandas de frequência nas duas orelhas. Na avaliação eletrofisiológica da audição não foram detectados Potenciais Evocados Auditivos do Tronco Encefálico, bilateralmente. Os parâmetros usados para a realização do exame por via aérea foram com estímulo clique, de polaridade alternada e taxa de frequência de 27,1 cliques por segundo. Morfologia das ondas a 100 dBNA foi identificada a onda V com tempo de latência absoluta aumentada bilateralmente, OE/OD com nível mínimo de resposta a 95dBNA. Por via óssea utilizou-se estímulo clique, de polaridade alternada e taxa de frequência de 27,1 cliques por segundo, sem mascaramento contralateral, OE/OD com ausência de respostas a 60 dBNA.

Timpanometria: Curva tipo A bilateral. Ausência de reflexos estapedianos contralaterais e ipsilaterais. Avaliação audiológica comportamental sem respostas para os instrumentos e não observado RCP (reflexo cócleo-palpebral).

Realizou, a partir de então, processo de seleção, indicação e adaptação de AASI na instituição que o referenciou para este serviço, recebendo, na ocasião, um par de aparelhos, modelo NAIDA I UP, marca Phonak, adaptados em molde concha bilateral. A audiometria em Campo Livre indicou limiares auditivos com AASIs em: 250 Hz- 80dBNA, 500Hz - 100 dBNA, 1000Hz - 100dBNA, 2000HZ- 100dBNA, 4000Hz - 100dBNA. Ou seja, a criança não era capaz de detectar a fala mesmo com uso dos aparelhos de amplificação sonora individuais e inserida em terapia baseada na abordagem aurioral.

A cirurgia do IC foi realizada aos 2:5 anos de idade, com inserção total e funcionamento adequado de todos os eletrodos, verificados na telemetria de impedância, além de resposta neural adequada. O dispositivo inserido foi o modelo Harmony da Advanced Bionics. Com 2:6 meses de idade realizou-se ativação dos eletrodos do implante, com o processador de fala programado com estratégia de codificação de fala HiRes 120. Segundo a família, a criança faz uso efetivo do IC, no entanto, não faz uso do AASI na orelha contralateral, apesar da indicação, desde a ativação do implante. Após uso do IC, a audiometria em campo livre apresentou em média 35 dB e logoaudiometria 25dB.

Possui diagnóstico de Variante da Síndrome de Dandy-Walker. Ressonância magnética de encéfalo indica hiploplasia de vermes cerebelar e leve dilatação da cisterna magna (Figuras 1 e 2).

Figura 1:
Imagem da ressonância magnética, corte axial evidenciando hiploplasia do vermis cerebelar.

Figura 2:
Imagem da ressonância magnética, corte sagital evidenciando diminuição do cerebelo e leve dilatação da cisterna magna.

Estudo cariótipo realizado, não existindo consanguinidade entre os pais e sem histórico de complicações gestacionais. Apresenta atraso no desenvolvimento psicomotor, agitação psicomotora significativa e alterações no equilíbrio. A criança foi inserida em processo terapêutico com fonoaudiológo e fisioterapeuta, em atendimento conjunto, utilizando sempre o dispositivo de IC, no período entre julho de 2016 a dezembro de 2016, totalizando 20 sessões, com ênfase na abordagem Aurioral, apresentando idade auditiva de 22 meses no início do atendimento. Os objetivos e as metas terapêuticas priorizaram aspectos próprios da reabilitação para o alcance das habilidades auditivas como: detecção, discriminação, reconhecimento e compreensão da linguagem oral, associada à melhora da coordenação motora e adequação do equilíbrio. Ao início de cada atendimento, era realizada a checagem do aparelho de IC para verificação do funcionamento, por meio dos sons do Ling55. Rissatto MR, Novaes BCAC. Próteses auditivas em crianças: importância dos processos de verificação e validação. Pró-Fono R. Atual. Cient. 2009;21(2):131-6., em que são avaliados seis fonemas que representam a audibilidade de sons de fala.

