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Impacto dos distúrbios dos sons da fala: a percepção da família e da criança

RESUMO

Objetivo:

verificar a percepção da família e da criança quanto ao impacto dos distúrbios dos sons da fala, do tipo fonológico.

Métodos:

pesquisa de caráter exploratório, quali-quantitativo, prospectivo de um Serviço de Atendimento Fonoaudiológico de uma Instituição de Ensino Superior. Participaram do estudo 64sujeitos, sendo 32 crianças de idade (19 do sexo masculino e 13 do feminino) entre quatro anos e um mês e oito anos e nove meses, com diagnóstico de Distúrbios dos Sons da Fala, do tipo fonológico; e 32 pais/responsáveis dessas crianças. Os resultados obtidos foram separados por grau de associação - associação forte, associação regular e associação regular com aspectos de fala.

Resultados:

em relação à percepção dos pais, o impacto dos distúrbios dos sons da fala de seus filhos está relacionado às relações interpessoais e aos comportamentos emocionais, além de problemas escolares. Em relação à percepção das crianças, os resultados demonstraram que o maior impacto das alterações de fala ocorre em ambientes que não são familiares. Além disso, demonstraram que o isolamento e o desenvolvimento de sentimentos como frustração, timidez e baixa autoestima, são comuns entre essas crianças, dificultando o relacionamento com os demais indivíduos.

Conclusão:

a percepção dos pais e das crianças a respeito das dificuldades relacionadas à fala deve ser objeto de estudo para entendimento e auxílio no tratamento dos distúrbios dos sons da fala.

Descritores:
Fonoaudiologia; Transtorno Fonológico; Comunicação; Criança

ABSTRACT

Objective:

to verify both the family’s and the children’s perception of the impact of the phonological type of speech sound disorders.

Methods:

this is an exploratory qualitative-quantitative prospective research of a Speech-Language Pathology Service of a Higher Education Institution. Sixty-four persons took part in the study, thirty-two being children (nineteen boys and thirteen girls), their age ranging from four years and one month to eight years and nine months, diagnosed with the phonological type of Speech Sound Disorder. Besides them, thirty-two adults, either their parents or guardians, participated in the study. The results were organized by degree of association - strong association, average association and average association with aspects of speech.

Results:

regarding the parents’ perception, the impact of Speech Sound Disorder on their children is related to interpersonal relationships and to emotional behavior, besides school issues. As for the children’s perception, the results demonstrated that the biggest impact of irregular speech takes place in unfamiliar environments. In addition to that, they have shown that isolation and the development of feelings such as frustration, shyness and low self-esteem are common among these children, making their relationship with other people difficult.

Conclusion:

the perception of parents and children regarding speech-related difficulties should be studied in order to reach both a better understanding and a more adequate treatment of Speech Sound Disorders.

Keywords:
Speech, Language and Hearing Sciences; Speech Sound Disorder; Communication; Children

Introdução

A criança, ao nascer, é inserida em um meio comunicativo que proporcionará as primeiras interações e trocas afetivas11. Crestani AH, Moraes AB, Souza APR. Association analysis between child development risks and children early speech production between 13 and 16 months. Rev. CEFAC. 2015;17(1):69-6.. O conceito de comunicação no âmbito global de saúde envolve competências biológicas, relacionadas com os contextos psíquicos e sociais, sendo assim, ao se considerar o desenvolvimento típico e a cronologia adequada dos componentes linguísticos na criança, a mesma deve desenvolver a tarefa de receber, elaborar e transmitir mensagens, de conteúdo verbal com significado. Caso a criança não consiga desenvolver essa tarefa linguística determinada, e o grau de irregularidade prevalecer comprometendo a eficiência da comunicação, sem questões orgânicas/ cronológicas afetadas, define-se então, uma desordem da comunicação22. Andrade CRF. Prevalência das desordens idiopáticas da fala e da linguagem em crianças de um a onze anos de idade. Rev Saúde Pública. 1997;31(5):495-501..

Em relação à comunicação oral, sabe-se que a aquisição da linguagem oral, mais especificamente a aquisição fonológica, que consiste na aquisição dos sons da fala, ocorre gradativamente. No Português Brasileiro (PB), o domínio fonológico considerado típico, ou seja, a aquisição de todos os sons da fala sem intercorrências, é concluído por volta dos cinco anos de idade33. Ceron MI, Gubiani MB, Oliveira CR, Gubiani MB, Keske-Soares M. Prevalence of phonological disorders and phonological processes in typical and atypical phonological development. Codas. 2017;29(3):1-9.. Durante o período de desenvolvimento dos sons da fala, algumas dificuldades podem acontecer, como, por exemplo, substituição de um som por outro, omissão de um som, dificuldades articulatórias, etc44. Newmeyer AJ, Grether S, Grasha C. Fine motor function and oral-motor skills in preschool-age children with speech sound disorders. Clinical Pediatrics. 2007;46(2):604-11.,55. Brancalioni AR, Keske-Soares M. Phonological disorders treatment effect with a stimulability and segment complexity strata model with speech intervention software (SIFALA). Rev. CEFAC. 2016;18(1):298-08.. Quando há grande disparidade na aquisição fonológica em relação à idade e à aquisição dos fonemas, a criança apresenta Distúrbios dos Sons da Fala (DSF). Estes distúrbios podem ser dificuldades decorrentes de base linguística, ou seja, sendo fonológico, e/ou dificuldades relacionadas à articulação, isto é, fonético11. Crestani AH, Moraes AB, Souza APR. Association analysis between child development risks and children early speech production between 13 and 16 months. Rev. CEFAC. 2015;17(1):69-6.,66. Namasivayam AK, Pukonen M, Goshulak D, Yu VY, Kadis DS, Kroll R et al. Relationship between speech motor control and speech intelligibility in children with speech sound disorders. J Commun Dis. 2013;46(3):264-80.,77. Strand EA, Mccauley RJ, Weigand SD, Stoeckel RE, Baas BS. A motor speech assessment for children with severe speech disorders: reliability and validity evidence. J Speech Lang Hear Res. 2013;56(2):505-20..

