Acessibilidade / Reportar erro

Alterações de sistema estomatognático em indivíduos disfônicos

RESUMO:

Objetivo:

verificar a presença de alterações do sistema estomatognático e sua associação com o sexo, profissão, relato de alergias e diagnóstico fonoaudiológico do tipo de disfonia em indivíduos disfônicos que procuraram atendimento em uma clínica-escola fonoaudiológica.

Métodos:

estudo quantitativo e retrospectivo, por meio de banco de dados. Amostra de 69 prontuários de sujeitos de ambos os sexos, com idades entre 19 e 44 anos. Coletaram-se dados sobre faixa etária, sexo, profissão, relato de alergias, diagnóstico fonoaudiológico do tipo de disfonia, tipo respiratório e dados da avaliação antroposcópica do sistema estomatognático: oclusão, alterações horizontais e transversais de mordida, largura e profundidade do palato duro, modo respiratório e tensão de lábios, língua e bochechas.

Resultados:

28,99% (n=20) eram profissionais da voz; 33,33% (n=23) relataram alergias; tipo respiratório misto com 75,36% (n=52), seguido pelo superior com 20,29% (n=14) e costodiafragmaticoabdominal com 4,35% (n=3); tipo de disfonia funcional (n=42; 66,67%), seguido pelo organofuncional (n=19; 23,54%) e orgânico (n=8; 11,59%). Nas associações de alterações do sistema estomatognático com tipos e modos respiratórios, tipos de disfonia, profissionais da voz e relato de alergias não houve significâncias, apenas do sexo feminino com ausência de alterações verticais de mordida.

Conclusão:

os pacientes estudados eram predominantemente mulheres; adultos; não profissionais da voz; com disfonia funcional; sem relato de alergias ou alterações de sistema estomatognático; com tipo e modo respiratórios adequados, havendo associação apenas do sexo feminino com ausência de alterações verticais de mordida.

Descritores:
Disfonia; Distúrbios da Voz; Fonoaudiologia; Sistema Estomatognático; Voz

ABSTRACT:

Purpose:

verifying the presence of the stomatognathic system changes and its association with gender, profession, allergies report and speech diagnosing the type of dysphonia in dysphonic individuals who sought care in a speech therapy school clinic.

Methods:

quantitative and retrospective study, through the database. Sample of 69 subjects records of both genders, aged between 19 and 44 years. Data were collected on age, gender, profession, report of allergies, speech therapy diagnosis of the type of dysphonia, respiratory type and data of anthroposcopic evaluation of the stomatognathic system: occlusion, horizontal and transverse bite changes, width and depth of the hard palate, breathing mode and lips, tongue and cheeks tension.

Results:

28.99% (n=20) were voice professional; 33.33% (n=23) reported allergies; mixed respiratory type with 75.36% (n=52), followed by the superior with 20.29% (n=14) and diaphragmatic breathing with 4.35% (n=3); type of functional dysphonia (n=42; 66.67%), followed by organofunctional (n=19; 23.54%) and organic (n=8; 11.59%). There were not significances in the stomatognathic system changes associations with types and breathing techniques, types of dysphonia, voice professional and allergies report, there were only significances in female with no vertical bite changes.

Conclusion:

studied patients were predominantly women; adults; not voice professionals; with functional dysphonia; no history of allergies or stomatognathic system changes; with proper type and mode breathing, with only female association with no vertical bite changes.

Keywords:
Dysphonia; Voice Disorders; Speech, Language and Hearing Sciences; Stomatognathic System; Voice

Introdução

O sistema estomatognático (SE) é composto por diferentes estruturas como os ossos fixos da cabeça, mandíbula, hioide, esterno, músculos da mastigação, da deglutição, faciais, entre outros 11. Rehder MI, Ferreira LP, Befi-Lopes DM, Limongi SCO. Inter-relações entre voz e motricidade oral. In: Ferreira LP, Befi-Lopes DM, Limongi SCO. (Org.). Tratado de fonoaudiologia. São Paulo: Roca, 2004. p.59-64.

