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Desempenho pré e pós intervenção fonológica de escolares do 2° ano público e privado

RESUMO

Objetivo:

comparar o desempenho pré e pós intervenção fonológica de escolares do 2° ano do ensino público e privado, com e sem dificuldades de aprendizagem.

Método

s:participaram deste estudo 30 escolares do 2° ano do ensino fundamental, público e privado, distribuídos em: GI, GII e GIII, composto por 15 escolares do ensino público, submetidos à pré e pós testagem e intervenção fonológica; e GIV, GV e GVI, composto por 15 escolares do ensino privado, submetidos à pré e pós testagem e intervenção fonológica. Em situação de pré e pós testagem foi realizada aplicação do Protocolo de Avaliação das Habilidades Cognitivo Linguística adaptado. O processo de intervenção envolveu tarefas fonológicas de relação letra/som, análise, síntese e manipulação de fonemas e sílabas.

Resultados:

houve melhor desempenho, com diferença estatisticamente significante, para os escolares submetidos ao programa de intervenção fonológica do ensino público e privado, em todas as habilidades analisadas.

Conclusão:

a intervenção foi eficaz em ambos os âmbitos, no entanto, os escolares de ensino privado apresentaram desempenho superior em maior número de habilidades em comparação aos escolares de ensino público, sugerindo a influência da intervenção associada aos estímulos ofertados no processo de escolarização.

Descritores:
Linguagem Infantil; Aprendizagem; Intervenção; Leitura; Criança

ABSTRACT

Purpose:

this study aims to compare the performance, pre and post phonological intervention, of 2nd year students in public and private education, with and without learning disabilities.

Methods:

30 students from the 2nd year of elementary education, public and private participated in these study, distributed in: GI, GII and GIII, composed of 15 public school students, submitted to pre and post testing and phonological intervention; and GIV, GV and GVI, comprising 15 private school students, submitted to pre and post testing and phonological intervention. In the pre and post testing moment, the Linguistic Cognitive Skills Assessment Protocol Adaptive was performed. For the intervention, the phonological tasks of letter/sound relationship, analysis, synthesis and manipulation of phonemes and syllables were conducted.

Results:

there was a statistically significant performance for the students submitted to the phonological intervention program of the public and private education, in all skills analyzed.

Conclusion:

the intervention was effective in both scopes, public and private, however, private school students did better in a greater number of skills analyzed as compared to public school ones, suggesting the influence of the intervention associated with the stimuli offered in the process of schooling.

Keywords:
Child Language; Learning; Intervention; Reading; Child

Introdução

A aprendizagem trata-se de um processo contínuo que perdura por toda a vida de um indivíduo, podendo ser dividida basicamente em aprendizado formal e informal. Dentre estes processos pode ser citada a alfabetização, que é compreendida como uma aprendizagem formal, obtida, na maioria dos casos, em âmbito educacional 11. Tabile AF, Jacometo MCD. Fatores influenciadores no processo de aprendizagem: um estudo de caso. Rev. Psicopedagogia. 2017;34(103):75-86..

A distinção entre ensino público e privado em território nacional tem levantado alguns questionamentos, tais como, sobre a forma e conteúdo ofertado aos escolares, qualidade de ensino, capacitação e profissionalismo pedagógico. Assim como, as manobras e caminhos seguidos pelos educadores para lidar com escolares que não conseguem acompanhar o processo de alfabetização, seja por questões socioculturais e/ou neurológicas22. Marques ACTL, Marandino M. Alfabetização científica, criança e espaços de educação não formal: diálogos possíveis. Educação e Pesquisa. 2018;44: e170831..

De fato, durante o processo de alfabetização, alguns escolares podem apresentar dificuldades de aprendizagem que os impedem de acompanhar o desempenho de seus pares, tornando necessária a identificação do que possa estar retardando esse processo. Sendo esta demanda identificada como crescente nos últimos anos, tanto em escolares de ensino público quanto do privado33. Novaes CB, Mishima F, Santos PL. Treinamento breve de consciência fonológica: impacto sobre a alfabetização. Rev. Psicopedagogia. 2013;30(93):189-200..