Foram analisados os dados do prontuário do paciente em que constam os registros das terapias realizadas. Nesse sentido, avaliou-se a evolução do paciente por meio de protocolos específicos, de acordo com a idade da criança, que auxiliassem no estabelecimento de um comparativo em um determinado período de atendimento terapêutico, catalogando e avaliando a evolução e as respostas do paciente de maneira empírica.

Para avaliação das habilidades auditivas e de linguagem os pais responderam ao protocolo da Escala de Integração Auditiva Significativa para crianças pequenas - IT-MAIS, traduzida e validada para o Português66. Castiquini EAT, Bevilacqua MC. Escala de integração auditiva significativa: procedimento adaptado para a avaliação da percepção da fala. Rev. Soc Bras Fonoaudiol. 2000;4(6):51-60., além da classificação do desenvolvimento de audição e linguagem de acordo com as categorias de audição e linguagem 77. Bevilacqua MC, Delgado EMC, Moret ALM. Estudos de casos clínicos de crianças do Centro Educacional do Deficiente Auditivo (CEDAU), do Hospital de Pesquisa e Reabilitação de Lesões Lábio-Palatais - USP. In: Costa OA, Bevilacqua MC (Orgs). Anais do XI Encontro Internacional de Audiologia;1996; 30 mar. 02 abr; Bauru, Brasil. 1996. p. 187.,88. Geers AE. Techniques for assessing auditory speech perception and lip reading enhancement in young deaf children. Volta R. 1994;96(5):85-96.. Para avaliação das habilidades motoras, no decorrer do atendimento, utilizou-se o Developmental Coordination Disorder Questionnaire. DCDQ-Brasil, com o objetivo de detectar transtornos do desenvolvimento da coordenação motora, em que é possível identificar se as dificuldades motoras interferem significativamente nas atividades de vida diária99. Prado MSS, Magalhães LC, Wilson BN. Cross-cultural adaptation of the Developmental Coordination Disorder Questionnaire for brazilian children. Rev Bras Fisioter. 2009;13(3):236-43..

O IT-MAIS (Escala de Integração Auditiva Significativa para crianças pequenas) é um protocolo utilizado para verificação das habilidades auditivas de crianças pequenas e tem como objetivo avaliar a percepção de fala em crianças com deficiência auditiva de grau profundo, com idade inferior a 4 anos. Organizado em 10 perguntas simples, referentes aos comportamentos auditivos espontâneos em situações de vida diária, propõe-se a avaliar três áreas do desenvolvimento, como mudanças na vocalização associadas ao uso do dispositivo, alerta de sons ambientais e atribuição de significado ao som. Cada questão da escala corresponde a 5 pontos, com variação de 0 (zero) a 4 (quatro), 0=nunca, 1=raramente, 2= ocasionalmente, 3= frequentemente e 4=sempre. Essas questões somam 40 pontos que correspondem a 100%, indicando ótimo desenvolvimento auditivo em relação à atenção e reconhecimentos de sons de fala.

Dessa forma, a aplicação foi realizada por meio de entrevista aos pais, de maneira informal, sendo-lhes solicitado a relatar, o mais fielmente possível, o comportamento auditivo da criança, fornecendo-nos exemplos sobre o desenvolvimento no dia a dia. Ao final da aplicação, atribuiu-se pontuação conforme as categorias propostas no instrumento, sendo a habilidade auditiva classificada conforme as categorias de audiçã88. Geers AE. Techniques for assessing auditory speech perception and lip reading enhancement in young deaf children. Volta R. 1994;96(5):85-96.,1010. Pinto ESM, Lacerda CBF, Porto PRC. Comparação entre os questionários IT-MAIS e MUSS com vídeo-gravação para avaliação de crianças candidatas ao implante coclear. Rev. Bras. Otorrinolaringol. 2008;74(1):91-8..

