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Equilíbrio postural em crianças com Transtorno do Espectro Autista

RESUMO

Objetivo:

caracterizar o desempenho de criança com Transtorno do Espectro Autista em duas escalas de avaliação do Equilíbrio Postural.

Métodos:

estudo de interferência observacional, com segmento transversal e de perfil descritivo analítico. Foram avaliadas crianças com diagnóstico de TEA de grau leve segundo o DSM-5, diagnosticadas por equipe interdisciplinar, com idade entre 7 e 11 anos. Os protocolos utilizados foram o Teste de Organização Sensorial e a Escala de Equilíbrio Pediátrica.

Resultados:

todas as crianças apresentaram desempenho máximo no Teste de Organização Sensorial. Na Escala de Equilíbrio Pediátrica, dos 14 itens presentes, os participantes apresentaram respostas semelhantes em oito deles, e nos seis demais houve desvio padrão.

Conclusão:

os participantes não demonstraram dificuldades na realização na EEP e no Teste de Organização Sensorial, mantendo escores muito próximos do valor máximo.

Descritores:
Transtorno Autístico; Doenças Vestibulares; Equilíbrio Postural; Transtornos das Sensações; Crianças; Comportamento Infantil

ABSTRACT

Purpose:

to characterize the performance of children with autism spectrum disorders in two postural balance assessment scales.

Methods:

an observational cross-sectional study with a descriptive, analytical profile. Seven to 11-year-old children with mild autism spectrum disorder, diagnosed by an interdisciplinary team, according to the DSM-5, were assessed. The protocols used were the Sensory Organization Test and Pediatric Balance Scale.

Results:

all the children obtained maximum performance in the Sensory Organization Test. As for the Pediatric Balance Scale, the participants had similar responses in 8 out of its 14 items; in the other 6, there was a standard deviation.

Conclusion:

the participants did not have difficulties performing the Pediatric Balance Scale and Sensory Organization Test, scoring quite close to the maximum value.

Keywords:
Autistic Disorder; Vestibular Diseases; Postural Balance; Sensation Disorders; Child; Child Behavior

Introdução

O equilíbrio postural (EP) é a habilidade de manutenção da posição desejada, seja estática ou dinâmica. Para que o EP seja possível, é necessário a interação entre os sistemas proprioceptivo, vestibular e visual11. Herdman SJ. Reabilitação vestibular. 2a ed. São Paulo: Manole; 2002.,22. Steindl R, Kunz K, Schrott-Fischer A, Scholtz AW. Effect of age and sex on maturation of sensory systems and balance control. Dev. Med. Child Neurol. 2006;48(6):477-82..

O sistema proprioceptivo informa sobre a posição do corpo nas superfícies11. Herdman SJ. Reabilitação vestibular. 2a ed. São Paulo: Manole; 2002., enquanto o sistema vestibular é responsável pelas informações de localização da cabeça no espaço e leva ao Sistema Nervoso Central informações sobre o corpo no ambiente.

Tontura e problemas de EP estão presentes em 5,3% das crianças e adolescentes dos Estados Unidos33. Li CM, Hoffman HJ, Ward BK, Cohen HS, Rine RM. Epidemiology of dizziness and balance problems in children in the United States: a population-based study. J. Pediatr. 2016;171(1):240-7.. As crianças acima de sete anos conseguem expressar melhor as características das suas dificuldades de EP44. Formigoni LG, Medeiros IRT, Santoro PP, Bittar RSM, Bottino MA. Avaliação clínica das vestibulopatias na infância. BJORL. 1999;65(1):78-82..

O controle dos movimentos cotidianos, como alcançar, agarrar, caminhar e olhar envolve a atividade integrada de processos neurocognitivos, processos sensoriais e reflexos. Os movimentos em andamento devem ser planejados, iniciados, guiados, monitorados e ajustados para acomodar contingências ambientais55. Stins JF, Emck C, de Vries EM, Doop S, Beek PJ. Attentional and sensory contributions to postural sway in children with autism spectrum disorder. Gait Posture. 2015;42(2):199-203..