2. Tavares JG, Silva VA, Alves EHA. Considerações teóricas sobre a relação entre respiração oral e disfonia. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2008;13(4):405­10.
-33. Castro MSJ, Toro AADC, Sakano E, Ribeiro JD. Avaliação das funções orofaciais do sistema estomatognático nos níveis e gravidade de asma. J Soc Bras Fonoaudiol. 2012;24(2):119-24.. Tais estruturas são de grande relevância para que as funções do SE (fala, respiração, deglutição, sucção e voz) sejam realizadas de forma harmoniosa, juntamente com o comando do sistema nervoso central e periférico 11. Rehder MI, Ferreira LP, Befi-Lopes DM, Limongi SCO. Inter-relações entre voz e motricidade oral. In: Ferreira LP, Befi-Lopes DM, Limongi SCO. (Org.). Tratado de fonoaudiologia. São Paulo: Roca, 2004. p.59-64.,44. Felicio CM. Fonoaudiologia aplicada a casos odontológicos. São Paulo: Pancast, 1999.,55. Nascimento GKBO, Cunha DA, Lima LM, Moraes KJR, Pernambuco LA, Régis RMFL et al. Eletromiografia e superfície do músculo masseter durante a mastigação: uma revisão sistemática. Rev CEFAC. 2012;14(4):725-31..

É necessário que haja equilíbrio entre o crânio e a coluna cervical para a estabilidade da posição da cabeça e sustentação das atividades dinâmicas. Desse modo, é possível mobilizar os ossos móveis do crânio, cartilagens, articulações e a musculatura para a execução das funções. No caso da produção vocal, que é uma das funções do SE, ainda é necessário haver o domínio do conteúdo a ser transmitido e integridade do aparato fonador 66. Behlau M. Voz: o livro do especialista. Rio de Janeiro: Revinter, 2001.,77. Bonatto MTRL, Silva MAA, Costa HO. A relação entre respiração e sistema sensório-motor oral em crianças disfônicas. Rev CEFAC. 2004;6(1):58-66..

Com relação à fonação, sabe-se que o SE funciona como filtro da voz, pois a língua, lábios, faringe e cavidade nasal modificam a qualidade vocal, agindo como ressoadores. Assim, alterações na configuração dessas estruturas, bem como nos músculos que compõem o aparato fonador ou em auxiliares que atuam de forma indireta, como alterações posturais, funcionais e/ou de tonicidade interferem simultaneamente na realização das funções da respiração, fonação, articulação e ressonância88. Garcia RAS, Campiotto AR. Distúrbios vocais x distúrbios musculares orais: possíveis relações. Pró-Fono R Atual Cient. 1995;7(2):33-9.. Tais dados elucidam que a motricidade orofacial e a voz apresentam uma relação estreita, tanto por aspectos anatômicos, funcionais, fisiológicos como neuromusculares22. Tavares JG, Silva VA, Alves EHA. Considerações teóricas sobre a relação entre respiração oral e disfonia. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2008;13(4):405­10..

Dessa maneira, o conhecimento sobre a fisiologia de tais aspectos se faz necessário no processo de reabilitação vocal, a fim de reconhecer a associação entre essas duas áreas da Fonoaudiologia99. Viegas D, Viegas F, Atherino CCT, Baeck HE. Parâmetros vocais em respiradores orais. Rev CEFAC. 2010;12(5):820-30.,1010. Nishimura CM, Gimenez SRML. Perfil da fala do respirador oral. Rev CEFAC. 2010;12(3):505­8.. A visão integrada das estruturas do SE e da produção vocal podem subsidiar a terapia fonoaudiológica, auxiliando a otimização dos resultados e a diminuição do tempo de tratamento.

Considerando o exposto, o presente estudo teve como objetivo verificar a presença de alterações do sistema estomatognático e sua associação com sexo, profissão, relato de alergias, tipo respiratório e diagnóstico fonoaudiológico do tipo de disfonia em indivíduos disfônicos que procuraram atendimento em uma clínica-escola fonoaudiológica.

Métodos

Esta pesquisa de caráter transversal, quantitativo e retrospectivo foi realizada por meio da coleta de informações do banco de dados do setor de voz de uma clínica-escola. O grupo estudado foi composto por prontuários de sujeitos que realizaram avaliação fonoaudiológica no período entre 1998 a 2012 e que assinaram o assentimento às avaliações por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria sob o número 23081.016945/2010-76.