Categoria 0 - não detecta a fala. Esta criança não detecta a fala em situações de conversação normal (limiar de detecção de fala > 65 dB).

Categoria 1 - detecção. Esta criança detecta a presença do sinal de fala.

Categoria 2 - padrão de percepção. Esta criança diferencia palavras pelos traços suprassegmentais (duração, tonicidade, etc.).

Ex: mão X sapato, casa X menino.

Categoria 3 - iniciando a identificação de palavras. Esta criança diferencia entre palavras em conjunto fechado com base na informação fonética. Este padrão pode ser demonstrado com palavras que são idênticas na duração, mas contêm diferenças espectrais múltiplas. Ex: geladeira X bicicleta, gato X casa.

Categoria 4 - identificação de palavras por meio de reconhecimento da vogal

Esta criança diferencia entre palavras, em conjunto fechado, que diferem primordialmente no som da vogal. Ex: pé, pó, pá; mão, meu, mim.

Categoria 5 - identificação de palavras por meio do reconhecimento da consoante. Esta criança diferencia entre palavras, em conjunto fechado, que têm o mesmo som da vogal, mas contém diferenças consonantais. Ex: mão, pão, tão, cão, chão.

Categoria 6 - reconhecimento de palavras em conjunto aberto. Esta criança é capaz de ouvir palavras fora do contexto e extrair bastante informação fonêmica e reconhecer a palavra exclusivamente por meio da audição.

Para classificação das categorias de audição e linguagem também foram avaliados comportamentos, respostas auditivas e de comunicação oral em situações de interações em atividades no ambiente terapêutico1111. Melo TM, Lara JD. Habilidades auditivas e linguísticas iniciais em crianças usuárias de implante coclear: relato de caso. J. Soc. Bras. Fonoaudiol. 2012;24(4):390-4.. Foi possível, assim, o registro de observações clínicas e classificação dos aspectos de audição e linguagem oral, conforme o proposto a partir das metas terapêuticas. Ao final, foi atribuída pontuação de acordo com categorias de linguagem.

DCDQ-Brasil

Para avaliação das habilidades e desenvolvimento motor foi utilizado o instrumento Development Coordination Disorder Questionnaire - DCDQ, desenvolvido no Canadá e adaptado para o Português do Brasil para crianças brasileiras99. Prado MSS, Magalhães LC, Wilson BN. Cross-cultural adaptation of the Developmental Coordination Disorder Questionnaire for brazilian children. Rev Bras Fisioter. 2009;13(3):236-43.. O instrumento dispõe de questionário específico para a detecção de transtornos do desenvolvimento da coordenação motora. É composto por quinze itens que avaliam o desempenho da criança em diferentes situações de vida diária, cujas questões estão divididas em três grupos: controle motor durante a realização de movimentos, motricidade fina/escrita e coordenação geral. Os itens foram pontuados em escala de cinco pontos (1 = não é nada parecido com sua criança) e 5 (extremamente parecido com sua criança), com pontuação máxima igual a 75. Quanto maior a pontuação, melhor o desempenho motor da criança.

Após o preenchimento do questionário, realizou-se a soma dos escores de cada item para obtenção da pontuação final. A pontuação máxima, somando os pontos das três áreas, é de 75. Foram desenvolvidos três pontos de corte para identificação de TDC (Transtorno do desenvolvimento da coordenação). Na pontuação de 0-46 indica que a criança tem TDC ou é suspeita de ter TDC. Já a pontuação de 47-75 indica que a criança provavelmente não apresenta TDC. Os autores reiteram que o resultado final deve ser comparado à observação da criança em ambiente terapêutico e em ambiente informal. Dessa forma, o instrumento serve para triar e identificar crianças que apresentam risco para o TDC, Transtorno do desenvolvimento da coordenação, em que é possível identificar se as dificuldades motoras interferem, significativamente nas atividades de vida diária99. Prado MSS, Magalhães LC, Wilson BN. Cross-cultural adaptation of the Developmental Coordination Disorder Questionnaire for brazilian children. Rev Bras Fisioter. 2009;13(3):236-43..