O EP é um dos requisitos necessários para pleno desenvolvimento motor, realização das atividades diárias e adequação da interação social66. Mancini M, Horak FB. The relevance of clinical balance assessment tools to differentiate balance deficits. Eur. J. Phys. Rehabil. Med. 2010;46(2):239-48.,77. Pollock AS, Durward BR, Rowe PJ, Paul JP. What is balance? Clin. Rehabil. 2000;14(4):402-6.. É importante comentar a necessidade de manutenção da postura nas crianças, já que essas estão em plena exploração das suas habilidades motoras, e necessitam do EP para a aquisição dos marcos de desenvolvimento motor88. Doumas M, McKenna R, Murphy B. Postural control deficits in Autism Spectrum Disorder: the role of sensory integration. J. Autism Dev. Disord. 2016;46(3):853-61.. Durante a infância, podem surgir diversos déficits, disfunções e transtornos que alteram o curso típico de desenvolvimento infantil. O impacto de dificuldades motoras e outros transtornos na infância pode ser severo, pois contribui na redução da participação das crianças em atividades com seus pares e dificulta a interação social e o desenvolvimento55. Stins JF, Emck C, de Vries EM, Doop S, Beek PJ. Attentional and sensory contributions to postural sway in children with autism spectrum disorder. Gait Posture. 2015;42(2):199-203..

Os Transtornos do Neurodesenvolvimento, segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM-5), são déficits que surgem no período do desenvolvimento infantil e perduram ao longo da vida. São descritos diversos transtornos no DSM-5, contudo as características motoras não são consideradas critérios diagnósticos na maioria deles99. American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, quinta edição (DSM-V). Arlington, VA: American Psychiatric Association, 2013.. Estes transtornos são marcados pela heterogeneidade de características apresentadas pelos indivíduos. A presença de associação entre os transtornos do neurodesenvolvimento também é bem comum. Sabe-se que quanto mais comorbidades as crianças tenham, pior será o desempenho delas em diversas atividades. Crianças com TEA podem apresentar secundariamente transtorno de linguagem, Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade, Deficiência Intelectual entre outros99. American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, quinta edição (DSM-V). Arlington, VA: American Psychiatric Association, 2013.,1010. Moseley RL, Pulvermüller F. What can autism teach us about the role of sensorimotor systems in higher cognition? New clues from studies on language, action semantics, and abstract emotional concept processing. Cortex. 2018;100:149-90..

O Transtorno do Espectro Autista é um Transtorno do Neurodesenvolvimento caracterizado por alterações em dois grupos de características. O primeiro são as dificuldades com linguagem, interação e reciprocidade social. O segundo, está relacionado às características de padrões repetitivos e interesses restritos. No segundo grupo de critérios, são descritas as alterações sensoriais que podem ser em relação a modulação, percepção e discriminação sensorial1111. Blanche EI, Reinoso G, Chang MC, Bodison S. Proprioceptive processing difficulties among children with autism spectrum disorders and developmental disabilities. Am. J. Occup. Ther. 2012;66(5):621-4.,1212. Fournier KA, Hass CJ, Naik SK, Lodha N, Cauraugh JH. Motor coordination in autism spectrum disorders: a synthesis and meta-analysis. J. Autism Dev. Disord. 2010;40(10):1227-40.. As crianças com TEA com frequência apresentam um padrão de hipo ou hiperresponssividade aos estímulos sensoriais99. American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, quinta edição (DSM-V). Arlington, VA: American Psychiatric Association, 2013..

Apesar de não ser considerado um critério diagnóstico para o transtorno, as dificuldades de planejamento motor, coordenação motora e marcha atípica também são relatadas99. American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, quinta edição (DSM-V). Arlington, VA: American Psychiatric Association, 2013.. Estudos que mostram as dificuldades de percepção, modulação e discriminação sensorial também estão presentes com frequência na literatura88. Doumas M, McKenna R, Murphy B. Postural control deficits in Autism Spectrum Disorder: the role of sensory integration. J. Autism Dev. Disord. 2016;46(3):853-61.,1313. Lim YH, Partridge K, Girdler S, Morris SL. Standing postural control in individuals with Autism Spectrum Disorder: systematic review and meta-analysis. J. Autism Dev. Disord. 2017;47(7):2238-53., sendo, inclusive, consideradas causas do nível de gravidade e prognóstico do TEA. A agressividade, as estereotipias e os padrões repetitivos são justificados pelas alterações sensoriais nessas crianças99. American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, quinta edição (DSM-V). Arlington, VA: American Psychiatric Association, 2013.,1313. Lim YH, Partridge K, Girdler S, Morris SL. Standing postural control in individuals with Autism Spectrum Disorder: systematic review and meta-analysis. J. Autism Dev. Disord. 2017;47(7):2238-53..