Os DSF de tipo fonológico são característicos, pois as crianças apresentam trocas na fala, mas não apresentam alterações orgânicas evidentes88. Gubiani MB, Keske-Soares M. Phonological evolution of children with speech disorders submitted to different therapeutic approaches. Rev. CEFAC. 2014;16(2):663-71.. Estas alterações ocorrem durante o período de aquisição fonológica, geralmente entre as idades de quatro até oito anos de idade aproximadamente99. Giacchini V, Mota HB, Mezzomo CL. The details in the therapeutic process to the consonant clusters acquisition in the speech of children with phonological disorder. Rev. CEFAC. 2015;17(1):17-26.. A etiologia dos DSF de caráter fonológico ainda é desconhecida, entretanto, há uma pesquisa que apresenta alguns fatores influentes, tais como: sexo, idade, otites/questões auditivas, alterações respiratórias e no núcleo familiar1010. Pagliarin KC, Brancalioni AR, Keske-Soares M, Souza APR. Relação entre gravidade do desvio fonológico e fatores familiares. Rev. CEFAC. 2011;13(3):414-27., além disso, em outra pesquisa o fato de ser filho único também foi mencionado como um fator de risco1111. Melo RM, Backes FT, Mota HB. Perceptions of parents/guardians of children with phonological disorders about the phonological disorders and the speech therapy. Rev. CEFAC. 2015;17(6):1802-13.. Tal fato nos revela a importância da entrevista inicial, caracterizando-se como uma anamnese interventiva, além do conhecimento histórico de cada caso, bem como da estruturação familiar da criança, visto que alguns fatores podem estar influenciando no DSF da criança77. Strand EA, Mccauley RJ, Weigand SD, Stoeckel RE, Baas BS. A motor speech assessment for children with severe speech disorders: reliability and validity evidence. J Speech Lang Hear Res. 2013;56(2):505-20.

8. Gubiani MB, Keske-Soares M. Phonological evolution of children with speech disorders submitted to different therapeutic approaches. Rev. CEFAC. 2014;16(2):663-71.

9. Giacchini V, Mota HB, Mezzomo CL. The details in the therapeutic process to the consonant clusters acquisition in the speech of children with phonological disorder. Rev. CEFAC. 2015;17(1):17-26.
-1010. Pagliarin KC, Brancalioni AR, Keske-Soares M, Souza APR. Relação entre gravidade do desvio fonológico e fatores familiares. Rev. CEFAC. 2011;13(3):414-27..

O diagnóstico do DSF fonológico exige que o profissional tenha conhecimento prévio dos padrões típicos da aquisição fonológica, bem como dos instrumentos de avaliação adequados para prever a hipótese diagnóstica. Conhecer a opinião dos pais e da própria criança em relação ao problema de fala também auxilia no planejamento e na condução terapêutica, uma vez que as repercussões dos DSF afetam tanto a criança quanto os familiares e aqueles de convívio próximo. Porém, nas pesquisas na área da Fonoaudiologia no Brasil há escassez de instrumentos/questionários que proporcionem essa percepção dos pais e da criança sobre as dificuldades de fala55. Brancalioni AR, Keske-Soares M. Phonological disorders treatment effect with a stimulability and segment complexity strata model with speech intervention software (SIFALA). Rev. CEFAC. 2016;18(1):298-08.,1212. Ceron MI. Instrumento de avaliação fonológica (INFONO): desenvolvimento e estudos psicométricos [tese]. Santa Maria (RS): Universidade Federal de Santa Maria, Curso de Doutorado em Distúrbios da Comunicação Humana; 2015..

O questionário Speech Participation and Activity Assessment of Children - SPAA-C (Avaliação da Participação e Atividade de Fala de Crianças)1313. McLeod S. Speech pathologists' application of the ICF to children with speech impairment. Adv Speech Lang Pathol. 2004;6(1):75-81., é um instrumento de avaliação complementar, o qual possibilita conhecer o impacto que os DSF provocam na criança, utilizando de questionamentos à criança, aos pais, aos irmãos, aos amigos, aos professores e outras pessoas de convívio próximo, e principalmente como são vivenciadas essas dificuldades geradas por essa alteração que compromete a comunicação oral1414. McComarck J, McLeod S, Mcallister L, Harrison LJ. My speech problem, your listening problem, and my frustration: the experience of living with childhood speech impairment. Lang Speech, Hea Serv Schools. 2010;41(4):379-92..