Ressalta-se que todos os instrumentos de avaliação descritos foram aplicados em dois momentos distintos. Sendo a primeira avaliação realizada em Julho de 2016, quando foi encaminhada por outro serviço ao atendimento, e a segunda realizada após 6 meses de terapia, em dezembro de 2016.

Resultados

Avaliação do Desenvolvimento das Habilidades Auditivas e de Linguagem

Tabela 1:
Resultados apresentados após 6 meses de terapia a partir da primeira avaliação

No que se refere às habilidades auditivas e de linguagem, a porcentagem passou a configurar em 52,5% no IT-MAIS. A melhora do desempenho das categorias de audição e linguagem pode ser evidenciada pelos melhores resultados na compreensão auditiva, dispostas nas Tabelas 2 e 3.

Tabela 2:
Evolução das habilidades de linguagem66. Castiquini EAT, Bevilacqua MC. Escala de integração auditiva significativa: procedimento adaptado para a avaliação da percepção da fala. Rev. Soc Bras Fonoaudiol. 2000;4(6):51-60.

Tabela 3:
Evolução das habilidades auditivas77. Bevilacqua MC, Delgado EMC, Moret ALM. Estudos de casos clínicos de crianças do Centro Educacional do Deficiente Auditivo (CEDAU), do Hospital de Pesquisa e Reabilitação de Lesões Lábio-Palatais - USP. In: Costa OA, Bevilacqua MC (Orgs). Anais do XI Encontro Internacional de Audiologia;1996; 30 mar. 02 abr; Bauru, Brasil. 1996. p. 187.

Analisando as Tabelas 2 e 3, o paciente apresentou avanço na linguagem oral, saindo da categoria 1 (não fala e pode apresentar vocalizações indiferenciadas) para a categoria 3 (Esta criança constrói frases). Apesar de apresentar dificuldades em aspectos relacionados à Síndrome de Dandy-Walker, seus resultados lhe garantem qualidade de vida, informação esta proveniente dos relatos parentais quando da aplicação dos questionários.

Avaliação do Desenvolvimento das Habilidades Motoras

Importante registrar que os instrumentos de avaliação foram aplicados em dois momentos, uma avaliação inicial e outra após seis meses de atendimento, para que fosse possível traçar um parâmetro de evolução das respostas da criança, conforme disposto na Figura 3.

Figura 3:
Avaliação do transtorno do desenvolvimento na coordenação

Dessa forma, na avaliação inicial, obedecendo aos valores indicativos do instrumento para verificação do transtorno significativo na coordenação motora, a criança apresentou pontuação menor do que 46 para sua faixa etária, indicativo de dificuldades na coordenação, alcançando, na segunda avaliação, pontuação igual a 50, indicando evolução satisfatória, período em que foi possível notar a melhora do controle motor durante a realização de movimentos, motricidade fina e coordenação geral, apesar das limitações de equilíbrio impostas pela síndrome.

Nesse processo, foram avaliados 15 aspectos distribuídos nas sessões do DCDQ-Brasil incluindo controle motor durante o movimento, habilidades motoras finas e de escrita e coordenação motora global.

Discussão

No caso apresentado, a idade do diagnóstico é considerada tardia (1 ano e 8 meses), com tempo de privação auditiva prolongado, além de não apresentar bom desempenho com uso do AASI, o que pode interferir negativamente para o desenvolvimento da audição e da linguagem, a considerar que se comprometeu parte relevante do período de plasticidade neuronal das vias centrais.

