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Disfonia, hipertensão arterial, diabetes mellitus, doenças da tireoide e queixas de ruído como prováveis fatores associados a perda auditiva em professores

RESUMO

Objetivo:

verificar possível associação da perda auditiva com disfonia, hipertensão arterial (HA), diabetes mellitus (DM), doenças da tireoide e queixas de ruído.

Métodos:

estudo transversal envolvendo 60 professores, média de idade de 47,05 anos. Foi avaliada a audição por meio da Audiometria tonal limiar, a percepção e qualidade vocal com o questionário vocal e a avaliação vocal acústica, enquanto a queixa de ruído e as comorbidades envolvidas foram investigadas com o questionário padronizado. A análise estatística utilizou os testes Ex-act de Mann Whitney, Fisher e regressão linear multivariada.

Resultados:

houve associação significante entre perda auditiva e DM, HA e doenças da tireoide (ambas p <0,0001), mas não foi encontrada associação entre queixa de ruído e perda auditiva nesta população. A regressão mostrou que as variáveis disfonia (p = 0,0311) e DM (p = 0,0302) são fatores de risco independentes para perda auditiva. Houve correlação entre perda auditiva e as características vocais rugosidade, soprosidade, tensão e ressonância.

Conclusão:

este estudo demostrou que HA e doenças da tireoide são fatores associados a perda auditiva, além disso a disfonia e DM se constituem em fatores associados independentes para a perda auditiva em professores. Estes resultados mostram a necessidade de políticas direcionadas a promoção da saúde do professor.

Descritores:
Perda Auditiva; Disfonia; Diabetes Mellitus; Hipertensão; Glândula Tireóide; Professor

ABSTRACT

Objective:

to verify a possible association between hearing loss and dysphonia, arterial hypertension, diabetes mellitus, thyroid diseases, and noise complaints.

Methods:

a cross-sectional study involving 60 teachers, mean age 47.05 years. Pure-tone threshold audiometry was used to assess hearing, the voice questionnaire and voice acoustic evaluation were used for voice perception and quality, and the standardized questionnaire verified noise complaint and comorbidities. The statistical analysis was conducted with Mann-Whitney and Fisher's exact tests and multivariate linear regression.

Results:

there was a significant association between hearing loss and diabetes mellitus, hypertension, and thyroid disease (both p <0.0001), but there was no association between noise complaints and hearing loss in this population. The regression showed that dysphonia (p = 0.0311) and diabetes mellitus (p = 0.0302) are independent risk factors for hearing loss. A correlation was found between hearing loss and voice characteristics: roughness, breathiness, tension, and resonance.

Conclusion:

this study showed that hypertension and thyroid diseases are factors associated with hearing loss. In addition, dysphonia and diabetes mellitus are independent factors associated with hearing loss in teachers. These results show the need for policies aimed at promoting teachers’ health.

Keywords:
Hearing Loss; Dysphonia; Diabetes Mellitus; Hypertension; Thyroid; Teacher

Introdução

A carreira docente se distingue de todas as outras atividades pela sua natureza e valor social. O professor tem uma função complexa, considerando que cada um dos alunos possui características únicas e necessidades muito diferentes. A medida que o conhecimento cresce e o mundo é transformado por meio de inovações tecnológicas e da comunicação globalizada, as dificuldades se acumulam para os professores que precisam se adaptar as novas demandas, a fim de promover a aprendizagem em seus alunos11. ValleI SMLER, ReimoIl R. Reflexos sobre Psicopedagogia, estresse e distúrbios do sono do professor. Rev. Psicopedagogia. 2011;28(87):237-45.. No momento, o papel do professor está além de mediar o processo de aquisição de conhecimento do aluno, que costumava ser comumente esperado. A missão do profissional, além da sala de aula, foi ampliada para garantir uma conexão entre a escola e a comunidade. O professor, além de ensinar, deve participar da gestão e planejamento escolar, o que significa uma dedicação mais ampla, que se estende às famílias e à comunidade. O estudo da relação entre o processo de trabalho docente, as condições reais em que ele é desenvolvido e possível adoecimento físico e mental constitui um desafio, trazendo a tona a necessidade de compreender o processo saúde-doença dos professores, e buscar novas associações22. Durstine JL, Gordon B, Wang Z, Luo X. Chronic disease and the link to physical activity. J Sport Health Sci. 2013;2(1):3-11.