Os critérios de inclusão para os sujeitos foram: diagnóstico fonoaudiológico de disfonia, idade entre 18 e 44 anos e ambos os sexos. Os prontuários cujos dados estavam incompletos, ou que apresentavam evidência de doenças neurológicas, síndromes, prováveis questões psiquiátricas, metabólicas ou endocrinológicas, histórico de cirurgia laríngea e/ou qualquer procedimento cirúrgico de cabeça e pescoço, registro de perdas auditivas, registro de tratamento fonoaudiológico e/ou ortodôntico e os hábitos de tabagismo e etilismo foram excluídos da pesquisa1111. Colton RH, Casper JK, Leonard R. Compreendendo os problemas de voz: uma perspectiva fisiológica ao diagnóstico e ao tratamento. Rio de Janeiro: Revinter, 2010..

Considerando-se a faixa etária, foram encontrados 315 sujeitos, destes, 158 foram descartados por não conter nos prontuários todas as avaliações necessárias para este estudo. Excluíram-se ainda: 36 por relato de tratamento ortodôntico ou fonoaudiológico para voz e/ou motricidade orofacial prévio à avaliação na clínica-escola; 29 por tabagismo e/ou etilismo; 17 por história clínica de doenças endócrinas ou metabólicas; quatro por perda auditiva e dois por falhas dentárias. Desse modo, a amostra totalizou 69 prontuários, sendo que 58 (84,06%) eram de sujeitos do sexo feminino e 11 do sexo masculino (15,94%), com idades entre 19 e 44 anos (média de 27,07 anos).

As variáveis consideradas para a coleta de dados da pesquisa nos prontuários dos pacientes foram: profissão (classificando-se em "profissional da voz" ou "não profissional da voz"), relato de alergias (presença ou ausência); diagnóstico fonoaudiológico do tipo de disfonia, tipo respiratório e dados da avaliação do SE (dados da avaliação antroposcópica do sistema estomatognático: oclusão, alterações horizontais e transversais de mordida, largura e profundidade do palato duro, modo respiratório e tensão de lábios, língua e bochechas).

O diagnóstico fonoaudiológico forneceu a classificação do tipo de disfonia (funcional, organofuncional ou orgânica) e foi realizado com base no diagnóstico otorrinolaringológico e nos achados da avaliação fonoaudiológica clínica66. Behlau M. Voz: o livro do especialista. Rio de Janeiro: Revinter, 2001..

Para a avaliação do SE, utilizou-se um protocolo adaptado da clínica-escola. Foram considerados os dados referentes à oclusão e demais questões dentárias, tensão muscular e funções estomatognáticas (respiração, mastigação e deglutição) 1212. Genaro KF, Berretin-Felix G, Rehder MIBC e Marquesan IQ. Avaliação miofuncional orofacial-protocolo MBGR. Rev CEFAC. 2009;11(2):237-55..

Quanto à oclusão, considerou-se a sua classificação (Classe I, Classe II, Classe I e II ou I e III e Classe III de Angle) e também alterações horizontais da mordida (ausente, sobressaliência e mordida cruzada anterior), alterações verticais (ausente, sobremordida, mordida aberta anterior, mordida aberta posterior) e alterações transversais da mordida (ausente, mordida cruzada posterior unilateral e mordida cruzada posterior bilateral)1212. Genaro KF, Berretin-Felix G, Rehder MIBC e Marquesan IQ. Avaliação miofuncional orofacial-protocolo MBGR. Rev CEFAC. 2009;11(2):237-55.. Quanto à morfologia do palato duro, foram analisados os aspectos de largura (normal ou alterada) e profundidade (normal ou alterada) 1212. Genaro KF, Berretin-Felix G, Rehder MIBC e Marquesan IQ. Avaliação miofuncional orofacial-protocolo MBGR. Rev CEFAC. 2009;11(2):237-55..

Para a avaliação da tensão muscular de lábios, língua e bochechas foram realizadas provas de toque com o dedo enluvado, bem como provas de contra resistência com o abaixador lingual. Considerou-se a tensão como normal ou alterada para cada estrutura 1212. Genaro KF, Berretin-Felix G, Rehder MIBC e Marquesan IQ. Avaliação miofuncional orofacial-protocolo MBGR. Rev CEFAC. 2009;11(2):237-55..