Pela característica de integração de três sistemas sensoriais para funcionamento do EP, indivíduos com disfunções sensório-motoras tendem a terem dificuldades na manutenção dessa habilidade. Visto isso, é esperado que crianças com TEA apresentem dificuldades de EP como descrito em alguns estudos1414. Radonovich KJ, Fournier KA, Hass CJ. Relationship between postural control and restricted, repetitive behaviors in autism spectrum disorders. Front Integr Neurosci. 2013;7:28.

15. Ghanouni P, Memari AH, Gharibzadeh S, Eghlidi J, Moshayedi P. Effect of social stimuli on postural responses in individuals with Autism Spectrum Disorder. J. Autism Dev. Disord. 2017;47(5):1305-13.
-1616. Rosario MG, López L, Méndez M, Ababneh AF, Gonzalez-Sola M. Proprioception and vestibular alterations affect postural control in children with mild autism: a pilot study. F1000Research. 2018;7:305..

A regulação do EP não é puramente dirigida pelo reflexo, pois estão envolvidos centros superiores, como o córtex motor, os gânglios da base, o cerebelo, o córtex vestibular e o tronco cerebral55. Stins JF, Emck C, de Vries EM, Doop S, Beek PJ. Attentional and sensory contributions to postural sway in children with autism spectrum disorder. Gait Posture. 2015;42(2):199-203.. No caso do autismo, vários estudos descobriram que o EP está comprometido, como também que anormalidades posturais são preditivas da sintomatologia de TEA1717. MacDonald M, Lord C, Ulrich DA. The relationship of motor skills and social communicative skills in school-aged children with autism spectrum disorder. Adapt Phys Activ Q. 2013;30(3):271-82.,1818. Mickle KJ, Munro BJ, Steele JR. Gender and age affect balance performance in primary school-aged children. J Sci Med Sport. 2011;14(3):243-8.. Especificamente, o aumento da oscilação postural parece refletir a percepção prejudicada dos pacientes do movimento do corpo em relação ao seu próprio limite de limitação postural, bem como uma capacidade reduzida de desacoplar os movimentos distintos do tornozelo e do quadril para alinhar seu corpo durante a posição em pé1919. Wang Z, Hallac RR, Conroy KC, White SP, Kane AA, Collinsworth AL et al. Postural orientation and equilibrium processes associated with increased postural sway in autism spectrum disorder (ASD). J Neurodev Disord. 2016;8:43..

Quanto mais dificuldades associadas, pior é o prognóstico de cada criança, pois mais difícil é a integração de informações sensoriais. Visto que diversas vias neurais são compartilhadas, crianças que têm dificuldades atencionais, por exemplo, terão mais problema em manter o EP frente aos estímulos exteriores1010. Moseley RL, Pulvermüller F. What can autism teach us about the role of sensorimotor systems in higher cognition? New clues from studies on language, action semantics, and abstract emotional concept processing. Cortex. 2018;100:149-90..

Sendo assim, o objetivo desse estudo foi caracterizar o desempenho de crianças com TEA em duas escalas de avaliação do EP.

Métodos

Trata-se de um estudo de interferência observacional, com segmento transversal e de perfil descritivo analítico, aprovado pelo Comitê Central de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Onofre Lopes - HUOL, Brasil, sob o número 3.232.724. Foi realizado no Centro de Educação e Pesquisa em Saúde Anita Garibaldi, situada em Macaíba/RN.

A amostra foi por conveniência e para seleção foram analisados os prontuários disponíveis no CEPE. Os critérios de elegibilidade foram: crianças com diagnóstico de TEA de grau leve segundo o DSM-5, diagnosticadas por equipe interdisciplinar, com idade entre 7 e 11 anos, com ausência de comorbidades ou lesões associadas ao TEA, sem uso de medicamentos que interferissem no EP, e sem diagnóstico específico de alteração postural. Foram excluídas as crianças que não conseguiram finalizar a avaliação. Todos os responsáveis assinaram os termos de consentimento livre e esclarecido. Foram excluídas duas crianças, pois não conseguiram finalizar a avaliação.