Alguns estudos asseguram que o desempenho da criança implantada nas áreas avaliadas está diretamente relacionado aos fatores, já sacramentados pela literatura, como: uso frequente do dispositivo, idade em que foi realizada a cirurgia, tempo de privação sensorial, etiologia da deficiência auditiva, envolvimento familiar no processo terapêutico, além da existência de comprometimentos associados à deficiência auditiva, entre outros 55. Rissatto MR, Novaes BCAC. Próteses auditivas em crianças: importância dos processos de verificação e validação. Pró-Fono R. Atual. Cient. 2009;21(2):131-6.,77. Bevilacqua MC, Delgado EMC, Moret ALM. Estudos de casos clínicos de crianças do Centro Educacional do Deficiente Auditivo (CEDAU), do Hospital de Pesquisa e Reabilitação de Lesões Lábio-Palatais - USP. In: Costa OA, Bevilacqua MC (Orgs). Anais do XI Encontro Internacional de Audiologia;1996; 30 mar. 02 abr; Bauru, Brasil. 1996. p. 187.,1010. Pinto ESM, Lacerda CBF, Porto PRC. Comparação entre os questionários IT-MAIS e MUSS com vídeo-gravação para avaliação de crianças candidatas ao implante coclear. Rev. Bras. Otorrinolaringol. 2008;74(1):91-8.

11. Melo TM, Lara JD. Habilidades auditivas e linguísticas iniciais em crianças usuárias de implante coclear: relato de caso. J. Soc. Bras. Fonoaudiol. 2012;24(4):390-4.
-1212. Moret AL, Bevilacqua MC, Costa AO. Implante coclear: audição e linguagem em crianças deficientes auditivas pré-linguais. Pro-Fono R. Atual. Cientif. 2007;19(3):295-304..

No entanto, apesar desses critérios e da associação da Síndrome à surdez, o participante, após ser inserido no programa terapêutico, decorridos 6 meses da primeira testagem do IT-MAIS, apresentou escores com aumento de 20%, com ganhos significativos na categoria de audição, indicativo de que o IC contribuiu para melhor percepção auditiva desta criança, que passou a falar mais palavras com emissão de frases de até dois ou mais elementos, ao final desse período, indicando boa evolução quanto às habilidades auditivas e de linguagem. Evoluindo da categoria de audição 2 para 4.

Registra-se que já na primeira aplicação do instrumento (Tabela 1), notou-se um aumento das vocalizações após a ativação do IC, fato que pode ser atribuído pelo feeedback auditivo proporcionado pelo implante.

Além disso, a aplicação dos questionários aos pais, além da relação entre os profissionais e a família, possibilitou a extração de informações importantes, relacionadas ao desenvolvimento auditivo e linguístico, assim como informes sobre a frequência em que essas habilidades apareceram no cotidiano infantil, como corroboram alguns estudos1010. Pinto ESM, Lacerda CBF, Porto PRC. Comparação entre os questionários IT-MAIS e MUSS com vídeo-gravação para avaliação de crianças candidatas ao implante coclear. Rev. Bras. Otorrinolaringol. 2008;74(1):91-8.,1212. Moret AL, Bevilacqua MC, Costa AO. Implante coclear: audição e linguagem em crianças deficientes auditivas pré-linguais. Pro-Fono R. Atual. Cientif. 2007;19(3):295-304.,1313. Bicas RS, Guijo LM, Delgado-Pinheiro EMC. Oral communication and auditory skills of hearing impaired children and adolescents and the speech therapy rehabilitation process. Rev. CEFAC. 2017;19(4):465-74..