O diagnóstico do modo respiratório (nasal ou oral) foi realizado por meio da análise da postura de lábios durante toda a anamnese e avaliação, a fim de verificar se o paciente permanecia com lábios entreabertos ou abertos, indicativo de respiração oral ou oronasal, ou se permanecia com lábios ocluídos, indicativo de respiração nasal. Também, utilizou-se o espelho de Glatzel que era colocado suavemente abaixo das narinas para observar o fluxo nasal, o que auxiliou na informação quanto à existência de obstrução nasal. Por último, foi realizada a prova de possibilidade nasal em que o paciente devia permanecer com um gole de água na boca com o objetivo de verificar a capacidade de manutenção da respiração nasal. Assim, o modo respiratório foi classificado como nasal quando o sujeito não apresentava indicativos de bloqueio das vias áreas superiores, bem como postura adequada de lábios e mostrava possibilidade de respiração nasal por mais de dois minutos, o inverso das informações possibilitou a classificação em modo respiratório oral ou oronsal 1212. Genaro KF, Berretin-Felix G, Rehder MIBC e Marquesan IQ. Avaliação miofuncional orofacial-protocolo MBGR. Rev CEFAC. 2009;11(2):237-55..

Todos os pacientes haviam realizado avaliação otorrinolaringológica (ORL) que incluiu inspeção visual da laringe, da qual se considerou o diagnóstico ORL da condição laríngea para posterior conclusão do diagnóstico fonoaudiológico.

Os dados foram tabulados e as variáveis foram descritas e analisadas estatisticamente por meio do teste não-paramétrico Qui-Quadrado de Pearson. Foi adotado nível de significância de 5%.

Resultados

Com relação à profissão, dos 69 sujeitos estudados, observou-se que 28,99% (n=20) desses indivíduos eram profissionais da voz. Quanto aos fatores alérgicos, 33,33% (n=23) apresentavam alergias, sendo que desses, 65,22% (n=15) relataram apresentar rinite, 8,69% (n=2) sinusite, 4,35% (n=1) bronquite, 13,04% (n=3) rinite e sinusite, e 4,35% (n=1) rinite e asma. O tipo respiratório predominante foi o misto com 75,36% (n=52), seguido pelo superior com 20,29% (n=14) e costodiafragmaticoabdominal com 4,35% (n=3). O tipo de disfonia predominante foi o funcional (n=42; 66,67%), seguido pelo organofuncional (n=19; 23,54%) e orgânico (n=8; 11,59%).

A Tabela 1 mostra os resultados descritivos da avaliação do sistema estomatognático.

Tabela 1:
Resultados descritivos da avaliação do sistema estomatognático

Na Tabela 2, observa-se a associação entre o tipo respiratório e relato da presença de alergias e as alterações do SE.

Tabela 2:
Associação entre o tipo respiratório e relato da presença de alergias e as alterações do sistema estomatognático

Observa-se, na Tabela 3, a associação entre o modo respiratório e relato da presença de alergias e as alterações do SE

Tabela 3:
Associação entre o modo respiratório e relato da presença de alergias e as alterações do sistema estomatognático

Visualiza-se, na Tabela 4, a associação entre o diagnóstico fonoaudiológico dos tipos de disfonia e relato da presença de alergias, as alterações do SE e o tipo respiratório.

Tabela 4:
Associação entre o diagnóstico fonoaudiológico dos tipos de disfonia e relato da presença de alergias, as alterações do sistema estomatognático e o tipo respiratório

A Tabela 5 mostra a associação entre profissional da voz e tipos de disfonias, relato da presença de alergias e alterações do SE.

Tabela 5:
Associação entre profissional da voz e tipos de disfonias, relato da presença de alergias e alterações do sistema estomatognático

Na Tabela 6 visualiza-se a associação entre relato da presença de alergias e as alterações do SE.

Tabela 6:
Associação entre relato da presença de alergias e as alterações do sistema estomatognático

Observa-se na Tabela 7 a associação entre sexo e as alterações do SE.

Tabela 7:
Associação entre sexo e as alterações do sistema estomatognático

Discussão

A relação entre distúrbios vocais e alterações alérgicas envolvendo as vias aéreas superiores engloba, principalmente, alterações da ressonância e de projeção vocal, ocasionado esforço laríngeo como mecanismo compensatório22. Tavares JG, Silva VA, Alves EHA. Considerações teóricas sobre a relação entre respiração oral e disfonia. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2008;13(4):405­10..