As avaliações aconteceram no CEPE, na presença dos pais, com duração média de 45 minutos. Inicialmente, os pais receberam uma explicação de como iria ocorrer a avaliação do EP e quais seriam os itens avaliados. A avaliadora pedia que a criança fizesse as tarefas dos protocolos, dando o modelo e sendo bastante lúdica. Ao final, era explicado aos pais o resultado dos testes.

A avaliação do EP deu-se por meio de dois protocolos. O primeiro foi o Teste de Organização Sensorial, cuja análise nos revela a interação sensorial entre os sistemas visual, vestibular e proprioceptivo. Não foi encontrada recomendação de idade mínima ou máxima para a realização do teste. É composto por quatro condições sensoriais descritas logo abaixo2020. Shumway-Cook A, Horak FB. Assessing the influence of sensory interaction of balance. Suggestion from the field. Phys Ther. 1986;66(10):1548-50.. Há respostas para as quatro tarefas cujos resultados são pontuados de zero a 100, observando a presença ou ausência de oscilações corporais. De zero a 59 é considerado queda, de 60 a 69 risco de queda e de 70 a 100 é considerado normal2121. Oda DTM, Ganança CF. Computerized dynamic posturography in the assessment of body balance in individuals with vestibular dysfunction. Audiol., Commun. Res. 2015;20(2):89-95.. Também foi mensurado o Índice do Equilíbrio Geral, calculado por meio da média aritmética dos valores encontrados nas quatro condições do teste. Solicitava-se para que a criança permanecesse por trinta segundos em cada uma das condições sensoriais do teste, as condições foram:

  • Condição 1: Paciente em posição ortostática com olhos abertos sobre uma superfície lisa e firme.

  • Condição 2: Paciente em posição ortostática com olhos fechados sobre uma superfície lisa e firme.

  • Condição 3: Paciente em posição ortostática com olhos abertos sobre uma superfície de espuma.

  • Condição 4: Paciente em posição ortostática com olhos fechados sobre uma superfície de espuma.

Posteriormente, foi aplicada a versão brasileira da Escala de Equilíbrio Pediátrica (EEP) que foi traduzida para o português2222. Ries LGK, Michaelsen SM, Soares PSA, Monteiro VC, Allegretti KMG. Cross-cultural adaptation and reliability analysis of the Brazilian version of Pediatric Balance Scale (PBS). Braz. J. Phys. Ther. 2012;16(3):205-15.. Essa escala é uma adaptação da Escala de Equilíbrio Postural de Berg (EEB), cujo intuito é avaliar o risco de quedas em pessoas idosas. A versão pediátrica é idealizada para crianças em fase escolar, entre cinco e 15 anos e avalia o EP estático e dinâmico por 14 itens (Figura 1). Contém tarefas que simulam as atividades da vida cotidiana. Cada item recebe de 0 a 4 pontos, somando uma pontuação total de 56 pontos, cujo escore máximo representa a plena habilidade da criança em realizar todas as tarefas.

Figura 1:
Descrição dos itens da Escala de Equilíbrio Pediátrico

Os dados foram analisados por meio de estatística descritiva, com mediana, intervalo interquartil, média e desvio padrão.

Resultados

Participaram, inicialmente, deste estudo 14 crianças, com idades variando entre sete e doze anos, sendo uma menina e 13 meninos. Todos os responsáveis receberam uma ampla explicação de como a avaliação iria ocorrer e aceitaram participar. No entanto, duas crianças (um menino e uma menina), após o início dos testes apresentaram resistência em continuar e foram excluídas da pesquisa. Dessa forma, a amostra final foi composta por 12 meninos, com idades entre sete e 11 (média de oito anos e meio). De forma geral, os participantes aceitaram bem as tarefas e as realizaram após demonstração e instruções lúdicas.

A amostra foi composta por crianças com características heterogêneas, mas com o mesmo diagnóstico. As crianças número 1, 2, 3 e 4 faziam equoterapia na data das avaliações. As demais crianças haviam passado por avaliações multidisciplinares e orientações a família, mas não estavam em terapia no momento das avaliações.

Os resultados da EEP variaram entre os participantes, no entanto, todas as crianças apresentaram desempenho máximo no Teste de Organização Sensorial. Nenhuma criança apresentou tontura ou risco de queda. Com um pouco mais de oscilação na condição 4, mas sem alteração significante. A Figura 2 apresenta os escores das crianças na realização de cada item da EEP. Como é possível observar, a maioria obteve desempenho máximo na realização de cada tarefa.