3. Machado AP, Lima BM, Laureano MG, Silva PHB, Tardin GP, Reis PS et al. Educational strategies for the prevention of diabetes, hypertension, and obesity. AMB Rev Assoc Med Bras. 2016;62(8):800-8.
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Os professores relatam frequentemente sobre o incomodo com o ruído excessivo nas salas de aula e de sintomas auditivos, mas as medições do nível de ruído não são realizadas rotineiramente55. Martins RHG, Tavares ELM, Lima Neto AC, Fioravanti MP. Occupational hearing loss in teachers: a probable diagnosis. Braz J Otorhinolaryngol. 2007;73(2):239-44.. Além disso, esta classe profissional é acometida frequentemente por hipertensão arterial (HA), que é uma condição clínica multifatorial, caracterizada por níveis pressóricos elevados e sustentados, frequentemente associados a alterações funcionais e / ou estruturais. A Diabetes Mellitus (DM) que também é frequente na população, se constitui em grupo heterogêneo de distúrbios metabólicos que é caracterizado por hiperglicemia resultante de defeitos nos receptores celulares ou na secreção de insulina, ou ambos33. Machado AP, Lima BM, Laureano MG, Silva PHB, Tardin GP, Reis PS et al. Educational strategies for the prevention of diabetes, hypertension, and obesity. AMB Rev Assoc Med Bras. 2016;62(8):800-8.,66. Curci KA, Oliveira MR, Rangel MMS, Mendes S. Promoção da saúde e prevenção de riscos e doenças na Saúde Suplementar: um breve histórico. Mundo Saúde. 2013;37(2):230-40.. Já as doenças da tireoide são comuns no contexto da atenção primária a saúde e estão entre as 25 condições mais comumente diagnosticadas pelos médicos de família. Entretanto, a principal disfunção do hormônio tireoidiano é o hipotireoidismo primário, caracterizado pela diminuição da produção e secreção dos hormônios tireoidianos77. Silva AS, Maciel LMZ, Mello LM, Magalhães PKR, Nunes AA. Principais distúrbios tireoidianos e suas abordagens na atenção primária à saúde. Rev Assoc Med Rio Grande do Sul. 2011;55(4):380-8.,88. Camargo RYA, Tomimori EK, Neves SC, Knobel M, Medeiros-Neto G. Prevalence of chronic autoimmune thyroiditis in the urban area neighboring a petrochemical complex and a control area in Sao Paulo, Brazil. Clinics. 2006;61(4):307-12.. Alguns estudos demonstraram uma associação entre perda auditiva, ruído ambiental e comorbidades metabólicas, circulatórias e hormonais, como HA, DM e doenças da tireoide, mas faltam estudos que abordem esse tema em relação aos professores99. Meneses-Barriviera CL, Bazoni JA, Doi MY, Marchiori LLM. Probable association of hearing loss, hypertension and diabetes mellitus in the elderly. Int. Arch. Otorhinolaryngol. 2018; 22(4):337-41.

10. Malucelli DA, Malucelli FJ, Fonseca VR, Zeigeboim B, Ribas A, Trotta F et al. Estudo da prevalência de hipoacusia em indivíduos com diabetes mellitus tipo 1. Braz J Otorhinolaryngol. 2012;78(3):105-15.

11. Filiz KC, Elif AE, Fatih K, Kasim D, Zekiye D. Is sensorineural hearing loss related with thyroid metabolism disorders. Indian J Otol. 2015;21(2):138-43.
-1212. Martins RHG, Tavares ELM, Lima Neto AC, Fioravanti MP. Occupational hearing loss in teachers: a probable diagnosis. Rev Bras Otorrinolaringol. 2007;73(2):239-44..