Indivíduos que apresentam dificuldades de aprendizagem tendem a responder adequadamente, quando os fatores causadores das mesmas são trabalhados, para que possam ser adaptados para suprir as necessidades específicas de cada escolar. Obtendo muitas vezes sucesso na conclusão do processo de alfabetização, sem a necessidade de longos períodos de intervenção44. Pinheiro L, Correa J, Mousinho R. A eficácia de estratégias de remediação fonoaudiológica na avaliação das dificuldades de aprendizagem. Rev. Psicopedagogia. 2012;29(89):215-25.

5. Neefa NE, Müller B, Liebig J, Schaadt G, Grigutsch M, Gunter TC et al. Dyslexia risk gene relates to representation of sound in the auditory brainstem. Dev Cogn Neurosci. 2017;24:63-71.
-66. Michelino SM, Cardoso AD, Silva PB, Macedo EC. Desempenho em testes psicopedagógicos e neuropsicológicos de crianças e adolescentes com dislexia do desenvolvimento e dificuldade de aprendizagem. Rev. Psicopedagogia. 2017;34(104):111-25..

As dificuldades de aprendizagem caracterizam-se por alterações de caráter mais abrangente, podendo estar presente em alterações de uma ou mais habilidades, tais como o processamento auditivo, processamento visual, raciocínio lógico, velocidade de processamento e habilidades metalinguísticas. Pode ou não estar associada a alterações fonológicas anteriores, assim como a outras comorbidades, tornando-se de fundamental importância à identificação precoce dos sintomas para obtenção de eficácia no tratamento66. Michelino SM, Cardoso AD, Silva PB, Macedo EC. Desempenho em testes psicopedagógicos e neuropsicológicos de crianças e adolescentes com dislexia do desenvolvimento e dificuldade de aprendizagem. Rev. Psicopedagogia. 2017;34(104):111-25.,77. Lonigan CJ, Purpura DJ, Wilson SB, Walker PM, Clancy-Menchetti J. Evaluating the components of an emergent literacy intervention for preschool children at risk for reading difficulties. J Exp Child Psychol. 2013;114(1):111-30..

Dessa forma, a intervenção tem por objetivo principal maximizar o processo de aprendizado da leitura e escrita, com o intuito de amenizar os danos causados por esses déficits durante a alfabetização. Além de impulsionar os escolares com dificuldades de aprendizagem, favorecendo a superação dos percalços por meio de atividades que possam ser desenvolvidas em âmbito educacional, também possibilita a identificação precoce daqueles que venham a necessitar de uma intervenção clínica direcionada ou, até mesmo, de uma avaliação multidisciplinar para o fechamento de diagnóstico futuro88. Silva NSM, Crennite PAP. Performance of children at risk for reading difficulties submitted to an intervention program. CoDAS. 2016;28(5):517-25.,99. Nicolielo-Carrilho AP, Hage SRV. Metacognitive reading strategies of children with learning disabilities. CoDAS. 2017;29(3):e20160091..

A intervenção nos anos iniciais da alfabetização, baseada na estimulação de habilidades preditoras para a aprendizagem, proporciona melhor desempenho nesse processo, objetivando o desenvolvimento da consciência fonológica. Dentre estas habilidades inclui-se a relação letra/som, rima, aliteração e segmentação silábica, bem como habilidades de discriminação auditiva e visual de sons, velocidade de processamento para estímulos, nomeação de sequência de letras e leitura fluente1010. Fukuda MTM, Capellini SA. Programa de intervenção fonológica associado à correspondência grafema-fonema em escolares de risco para a dislexia. Psicol Refl Crít. 2012;4(25):783-90.

11. Toll AWM, Van Luit JEW. Accelerating the early numeracy development of kindergartners with limited working memory skills through remedial education. Res Dev Disabil. 2013;34(2):745-55.