Estudos descritos na literatura quanto o benefício do implante em relação às habilidades auditivas e de linguagem, em casos da síndrome, são bastante escassos, apenas uma publicação sugere que a presença da síndrome de Dandy-Walker não pode ser considerada uma contra indicação para cirurgia e uso do implante coclear33. Oliveira AKP, Hamerschmidt R, Mocelin M, Rezende RK. Implante coclear em paciente com síndrome de Dandy-Walker. Int Arch Otorhinolaryngol. 2012;16(3):406-9.. No entanto, outros estudos descrevem que, em crianças com desordens adicionais à deficiência auditiva, o desenvolvimento da linguagem pode estar próximo ao de crianças normais se o comprometimento for leve. Em contrapartida, crianças com desordens mais graves podem apresentar um desenvolvimento aquém do almejado. O uso do IC, nesses casos, possibilitaria a melhora na percepção de fala, embora muitas vezes essa melhora seja significativamente menor do que a encontrada em crianças não portadoras dessas desordens adicionais, o que reforça os presentes achados nesse estudo1414. Eze N, Ofo E, Jing D, O'Connor AF. Systematic review of cochlear implantation in children with developmental disability. Otol Neurotol. 2013;34(1):1385-93.

15. Figueroa-Angel V, Reyes-Moreno I, García-López R, Rodriguez AC, Martínez-Muniz I. Síndrome de Dandy Walker. Arch Neurocien. 2013;18(2):92-8.
-1616. Daneschi A, Hassanzadeh S. Cochlear implantation in prelingually deaf persons with additional disability. J Laryngol Otol. 2007;121(7):635-8..

Importante mencionar que há estudos que descrevem que o desenvolvimento das habilidades de audição e linguagem pode ser mais lento em crianças com síndromes adicionais à surdez, principalmente no tocante à linguagem expressiva, aspecto que pode ser verificado nos achados desse estudo, no qual a criança apresentou, no que se refere às habilidades de linguagem, resultados mais lentos quando comparados às habilidades auditivas1414. Eze N, Ofo E, Jing D, O'Connor AF. Systematic review of cochlear implantation in children with developmental disability. Otol Neurotol. 2013;34(1):1385-93.,1616. Daneschi A, Hassanzadeh S. Cochlear implantation in prelingually deaf persons with additional disability. J Laryngol Otol. 2007;121(7):635-8..

No que se refere ao desenvolvimento das habilidades motoras, os resultados demonstraram que na comparação entre a avaliação inicial e a reavaliação houve melhora significativa do equilíbrio de tronco, apoio plantar, da coordenação e da movimentação global. Pesquisas garantem que tanto o cerebelo quanto o córtex pré-frontal são duas áreas importantes para as funções motoras e aspectos de atenção do sujeito, que ficam mais perturbadas em pacientes com a síndrome1717. Bhattacharya A, Desarkar P, Haque S. A case of Dandy-Walker variant disorder associated with multiple neuropsychiatric comorbidities managed with behavioral therapy. J Neuropsychiatry Clin Neurosci. 2013;25(1):E3-4.,1818. Fonseca MSM, Vieira MW, Nascimento SRD, Esposito SB. Malformação de Dandy-Walker. Rev. Faculdade de Ciências Médicas de Sorocaba. 2017;19(1):4-5.. Dessa maneira, importante relatar que a criança apresentou, de início, dificuldades psicomotoras durante a realização de atividades envolvendo coordenação motora e equilíbrio, além do prejuízo da atenção auditiva. Dessa forma, fez-se relevante o manejo multidisciplinar considerando os sintomas apresentados, um programa de reabilitação da linguagem, associado às atividades motrizes de maneira global, favoreceram um desenvolvimento adequado ao paciente de maneira holística. Além disso, o instrumento utilizado serviu para identificar precocemente se havia ou não transtorno de coordenação do desenvolvimento, permitindo intervenção e suporte adequados para redução das consequências negativas associadas a essa condição.