Estudos vêm demonstrando, porém, que os professores têm alto risco de desenvolver disfonia e apresentam sinais vocais negativos em maior ou menor grau, e que esta alteração pode ter relação com a audição e o ruído ambiental, uma vez que a relação sinal-ruído é inadequada na maioria das salas de aula1313. Rantala LM, Hakala S, Holmqvist S, Sala E. Classroom noise and teacher's voice production. J Speech Lang Hear Res. 2015;58(5):1397-406.

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-1818. Meuer SP, Hiller W. The impact of hyperacusis and hearing loss on tinnitus perception in German teachers. Noise Health. 2015;17(77):182-90..

Com base nas considerações apresentadas, este estudo teve como objetivo verificar uma possível associação entre perda auditiva e disfonia, HA, DM, doenças da tireoide e queixas de ruído em professores.

Métodos

Estudo transversal com amostra de conveniência selecionada a partir de um projeto interdisciplinar que teve a finalidade de verificar as relações do estado de saúde e do estilo de vida dos professores da rede estadual de Ensino e relacioná-los com aspectos do processo de trabalho, denominado projeto Pró Mestre, desenvolvido na Universidade Estadual de Londrina e na Universidade Norte do Paraná, Brasil, após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Londrina, PR, Brasil, sob número de aprovação 742.355. Informações adicionais estão disponíveis em: http://www.uel.br/projetos/promestre/.

As avaliações deste amplo projeto de pesquisa aconteceram em três etapas, sendo que o presente estudo faz parte da terceira etapa. O fluxograma a respeito do processo de formação de amostras de professores para o estudo e suas respectivas particularidades encontram-se na Figura 1.

Figura 1:
Amostra de Professores do Pró Mestre III - Estudo Atual

A terceira etapa do estudo contou com 427 professores selecionados no estudo de seguimento. Destes, 341 consideraram a possibilidade de continuar com as avaliações dentro do projeto. Assim, entre setembro de 2015 e junho de 2017, estes foram convidados a participar das avaliações auditivas e vocais, além de fatores relacionados com comorbidades como as: alterações metabólicas e circulatórias e estilo de vida.

Como critérios de inclusão, foram selecionados todos os professores de sala de aula do ensino fundamental e médio da rede estadual do município, de ambos os sexos, com idade entre 18 e 60 anos, que estavam em sala de aula e que eram responsáveis por uma disciplina com tempo de profissão superior a 12 meses e que não haviam sido afastados de suas funções por mais de 30 dias no últimos 12 meses, que realizaram audiometria tonal liminar e avaliação vocal, responderam ao questionário de comorbidades e que assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Foram excluídos do estudo os que tivessem sido submetidos a cirurgia prévia de tireoide ou laringe; além daqueles apresentavam idade superior a 60 anos.

Não foi possível incluir 3 professores por morarem em outras regiões, 2 se aposentaram, 11 estavam afastados do trabalho, 3 não compareceram após o terceiro agendamento, 57 não tinham disponibilidade de horário para participar, 42 não tinham interesse em participar de todas as avaliações, 140 não foram encontrados após a 5ª tentativa, 9 por critérios de exclusão, 14 excluídos por não participarem da avaliação audiológica ou vocal.