12. Lawton T. Improving dorsal stream function in dyslexics by training figure/ground motion discrimination improves attention, reading fluency, and working memory. Front Hum Neurosci. 2016;10:397.
-1313. Männel C, Schaadt G, Illner FK, van der Meer E, Friederici AD. Phonological abilities in literacy-impaired children: brain potentials reveal deficient phoneme discrimination, but intact prosodic processing. Dev Cogn Neurosci. 2017;23:14-25..

Escolares com dificuldades de aprendizagem podem ser identificados no processo inicial de alfabetização, que é concluído apenas no terceiro ano do ensino fundamental. A realização da intervenção precoce em âmbito educacional pode proporcionar uma evolução ou superação do quadro de dificuldades de aprendizagem, uma vez que torna possível identificar entre os escolares com desempenho abaixo do esperado, em relação ao seu grupo-classe, aqueles que possuem dificuldades de aprendizagem e os que possuem risco para algum transtorno específico de aprendizagem77. Lonigan CJ, Purpura DJ, Wilson SB, Walker PM, Clancy-Menchetti J. Evaluating the components of an emergent literacy intervention for preschool children at risk for reading difficulties. J Exp Child Psychol. 2013;114(1):111-30.,1414. Silva C, Capellini SA. Efficacy of phonological intervention program in students at risk for dyslexia. Rev. CEFAC. 2015;17(6):1827-37..

Diante do exposto, este trabalho teve por objetivo comparar o desempenho pré e pós intervenção fonológica de escolares do 2° ano do ensino fundamental público e privado, com e sem dificuldades de aprendizagem.

Métodos

Este projeto de pesquisa foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal Fluminense - CEP/Polo de Nova Friburgo-RJ sob o protocolo número 1.800.368. O Termo de consentimento Livre e Esclarecido foi assinado pelos responsáveis, conforme resolução do Conselho Nacional de Saúde CNS 466/12, e o Termo de assentimento Livre e Esclarecido, assinado pelos participantes da pesquisa.

Participaram deste estudo 30 escolares do 2° ano do ensino fundamental pertencentes ao ensino público e privado, de ambos os gêneros, na faixa etária de 7 a 8 anos de idade, sendo distribuídos nos seguintes grupos:

  • Grupo I (GI): composto por cinco escolares sem dificuldades de aprendizagem, regularmente matriculados no ensino público, submetidos à pré e pós testagem;

  • Grupo II (GIl): composto por cinco escolares sem dificuldades de aprendizagem, regularmente matriculados no ensino público, submetidos à pré testagem, intervenção fonológica e pós testagem;

  • Grupo III (GIIl): composto por cinco escolares com dificuldades de aprendizagem, regularmente matriculados no ensino público, submetidos à pré testagem, intervenção fonológica e pós testagem;

  • Grupo IV (GIV): composto por cinco escolares sem dificuldades de aprendizagem, regularmente matriculados no ensino privado, submetidos à pré e pós testagem;

  • Grupo V (GV): composto por cinco escolares sem dificuldades de aprendizagem, regularmente matriculados no ensino privado, submetidos à pré testagem, intervenção fonológica e pós testagem;

  • Grupo VI (GVl): composto por cinco escolares com dificuldades de aprendizagem, regularmente matriculados no ensino privado, submetidos à pré testagem, intervenção fonológica e pós testagem.

Todos os grupos foram pareados segundo escolaridade. Os critérios de inclusão foram ausência de queixas relacionadas ou de indicadores de alterações da audição, visão ou de distúrbios neurológicos, comportamentais ou cognitivos. Os critérios de exclusão foram, portanto, a não assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido pelos pais ou responsáveis, presença de queixas de alterações auditivas e/ou visuais, e presença de distúrbios neurológicos, comportamentais ou cognitivos. As informações referentes aos critérios foram retiradas dos prontuários escolares, pertencentes à escola.

Os escolares foram submetidos à pré testagem, intervenção fonológica e pós testagem, de acordo com a divisão dos grupos, descrita anteriormente. Toda a coleta de dados foi realizada em âmbito educacional, em horário regular de aula, com autorização da direção e dos professores para a realização da pesquisa.

