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Disfagia em idosos em instituições de longa permanência - revisão sistemática da literatura

Comentário realizado sobre o artigo “Disfagia em idosos em instituições de longa permanência - revisão sistemática da literatura” elaborado por Santos BP, Andrade MJC, Silva RO, Menezes EC. Revista CEFAC. 2018;20(1):123-30. https://dx.doi.org/10.1590/1982-021620182013817

O estudo de Santos et al. (2018)11. Santos BP, Andrade MJC, Silva RO, Menezes EdC. Dysphagia in the elderly in long-stay institutions-a systematic literature review. Rev. CEFAC. 2018;20(1):123-30. vem ao encontro da crescente necessidade de síntese das evidências na saúde, especificamente na área fonoaudiológica. Entretanto, após realizarmos leitura atenta e criteriosa, verificamos alguns aspectos frágeis no âmbito metodológico, que afetam a qualidade desta revisão. De maneira geral, verificamos uma falta de coesão geral no artigo, considerando o objetivo descrito, a escolha dos termos de busca, seus critérios de elegibilidade, os estudos incluídos e a conclusão dos autores.

De acordo com os autores “com objetivo de revisar aspectos da disfagia e indicadores de risco na deglutição do idoso, buscou-se verificar na literatura, por meio de uma revisão sistemática, as condições alimentares dos idosos matriculados em instituições de longa permanência, buscando observar os cuidados gerais e agentes potencializadores da disfagia nessa população”. Para isto, os autores afirmaram que a busca foi realizada através dos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) “Homes for the aged”, “Aged” e “Deglutition Disorders” nas bases de dados: PubMed, Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs) e na Scientific Electronic Library Online (SciELO).

Os autores referem que seriam selecionados apenas revisões de literatura, estudos controlados e estudos de intervenção que abordassem o tema “deglutição e idosos em instituições de longa permanência”, o que, segundo os pesquisadores, segue os princípios de revisões sistemáticas, de que “apenas estudos com níveis de evidência 1 e 2 devem ser selecionados”. Entretanto, esta afirmativa não apresenta embasamento em nenhuma referência para desenvolvimento de revisões sistemáticas, sendo a Colaboração Cochrane a principal entre elas.

O primeiro ponto que gostaríamos de analisar é o objetivo do estudo, que não define uma questão de pesquisa clara, sendo que uma das principais características que difere uma revisão sistemática de uma revisão narrativa é a definição de uma questão de pesquisa, que embasa a construção da estratégia de busca e os critérios de elegibilidade dos estudos22. Higgins J. Cochrane handbook for systematic reviews of interventions. Version 5.1. 0 [updated March 2011]. The Cochrane Collaboration. http://www.cochrane-handbook.org. 2011.
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. Com o objetivo de Santos et al. (2018), fica clara a população de interesse, mas não há definição entre exposições e desfechos de interesse.

Para que se afira de forma efetiva o que está publicado sobre o assunto de interesse, é imperativo que as bases de dados relevantes para o objeto de interesse sejam adequadamente escolhidas, assim como as palavras-chaves que compõem a estratégia de busca. Uma estratégia de busca adequada, utiliza palavras-chave internacionalmente reconhecidas11. Santos BP, Andrade MJC, Silva RO, Menezes EdC. Dysphagia in the elderly in long-stay institutions-a systematic literature review. Rev. CEFAC. 2018;20(1):123-30.. Embora DeCS sejam termos indexados, adequados para buscas nas bases de dados LILACS e SCIELO, no PubMed, são utilizados como descritores para indexação os termos MeSH (Medical Subject Headings), que não são equivalentes aos DeCS. Desta forma, a estratégia de busca utilizada não foi adequada para uma das principais bases de dados na área da saúde. O problema de não utilizar os termos indexados, é que eles servem para descrever o assunto do artigo indexado na base de dados e facilitam que estudos de interessem sejam encontrados nas buscas33. Fatehi F, Gray LC, Wootton R. How to improve your PubMed/MEDLINE searches: 3. advanced searching, MeSH and My NCBI. Journal of telemedicine and telecare. 2014;20(2):102-12.. Além disto, os autores não respeitaram os critérios de elegibilidade definidos, uma vez que dentre os 11 estudos incluídos, apenas um é uma revisão sistemática44. Pace CC, McCullough GH. The association between oral microorgansims and aspiration pneumonia in the institutionalized elderly: review and recommendations. Dysphagia. 2010;25(4):307-22.; todos os demais são observacionais, não-controlados. Dois estudos não incluem idosos, mas gerentes ou funcionários de instituições55. Furkim AM, Duarte ST, Hildebrandt PT, Rodrigues KA. The asylum as worsening factor for dysphagia. Rev. CEFAC. 2010;12(6):954-63.,66. de Oliveira JP, Marcolino JF, de Andrade MS. A formação do cuidador de idosos institucionalizados: Ênfase na rotina de alimentação. Estudos interdisciplinares sobre o envelhecimento. 2011;16(2):199-214.. O rigor metodológico, com critérios de seleção explícitos e bem definidos em revisões sistemáticas, minimiza os vieses da pesquisa, fornecendo resultados mais confiáveis, com os quais conclusões podem ser feitas e decisões tomadas22. Higgins J. Cochrane handbook for systematic reviews of interventions. Version 5.1. 0 [updated March 2011]. The Cochrane Collaboration. http://www.cochrane-handbook.org. 2011.
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. Quando os critérios de elegibilidade definidos não são seguidos, a revisão perde a característica de revisão sistemática e passa a apresentar os mesmos riscos de vieses de uma revisão narrativa.