Para a realização da pesquisa de perda auditiva foi utilizada a anamnese audiológica realizada pelo próprio pesquisador66. Curci KA, Oliveira MR, Rangel MMS, Mendes S. Promoção da saúde e prevenção de riscos e doenças na Saúde Suplementar: um breve histórico. Mundo Saúde. 2013;37(2):230-40., com inclusão de questão referente a queixa de trabalho em ambiente ruidoso, otoscopia para aferição do meato acústico externo e membrana timpânica e da audiometria tonal limiar realizado em cabine acústica, considerada o padrão ouro para avaliar limiar auditivo em adultos, nas frequências de 250 a 8000 Hz com apresentação dos tons puro para exclusão daqueles com perda auditiva, inicialmente utilizando 30 dBNA a 1000 Hz. A mesma foi notada em ficha de audiometria tonal e passada posteriormente para o banco de dados no programa Winaudio para ser armazenada e impressa para o paciente. A classificação quanto ao grau de perda auditiva considerou indivíduos sem perda auditiva aqueles cuja média foi de até 25 dB, e com perda auditiva aqueles com média tritonal acima de 26 dB99. Meneses-Barriviera CL, Bazoni JA, Doi MY, Marchiori LLM. Probable association of hearing loss, hypertension and diabetes mellitus in the elderly. Int. Arch. Otorhinolaryngol. 2018; 22(4):337-41.. Formam consideradas as médias de I e II, sendo que as frequências de 500 Hz, 1 KHz e 2 KHz foram utilizadas para as frequências I e II as de 4 KHz, 6 KHz e 8 KHz para a média II99. Meneses-Barriviera CL, Bazoni JA, Doi MY, Marchiori LLM. Probable association of hearing loss, hypertension and diabetes mellitus in the elderly. Int. Arch. Otorhinolaryngol. 2018; 22(4):337-41., uma vez que a perda auditiva ocupacional geralmente se inicia em altas frequências. As comorbidades HA, DM e doenças da tireoide também foram verificadas durante a anamnese.

A pesquisa diagnóstica para avaliação vocal consistiu de anamnese vocal sugerida por Behlau1919. Behlau M. Consensus auditory-perceptual evaluation of voice (CAPE-V). ASHA. 2003. p. 187-9. e gravação de voz baseada no protocolo CAPE-V1919. Behlau M. Consensus auditory-perceptual evaluation of voice (CAPE-V). ASHA. 2003. p. 187-9.,2020. Zraick RI, Kempster GB, Connor NP, Thibeault S, Klaben BK, Bursac Z et al. Establishing validity of the consensus auditory-perceptual evaluation of voice (CAPE-V). American Journal of Speech-Language Pathology. 2011;20(1):14-22., por meio de análise psicoacústica vocal realizada por pesquisador treinado e qualificado, em sala silenciosa, gravada e analisada por meio do software VoxMetria 4.0. posterior análise acústica e perceptivo-auditiva, com ênfase na análise das características: rugosidade, soprosidade, tensão, loudness e ressonância vocal, com um sistema operacional para o software VoxMetria 4.0 e um computador portátil equipado com um microfone estéreo omnidirecional. Os participantes da pesquisa realizaram os testes vocais na posição em pé, em ambiente silencioso, com o microfone em um ângulo de captação direcional de 90º.

A análise estatística foi realizada com o programa IBM SPSS (versão 20 para Windows). A distribuição paramétrica dos dados foi verificada pelo teste de D'agostino-Pearson, utilizando-se o teste exato de Fisher e teste de Mann Whitney para amostras independentes. Para comparar as médias de desempenho entre os grupos, adotou-se p <0,05. Para investigar os fatores de risco independentes para perda auditiva, utilizou-se o teste de Regressão Linear Multivariada com variáveis: voz, DM, HA, doenças da tireoide, ruído, idade e sexo. Para a variável dependente - perda auditiva - foi utilizada a média I e em seguida, a média da audição II.

Resultados

Dos 60 professores que compareceram a todas as avaliações, 24 (40%) eram homens e 36 (60%) mulheres. A média de idade foi de 47,05 anos. A presença de perda auditiva foi observada em 28,33% dos indivíduos; 42 (70%) apresentaram disfonia pelo protocolo CAPE-V e 18 (30%) não apresentaram. 15 (25%) dos participantes da pesquisa apresentavam HA e 45 (75%) não apresentavam; 9 (15%) apresentaram alterações tireoidianas e 51 (85%) não apresentaram; 6 (10%) tinham DM e 54 (90%) não tinham; Dos 17 participantes com perda auditiva pela média I, 52,94% apresentavam HA, 35,29% apresentavam alterações tireoidianas e 29,41% apresentavam DM; Dos 43 participantes com limiares auditivos normais, 13,95% apresentavam hipertensão arterial, 6,97% apresentavam alterações tireoidianas e 2,32%, diabetes mellitus.