A coleta foi realizada no segundo semestre escolar, permitindo que os escolares tivessem conhecimento prévio a conteúdos escolares propostos na alfabetização. A pré e pós testagem foram realizadas em quatro sessões, sendo duas para a pré e duas para a pós testagem, a intervenção fonológica foi realizada em 10 sessões, duas vezes por semana, no decorrer de dois meses. Tanto a avaliação quanto a intervenção foram realizadas em aplicação individual, conduzidas pelo pesquisador, com atividades de intervenção direcionadas aos itens de avaliação.

Em situação de pré testagem foi utilizado o Protocolo de Avaliação de Habilidades Cognitivo-linguística, em sua versão coletiva e individual1515. Capellini SA, Smythe I, Silva C. Protocolo de avaliação das habilidades cognitivo-linguísticas. Ribeirão Preto: Booktoy, 2017., adaptado para esta população. A versão coletiva do instrumento é composta pelos subtestes de Escrita do nome; Escrita do alfabeto em sequência; Cópia de formas; Ditado de palavras e pseudopalavras; Ditado de figuras e Ditado de números.

A versão individual1515. Capellini SA, Smythe I, Silva C. Protocolo de avaliação das habilidades cognitivo-linguísticas. Ribeirão Preto: Booktoy, 2017. do Protocolo de Avaliação é composta pelos subtestes de Reconhecimento do alfabeto em sequência; Reconhecimento do alfabeto em ordem aleatória; Leitura de palavras; Leitura de não palavras; Rima; Aliteração; Segmentação silábica; Discriminação auditiva; Repetição de palavras; Repetição de não palavras; Números invertidos; Nomeação rápida de figuras e Nomeação rápida de números.

Os resultados dos subtestes da versão coletiva e individual foram obtidos por meio da atribuição de um (1) ponto a cada resposta correta do escolar, sendo que, a aplicação dos procedimentos que compõe o protocolo de avaliação foi realizada em duas sessões, com duração de 50 minutos cada.

A intervenção fonológica foi realizada com a aplicação das seguintes tarefas: Reconhecimento do alfabeto e identificação do som das letras em sequência; Reconhecimento do alfabeto e identificação do som das letras em ordem aleatória; Identificação e produção de rima com uso de palavras e frases; Identificação e manipulação de palavras; Identificação e manipulação de sílabas; Segmentação e Análise de sílabas; Identificação de fonemas; Segmentação de fonemas; Substituição e Análise de fonemas; Identificação e Discriminação de fonemas com textos e frases.

Ao todo foram realizadas 10 sessões, de caráter cumulativo, com duração média de aplicação de 40 minutos cada, para o desenvolvimento da intervenção fonológica. Os resultados das atividades foram obtidos por meio de pontuação que contabilizou as respostas corretas, ou seja, pontuação realizada por acertos.

Os resultados deste estudo foram submetidos à análise estatística para maior confiabilidade. As variáveis quantitativas foram apresentadas por média e desvio padrão. O teste utilizado para normalidade dos dados foi o teste de Shapiro-Wilk. Para comparação de pré e pós testagem entre os grupos foi utilizado o teste de Wilcoxon. O nível de significância adotado foi p<0,05. O programa estatístico utilizado foi o Stata versão 11.0.

Resultados

Os dados foram agrupados por habilidades, sendo elas: leitura, escrita, consciência fonológica, processamento auditivo, processamento visual e velocidade de processamento; com o intuito de facilitar a análise dos resultados e a comparação entre os grupos estudados.

Os resultados da habilidade de leitura (Tabela 1) permitem observar que houve diferença estatisticamente significante para leitura de palavras para os grupos GIV, GV e GVI, na leitura de pseudopalavras para o grupo GV e em palavras lidas corretamente em 1(um) minuto para o grupo GIII.