Figura 2:
Respostas dos participantes na Escala de Equilíbrio Pediátrico

Em relação a EEP, os participantes apresentaram respostas semelhantes, apenas os itens 7, 8, 9, 10, 11 e 14 apresentaram desvio padrão, como apresentado na Tabela 1. As demais tarefas foram analisadas, porém o valor de desvio padrão e intervalo interquartil foi igual a zero, pois os escores dos participantes nas tarefas foram os mesmos.

Tabela 1:
Análise descritiva dos itens 7, 8, 9, 10, 11 e 14 da Escala de Equilíbrio Pediátrico nas crianças com Transtorno do Espectro Autista

Discussão

O objetivo desse estudo foi caracterizar o desempenho de crianças com TEA em duas escalas de avaliação do EP. Em relação ao Teste de Organização Sensorial, os participantes tiveram valores máximos em todos as quatro condições. Na EEP, os escores finais variaram, porém com desvio padrão muito pequeno.

Os estudos de Lim et al.1313. Lim YH, Partridge K, Girdler S, Morris SL. Standing postural control in individuals with Autism Spectrum Disorder: systematic review and meta-analysis. J. Autism Dev. Disord. 2017;47(7):2238-53., Gouleme et al.2323. Gouleme N, Scheid I, Peyre H, Seassau M, Maruani A, Clarke J et al. Postural control and emotion in children with Autism Spectrum Disorders. Transl Neurosci. 2017;8:158-66. comparam o desempenho de equilíbrio postural entre crianças típicas (grupo controle) e crianças com TEA. Na revisão de Lim et al.1313. Lim YH, Partridge K, Girdler S, Morris SL. Standing postural control in individuals with Autism Spectrum Disorder: systematic review and meta-analysis. J. Autism Dev. Disord. 2017;47(7):2238-53., foram avaliadas 434 pessoas com TEA e 551 pessoas de desenvolvimento típico entre as idades de 3 e 52 anos. No estudo Gouleme et al.2323. Gouleme N, Scheid I, Peyre H, Seassau M, Maruani A, Clarke J et al. Postural control and emotion in children with Autism Spectrum Disorders. Transl Neurosci. 2017;8:158-66., 30 crianças de desenvolvimento típico foram comparadas com 30 crianças com TEA de idades médias de 12,1±2,9 anos. Em ambos os estudos, as crianças com TEA tiveram desempenho inferior nas avaliações de EP quando comparadas às crianças de desenvolvimento típico. É possível supor que as diferenças metodológicas culminaram no resultado deste estudo em não indicar alterações de equilíbrio como o encontrado nos artigos citados1313. Lim YH, Partridge K, Girdler S, Morris SL. Standing postural control in individuals with Autism Spectrum Disorder: systematic review and meta-analysis. J. Autism Dev. Disord. 2017;47(7):2238-53.,2323. Gouleme N, Scheid I, Peyre H, Seassau M, Maruani A, Clarke J et al. Postural control and emotion in children with Autism Spectrum Disorders. Transl Neurosci. 2017;8:158-66..

No estudo psicométrico da EEP com crianças de desenvolvimento típico entre dois e 13 anos, realizado por Darr et al. (2015)2424. Darr N, Franjoine MR, Campbell SK, Smith E. Psychometric properties of the Pediatric Balance Scale using Rasch analysis. Pediatr Phys Ther. 2015;27(4):337-48., 37% das crianças avaliadas obtiveram escores máximos. Contudo de forma geral, os escores finais variaram pouco2424. Darr N, Franjoine MR, Campbell SK, Smith E. Psychometric properties of the Pediatric Balance Scale using Rasch analysis. Pediatr Phys Ther. 2015;27(4):337-48.. Assim como é possível perceber no presente estudo.