O questionário foi desenvolvido nas estruturas compostas pela Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde: para crianças e jovens - CIF-CJ (International classification of functioning, disability and health: children and youth version - ICF-CY)1515. World Health Organization. International Classification of Functioning, Disability, and Health: Children & Youth Version: ICF-CY. World Health Organization, 2007., o qual está inserido na seçãoFamília de Classificações Internacionais da Organização Mundial de Saúde(OMS) (World Health Organization Family of International Classifications-WHO-FIC), constituindo o quadro de referência universal adaptado pela OMS para descrever, avaliar e medir a saúde e a incapacidade quer ao nível individual quer ao nível da população. Além de promover uma base holística para o entendimento do desenvolvimento da fala, permite agregar conhecimento de outras áreas da saúde para essas dificuldades, mostrando-se importante para avaliação e tratamentos multidisciplinares1313. McLeod S. Speech pathologists' application of the ICF to children with speech impairment. Adv Speech Lang Pathol. 2004;6(1):75-81..

Estudos internacionais1414. McComarck J, McLeod S, Mcallister L, Harrison LJ. My speech problem, your listening problem, and my frustration: the experience of living with childhood speech impairment. Lang Speech, Hea Serv Schools. 2010;41(4):379-92.,1616. McLeod S, Daniel G, Barr J. "When he's around his brothers ... he's not so quiet": The private and public worlds of school-aged children with speech sound disorder. J Commun Dis. 2012;46(1):70-83., descreveram o impacto de pesquisas qualitativas para caracterizar as interações humanas, possibilitando o estudo das experiências e dos fenômenos linguísticos. Com essa percepção, foram aplicadas entrevistas utilizando o SPAA-C para promover a participação de profissionais nas dificuldades em relação à fala. Os resultados evidenciaram como as características sócio-emocionais, as restrições sociais, os fatores educacionais são influentes nessas crianças. As análises qualitativas fenomenológicas apontaram como principais relatos a frustração das crianças e como os pais agem para tentar entendê-las. Dessa forma, concluiu-se que uma comunicação bem-sucedida depende das habilidades dos falantes, dos ouvintes e na reciprocidade do apoio entre eles.

O estudo justifica-se pela escassez de questionários no Brasil relacionados aos impactos que os DSF ocasionam, sendo que este tipo de avaliação complementar contribui para a condução de cada caso/paciente, auxiliando no feedback para o fonoaudiólogo, bem como para avaliar a necessidade de encaminhamentos multiprofissionais. Além disso, o questionário mostra-se como um instrumento eficaz que pode contribuir, junto com outros instrumentos e observações no processo de avaliação, para a melhor compreensão das dificuldades da criança, auxiliando no entendimento e conduta da família.

Diante disso, tem-se a hipótese de que os DSF trazem impacto nas esferas comunicativa, emocional, de aprendizagem e social. Além disso, espera-se que, no questionário respondido pelas crianças de forma oral fechada, haja maior significância devido às opções ilustrativas de resposta.

Portanto, o objetivo desta pesquisa foi verificar a percepção da família e da criança quanto ao impacto dos DSF, do tipo fonológico.

Métodos

A pesquisa foi devidamente registrada no Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), da Universidade Federal de Santa Maria e foi aprovado sob número para conferência 719.011. Trata-se de uma pesquisa de delineamento exploratório, quali-quantitativo prospectivo.

Participaram do estudo 64 sujeitos, sendo 32 pais/responsáveis e 32 crianças com diagnóstico prévio de DSF, do tipo fonológico, 19 do sexo masculino e 13 do feminino, com idade entre quatro anos e um mês a oito anos e nove meses. As crianças estavam na lista de espera ou em atendimento do Serviço de Atendimento Fonoaudiológico da Instituição de Ensino Superior.

Os pais e/ou responsáveis pelas crianças autorizaram a participação destas na pesquisa ao assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido da pesquisa (TCLE). As crianças aceitaram participar da pesquisa livremente, consentindo oralmente.

Por fim, as pesquisadoras se comprometeram em divulgar os dados coletados e resultados obtidos apenas em meio científico, e manter sigilo absoluto da identidade dos sujeitos participantes, conforme está atribuído no TCLE.

Dos critérios de inclusão, as crianças deveriam demonstrar compreensão de linguagem adequada à idade e limiares auditivos dentro dos padrões de normalidade, verificados em avaliações prévias. Foram excluídas da amostra as crianças com anormalidade anatômica ou fisiológica do mecanismo de produção da fala, segundo informações fornecidas pelos familiares.

Os procedimentos foram realizados inicialmente com os pais/responsáveis, que compareceram a uma sessão para a entrevista inicial e assinaram o TCLE. Feito isso, as crianças foram submetidas aos procedimentos descritos a seguir.

