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Editorial II

EDITORIAL II

Distúrbio específico de leitura (dislexia): debates necessários

Ana Luiza Gomes Pinto NavasI; Monica Cristina Andrade WeinsteinII

IFonoaudióloga Doutora em Psicolinguística pela University of Connecticut; Professora Adjunta do Curso de Fonoaudiologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP)

IIFonoaudióloga Doutora em Distúrbios da comunicação Humana pela Universidade Federal de São Paulo; Coordenadora do Núcleo Especializado em Aprendiz (NEA) da Faculdade de Medicina da Fundação ABC (FMABC); Instituto CEFAC

Sabe-se que a habilidade de ler bem é um fator essencial para o sucesso no desempenho acadêmico e para o crescimento profissional e pessoal. Crianças que falham no processo de aprendizagem de leitura e escrita estão privadas de avançar na busca por conhecimentos. Este editorial tem como objetivo delimitar a discussão sobre essas dificuldades a apenas uma das várias causas para as dificuldades escolares, muitas das quais são derivadas de problemas sensoriais, sociais, emocionais, de infra-estrutura escolar, para citar alguns.

O que se discute aqui são aqueles casos em que a dificuldade severa para aprender a ler e escrever não encontra justificativa em nenhuma das situações acima. A dislexia do desenvolvimento é uma condição amplamente reconhecida no meio educacional nacional e internacional, com sintomas bem definidos, com vasto embasamento teórico-científico e que afeta de 4 a 8% da população mundial segundo recentes estimativas 1. Ou seja, o distúrbio específico de leitura tem sido caracterizado em inúmeros países, com diversos sistemas de escrita e idiomas, e independente de condições sócio-econômicas.

O Brasil tem 50 milhões de crianças e adolescentes matriculados no ensino básico 2, se formos conservadores e considerarmos a taxa de 5% de alunos disléxicos, estaremos diante de dois milhões e meio de brasileiros nessa condição. Num estudo recente 3 envolvendo o diagnóstico interdisciplinar de crianças e adolescentes brasileiros da rede pública e privada com queixas de dificuldade para aprender, foram identificadas como disléxicas 10% das crianças do grupo, fato que contribui para desmistificar a falsa crença de que alunos disléxicos são, na realidade, fruto de um sistema de educação ineficaz. Alunos disléxicos têm, na realidade, uma característica de neurodesenvolvimento que lhes dificulta sobremaneira a aquisição da leitura. No Brasil, infelizmente, temos uma sobreposição desses problemas. Trazer à luz a questão da dislexia e buscar ajuda nas políticas públicas de saúde e educação com o intuito de apoiar os alunos com dislexia e suas famílias, não significa que estamos dando as costas para a questão da educação em nosso país. Essa última é uma batalha com muitas frentes de combate.

Toda criança com dislexia tem seu quadro inicialmente identificado como uma dificuldade escolar. No entanto, quando uma dificuldade escolar é adequadamente atendida pelo professor, com o apoio pedagógico e/ou de especialista, ela é sanada na grande maioria dos casos; no caso da dislexia, a dificuldade em leitura e escrita é muito mais acentuada e o apoio necessário é maior do que aquele disponível na escola pública brasileira atual. Sendo assim, é essencial que as crianças com dislexia sejam identificadas o mais precocemente possível, e que recebam a intervenção necessária antes que as consequências emocionais e acadêmicas sejam muito grandes.

Países do mundo inteiro reconhecem a necessidade de acompanhamento especial para estas crianças e adolescentes, inclusive para aqueles adultos que apesar de terem superado muitas das dificuldades iniciais ainda sofrem quando a demanda de leitura aumenta. As pesquisas científicas bem como as evidências da prática clínica têm convergido na seleção dos princípios que definem um programa de acompanhamento destas crianças com distúrbios de aprendizagem e especificamente na dislexia 4.

No Brasil, ainda não há uma política nacional de identificação e acompanhamento de crianças com distúrbios de aprendizagem, o que torna ainda mais difícil a intervenção precoce. Na Inglaterra, Canadá e Estados Unidos, por exemplo, programas de identificação precoce auxiliam a escola a desenvolver com as famílias e as crianças, estratégias de ensino para potencializar a aprendizagem que depende do código escrito 5. Nestes países, o foco da discussão atual é qual o melhor enfoque para o acompanhamento destas crianças, como adaptar as situações laborais para receber jovens estagiários e, sobretudo, como valorizar as habilidades criativas e artísticas dos disléxicos.

Os recentes debates veiculados na mídia sobre a existência ou não da dislexia não contribuem para o avanço do acompanhamento e a diminuição do sofrimento das famílias das crianças e adolescentes com esta condição. Além disso, posições extremistas, negando a existência da dislexia ou considerando que toda e qualquer dificuldade de leitura e escrita é classificada como dislexia, são ações que demonstram o desconhecimento dos avanços científicos da área.

A energia empregada nestes debates deveria estar direcionada para avançar nas discussões sobre os subsídios para as políticas públicas, para o desenvolvimento de instrumentos de acompanhamento da leitura, critérios para o diagnóstico dos distúrbios de aprendizagem, incidência de casos e programas de intervenção mais eficientes, tanto nas escolas como no auxílio a especialistas.

  • 1. Muter V, Snowling MJ. Children at familial risk of dyslexia: practical implications from an at-risk study. Child Adol Mental Health. 2009; 14(1):37-41.
  • 2
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). [homepage na internet] Rio de Janeiro: 2009. [acesso em: 05 nov 2009] Disponível em: URL:http://www.ibge.gov.br>
    » link
  • 3. Weinstein MCA, Wajnztejn R, Brito IP, Gabanini A, Gerbelli SM. An interdisciplinary evaluation of Brazilian school aged children with learning disabilities. In: Annals of the 18th Annual Congress on Learning Disabilities. Boston, 2009.
  • 4. Given BK, Wasserman JD, Chari SA, Beattie K, Eden GF. A randomized, controlled study of computer-based intervention in middle school struggling readers. Brain Lang. 2008; 106(2):83-97.
  • 5. Vadasy PF, Sanders EA, Abbott RD. Effects of supplemental early reading intervention at 2-year follow-up: reading skill growth patterns and predictors. Sci Stud Read. 2008; 12(1):51-89.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Jan 2010
  • Data do Fascículo
    Dez 2009
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