Tabela 1:
Comparação da pré e pós-testagem dos escolares do GI, GII, GIII, GIV, GV e GVI na habilidade de leitura

Na Tabela 2, referente à habilidade de escrita, pode-se observar que ocorreu diferença estatisticamente significante para escrita do alfabeto nos grupos GIV, GV e GVI, ditado de pseudopalavras para GIV e ditado total para GIII e GIV.

Tabela 2:
Comparação da pré e pós-testagem dos escolares do GI, GII, GIII, GIV, GV e GVI na habilidade de escrita

Na habilidade de consciência fonológica é possível observar que houve diferença estatisticamente significante, na comparação de GI, GII, GIII, GIV, GV e GVI, no momento de pré e pós-testagem, para a variável de aliteração para GVI e rima para GII.

Tabela 3:
Comparação da pré e pós-testagem dos escolares do GI, GII, GIII, GIV, GV e GVI na habilidades de consciência fonológica

Na Tabela 4, para a habilidade de processamento auditivo, houve diferença estatisticamente significante para GVI em discriminação auditiva, GI em repetição de palavras, GII em repetição de não palavras e GIII para números invertidos.

Tabela 4:
Comparação da pré e pós-testagem dos escolares do GI, GII, GIII, GIV, GV e GVI na habilidade de processamento auditivo

O desemepenho dos escolares na habilidade de processamento visual (Tabela 5), indica que houve diferença estatisticamente significante para memória visual para formas para GIV. Para a habilidade de velocidade de processamento houve significância para GI, GIII e GV em nomeação rápida de figuras, GIII em nomeação rápida de números em primeira tomada e GIV e GV em nomeação rápida de números em segunda tomada.

Tabela 5:
Comparação do desempenho da pré e pós-testagem dos escolares do GI, GII, GIII, GIV, GV e GVI nas habilidades de processamento visual e velocidade de processamento

Discussão

Os resultados deste estudo permitiram comparar o desempenho dos escolares pertencentes ao ensino público e privado, em relação ao teste de desempenho cognitivo-linguístico, com o intuito de verificar o desempenho em pré e pós testagem após a exposição a um programa de intervenção fonológica.

Dessa forma, tornou-se possível verificar, com base nos dados da Tabela 1, que houve diminuição das médias de desempenho dos escolares do GIV, GV e GVI, pertencentes ao ensino da rede privada, para a prova de leitura de palavras (LP). Para o grupo GV houve diminuição de média de desempenho na prova de leitura de pseudopalavras (LPs). A diminuição das médias de desempenho para a análise das variáveis LP e LPs é favorável, uma vez que, esta variável é analisada pelo tempo despendido na leitura de palavras e pseudopalavras, sendo assim, a diminuição das médias de desempenho indica que os escolares demandaram menor tempo para a decodificação, realizando a prova de forma mais rápida e eficaz. Os resultados sugerem que os escolares de GV e GVI sofreram influência do programa de intervenção com as habilidades fonológicas, uma vez que, os escolares foram expostos à intervenção com habilidades preditoras para a aquisição da leitura. No entanto, o desempenho de GIV sugere melhora no seu desempenho devido à influência da escolarização, por não ter sido submetido à intervenção, mas por fazer parte do contexto educacional privado que desenvolve habilidades para aquisição da escrita desde séries iniciais33. Novaes CB, Mishima F, Santos PL. Treinamento breve de consciência fonológica: impacto sobre a alfabetização. Rev. Psicopedagogia. 2013;30(93):189-200.,1414. Silva C, Capellini SA. Efficacy of phonological intervention program in students at risk for dyslexia. Rev. CEFAC. 2015;17(6):1827-37..

O desempenho dos escolares que passaram por intervenção fonológica reflete a ampliação da memória lexical, o que favorece a decodificação correta das palavras em menor tempo. Sendo que o melhor desempenho para a leitura de pseudopalavras pode ser apoiado diretamente no desenvolvimento da consciência fonológica, permitindo o acesso e uso da rota fonológica por esses escolares99. Nicolielo-Carrilho AP, Hage SRV. Metacognitive reading strategies of children with learning disabilities. CoDAS. 2017;29(3):e20160091.,1616. Silva C, Capellini SA. Comparison of performance in metalinguistic tasks among students with and without risk of dyslexia. J. Hum. Growth Dev. 2017;27(2):198-205..