Um total de 35,71% dos participantes disfônicos, assim como 11,11% dos participantes eufônicos, apresentaram perda auditiva pela média I. Dos participantes com perda auditiva, todos apresentaram alterações de ressonância, o que também foi apresentado por 81,39% dos 43 participantes com limiares auditivos normais. Um total de 35,71% dos participantes disfônicos, assim como 11,11% dos participantes eufônicos, apresentaram perda auditiva. Dos participantes com perda auditiva, todos apresentaram alterações de ressonância, o que também foi apresentado por 81,39% dos 43 participantes com limiares auditivos normais.

A análise estatística mostrou que as variáveis HA, DM, doenças da tireoide e disfonia correlacionaram-se a perda auditiva tanto nas análises dicotômicas (Tabela 1), quanto nas médias auditivas I e II (Tabela 2). A Tabela 2 também mostra os resultados entre disfonia e médias auditivas I e II em ambas as orelhas, bem como entre média auditiva e características vocais: rugosidade, soprosidade, tensão, loudness e ressonância vocal.

Tabela 1:
Associação entre perda auditiva e comorbidades
Tabela 2:
Correlação entre as médias auditivas, comorbidades e características vocais

Para o teste de regressão linear multivariada, foram incluídas as seguintes variáveis: sexo, idade e queixa de ruído excessivo em sala de aula.

De acordo com esse teste, os fatores de risco independentes para perda auditiva são disfonia e DM (Tabela 3). Na comparação entre os coeficientes pode-se observar uma diferença estatisticamente significante entre: disfonia e DM; HA e DM; DM e gênero; DM e idade (Tabela 3).

Tabela 3:
Variáveis associadas com Perda Auditiva pela Regressão linear multivariada

Discussão

Neste estudo houve associação significante entre perda auditiva e DM, HA e doenças da tireoide (ambas p <0,0001), mas não houve associação entre queixa de ruído e perda auditiva nesta população. A regressão logística mostrou que as variáveis disfonia (p = 0,0311) e diabetes mellitus (p = 0,0302) são fatores de risco independentes para perda auditiva considerando tanto a média I como a média II. Tais achados vem de encontro com a literatura que mostra associação entre perda auditiva e HA, DM e doenças da tireoide entre professores do ensino fundamental e médio99. Meneses-Barriviera CL, Bazoni JA, Doi MY, Marchiori LLM. Probable association of hearing loss, hypertension and diabetes mellitus in the elderly. Int. Arch. Otorhinolaryngol. 2018; 22(4):337-41.

10. Malucelli DA, Malucelli FJ, Fonseca VR, Zeigeboim B, Ribas A, Trotta F et al. Estudo da prevalência de hipoacusia em indivíduos com diabetes mellitus tipo 1. Braz J Otorhinolaryngol. 2012;78(3):105-15.
-1111. Filiz KC, Elif AE, Fatih K, Kasim D, Zekiye D. Is sensorineural hearing loss related with thyroid metabolism disorders. Indian J Otol. 2015;21(2):138-43.. Também mostra a necessidade de mais estudos com professores, uma vez que constituem uma população em risco tanto de perda auditiva quanto de outras comorbidades estudadas. As condições de trabalho, isto é, as circunstâncias sob as quais os professores colocam em prática suas capacidades físicas, cognitivas e efetivas para alcançar os objetivos da produção escolar, podem levar a sobrecarga ou a solicitação excessiva de suas funções psicofisiológicas. Se não há tempo para recuperação, os sintomas clínicos são desencadeados ou precipitados44. Gasparini SM, Barreto SM, Assunção AÁ. O professor, as condições de trabalho e os efeitos sobre sua saúde. Educação e Pesquisa. 2005;31(2):189-99.. As exigências do trabalho obrigam o professor a grandes esforços e podem comprometer seu equilíbrio e saúde. A ansiedade que pode surgir dos estressores pode levar a níveis severos de insônia e distúrbios crônicos, que podem incluir fragmentação do sono de despertar múltiplo e dificuldade na conciliação do sono, levando a um desequilíbrio no comportamento e na saúde11. ValleI SMLER, ReimoIl R. Reflexos sobre Psicopedagogia, estresse e distúrbios do sono do professor. Rev. Psicopedagogia. 2011;28(87):237-45., contribuindo para o aparecimento de comorbidades como a HÁ a DM e alterações na tireoide.