A literatura refere que os fatores alérgicos são uma das etiologias comuns das disfonias22. Tavares JG, Silva VA, Alves EHA. Considerações teóricas sobre a relação entre respiração oral e disfonia. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2008;13(4):405­10.. Além disso, alta porcentagem de pacientes com rinite alérgica costuma apresentar alteração no modo respiratório1313. Lemos CM, Willo NS, Mion OG, Júnior JFM. Alterações funcionais do sistema estomatognático em pacientes com rinite alérgica: estudo caso-controle. Braz J Otorhinolaryngol. 2009;75(2):268-74.. No presente estudo, a maioria dos sujeitos não apresentou alergias e possuía modo respiratório nasal (Tabela 1), porém, apesar de não significante, a maioria dos sujeitos que apresentava alergia possuía modo respiratório oral (Tabela 3), o que vai ao encontro da literatura.

Existe uma relação entre as queixas de distúrbios alérgicos e/ou digestivos e a disfonia, uma vez que esses são co-fatores para o estabelecimento da disfonia e da lesão laríngea1414. Cielo CA, Finger LS, Roman-Niehues G, Deuschle VP, Siqueira MA. Disfonia organofuncional e queixas de distúrbos alérgicos e/ou digestivos. Rev CEFAC. 2009;11(3):431-9.. Nesse trabalho, essa relação não foi observada, havendo predominância de sujeitos com disfonia funcional independente de possuir ou não alergias (Tabela 4).

Verificou-se ainda, na análise descritiva, que a maioria percentual dos sujeitos disfônicos apresentou mordida, oclusão, largura e profundidade de palato, tensão de lábio, língua e bochechas normais (Tabela 1), achado que não corrobora com a literatura. Para a produção da voz, o indivíduo se utiliza de estruturas do sistema respira tório e do aparelho digestivo. Assim, a postura, a tonicidade e a mobilidade dos órgãos do SE influenciam diretamente a articulação e interferem na projeção vocal, nos ajustes laríngeo e faríngeo e, portanto, têm alguma relação com a qualidade vocal e o sistema de ressonância 22. Tavares JG, Silva VA, Alves EHA. Considerações teóricas sobre a relação entre respiração oral e disfonia. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2008;13(4):405­10.. A posição da língua na cavidade oral influencia a ressonância da voz, o corpo da língua em posição anterior e elevado pode produzir uma voz infantilizada, já a língua em uma posição posteriorizada, pode produzir uma ressonância mais abafada com pitch mais grave 22. Tavares JG, Silva VA, Alves EHA. Considerações teóricas sobre a relação entre respiração oral e disfonia. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2008;13(4):405­10..

Apesar de a laringe ser um órgão fundamental para a produção vocal, sabe-se que outras estruturas têm igual importância para a produção de uma voz normal, dentre elas destacam-se a musculatura do abdômen, caixa torácica, pulmões, faringe, cavidade oral e nasal, sendo que alterações nessas estruturas podem ocasionar disfunções vocais22. Tavares JG, Silva VA, Alves EHA. Considerações teóricas sobre a relação entre respiração oral e disfonia. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2008;13(4):405­10.. No presente estudo, a maioria percentual apresentava modo respiratório nasal e tipo respiratório misto (Tabela 1). Pesquisas que analisaram o tipo e modo respiratório de futuros profissionais da voz e de profissionais da voz falada e cantada também encontraram modo nasal e tipo misto, corroborando os achados desta investigação1515. Soares EB, Brito CMCP. Perfil vocal do guia de turismo. Rev CEFAC. 2006;8(4):501­8.

16. Soares EB, Brito CMCP. Hábito e perfil vocal em coralistas. Acta ORL. 2009;27(1):28­35.
-1717. Cielo CA, Hoffmann CF, Scherer T, Christmann M. Tipo e modo respiratório de futuros profissionais da voz. Rev Saúde. 2013;39(1):121­30..

O modo respiratório nasal é considerado fundamental para o adequado funcionamento da laringe e das demais estruturas e funções do SE, já o tipo respiratório misto não é o ideal, porém, é considerado aceitável em sujeitos que não possuem grande demanda vocal como os profissionais da voz22. Tavares JG, Silva VA, Alves EHA. Considerações teóricas sobre a relação entre respiração oral e disfonia. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2008;13(4):405­10.,66. Behlau M. Voz: o livro do especialista. Rio de Janeiro: Revinter, 2001.. Não foi encontrada nesta pesquisa relação entre as alterações do SE com o tipo (Tabela 2) e o modo respiratório (Tabela 3). Tais dados eram esperados, considerando-se que a maioria dos sujeitos (28,99%) não era profissional da voz e conseguia exercer as atividades diárias sem a respiração costodiafragmaticoabdominal automatizada. Apesar disso, sabe-se que a respiração costodiafragmaticoabdominal é essencial para uma produção vocal normotensa e ideal para o uso profissional da voz66. Behlau M. Voz: o livro do especialista. Rio de Janeiro: Revinter, 2001.,1515. Soares EB, Brito CMCP. Perfil vocal do guia de turismo. Rev CEFAC. 2006;8(4):501­8.