Em relação aos escolares do grupo GIII, pertencentes ao ensino público, houve aumento da média de desempenho na prova de palavras lidas corretamente em um minuto (Cor1m), indicando que, a dificuldade inicial na decodificação de símbolos foi suprida para a execução desta atividade. Indicando a influência da intervenção de base fonológica, que permitiu aos escolares com dificuldades de aprendizagem apresentar melhora no desempenho em decodificação de palavras reais55. Neefa NE, Müller B, Liebig J, Schaadt G, Grigutsch M, Gunter TC et al. Dyslexia risk gene relates to representation of sound in the auditory brainstem. Dev Cogn Neurosci. 2017;24:63-71.,1717. Silva C, Capellini SA. Desempenho de escolares com e sem transtorno de aprendizagem em leitura, escrita, consciência fonológica, velocidade de processamento e memória de trabalho fonológica. Rev. Psicopedagogia. 2013;30(91):3-11..

A melhora no desempenho em provas da habilidade de leitura se reflete também nas provas propostas pela habilidade de velocidade de processamento, presentes na Tabela 5. Uma vez que, os escolares do ensino público, do grupo GI e GIII apresentaram diminuição das médias de desempenho, dependentes do tempo de execução, para a prova de nomeação rápida de figuras (NRF); assim como, GIII diminui sua média de desempenho em nomeação rápida de números em primeira tomada (NRN1). Indicando que os escolares demandaram menor gasto de tempo para acessar a informação solicitada, realizando a prova de forma mais rápida e precisa.

Para os escolares com dificuldades de aprendizagem sugere-se que o melhor desempenho foi resultante da capacidade de decodificar as informações apresentadas de forma rápida e precisa, habilidade esta desenvolvida juntamente com a melhora ao acesso da memória lexical, para o input visual e reconhecimento de figuras, e imediata para números. Em relação aos escolares do ensino público que não foram submetidos à intervenção, sugere-se o desenvolvimento da capacidade de decodificar estímulos decorrentes do processo de aprendizado proporcionado pelo ensino escolar, devido à exposição a novos conceitos e estímulos, além do desenvolvimento cognitivo maturacional1818. Machado AC, Capellini SA. Tutoring in reading and writing based on the RTI - response to intervention model in children with developmental dyslexia. Rev. CEFAC. 2014;16(4):1161-67..

No entanto, para os escolares do GIV e GV, pertencentes ao ensino privado, a melhora no desempenho foi caracterizada pela diminuição das médias na prova de nomeação rápida de números em segunda tomada (NRN2), sugerindo que a exposição a estímulos contínuos não gerou sobrecarga de memória. Dado este que indica que a capacidade de processamento, armazenamento e recuperação dos escolares sem dificuldades de aprendizagem desenvolvem-se conjuntamente ao aprendizado escolar, independente de serem submetidos ou não à intervenção1919. Oliveira AM, Germano GD, Capellini SA. Students' performance in letter identification and lexical process tests. Rev. CEFAC. 2016;18(5):1121-32..

Na habilidade de consciência fonológica, pertencente à Tabela 3, os escolares de GVI apresentaram média de desempenho superior na prova de aliteração (Alit) e os escolares de GII para a prova de rima. Os resultados sugerem que os escolares com dificuldades de aprendizagem do ensino privado sofreram a influência conjunta da intervenção fonológica, associada ao processo de alfabetização ofertado em âmbito educacional. Assim como, para os escolares do ensino público, também verifica-se a influência da intervenção fonológica para a percepção de segmentos sonoros trabalhados diretamente com a tarefa de relação letra/som, identificação e produção de rimas, e pertencente ao processo de alfabetização, identificado na velocidade de processar estímulos contínuos44. Pinheiro L, Correa J, Mousinho R. A eficácia de estratégias de remediação fonoaudiológica na avaliação das dificuldades de aprendizagem. Rev. Psicopedagogia. 2012;29(89):215-25.,2020. Silva C, Cunha VLO, Pinheiro FH, Capellini SA. Nomeação rápida, leitura e compreensão em escolares com dificuldades de aprendizagem. J. Soc. Bras. Fonoaudiol. 2012;24(4):355-60..

