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Editorial II

EDITORIAL II

Lamentavelmente, os problemas de alfabetização, em nosso país, estão deixando marcas profundas, não apenas em nossas crianças, mas também em nossa sociedade e isto pode ser demonstrado pelos dados oficiais de avaliação do desempenho das crianças em séries iniciais: • Resultados divulgados pelo Instituto Nacional de Educação e Pesquisa 1-2 revelaram que 59% dos alunos do ensino básico no país apresentam rendimento considerado crítico ou muito crítico e que a taxa de distorção série-idade atinge 39% do total de alunos avaliados. • Resultados do SAEB – Sistema de Avaliação da Educação Básica – demonstraram que em 2001, 59% dos alunos da 4ª série do ensino fundamental não desenvolveram competências elementares para a escrita. Deste total, 22,2% não estavam alfabetizados 3-4. • No Programa de Avaliação Internacional de Alunos (PISA), os estudantes brasileiros situaram-se na 37ª posição em prova de leitura, à frente apenas de quatro nações entre as 41 avaliadas. • Dados recentes Instituto Nacional de Educação e Pesquisa 5 revelaram que alunos que estudaram somente em escola pública obtiveram médias de 34,94 na prova objetiva e, 51,23 na prova de redação, enquanto o grupo que declarou ter estudado somente em escola particular teve média igual a 50,57 na parte objetiva e 59,77 na redação, revelando melhor desempenho acadêmico dos alunos de escola privada do que de escola pública.

Diante desta realidade, cabe a nós, fonoaudiólogos, revermos a nossa atuação e considerarmos a necessidade de uma maior inserção no contexto educacional não como clínicos, pois o espaço escolar é um espaço psicoeducacional por excelência, então a nossa inserção deve ser também psicoeducacional. Desta forma, voltarmos nossa atuação para promoção e prevenção dos problemas de aprendizagem representa uma das diversas possibilidades de atuação do fonoaudiólogo e, sem dúvida, é a mais apropriada para a nossa realidade educacional.

Sabemos que atuar dentro da perspectiva da promoção e da prevenção na área de leitura e escrita envolve o entendimento de como desenvolver ações de investigação que nos permitam conhecer a realidade para realizar o levantamento dos problemas de leitura e escrita em âmbito escolar, bem como identificar quais as habilidades metalingüísticas e metacognitivas que são preditoras ou facilitadoras para a aprendizagem da leitura e escrita em um sistema de escrita alfabético como o do português brasileiro. Com base nestas investigações e entendimentos poderemos realizar propostas de ações educativas que permitam atender as necessidades previamente identificadas pelos fonoaudiólogos e professores, e assim, o fonoaudiólogo poderá contribuir efetivamente para o entendimento de que os métodos de alfabetização utilizados pelos professores nas escolas são ferramentas de apropriação de um sistema de escrita que ao longo dos anos vem sendo descrito exaustivamente por autores da área da lingüística 6-7.

Entretanto, conhecendo a realidade educacional e a realidade do fonoaudiólogo brasileiro, a proposição destas ações ainda exigirá um trabalho árduo, pois, por mais que a Fonoaudiologia na área da leitura e escrita tenha crescido muito nos últimos 10 anos, ainda temos uma carência de procedimentos de avaliação que nos permita identificar, juntamente com os professores, quais as habilidades lingüísticas e cognitivas estão relacionadas com a aquisição e desenvolvimento da leitura e escrita, o que compromete, de certa forma, a nossa relação com os professores, pois não conseguimos nos instrumentalizar e nem instrumentalizar o professor, gerando a falta de compreensão entre as diferenças de desempenho escolar de crianças com dificuldades de aprendizagem daquelas com transtornos de aprendizagem específicos ou globais.

As publicações da fonoaudiologia na área da leitura e escrita nos últimos 10 anos têm apontado esta preocupação, e por isso, a literatura nacional cresceu nestes anos no sentido de elaborar procedimentos de avaliação que permitam conhecer o perfil de crianças com e sem dificuldades ou transtornos de aprendizagem (dislexia e distúrbio de aprendizagem), na tentativa de auxiliar o fonoaudiólogo clínico ou o professor da sala de aula no entendimento do perfil cognitivo-lingüístico desta população. Porém, ainda há muito a ser feito, a crescer e contribuir nesta área da fonoaudiologia e tenho certeza de que os profissionais que atuam especificamente com leitura e escrita estão neste momento voltando sua atenção não apenas para a avaliação, diagnóstico e intervenção nas alterações de leitura e escrita, mas também para a prevenção dos problemas de aprendizagem em âmbito escolar na tentativa de minimizar o impacto do fracasso escolar destas crianças no contexto educacional.

Simone Aparecida Capellini

Fonoaudióloga.

Doutora em Ciências Médicas – FCM/UNICAMP

Docente do Departamento de Fonoaudiologia da

Faculdade de Filosofia e Ciências – FFC/UNESP-Marília-SP

  • 1
    Brasil. Ministério da Educação. Repetência é fator de impacto na queda do rendimento escolar. Brasília, DF: INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, 2002. Disponível em www.inep.gov.br Acesso em 17/09/2005.
  • 2
    Brasil. Ministério da Educação. Resultados do SAEB-2003 – versão preliminar. Brasília, DF: INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, 2004.
  • 3
    Brasil. Ministério da Educação. Qualidade da educação: uma nova leitura do desempenho dos estudantes da 4ª série do Ensino Fundamental. Brasília, DF: INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, 2003a.
  • 4
    Brasil. Ministério da Educação. Avaliação internacional mostra desempenho de alunos de 41 países. Brasília, DF: INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, 2003b. Disponível em www.inep.gov.br Acesso em 17/09/2005.
  • 5
    Brasil. Ministério da Educação. Resultados do SAEB-2006 – versão preliminar. Brasília, DF: INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, 2006.
  • 6. Cagliari, L.C. O que é uma letra? Reflexões a respeito de aspectos gráficos e funcionais. In: Massini-Cagliari, G.; cagliari, L.C. Diante das letras A escrita na alfabetização. Campinas, SP: Mercado das Letras: Associação de Leitura do Brasil - ALB; São Paulo: Fapesp, 1999.
  • 7. Scliar-Cabral, L. Princípios do sistema alfabético do português do Brasil São Paulo: Contexto, 2003.
  • Fonoaudiologia e leitura e escrita: uma atuação por ser redescoberta

    Nos últimos dez anos, discorrer sobre a atuação fonoaudiológica nos problemas de leitura e escrita é defrontar-se com uma triste realidade: a de que muitas crianças com queixa de problemas de aprendizagem não necessariamente precisam realizar avaliações ou intervenções clínicas específicas, pois a origem destes problemas é a alfabetização, ou melhor, são falhas no processo de alfabetização.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Jan 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2007
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