Adicionalmente, não foi aplicado instrumento para avaliação do risco de viés dos artigos incluídos na pesquisa. O viés é um erro sistemático na condução do estudo, com o risco de superestimar ou subestimar o verdadeiro efeito da intervenção/exposição. A Colaboração Cochrane recomenda a utilização de uma ferramenta específica para avaliar o risco de viés em cada estudo incluído22. Higgins J. Cochrane handbook for systematic reviews of interventions. Version 5.1. 0 [updated March 2011]. The Cochrane Collaboration. http://www.cochrane-handbook.org. 2011.
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, o que contribuiria para análise da qualidade dos estudos acrescentados nessa revisão.

Por fim, a conclusão do estudo não está em consonância com o objetivo do artigo, informando que com esta revisão verificou-se que “instituições de longa-permanência não oferecem equipes adequadas para o cuidado com o idoso para diminuir os riscos de disfagia”, embora o objetivo parecesse estar mais relacionado a identificar fatores de risco para o desenvolvimento de disfagia em idosos institucionalizados, do que investigar a composição das equipes nestas instituições.

Através de todos os apontamentos realizados, consideramos que esta revisão falhou em obedecer aos componentes das revisões sistemáticas, devendo ser interpretada como uma revisão narrativa. Esperamos com esta carta, também reforçar a importância do rigor metodológico na condução de revisões sistemáticas, que são uma das principais fontes de informações para a prática baseada em evidências.

References

  • 1
    Santos BP, Andrade MJC, Silva RO, Menezes EdC. Dysphagia in the elderly in long-stay institutions-a systematic literature review. Rev. CEFAC. 2018;20(1):123-30.
  • 2
    Higgins J. Cochrane handbook for systematic reviews of interventions. Version 5.1. 0 [updated March 2011]. The Cochrane Collaboration. http://www.cochrane-handbook.org 2011.
    » http://www.cochrane-handbook.org
  • 3
    Fatehi F, Gray LC, Wootton R. How to improve your PubMed/MEDLINE searches: 3. advanced searching, MeSH and My NCBI. Journal of telemedicine and telecare. 2014;20(2):102-12.
  • 4
    Pace CC, McCullough GH. The association between oral microorgansims and aspiration pneumonia in the institutionalized elderly: review and recommendations. Dysphagia. 2010;25(4):307-22.
  • 5
    Furkim AM, Duarte ST, Hildebrandt PT, Rodrigues KA. The asylum as worsening factor for dysphagia. Rev. CEFAC. 2010;12(6):954-63.
  • 6
    de Oliveira JP, Marcolino JF, de Andrade MS. A formação do cuidador de idosos institucionalizados: Ênfase na rotina de alimentação. Estudos interdisciplinares sobre o envelhecimento. 2011;16(2):199-214.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Abr 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    31 Out 2018
  • Aceito
    08 Jan 2019
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