Apesar da EEP ser um protocolo validado e que demonstrou sensibilidade na avaliação de EP de crianças com síndrome de down2525. Leite JC, Neves JCJ, Vitor LGV, Fujisawa DS. Postural control in children with Down syndrome: evaluation of functional balance and mobility. Rev. Bras. Educ. Espec. 2018;24(2):173-82., encefalopatia crônicas2626. Yi SH, Hwang JH, Kim SJ, Kwon JY. Validity of pediatric balance scales in children with spastic cerebral palsy. Neuropediatrics. 2012;43(6):307-13. e deficiência visual2727. Zylka JL, Lache U, Rutkowska I. Functional Balance Assessment with Pediatric Balance Scale in girls with visual impairment. Pediatr Phys Ther. 2013;25(4):460-6., não foi demonstrado alterações na avaliação da população desse estudo, 25% das crianças apresentaram escores máximos e 67% tiveram uma diminuição pequena no desempenho.

Em geral, quanto mais comorbidades e dificuldades associadas uma criança com TEA tiver, pior será o seu desempenho diante das atividades cotidianas. A depender da idade em que ocorreu o diagnóstico e se houve intervenções adequadas. Em Radonovich et al.1414. Radonovich KJ, Fournier KA, Hass CJ. Relationship between postural control and restricted, repetitive behaviors in autism spectrum disorders. Front Integr Neurosci. 2013;7:28., foi visto que crianças com estereotipias tinham mais dificuldades no EP. Lim et al.1313. Lim YH, Partridge K, Girdler S, Morris SL. Standing postural control in individuals with Autism Spectrum Disorder: systematic review and meta-analysis. J. Autism Dev. Disord. 2017;47(7):2238-53. notaram que crianças com TEA utilizam mais o sistema visual do que os demais nas tarefas de EP se comparadas às crianças típicas. Gouleme et al.2323. Gouleme N, Scheid I, Peyre H, Seassau M, Maruani A, Clarke J et al. Postural control and emotion in children with Autism Spectrum Disorders. Transl Neurosci. 2017;8:158-66. observaram que, quando expostas a tarefas que demandam mais atenção, crianças do espectro têm mais oscilações corporais, na plataforma de força, do que o esperado. Devido à complexidade dos testes de equilíbrio postural, de forma geral na literatura, são avaliadas crianças com um grau leve de autismo, assim como nesse estudo. No qual, as crianças com TEA leve e sem diagnóstico específico de alteração postural tiveram um equilíbrio postural adequado diante das ferramentas de avaliação utilizadas.

Os itens da EEP com menor desempenho entre as crianças avaliadas foram os itens 7, 8, 9, 10, 11 e 14, os quais se referem respectivamente a ficar em pé com os pés juntos, ficar em pé com um pé a frente, ficar em pé sobre um pé, girar 360 graus, virar-se para olhar para trás e estender o braço o máximo que conseguir.

Tarefas que diminuem a largura da base de apoio corporal, como os itens 7, 8 e 9, causam mais oscilações nas crianças com TEA. No estudo psicométrico2424. Darr N, Franjoine MR, Campbell SK, Smith E. Psychometric properties of the Pediatric Balance Scale using Rasch analysis. Pediatr Phys Ther. 2015;27(4):337-48. foi observado que nessas tarefas 82%, 48% e 48% tiveram desempenho máximo, respectivamente.

As tarefas 10 e 11 avaliam o EP dinâmico. Nesses dois itens houve diminuição no escore de uma criança. São tarefas que exigem coordenação motora ampla e atenção em duplas tarefas. Miller et al.2828. Miller HL, Caçola PM, Sherrod GM, Patterson RM, Bugnariu NL. Children with Autism Spectrum Disorder, Developmental Coordination Disorder, and typical development differ in characteristics of dynamic postural control: a preliminary study. Gait post. 2019;67(1):9-11. e Bucci et al.2929. Bucci MP, Contenjean CDY, Kaye K. The effect of performing a dual task on postural control in children with autism. ISRN Neurosci. 2013;2013:796174. observaram que crianças com TEA apresentaram diminuição de EP, quando demonstravam alterações de coordenação motora ampla e atenção a dupla tarefa. Nesse estudo, foi visto que as crianças que apresentaram dificuldades nessas habilidades tiveram redução de escore total. O item 14 por si só é considerado uma avaliação, conhecido com Teste de Alcance Funcional. Como foi demonstrado por Duncan et al.3030. Duncan PW, Weiner D, Chandler J, Studenski S. Functional reach: predictive validity in a sample of elderly male veterans. J Gerontol A Biol Sci Med Sci. 1992;47(3):93-8., essa tarefa é capaz de avaliar o EP por meio do deslocamento corporal e mensuração da capacidade máxima desse deslocamento. Três crianças obtiveram pontuação máxima no presente estudo. No estudo psicométrico, pode-se perceber que as crianças com TEA deste estudo tiveram desempenho semelhante a crianças típicas.