A avaliação da fala foi realizada a partir do Instrumento de Avaliação Fonológica (INFONO)1212. Ceron MI. Instrumento de avaliação fonológica (INFONO): desenvolvimento e estudos psicométricos [tese]. Santa Maria (RS): Universidade Federal de Santa Maria, Curso de Doutorado em Distúrbios da Comunicação Humana; 2015., sendo coletada mediante gravação da nomeação espontânea. O INFONO trata-se de um software que avalia as 19 consoantes do PB nas diferentes estruturas silábicas, além do componente do encontro consonantal. Após a coleta dos dados de fala, foi realizada a análise contrastiva e calculada a gravidade do DSF do tipo fonológico a partir do Percentual de Consoantes Corretas - Revisado (PCC - R) proposto por Shriberg et al. (1997)1616. McLeod S, Daniel G, Barr J. "When he&apos;s around his brothers ... he&apos;s not so quiet": The private and public worlds of school-aged children with speech sound disorder. J Commun Dis. 2012;46(1):70-83. o qual não considera distorções realizadas pelas crianças. Em relação à gravidade dos DSF de tipo fonológico, o mesmo pode ser classificado como: desvio leve (85-100%), desvio moderado-leve (65-85%), desvio moderado-grave (50-65%) e desvio grave (<50%)1717. Shriberg LD, Austin D, Lewis BA, Mcsweeny JL, Wilson DL. The percentage of consonants corrects (PCC) metric: extensions and reability data. J Speech Lang Hear Res. 1997;40(4):708-22.,1818. Shriberg LD, Kwiatkowski J. Phonological disorders I: a diagnostic classification system. J Speech Lang Hear Res. 1982;47(3):226-41..

A partir do cálculo da gravidade, foi realizada a distribuição das crianças por grupos de gravidade, ou seja, foram agrupadas sete crianças que apresentavam desvio grave ou moderado-grave, (cinco do sexo masculino e dois do feminino), classificadas como “Grave”. As outras 25 crianças apresentavam desvio moderado-leve ou leve (14 do sexo masculino e 11 do feminino), classificadas como “Leve”.

Todas as crianças estavam vinculadas ao serviço, portanto, as avaliações referentes à motricidade orofacial e audição foram realizadas somente quando a criança não apresentava os resultados destes exames em seu prontuário.

O questionário Speech Participation and Activity Assessment of Children (SPAA-C), proposto por McLeod (2004)1313. McLeod S. Speech pathologists' application of the ICF to children with speech impairment. Adv Speech Lang Pathol. 2004;6(1):75-81., foi traduzido para o PB como “Avaliação da Participação e Atividade de Fala de Crianças”. Após, foi feita a retrotradução para o Inglês por duas pessoas proficientes na língua inglesa. Originalmente o SPAA-C totaliza 82 questões, sendo divididas entre questões para a criança, seus pais, irmãos, amigos, professores e outras pessoas de convívio próximo. No presente estudo, a aplicação do questionário foi realizada apenas com as crianças e seus pais/responsáveis, abordando 47 questões. As “Questões para a criança” são as questões 1 a 14 e 25 a 27 realizadas de forma oral aberta (totalizando 17 questões), e as questões de 15 a 24 que são realizadas de forma fechada, com múltiplas escolhas (totalizando 10 questões), em que a criança respondia se sentia-se “feliz”, “médio” (‘mais ou menos’), “triste”, “outro sentimento” ou “não sabe”. As “Questões para os pais” totalizam 20 questões e foram respondidas de forma oral aberta, buscando a consideração e reflexão dos pais. É importante ressaltar que as entrevistas foram realizadas de forma individual, enquanto as crianças estavam em atendimento ou avaliação no serviço, sendo todas gravadas e, posteriormente transcritas para análise. As respostas foram tabuladas em planilha Excel e posteriormente exportadas para o Ambiente R para análise.

As questões realizadas aos pais e às crianças encontram-se na Figura 1.

Figura 1:
Questionário - Speech Participation and Activity Assessment of Children

A análise dos resultados da pesquisa foi quantitativa descritiva e inferencial. Os dados foram analisados por meio do software R (R Core Team)1919. R Core Team. R: a language and environment for statistical computing. R Foundation for Statistical Computing, Vienna, Austria; 2017., mais especificamente com auxílio de pacotes voltados para a mineração de dados textuais (SnowballC, tmandwordcloud2). A seguir, as palavras mais citadas foram apresentadas em tabelas de frequência e, também, por meio da técnica de ilustração em nuvens de palavras1919. R Core Team. R: a language and environment for statistical computing. R Foundation for Statistical Computing, Vienna, Austria; 2017., geradas pelo software. As palavras-chave mais utilizadas foram destacadas na nuvem por meio da sua posição, cor e tamanho. Após a exploração inicial das nuvens de palavras geradas, foram retiradas manualmente outras palavras irrelevantes no contexto da pergunta, e foi realizada uma segunda análise das nuvens de palavras, a fim de destacar palavras evitando diferenças de gênero (agitado/agitada = criança “agitada”) e a flexão de verbos (falam/falava = “falar”).

Finalmente, para cada uma das palavras mais utilizadas em cada questão, apresentou-se o grau de associação desta palavra com todas as outras na mesma resposta. Essa estatística é uma medida de associação e é equivalente ao coeficiente de associações numa escala de zero a um, sendo que valores abaixo de 0,3 são considerados associação fraca, entre 0,3 e 07 como associação regular, e acima de 0,7 como associação forte. Para a maior parte dos casos, o grau de associação verificado foi entre fraco e regular. Vale ressaltar que neste trabalho foram selecionadas as questões mais relevantes em relação ao grau de associação forte, associação regular e associação regular com aspectos de fala.

Utilizou-se o Teste de Associação Exato de Fisher para dar continuidade a análise das questões de 15 a 24 e dos grupos em relação à gravidade ‘’Leve’’ e ‘’Grave’’

Resultados

Análises das respostas dos pais ao SPAA-C

No total, foram entrevistados 32 pais/responsáveis. Suas respostas foram tabuladas e estão representadas por figuras, sendo que cada quadrante se refere às questões do instrumento e estão sinalizadas com o número do questionário SPAA-C. Na Figura 2 na forma de nuvens de palavras, as respostas que mostraram associação forte, foram demarcadas com a letra “A” e as que mostraram associação regular, foram demarcadas com a letra “B”.