Casos específicos como o relatado, nos remetem às discussões nos centros de implante quanto à indicação do IC em crianças com desordens associadas à deficiência auditiva. Aqueles que optam pela implantação visam minimizar a privação sensorial auditiva, melhorando a interação com o ambiente, a compreensão da linguagem e, consequentemente, a qualidade de vida. Embora os resultados, descritos nesses estudos, estejam aquém dos apresentados por seus pares sem síndromes associadas, a entrada sensorial é descrita como um fator facilitador de interação e de acesso às habilidades auditivas e de linguagem33. Oliveira AKP, Hamerschmidt R, Mocelin M, Rezende RK. Implante coclear em paciente com síndrome de Dandy-Walker. Int Arch Otorhinolaryngol. 2012;16(3):406-9.,1919. Raffety A, Martin J, Strachan D, Raine C. Cochlear implantation in children with complex needs - outcomes. Cochlear Implants Int. 2013;14(1):61-6.)- (2121. Broomfield SJ, Bruce IA, Henderson L, Ramsdeim RT, Greem KM. Cochlear implantation in children with syndromic deafness. Inter J. Pediatr Otorhinolaryngol. 2013;77(8):1312-6..

Os centros de implante coclear estão ganhando mais experiência e os critérios de candidatura para realização da cirurgia estão em expansão, porém as crianças com deficiência adicionais continuam a ser um tópico de discussão. Muitos centros realizam a cirurgia em crianças com deficiência adicional, porém esta população é bastante diversificada e apresenta desafios únicos. A literatura sugere que 30-40% das crianças com perda auditiva sensório-neural têm uma deficiência adicional1515. Figueroa-Angel V, Reyes-Moreno I, García-López R, Rodriguez AC, Martínez-Muniz I. Síndrome de Dandy Walker. Arch Neurocien. 2013;18(2):92-8.,1818. Fonseca MSM, Vieira MW, Nascimento SRD, Esposito SB. Malformação de Dandy-Walker. Rev. Faculdade de Ciências Médicas de Sorocaba. 2017;19(1):4-5..

Outros estudos sugerem que a multidisciplinaridade é capaz de agregar ao contexto de intervenção vários benefícios. Resulta, dessa forma, um programa de reabilitação com terapia de linguagem e exercícios de psicomotricidade em pacientes com alterações no desenvolvimento motor e de fala, ressaltando-se a importância do diagnóstico precoce e com equipe multidisciplinar 44. Khan RL, Leon CA, Romagna ES, Ballardin PAZ. Dandy Walker variant: a case report. Scientia Medica. 2009;19(4):186-91.,1717. Bhattacharya A, Desarkar P, Haque S. A case of Dandy-Walker variant disorder associated with multiple neuropsychiatric comorbidities managed with behavioral therapy. J Neuropsychiatry Clin Neurosci. 2013;25(1):E3-4.,1919. Raffety A, Martin J, Strachan D, Raine C. Cochlear implantation in children with complex needs - outcomes. Cochlear Implants Int. 2013;14(1):61-6..

Em virtude das limitações motoras da criança, o atendimento com o profissional de fisioterapia contribuiu para ampliar suas funções, além da modificação das dificuldades neurológicas e motoras, incluindo aspectos cognitivos e de comunicação.

Conclusão

O desenvolvimento das habilidades auditivas e de desenvolvimento motor, demonstrados nos resultados dos testes IT-MAIS e DCDQ-Brasil, respectivamente, utilizados como parâmetros da evolução terapêutica desta criança com diagnóstico da síndrome de Variante de Dandy-Walker demonstraram que a reabilitação terapêutica realizada com apoio e composição com equipe multiprofissional pode ser aplicada satisfatoriamente no gerenciamento de casos em que a surdez não aparece como único fator associado. Além disso, sugere que o implante coclear pode ser um recurso eficiente para aquisição da linguagem oral e alcance de etapas complexas relacionadas às habilidades auditivas, apesar das dificuldades peculiares à síndrome, promovendo acesso aos sons e minimização da privação sensorial auditiva favorecendo a interação com o ambiente e, inegável, qualidade de vida para a criança e suas famílias.

Ao se analisar o caso específico desse paciente, pode-se considerar o alcance de aspectos positivos em relação aos benefícios alcançados com o dispositivo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2018

Histórico

  • Recebido
    18 Out 2017
  • Aceito
    31 Maio 2018
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