16. Soares EB, Brito CMCP. Hábito e perfil vocal em coralistas. Acta ORL. 2009;27(1):28­35.
-1717. Cielo CA, Hoffmann CF, Scherer T, Christmann M. Tipo e modo respiratório de futuros profissionais da voz. Rev Saúde. 2013;39(1):121­30..

Neste estudo, a maioria percentual apresentava disfonia funcional, caracterizada por desordens do comportamento vocal, podendo ser do tipo primária por uso incorreto da voz, secundária por inadaptações vocais ou de ordem psicogênica66. Behlau M. Voz: o livro do especialista. Rio de Janeiro: Revinter, 2001.. Acredita-se que esse tipo de disfonia é o que pode apresentar maior influência sobre o SE, considerando-se que o SE faz parte direta ou indiretamente da produção vocal66. Behlau M. Voz: o livro do especialista. Rio de Janeiro: Revinter, 2001., porém, essa afirmação não se confirmou nesta pesquisa. Apesar disso, comparando-se os tipos de disfonia, as maiores alterações de SE quanto aos aspectos alterações horizontais, verticais e transversais de mordida; oclusão; largura e profundida de palato; modo respiratório e tensão de lábios, língua e bochecha; bem como quanto às alterações de tipo respiratório ocorreram nos sujeitos com disfonias funcionais (Tabela 4).

Tal achado sugere que, no grupo estudado, as alterações do SE não interferiram diretamente na disfonia apresentada pelos sujeitos, mas poderiam estar atuando, em conjunto com outras características vocais e laríngeas, como auxiliares na piora das alterações de voz ou do prognóstico, sem configurar uma relação direta entre tipo de disfonia e uma alteração específica de SE. Em outra pesquisa, também não foram encontradas mudanças na qualidade vocal de respiradores orais que apresentavam alterações do SE quando comparados com a qualidade vocal de um grupo controle de respiradores nasais sem alterações do SE, concordando com os resultados do presente estudo99. Viegas D, Viegas F, Atherino CCT, Baeck HE. Parâmetros vocais em respiradores orais. Rev CEFAC. 2010;12(5):820-30..

Um trabalho que avaliou a atividade dos músculos mastigatórios por meio de eletromiografia em dois grupos de mulheres, sendo o grupo de estudo com disfonia e o grupo de controle sem disfonia, mostrou que, mesmo no repouso da mandíbula, as mulheres disfônicas tinham a atividade da musculatura mastigatória aumentada significantemente quando comparada ao grupo de controle1818. Rodrigues-Bigaton D, Schwarzenbeck A, Berni KC, Guirro RR, Silvério KC. Activation pattern masticatory muscles in dysphonics woman. Electromyogr Clin Neurophysiol. 2010;50(6):289-94., possivelmente por que a maior parte dos indivíduos disfônicos apresenta hipertensão muscular. Porém, outro estudo verificou que, mesmo na ausência de dor, sujeitos com sintomatologia da disfunção temporomandibular podem apresentar alterações acústicas da voz, visto que a produção vocal relaciona-se com toda a musculatura e influencia a movimentação da laringe ou que, por desorganização das funções da articulação temporomandibular, ocorre sobrecarga no nível laríngeo1919. Boton LM, Morisso MF, Silva AMT, Cielo CA. Dor muscular em cabeça e pescoço e medidas vocais acústicas de fonte glótica. Rev CEFAC. 2012;14(1):104-13.. No presente estudo, a maioria dos sujeitos apresentou musculatura com tensão normal, porém, sabe-se que a avaliação por meio do toque é subjetiva e passível de falha, mas ainda é a mais utilizada nas práticas de clínicas-escola pelo fácil acesso e baixo custo (Tabela 1).