As figuras serão apresentadas de acordo com a relação entre frequência e associação de forma que facilite a interpretação.

Conforme a Figura 2, em relação às questões com nível de associação forte - A, na Q4 (pais), a resposta mais frequente foi “escola” que apresentou associação forte com a resposta “irmão”. Na Q8C (pais), a resposta mais frequente foi “todos”, com associação forte à resposta “mundo”. Na Q8D (pais), a resposta mais frequente foi “todo” associada à resposta “mundo”. Por fim, na Q19 (pais) a resposta mais frequente foi “jeito” obtendo associação forte com a resposta “nenhum”.Em relação às questões com nível de associação regular - B, na Q1 (pais), a resposta mais frequente foi “agitado/a”, apresentando associação regular com a resposta “teimoso/a”. Na Q6 (pais), a resposta “contrariada” foi a mais frequente e associou-se de forma regular com as respostas “chorona e reprove”.

Figura 2:
Respostas com associação forte (A) e regular (B), para os pais

As respostas dos pais ao questionário com associação regular e relação com a fala da criança foram ilustradas nas nuvens de palavras e estão apresentadas na Figura 3.

Figura 3:
Respostas com associação regular para os pais e relação com a fala da criança

Em relação a Q7 (pais) a resposta “fala” foi a mais frequente e associou-se com as palavras “demora, devagar, pensa, normal e rápido”. Já na Q8B (pais), a resposta “entendida” foi a mais frequente e evidenciou-se associação com a palavra “bem”. Na Q10 (pais), a resposta mais frequente foi “jogos”, sendo a associação realizada com as respostas “computador, bola e videogame”. Sobre a Q11 (pais), a resposta mais frequente foi “acho” que obtendo relação de associação com “quieto, sala e escola”. Na Q12 (pais), a palavra “limita” confirmou-se como a resposta mais frequente e associação juntamente com a resposta “talvez, conversar e sentido”. Na Q13 (pais), a resposta mais frequente foi “escola”, associando-se juntamente com “sim, talvez e nunca”. Na Q15 (pais), a resposta “sim” foi a mais frequente e obteve associação com as respostas “vezes, irrita e porque”. Na Q16 (pais), a resposta mais frequente foi “família” e foi associada às respostas “confiante, escola, retraído/a e espontâneo/a”. Por sua vez, na Q18 (pais), a resposta mais frequente foi “fala” e as associações foram “falam, trocas, atraso, levou, lugar, acompanhamento, familiares, incentivar e diferente”. Por fim, na Q20 (pais), a resposta “falar” foi a mais frequente e obteve associação com “aprenda e corretamente”.

Análises das respostas das crianças ao SPAA-C

As questões respondidas pelas crianças de forma oral aberta não apresentaram nenhum nível de associação forte. Portanto, apenas as respostas com associação regular e as respostas com associação regular e relação com a fala da criança estão apresentadas nas Figuras 4 e 5, respectivamente.

Nas questões com associação regular, na Q1 (crianças) a resposta “brincar” foi a mais frequente e obteve associação com “brincar, ficar, quieto, cachorro, colegas e escola”. Na Q3 (crianças), a palavra “jogar” foi a mais frequente e obteve associação com “bola”. Na Q5 (crianças), a palavra “brincar” foi a mais frequente e obteve associação com “sozinho, andar e bicicleta”. Na Q6 (crianças), a palavra mais frequente foi “amigos” e teve associação com “pais”. A Q8 (crianças) obteve “brincar” como palavra mais frequente e associação com “alguém, historinhas, ler, pracinha e contas”. Por fim, na Q9 (crianças), a resposta mais frequente foi “ler” e teve associação com “saber e sozinho”.

Figura 4:
Respostas com associação regular para as crianças

As questões que possuem associação regular e relação com a fala da criança, na Q13 (crianças), a resposta “triste” obteve associação regular com a resposta “bem”. Sobre a Q25 (crianças), a resposta mais frequente foi “sim”, obtendo associação regular com as respostas “sinto e bravo”. Em relação à Q26, a resposta mais frequente foi “desisto”, tendo associação regular com a resposta “vergonha”. Sobre a Q27, a palavra “desisto” obteve associação regular com a palavra “vergonha”.

Figura 5:
Respostas com associação regular e relação com a fala para as crianças

A análise das respostas das crianças quanto às questões respondidas de forma oral fechada está apresentada na Tabela 1.

Tabela 1:
Distribuição das crianças por gravidade agrupada e respostas das questões de múltipla escolha (15 a 24).

Os resultados não evidenciaram associações significantes entre as questões de múltipla escolha (Q15 a Q24) e a gravidade, entretanto, algumas questões apresentaram uma leve tendência à associação, a saber, a questão 15 (p=0,117) e a questão 19 (p=0,176), neste sentindo, leva-se a reflexão de que possa existir mais crianças felizes com DSF de gravidade moderado leve ou leve, uma vez que essas gravidades, principalmente a leve, está mais próxima a fala/comunicação inteligível. O termo feliz, adotado neste contexto, refere-se a um dos itens presentes no questionário.