Em contraponto aos presentes achados sobre a não associação entre a queixa de ruído e alterações auditivas, duas pesquisas recentes citam a relação a exposição ao ruído escolar e alterações auditivas 2121. Ehlert K. Perceptions of public primary school teachers regarding noise-induced hearing loss in South Africa. S Afr J Commun Disord. 2017;28;64(1):e1-e12.,2222. Jonsdottir V, Rantala LM, Oskarsson GK, Sala E. Effects of pedagogical ideology on the perceived loudness and noise levels in preschools. Noise Health. 2015;17(78):282.. Tais divergências podem ter relação com a metodologia de pesquisa utilizada, uma vez que essa pesquisa se baseou apenas em dados autorreferidos pelos professores a respeito da queixa de ruido. Além disso outro trabalho cita que os níveis de ruído podem contribuir para alterações vocais, porém tal trabalho associa tais achados ao estresse ocasionado pelo método pedagógico, salientando que a estrutura e organização no tipo de atividade podem contribuir para o nível de ruído2121. Ehlert K. Perceptions of public primary school teachers regarding noise-induced hearing loss in South Africa. S Afr J Commun Disord. 2017;28;64(1):e1-e12..

A perda auditiva neurossensorial tem sido relatada em várias doenças autoimunes como a tireoidite que parece ter um impacto importante na diminuição da capacidade auditiva, nessa população de pacientes2323. Arduc A, Isik S, Allusoglu S, Iriz A, Dogan BA, Gocer C et al. Evaluation of hearing functions in patients with euthyroid Hashimoto's thyroiditis. Endocrine. 2015;50(3):708-14.. Este estudo concorda com esta premissa, uma vez que na presente pesquisa alterações na tireoide mostraram-se fatores de risco independentes para a perda auditiva em professores.

A avaliação desse risco é uma ferramenta importante para ações que promovam a saúde no ambiente escolar, o que pode orientar um processo de conscientização dos envolvidos, bem como uma mudança de hábitos e no ambiente, a fim de melhorar a qualidade de vida2424. Bassi IB, Assunção AA, Gama ACC, Gonçalves LG. Características clínicas, sociodemográficas e ocupacionais de professoras com disfonia. Distúrb. Comun. 2011;23(2):173-80.,2525. Fillis MMA, González AD, Andrade SMd, Melanda FN, Mesas AE. Frequência de problemas vocais autorreferidos e fatores ocupacionais associados em professores da educação básica de londrina, Paraná, Brasil. Cad Saude Publica. 2016;32(1):e00026015.. Além disso, os dados dessa pesquisa estão de acordo com um estudo que sugere que, embora os professores tenham se mostrado razoavelmente satisfeitos com sua qualidade vocal, também mostraram percepções equivocadas sobre o processo de saúde e evidenciaram aspectos negligenciados da qualidade vocal e da saúde necessidades que podem comprometer a voz / saúde vocal dos professores1515. Silva BG, Chammas TV, Zenari MS, Moreira RR, Samelli AG, Nemr K. Analysis of possible factors of vocal interference during the teaching activity. Rev Saude Publica. 2017;51(11):124.. Os resultados do presente estudo confirmam tais dados.

Neste estudo envolvendo professores da rede pública brasileira, foi notado que a queixa de ruído, apesar de não estar associada a perda auditiva, esteve associada aos problemas vocais desses professores. Embora o ruído seja negligenciado na escola, é importante que as ações de saúde pública abordem por meio de planejamentos metodológicos e ambientação visando a sua minimização, a fim de melhorar o ambiente de trabalho do professor e reduzir a probabilidade de problemas auditivos e vocais relacionados ao ruído2525. Fillis MMA, González AD, Andrade SMd, Melanda FN, Mesas AE. Frequência de problemas vocais autorreferidos e fatores ocupacionais associados em professores da educação básica de londrina, Paraná, Brasil. Cad Saude Publica. 2016;32(1):e00026015.,2626. Penteado RZ, Pereira IMTB. Qualidade de vida e saúde vocal de professores. Rev. Saúde Pública. 2007;41(2):236-43..