O Teste de Organização Sensorial é capaz de avaliar a interação entre os sistemas vestibular, visual e proprioceptivo na manutenção do EP. Nesse estudo, apesar dos participantes terem mais resistência na tarefa de ficar em pé usando uma venda, não houve grandes oscilações corporais. Todas as crianças conseguiram permanecer em pé durante os 30 segundos exigidos pelo teste.

Na literatura são observadas mais dificuldades em posturografia computadorizada, cuja avaliação busca observar a interação entre os sistemas sensoriais responsáveis pelo EP de forma digital1919. Wang Z, Hallac RR, Conroy KC, White SP, Kane AA, Collinsworth AL et al. Postural orientation and equilibrium processes associated with increased postural sway in autism spectrum disorder (ASD). J Neurodev Disord. 2016;8:43.,2323. Gouleme N, Scheid I, Peyre H, Seassau M, Maruani A, Clarke J et al. Postural control and emotion in children with Autism Spectrum Disorders. Transl Neurosci. 2017;8:158-66.,2929. Bucci MP, Contenjean CDY, Kaye K. The effect of performing a dual task on postural control in children with autism. ISRN Neurosci. 2013;2013:796174.

30. Duncan PW, Weiner D, Chandler J, Studenski S. Functional reach: predictive validity in a sample of elderly male veterans. J Gerontol A Biol Sci Med Sci. 1992;47(3):93-8.

31. Greffou S, Bertone A, Hahler EM, Hanssens JM, Motron L, Faubert J. Postural hypo-reactivity in autism is contingent on development and visual environment: a fully immersive virtual reality study. J. Autism Dev. Disord. 2012;42(6):961-70.
-3232. Molloy CA, Dietrich KN, Bhattacharya A. Postural stability in children with autism spectrum disorder. J. Autism Dev. Disord. 2003;33(6):643-52.. Nessas avaliações são detectadas mesmo as menores oscilações corporais e necessidade de maior base de apoio pelas crianças.

No DSM-5, umas das características do TEA é a hiporresponssividade ou hiperresponssividade aos estímulos sensoriais. Dificuldades de integração sensorial também são descritas como uma demanda do TEA. O Teste de Organização Sensorial talvez não seja um teste sensível o suficiente para detectar as pequenas oscilações no EP em crianças com TEA leve.

Apesar de ser um protocolo bastante utilizado nas avaliações de equilíbrio infantil, a EEP não acusou alteração no resultado da avaliação deste grupo de crianças com TEA leve. Por vezes, as tarefas pareciam fáceis demais para esse grupo. O Teste de Organização Sensorial sem a posturografia computadorizada também não apresentou alteração. Supõe-se que aparatos tecnológicos, como plataforma de força e posturografia computadorizada, sejam mais capazes de detectar pequenas oscilações nas crianças com TEA leve. Ressalta-se que não há constatação em avaliação anterior da amostra do estudo de alteração no equilíbrio postural, o que não possibilita extrapolar o resultado encontrado para análise de sensibilidade dos instrumentos. Um dos fatores limitadores desse estudo é o tamanho da amostra. Pelos critérios de elegibilidade rígidos, muitas crianças não foram convocadas para a avaliação. As crianças eram selecionadas pela análise de prontuários, dessa forma foram convocadas crianças que entravam nos critérios de inclusão. Crianças que apresentam um grau mais elevado de TEA, que tinham um comprometimento cognitivo severo ou que tinham alguma deficiência associada, não foram avaliadas. Recomenda-se a realização de estudos com amostras maiores que possam representar fidedignamente as crianças com TEA. Bem como a avaliação de grupo controle e realização de melhor controle de variáveis para possibilitar a extrapolação dos resultados obtidos.

Conclusão

Os participantes não demonstraram dificuldades na realização na EEP e no Teste de Organização Sensorial, mantendo escores muito próximos do valor máximo. Segundo avaliação de equilíbrio postural com as escalas selecionadas, as crianças com TEA não apresentaram alterações de equilíbrio postural.

REFERENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Out 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    15 Fev 2021
  • Aceito
    24 Ago 2021
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