Não houve associação entre profissionais e não profissionais da voz com as alterações do SE, tipo respiratório e tipo de disfonia. Porém, a maioria dos sujeitos profissionais da voz (minoria na amostra) não apresentava alterações de SE, mas o tipo respiratório predominante foi o misto e o tipo de disfonia foi a funcional (Tabela 5). Nos profissionais da voz, um comprometimento que afete a função aérea pode influenciar negativamente loudness, pitch e qualidade vocal, bem como os aspectos temporais da emissão22. Tavares JG, Silva VA, Alves EHA. Considerações teóricas sobre a relação entre respiração oral e disfonia. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2008;13(4):405­10.,1010. Nishimura CM, Gimenez SRML. Perfil da fala do respirador oral. Rev CEFAC. 2010;12(3):505­8.,1616. Soares EB, Brito CMCP. Hábito e perfil vocal em coralistas. Acta ORL. 2009;27(1):28­35.,1717. Cielo CA, Hoffmann CF, Scherer T, Christmann M. Tipo e modo respiratório de futuros profissionais da voz. Rev Saúde. 2013;39(1):121­30.,2020. Rossi DC, Munhoz DF, Nogueira CR, Oliveira TCM, Britto ATBO. Relação do pico de fluxo expiratório com o tempo de fonação em pacientes asmáticos. Rev CEFAC. 2006;8(4)509­17.,2121. Christmann MK, Scherer TM, Hoffmann CF, Cielo CA. Tempo máximo de fonação de futuros profissionais da voz. Rev CEFAC. 2013;15(3):622-30..

O tipo respiratório inadequado pode prejudicar a produção vocal considerando-se que não se dispõe do suporte aéreo necessário, o que gera esforço e sobrecarrega os demais níveis de produção vocal como o laríngeo2121. Christmann MK, Scherer TM, Hoffmann CF, Cielo CA. Tempo máximo de fonação de futuros profissionais da voz. Rev CEFAC. 2013;15(3):622-30.,2222. Silvério KCA, Pereira EC, Menoncin LM, Dias CAS, Santos CLG, Schwartzman PP. Avaliação vocal e cervicoescapular em militares instrumentistas de sopro. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2010;15(4):497­504.. Na presente pesquisa, o tipo predominante na amostra inteira foi o misto, onde ocorre pouca movimentação das regiões superior e inferior do tórax, sendo aceito para indivíduos que não têm grande demanda vocal e utilizam a voz apenas na fala cotidiana. Porém, é contraindicado durante o uso vocal profissional, pois o suporte aéreo insuficiente pode gerar desiquilíbrio entre os níveis respiratório, fonatório, ressonantal e articulatório, bem como cansaço, instabilidade vocal e falta de ar66. Behlau M. Voz: o livro do especialista. Rio de Janeiro: Revinter, 2001.,1616. Soares EB, Brito CMCP. Hábito e perfil vocal em coralistas. Acta ORL. 2009;27(1):28­35.,1717. Cielo CA, Hoffmann CF, Scherer T, Christmann M. Tipo e modo respiratório de futuros profissionais da voz. Rev Saúde. 2013;39(1):121­30.. Esses fatores podem influenciar o tipo de disfonia, estando normalmente relacionados às disfonias funcionais e, posteriormente, às organofuncionais. Tais afirmações concordam com os achados da presente pesquisa (Tabela 5), onde, apesar de sem associação significante, a maioria dos sujeitos disfônicos apresentava disfonia do tipo funcional, seguida pela organofuncional e orgânica.

Em relação à associação significante encontrada entre o sexo feminino com ausência de alterações verticais de mordida, não foram encontrados na literatura dados que pudessem embasar esse aspecto, portanto sugere-se maior número de estudos para esclarecer esse achado.

Conclusão

Os pacientes disfônicos estudados eram predominantemente mulheres; adultos; não profissionais da voz; sem relato de alergias; com disfonia funcional; sem alterações de SE; com tipo e modo respiratórios adequados e não houve associação de alterações do SE com o tipo de disfonia, tipo e modo respiratórios ou profissionais da voz, apenas do sexo feminino com ausência de alterações verticais de mordida.