Um estudo anterior com a população da primeira fase do projeto de base da presente pesquisa, teve como objetivo estimar a prevalência de problemas vocais autorreferidos entre professores do ensino fundamental e identificar fatores ocupacionais associados, utilizando um desenho transversal e entrevistas face-a-face com 967 professores. A prevalência de problemas vocais autorreferidos foi de 25,7%. Análises ajustadas mostraram associações com características de relação de emprego (jornada de trabalho de 40 horas e baixa percepção de salários e benefícios de saúde), características do ambiente de trabalho (número de alunos por turma e exposição ao pó de giz e microrganismos), fatores psicológicos facção, oportunidades limitadas para expressar opiniões, pior relacionamento com os superiores, e um equilíbrio ruim entre vida profissional e pessoal), e violência (insultos e intimidação). Os distúrbios vocais afetaram um em cada quatro professores do ensino fundamental e foram associados a várias características da profissão docente (tanto estruturais quanto relacionadas ao trabalho)2525. Fillis MMA, González AD, Andrade SMd, Melanda FN, Mesas AE. Frequência de problemas vocais autorreferidos e fatores ocupacionais associados em professores da educação básica de londrina, Paraná, Brasil. Cad Saude Publica. 2016;32(1):e00026015..

Embora tenhamos encontrado neste estudo associação estatisticamente significante entre perda auditiva e disfonia, bem como correlação entre perda auditiva e características vocais específicas, como rugosidade, soprosidade, tensão e ressonância, não foi possível verificar a real associação alterações vocais devido ao tamanho da amostra e a prevalência de alterações auditivas mais leves nessa população de professores. Essa limitação pode ser corrigida em estudos com populações maiores, nas quais o grau de perda auditiva pode ser considerado em relação a cada uma das variáveis de avaliação vocal do professor.

No entanto, este estudo traz dados de relevância para essa população, uma vez que aponta para a necessidade da prevenção de comorbidades como a HÁ, DM e das alterações da tireoide, assim como para o diagnóstico precoce destas alterações na população com perda auditiva, visando a minimização de seus efeitos sobre a audição. Chama a atenção também para a associação entre perda auditiva e disfonia, mostrando que há necessidade de se averiguar a audição em professores com esta alteração. Em suma, ressalta-se que audição é condição necessária para o trabalho cotidiano e atividades funcionais dos professores e que, por isso, deve ser analisada constantemente, visando ao bem-estar dessa população.

Conclusão

Este estudo demostrou que HA e doenças da tireoide são fatores associados a perda auditiva em professores, além de que a disfonia e DM se constituem em fatores associados independentes para a perda auditiva em professores. Também se verificou correlação entre perda auditiva e as características vocais pesquisadas: rugosidade, soprosidade, tensão e ressonância.

Esses resultados sugerem uma exploração mais aprofundada para determinar essa associação em estudos futuros, bem como a necessidade de políticas direcionadas a promoção da saúde do professor com intervenção precoce, tanto da perda auditiva como da HA, DM e doenças da tireoide, visando reduzir alterações, sintomas e comorbidades, presentes nesta população.

A partir da associação entre perda auditiva e parâmetros de voz em professores, enfatiza-se a importância clínica dos resultados da avaliação auditiva e vocal em professores. Os parâmetros de coleta de dados relatados neste estudo, em muitos aspectos, são semelhantes aos utilizados em outros centros clínicos e poderiam ser implementados em outros estudos similares.

Agradecimentos

FUNADESP - Fundação Nacional de Desenvolvimento de Ensino Superior Particular.

REFERENCES

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  • Fonte de financiamento: FUNADESP (Fundação Nacional de Desenvolvimento de Ensino Superior Particular).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Mar 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    25 Maio 2020
  • Aceito
    08 Out 2020
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