Discussão

A parir dos resultados obtidos nas respostas com relação forte, foi possível observar que na Q4 (pais), a “ida à escola” foi a mais citada, tendo associação com “irmão”, demonstrando que a ida à escola faz parte da rotina habitual das crianças, o que é esperado, visto que todas as crianças da pesquisa possuem idade para estarem inseridas na escola. Em um estudo2020. Pires ARS, Moreno GL. Rotina e escola infantil: organizando o cotidiano de crianças de 0 a 5 anos. SIPD/CÂNTEDRA UNESCO. Londrina: PUCPR, 2015., os autores referem que uma rotina adequada possibilita a construção de uma estrutura de independência e autonomia da criança, proporcionando a sua socialização. Além disso, um ambiente seguro é importante para que a criança se sinta capaz de lidar com suas dificuldades.

Na Q8C e Q8D (pais), as respostas mais frequentes foram “todo mundo” para ambas as questões, sugerindo que algumas crianças possuem contexto e pessoas com quem se sentem confortáveis ao falar, diferentemente de outras que se sentem desconfortáveis. Em outro estudo2121. Cervi T, Keske-Soares M, Drugg AMS. A posição refratária em crianças com desvio fonológico analisada por meio dos contos de fadas. Psicologia em Estudo. 2015;20(2):213-24., foi verificado que algumas crianças possuem uma posição refratária em relação ao “outro”, demonstrando que a criança é resistente em relação às dificuldades de fala, apresentando preocupações em ser ou não compreendidas pelas outras pessoas.

Na Q19 (pais) foi possível verificar que nenhum dos pais possui vergonha em relação às trocas na fala de seus filhos, pois a maioria das respostas foi “jeito” que teve associação com “nenhum”. Apesar de alguns estudos2121. Cervi T, Keske-Soares M, Drugg AMS. A posição refratária em crianças com desvio fonológico analisada por meio dos contos de fadas. Psicologia em Estudo. 2015;20(2):213-24.,2222. Cervi T, Keske-Soares M, Drugg AMS. Implicações do discurso parental no desvio fonológico. Estudos de Psicologia. 2016;33(4):689-97., apontarem que a família é um fator influente para a ocorrência dos distúrbios dos sons da fala, neste trabalho pôde-se observar que os pais buscam proporcionar um ambiente mediador dessas questões.

Em relação à Q1 (pais), pôde-se verificar que a maioria das crianças apresenta dificuldades em nível comportamental, apresentando associação com “teimoso/a”. Além disso, na Q6 (pais), a resposta “contrariada” foi a mais frequente e obteve associação com as respostas “chorona e reprove”, demonstrando que o déficit na fala também pode provocar alterações no comportamento da criança. Em relação às questões Q11 (pais), Q12 (pais) e Q13 (pais), também foi possível identificar as situações supracitadas, uma vez que as respostas mais frequentes indicaram que as crianças possuem limitações devido às dificuldades de fala, resultando em alterações no comportamento, na escola e nas relações com os demais indivíduos. Crianças com perturbações na linguagem oral são crianças que têm, usualmente, baixo rendimento escolar e desenvolvem sentimento de frustração e baixa autoestima, como tendência, podem sofrer por isolamento social e os pais relataram problemas escolares, como o bullying. Aquelas vítimas de tal preconceito geralmente são tímidas e com dificuldades de relacionamento com seus pares1010. Pagliarin KC, Brancalioni AR, Keske-Soares M, Souza APR. Relação entre gravidade do desvio fonológico e fatores familiares. Rev. CEFAC. 2011;13(3):414-27..

Em relação à Q7 (pais) que obteve a resposta “fala” mais frequente e associação com as palavras “demora”, “devagar”, “pensa”, “normal” e “rápido”, mostrando que os pais procuram observar o funcionamento da fala das crianças. Um estudo apontou que em relação à percepção dos familiares frente à dificuldade de fala das crianças, mesmo sendo difícil classificar em níveis ou graus de dificuldade dos distúrbios dos sons da fala, todos comentaram acerca de alguma manifestação das ‘trocas de sons’ na fala1111. Melo RM, Backes FT, Mota HB. Perceptions of parents/guardians of children with phonological disorders about the phonological disorders and the speech therapy. Rev. CEFAC. 2015;17(6):1802-13..

Em relação à Q10 (pais), a maioria dos pais relatou que suas crianças são boas o suficiente nos jogos sem a necessidade de utilizar a fala corretamente, tendo associação com as respostas “computador”, “bola” e “videogame”. Nesses casos é importante salientar que as crianças têm preferência por atividades mais estáticas e que algumas são características de isolamento, como o computador e o videogame, pois não envolvem interação com outras pessoas.

Na Q15 (pais) foi possível verificar que a maioria das crianças é consciente da sua dificuldade de fala, pois a resposta “sim” foi a mais frequente. Um estudo revelou que crianças com alterações de fala podem ter consciência do sistema fonológico considerado normal, pois são capazes de refletir sobre os sons da fala, o que as leva a ter consciência do próprio desvio2323. Dias RF, Mota HB, Mezzomo CL. A consciência fonológica e a consciência do próprio desvio de fala nas diferentes gravidades do desvio fonológico. Rev. CEFAC. 2009;11(4):561-70.,2424. Santos MJ, Barrera SD. Impacto do treino em habilidades de consiência fonológica na escrita de pré-escolares. Psicol Esc e Educ. 2017;21(1):93-02..