Referências

  • 1
    Rehder MI, Ferreira LP, Befi-Lopes DM, Limongi SCO. Inter-relações entre voz e motricidade oral. In: Ferreira LP, Befi-Lopes DM, Limongi SCO. (Org.). Tratado de fonoaudiologia. São Paulo: Roca, 2004. p.59-64.
  • 2
    Tavares JG, Silva VA, Alves EHA. Considerações teóricas sobre a relação entre respiração oral e disfonia. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2008;13(4):405­10.
  • 3
    Castro MSJ, Toro AADC, Sakano E, Ribeiro JD. Avaliação das funções orofaciais do sistema estomatognático nos níveis e gravidade de asma. J Soc Bras Fonoaudiol. 2012;24(2):119-24.
  • 4
    Felicio CM. Fonoaudiologia aplicada a casos odontológicos. São Paulo: Pancast, 1999.
  • 5
    Nascimento GKBO, Cunha DA, Lima LM, Moraes KJR, Pernambuco LA, Régis RMFL et al. Eletromiografia e superfície do músculo masseter durante a mastigação: uma revisão sistemática. Rev CEFAC. 2012;14(4):725-31.
  • 6
    Behlau M. Voz: o livro do especialista. Rio de Janeiro: Revinter, 2001.
  • 7
    Bonatto MTRL, Silva MAA, Costa HO. A relação entre respiração e sistema sensório-motor oral em crianças disfônicas. Rev CEFAC. 2004;6(1):58-66.
  • 8
    Garcia RAS, Campiotto AR. Distúrbios vocais x distúrbios musculares orais: possíveis relações. Pró-Fono R Atual Cient. 1995;7(2):33-9.
  • 9
    Viegas D, Viegas F, Atherino CCT, Baeck HE. Parâmetros vocais em respiradores orais. Rev CEFAC. 2010;12(5):820-30.
  • 10
    Nishimura CM, Gimenez SRML. Perfil da fala do respirador oral. Rev CEFAC. 2010;12(3):505­8.
  • 11
    Colton RH, Casper JK, Leonard R. Compreendendo os problemas de voz: uma perspectiva fisiológica ao diagnóstico e ao tratamento. Rio de Janeiro: Revinter, 2010.
  • 12
    Genaro KF, Berretin-Felix G, Rehder MIBC e Marquesan IQ. Avaliação miofuncional orofacial-protocolo MBGR. Rev CEFAC. 2009;11(2):237-55.
  • 13
    Lemos CM, Willo NS, Mion OG, Júnior JFM. Alterações funcionais do sistema estomatognático em pacientes com rinite alérgica: estudo caso-controle. Braz J Otorhinolaryngol. 2009;75(2):268-74.
  • 14
    Cielo CA, Finger LS, Roman-Niehues G, Deuschle VP, Siqueira MA. Disfonia organofuncional e queixas de distúrbos alérgicos e/ou digestivos. Rev CEFAC. 2009;11(3):431-9.
  • 15
    Soares EB, Brito CMCP. Perfil vocal do guia de turismo. Rev CEFAC. 2006;8(4):501­8.
  • 16
    Soares EB, Brito CMCP. Hábito e perfil vocal em coralistas. Acta ORL. 2009;27(1):28­35.
  • 17
    Cielo CA, Hoffmann CF, Scherer T, Christmann M. Tipo e modo respiratório de futuros profissionais da voz. Rev Saúde. 2013;39(1):121­30.
  • 18
    Rodrigues-Bigaton D, Schwarzenbeck A, Berni KC, Guirro RR, Silvério KC. Activation pattern masticatory muscles in dysphonics woman. Electromyogr Clin Neurophysiol. 2010;50(6):289-94.
  • 19
    Boton LM, Morisso MF, Silva AMT, Cielo CA. Dor muscular em cabeça e pescoço e medidas vocais acústicas de fonte glótica. Rev CEFAC. 2012;14(1):104-13.
  • 20
    Rossi DC, Munhoz DF, Nogueira CR, Oliveira TCM, Britto ATBO. Relação do pico de fluxo expiratório com o tempo de fonação em pacientes asmáticos. Rev CEFAC. 2006;8(4)509­17.
  • 21
    Christmann MK, Scherer TM, Hoffmann CF, Cielo CA. Tempo máximo de fonação de futuros profissionais da voz. Rev CEFAC. 2013;15(3):622-30.
  • 22
    Silvério KCA, Pereira EC, Menoncin LM, Dias CAS, Santos CLG, Schwartzman PP. Avaliação vocal e cervicoescapular em militares instrumentistas de sopro. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2010;15(4):497­504.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2016

Histórico

  • Recebido
    24 Mar 2015
  • Aceito
    22 Jul 2015
ABRAMO Associação Brasileira de Motricidade Orofacial Rua Uruguaiana, 516, Cep 13026-001 Campinas SP Brasil, Tel.: +55 19 3254-0342 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revistacefac@cefac.br