Em relação à habilidade de processamento auditivo (Tabela 4), houve aumento na média de desempenho dos escolares de GVI, para a prova de discriminação de sons (DS). Para os escolares do ensino público, houve aumento das médias para a prova de repetição de palavras (RepP) para GI, repetição de não palavras (RepNP) para GII e números invertidos (NInv) para GIII1616. Silva C, Capellini SA. Comparison of performance in metalinguistic tasks among students with and without risk of dyslexia. J. Hum. Growth Dev. 2017;27(2):198-205..

O aprendizado sistemático das habilidades fonológicas por meio da intervenção fonológica potencializou tais habilidades, permitindo o desenvolvimento da discriminação auditiva, ou seja, o desenvolvimento dessas habilidades ocorreu de forma paralela e conjunta. Assim, a melhora na discriminação sonora reflete na consciência fonológica, gerando um desempenho recíproco entre as habilidades envolvidas, ocasionando o aumento das médias de desempenho dos escolares de GVI1313. Männel C, Schaadt G, Illner FK, van der Meer E, Friederici AD. Phonological abilities in literacy-impaired children: brain potentials reveal deficient phoneme discrimination, but intact prosodic processing. Dev Cogn Neurosci. 2017;23:14-25.,1919. Oliveira AM, Germano GD, Capellini SA. Students' performance in letter identification and lexical process tests. Rev. CEFAC. 2016;18(5):1121-32..

Para a prova de repetição de palavras (RepP) houve aumento da média de desempenho para os escolares do GI, sendo que este grupo não passou por intervenção. Com base nos resultados torna-se possível deduzir que, a melhora do desempenho ocorreu por se tratar de escolares que não apresentam dificuldades e que não necessitam do acesso direto da rota fonológica para a execução da prova proposta. Fato este que torna possível o armazenamento, recuperação e acesso as informações via memória lexical, preservada nesta população específica1616. Silva C, Capellini SA. Comparison of performance in metalinguistic tasks among students with and without risk of dyslexia. J. Hum. Growth Dev. 2017;27(2):198-205.,2121. Furnes B, Samuelsson S. Phonological awareness and rapid automatized naming predicting early development in reading and spelling: results from a cross-linguistic longitudinal study. Learn Individ Differ. 2011;21(1):85-95..

Em relação à prova de repetição de não palavras (RepNP), houve aumento da média para os escolares do GII, indicando que houve o acesso de forma eficaz à rota fonológica, o que permitiu processar, armazenar e recuperar as informações solicitadas. Tal desempenho pode ser oriundo do aprendizado explícito da consciência fonológica, proporcionado pelo programa de intervenção. Na prova de números invertidos (NInv) os escolares do GIII apresentaram médias de desempenho superior, na comparação da pré com a pós testagem, sugerindo a ampliação dos mecanismos de retenção da informação pela memória imediata de trabalho2020. Silva C, Cunha VLO, Pinheiro FH, Capellini SA. Nomeação rápida, leitura e compreensão em escolares com dificuldades de aprendizagem. J. Soc. Bras. Fonoaudiol. 2012;24(4):355-60.

21. Furnes B, Samuelsson S. Phonological awareness and rapid automatized naming predicting early development in reading and spelling: results from a cross-linguistic longitudinal study. Learn Individ Differ. 2011;21(1):85-95.

22. Salles JF, Paulla FV. Compreensão da leitura textual e sua relação com as funções executivas. Educ Rev. 2016;62:53-67.
-2323. Porta ME, Carrada MA, Ison MS. Phonological awareness intervention and attention efficiency in children at risk: evidence of effectiveness on visual attention. CoDAS. 2016;28(3):314-8..