Na Q16 (pais), foi possível observar a resposta mais frequente “família” e foi associada às respostas “confiante, escola, retraído/a e espontâneo/a”, evidenciando que a família é o ambiente em que as crianças se sentem mais confortáveis ao falar. O contexto familiar e de amigos íntimos normalmente proporcionam um ambiente seguro e de apoio onde às crianças podem ser elas mesmas e participar de infâncias típicas1616. McLeod S, Daniel G, Barr J. "When he&apos;s around his brothers ... he&apos;s not so quiet": The private and public worlds of school-aged children with speech sound disorder. J Commun Dis. 2012;46(1):70-83..

Sobre a percepção das pessoas sobre as alterações de fala, na Q18 (pais) a resposta mais frequente foi “fala” e as associações foram “falam, trocas, atraso, levou, lugar, acompanhamento, familiares, incentivar e diferente”, indicando que as outras pessoas também observam os aspectos relacionados ao funcionamento da fala das crianças, sendo muitas vezes de forma pejorativa. Em um estudo realizado na Austrália2525. Daniel GR, McLeod S. Children with speech sound disorders at school: challenges for children, parents and teachers. Austr Jour of Teach Educ. 2017;42(2):81-6, os pais relataram que, em contextos públicos, eles precisavam proteger suas crianças em resposta às reações dos outros sobre a fala de suas crianças, principalmente em relação aos aspectos sociais e às questões emocionais.

Na Q20 (pais), a resposta “falar” foi a mais frequente e obteve associação com “aprenda e corretamente”, indicando que os pais desejam que suas crianças desenvolvam sua fala de forma correta, demonstrando também o interesse no processo terapêutico. Dois estudos1111. Melo RM, Backes FT, Mota HB. Perceptions of parents/guardians of children with phonological disorders about the phonological disorders and the speech therapy. Rev. CEFAC. 2015;17(6):1802-13.,2020. Pires ARS, Moreno GL. Rotina e escola infantil: organizando o cotidiano de crianças de 0 a 5 anos. SIPD/CÂNTEDRA UNESCO. Londrina: PUCPR, 2015., apontaram que foi possível observar que os pais se sentem parte integrante do processo terapêutico e seus relatos mostraram ainda maior conhecimento e entendimento sobre a dificuldade de fala do filho, os quais também referiram notar as evoluções na fala das crianças.

Sobre as questões respondidas pelas crianças, em relação às coisas mais favoritas a fazer, na Q1 (crianças), a resposta “brincar” foi a mais frequente. Seguindo a mesma linha de raciocínio, a Q3 (crianças), a Q5 (crianças) e a Q8 (crianças) também se refere às atividades que a criança gosta de fazer, sendo as respostas mais frequentes “jogar” e “brincar”. É importante ressaltar que o brincar é um dos elementos mais importantes para a construção do simbólico da criança e, consequentemente, para o desenvolvimento das habilidades de fala. Na perspectiva da criança, elas brincam pelo prazer, sendo que a brincadeira é o principal fator para a construção do conhecimento. Ao brincar a criança se expressa e realiza uma troca de experiências como sujeito pertencente a um grupo social e a um contexto social2626. Biazotto L. A brincadeira e o desenvolvimento da criança na Educação Infantil [Monografia]. Medianeira (PR): Universidade Tecnológica Federal do Paraná; 2014..

Na Q6 (crianças), referente às pessoas que a criança gosta de brincar, a resposta mais frequente foi “amigos” e teve associação com “pais”, o que é esperado por conta do nível de proximidade de tais indivíduos com a criança. Essa relação é evidenciada em um estudo que refere que o contexto familiar e de amigos propiciam um ambiente seguro e de apoio para a criança1616. McLeod S, Daniel G, Barr J. "When he&apos;s around his brothers ... he&apos;s not so quiet": The private and public worlds of school-aged children with speech sound disorder. J Commun Dis. 2012;46(1):70-83..

Por fim, na Q9 (crianças), que diz respeito às atividades que elas julgam difíceis de realizar na escola, a resposta mais frequente foi “ler” que teve associação com “saber e sozinho”. Algumas crianças iniciam o processo de aprendizagem da escrita sem terem encerrado o processo de aquisição fonológica por apresentarem alguma alteração de fala, o que pode prejudicar o processo de decodificação de grafema-fonema, impactando no processo de aprendizagem2727. Cardoso-Martins C. A consciência fonológica e a aprendizagem inicial da leitura e da escrita. Estud. pesqui. psicol. 2013;13(2):460-79..

Em relação à Q13 (crianças), que se refere aos momentos em que a criança não gosta de falar com as pessoas, a resposta “triste” teve associação regular com a resposta “bem”, ou seja, as crianças geralmente não gostam de conversar com outras pessoas quando estão tristes, tal reação se justifica pela ininteligibilidade de fala da criança, que dificulta o entendimento de outros sujeitos. Um estudo revelou que a compreensão de fala de crianças com DSF por pessoas leigas é mais prejudicado quando comparado ao de fonoaudiólogos, pois esses são capacitados em entender a fala das crianças2828. Rosado IM, Donicht G, Simoni SN, Pagliarin KC, Keske-Soares M. Perception of the intelligibility and severity level of speech sound disorders by speech language pathologists and non-professionals. Rev. CEFAC.2016;19(2):233-41..