Na habilidade de escrita, apresentada na Tabela 2, houve aumento da média do desempenho na comparação dos escolares de GIV, GV e GVI, pertencentes ao ensino privado, na prova de escrita do alfabeto (EAlf). Tal resultado pode ser justificado pela melhora na retenção da informação relacionada à memória de longo prazo, reflexa à intervenção fonológica e ao desenvolvimento maturacional gerado pela alfabetização, tanto para escolares com dificuldades de aprendizagem quanto para os escolares com desempenho acadêmico dentro do esperado. Assim como, o desempenho superior dos escolares do grupo GIV na prova de ditado de pseudopalavras (DitPP), também sinaliza o aprendizado da consciência fonológica, interferindo diretamente no uso da rota fonológica de forma sistemática2222. Salles JF, Paulla FV. Compreensão da leitura textual e sua relação com as funções executivas. Educ Rev. 2016;62:53-67.,2424. Santos MJ, Barrera SD. Impacto do treino em habilidades de consciência fonológica na escrita de pré-escolares. Psicologia Escolar e Educacional. 2017;21(1):93-102..

Os escolares do ensino público pertencentes ao grupo GIII, com dificuldades de aprendizagem, obtiveram desempenho superior na comparação das médias de pré e pós testagem em relação à prova de ditado total (DitT). Tal resultado indica que o desenvolvimento da consciência fonológica oferece subsídios para o desenvolvimento da leitura, tal como para a codificação. Uma vez que, o processo de escrita deriva-se do desempenho eficaz da decodificação, ou seja, a formação e acesso à memória lexical atuam como fator positivo para a escrita1111. Toll AWM, Van Luit JEW. Accelerating the early numeracy development of kindergartners with limited working memory skills through remedial education. Res Dev Disabil. 2013;34(2):745-55.,2323. Porta ME, Carrada MA, Ison MS. Phonological awareness intervention and attention efficiency in children at risk: evidence of effectiveness on visual attention. CoDAS. 2016;28(3):314-8.

24. Santos MJ, Barrera SD. Impacto do treino em habilidades de consciência fonológica na escrita de pré-escolares. Psicologia Escolar e Educacional. 2017;21(1):93-102.
-2525. Rosal AGC, Cordeiro AAA, Silva ACF, Silva RL, Queiroga BAM. Contributions of phonological awareness and rapid serial naming for initial learning of writing. Rev. CEFAC. 2016;18(1):74-85..

Os resultados deste estudo nos direcionam a identificar os benefícios da intervenção fonológica tanto em âmbito educacional público quanto no privado, assim como, permitiu identificar ganhos para os escolares com dificuldades de aprendizagem em ambos os contextos educacionais. No entanto, torna-se necessário a ampliação da amostra de interesse, assim como a verificação da real influência educacional no desempenho dos escolares que não foram submetidos à intervenção, tanto no ensino público quanto no privado, para verificar se há consistência em aumento de médias para habilidades específicas.

Conclusão

Os resultados da comparação do desempenho dos escolares dos grupos analisados nos permitiram concluir que os escolares do ensino privado apresentaram desempenho superior após intervenção nas habilidades de Leitura, Escrita, Consciência Fonológica, Processamento visual e Velocidade de processamento, adquirindo desempenho significante na integralidade dos subtestes analisados. Em relação aos escolares do ensino público foi observado desempenho superior em provas específicas de consciência fonológica, leitura de palavras corretas em um minuto, ditado total, processamento auditivo e velocidade de processamento. Dados que nos permite concluir que, ambos os escolares apresentaram avanços em aspectos distintos metalinguísticos, quando estimulados com o ensino de base fonológica associado ao processo de escolarização.

REFERENCES

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  • Trabalho realizado no Instituto de Saúde de Nova Friburgo pelo Departamento de Formação Específica em Fonoaudiologia - FEF da Universidade Federal Fluminense - UFF - Nova Friburgo, Rio de Janeiro, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Abr 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    24 Out 2018
  • Aceito
    04 Fev 2019
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