Referente à Q25 (crianças), que questiona se a criança já foi provocada sobre o modo como fala e o que as pessoas falam sobre isso, a resposta mais frequente foi “sim”, tendo associação com as respostas “sinto e bravo”. Isso demonstra que a maioria das crianças já foi provocada, irritando-as. Seguindo o mesmo raciocínio, a Q26 (crianças) e a Q27 (crianças), questionam se as pessoas geralmente pedem para a criança repetir o que havia falado como elas se sentem em relação a isso e qual a reação da criança quando não é entendida. Em ambas as questões, as respostas mais frequentes foram “sim e desisto”, tendo associação com a resposta “vergonha”, referindo que as crianças geralmente necessitam repetir o que já falaram e que se sentem envergonhados e/ou desistem de falar. Isso demonstra mais uma vez que crianças com perturbações na linguagem oral são crianças que, frequentemente, desenvolvem sentimento de frustração e baixa autoestima, tendendo a isolar-se e a serem tímidas, dificultando o relacionamento com seus pares1111. Melo RM, Backes FT, Mota HB. Perceptions of parents/guardians of children with phonological disorders about the phonological disorders and the speech therapy. Rev. CEFAC. 2015;17(6):1802-13..

De acordo com um estudo realizado com crianças com distúrbios dos sons da fala, os vínculos sociais podem ser dificultados devido à inteligibilidade de fala que pode também influenciar eventos interpessoais em geral, implicando os modos de constituição de futuras relações sociais. Por isso, na maioria dos casos é notável a mudança na conduta social e também psicológica da criança com desvio fonológico. Esses comportamentos foram identificados nos resultados obtidos, como por exemplo, na Tabela1, mais especificamente na Q24 (crianças), que mostrou que 38% das crianças entrevistadas se sentem tristes quando outras pessoas não entendem sua fala2929. Ribas LP, Sant'anna BS, Da Silva KZ. Variáveis facilitadores na produção de palavras: dados de fala de crianças com Transtorno Fonológico. Domínios da Lingu@gem. 2015;9(5):288-08..É importante ressaltar que os resultados obtidos com esta pesquisa mostraram a necessidade de divulgação para os profissionais da saúde, educadores e a população em geral estarem cientes sobre os DSF e os impactos que eles causam. Consequentemente, os profissionais poderiam atuar mais na promoção e na prevenção da saúde, em relação à Atenção Primária, o que acarretaria na intervenção precoce dos DSF, trazendo mais benefícios à criança e evitando prejuízos na comunicação oral e em outras esferas2828. Rosado IM, Donicht G, Simoni SN, Pagliarin KC, Keske-Soares M. Perception of the intelligibility and severity level of speech sound disorders by speech language pathologists and non-professionals. Rev. CEFAC.2016;19(2):233-41..

Além disso, os sistemas de saúde devem se aprimorar quanto às classificações levadas em consideração na CIF, pois as mesmas conseguem promover e apontar a presença e gravidade de problemas de saúde, neste caso as de linguagem, em uma vertente individual e social. Dessa forma, torna-se possível identificar a funcionalidade, prevista na CIF, tanto relacionado às questões de saúde, quanto às de doenças e/ou desordens.Não menos importante são as questões de fala nesse contexto, nesse caso, evidenciada por esta pesquisa as questões fonológicas, as quais servem para reflexão da importância de intervenção precoce, sendo isso um trabalho coletivo para gerar informações promovendo as questões de saúde para a população. Com isso, têm-se a possibilidade de proporcionar à criança e aos familiares, um tratamento com suas necessidades levando em consideração as influências ambientais e sociais3030. Ruaro JA, Ruaro MB, Souza DE, Fréz AR, Guerra RO. An overview and profile of the ICF's use in Brazil - a decade of history. Rev Bras Fisioter. 2012;16(6):454-62.,3131. Finger ME, Cieza A, Stoll J, Stucki G, Huber EO. Identification of intervention categories for physical therapy, based on the international classification of functioning, disability and health: a Delphi exercise. Phys Ther. 2006;86(9):1203-20..

Sendo assim, utilizar questionários na rotina clínica, acadêmica e nas campanhas de promoção de saúde, atuam de forma benéfica para essa população, implicando sobre as questões de comunicação, e os DSF, propriamente.

Ainda, como limitação deste estudo, aponta-se que as crianças que se encontravam em atendimento fonoaudiológico, no local de estudo, mesmo que em início de tratamento, poderiam receber informações complementares a respeito da fala e seus distúrbios.

Conclusão

A partir deste estudo pôde-se concluir que os pais apresentam consciência do impacto gerado pelo DSF do tipo fonológico, e das dificuldades enfrentadas pelas crianças, no que se refere às relações interpessoais, ao estado emocional e, também, aos problemas escolares.

O estudo apontou que as crianças percebem o impacto dos DSF e que os ambientes não familiares são mais propícios para que,possivelmente, elas se isolem ou desenvolvam sentimento de frustração, timidez e baixa autoestima. Estes fatores dificultam o relacionamento com os demais indivíduos, implicando na efetividade da comunicação oral.

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  • Fonte de auxílio: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES.
  • Artigo desenvolvido no Departamento de Fonoaudiologia e no Departamento de Estatística da Universidade Federal de Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Jul 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    10 Set 2018
  • Aceito
    25 Mar 2019
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