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Investigação da queixa de disfagia em pacientes afásicos

Resumos

OBJETIVOS: verificar a presença e evolução da queixa de deglutição em pacientes afásicos pós- AVE e, a partir do relato dos familiares em relação à melhora das manifestações, analisar se a ocorrência da afasia interferiu no prognóstico da disfagia. MÉTODO: 30 pacientes afásicos pós-AVE na fase crônica foram entrevistados e, juntamente com seus familiares, responderam a um questionário sobre a presença e a permanência de queixas de deglutição pós-AVE e aspectos relacionados, bem como melhoras ocorridas em relação aos quadros de disfagia e afasia. Para verificar se a disfagia parece ter interferido no prognóstico da afasia, comparou-se as curvas de Kaplan-Meier dos pacientes que referiram queixas de disfagia com os que não referiram. RESULTADOS: 48% dos pacientes tiveram queixas de dificuldades de deglutição pós-AVE. Destes, 93% apresentaram mudanças positivas (melhora parcial ou total do quadro). O tempo médio para que o paciente apresentasse qualquer tipo de mudança (espontânea ou não) foi de 76 dias. 60% referiu melhora total da disfagia, sendo que 47% foram submetidos à terapia fonoaudiológica. Em relação à afasia, 87% dos pacientes referiram melhora, apesar de nenhum paciente ter referido melhora total. 57% haviam sido expostos à terapia fonoaudiológica para a afasia. O tempo médio referido para que o paciente apresentasse qualquer tipo de mudança positiva nas manifestações foi de 183 dias. Não houve diferença significante na melhora da afasia entre o grupo com e sem queixa de deglutição. CONCLUSÕES: dos pacientes afásicos avaliados neste estudo, 48% apresentou queixa de disfagia. Verificou-se, a partir do relato dos familiares, que a ocorrência da afasia parece não ter interferido no prognóstico da disfagia.

Transtornos da Deglutição; Afasia; Reabilitação; Acidente Cerebral Vascular; Deglutição; Linguagem


PURPOSES: to assess the presence and evolution of swallowing complaints in post-stroke aphasic patients and, based on reports by family members on symptom improvements, to determine the influence of aphasia on the prognosis of dysphagia. METHOD: 30 post-stroke aphasic patients at the chronic phase were interviewed and, together with family members, answered a questionnaire on the presence and persistence of post-stroke swallowing complaints and related aspects, including improvements in dysphagia and aphasia. Kaplan-Meier curves of dysphagia complainers and non-complainers were compared to verify the influence of swallowing complaints on the prognosis of aphasia. RESULTS: 48% of patients reported swallowing problems after the stroke. Out of them, 93% showed positive changes (partial or total resolution of dysphagia symptoms). The average time for patient improvement (spontaneous or otherwise) was 76 days. 60% of the subjects reported total resolution of dysphagia symptoms, 47% of underwent speech therapy. Regarding aphasia, 87% of patients reported some improvement, although no patient reported full resolution of the symptoms. A total of 57% had undergone speech therapy to treat aphasia. The average time reported for positive change in patients was 183 days. No significant difference in aphasia improvement was observed between dysphagia complainers and non-complainers. CONCLUSIONS: out of the aphasic patients assessed in this study, 48% reported swallowing complaints. Based on reports by family members, aphasia had no impact on the prognosis of dysphagia.

Swallowing Disorders; Aphasia; Rehabilitation; Stroke; Swallowing; Language


Investigação da queixa de disfagia em pacientes afásicos

Investigation on the complaint of dysphagia in aphasic patients

Karin Zazo OrtizI; Milena Ribeiro MarinelliII

IFonoaudióloga; Professor Adjunto do Departamento de Fonoaudiologia da Universidade Federal de São Paulo, Brasil

IIFonoaudióloga formada pela Universidade Federal de São Paulo

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Karin Zazo Ortiz Rua Botucatu, 802 – Vila Clementino São Paulo – Brasil – CEP: 04023-900 E-mail: karinortiz.fono@epm.br

RESUMO

OBJETIVOS: verificar a presença e evolução da queixa de deglutição em pacientes afásicos pós- AVE e, a partir do relato dos familiares em relação à melhora das manifestações, analisar se a ocorrência da afasia interferiu no prognóstico da disfagia.

MÉTODO: 30 pacientes afásicos pós-AVE na fase crônica foram entrevistados e, juntamente com seus familiares, responderam a um questionário sobre a presença e a permanência de queixas de deglutição pós-AVE e aspectos relacionados, bem como melhoras ocorridas em relação aos quadros de disfagia e afasia. Para verificar se a disfagia parece ter interferido no prognóstico da afasia, comparou-se as curvas de Kaplan-Meier dos pacientes que referiram queixas de disfagia com os que não referiram.

RESULTADOS: 48% dos pacientes tiveram queixas de dificuldades de deglutição pós-AVE. Destes, 93% apresentaram mudanças positivas (melhora parcial ou total do quadro). O tempo médio para que o paciente apresentasse qualquer tipo de mudança (espontânea ou não) foi de 76 dias. 60% referiu melhora total da disfagia, sendo que 47% foram submetidos à terapia fonoaudiológica. Em relação à afasia, 87% dos pacientes referiram melhora, apesar de nenhum paciente ter referido melhora total. 57% haviam sido expostos à terapia fonoaudiológica para a afasia. O tempo médio referido para que o paciente apresentasse qualquer tipo de mudança positiva nas manifestações foi de 183 dias. Não houve diferença significante na melhora da afasia entre o grupo com e sem queixa de deglutição.

CONCLUSÕES: dos pacientes afásicos avaliados neste estudo, 48% apresentou queixa de disfagia. Verificou-se, a partir do relato dos familiares, que a ocorrência da afasia parece não ter interferido no prognóstico da disfagia.

Descritores: Transtornos da Deglutição; Afasia; Reabilitação; Acidente Cerebral Vascular; Deglutição; Linguagem

ABSTRACT

PURPOSES: to assess the presence and evolution of swallowing complaints in post-stroke aphasic patients and, based on reports by family members on symptom improvements, to determine the influence of aphasia on the prognosis of dysphagia.

METHOD: 30 post-stroke aphasic patients at the chronic phase were interviewed and, together with family members, answered a questionnaire on the presence and persistence of post-stroke swallowing complaints and related aspects, including improvements in dysphagia and aphasia. Kaplan-Meier curves of dysphagia complainers and non-complainers were compared to verify the influence of swallowing complaints on the prognosis of aphasia.

RESULTS: 48% of patients reported swallowing problems after the stroke. Out of them, 93% showed positive changes (partial or total resolution of dysphagia symptoms). The average time for patient improvement (spontaneous or otherwise) was 76 days. 60% of the subjects reported total resolution of dysphagia symptoms, 47% of underwent speech therapy. Regarding aphasia, 87% of patients reported some improvement, although no patient reported full resolution of the symptoms. A total of 57% had undergone speech therapy to treat aphasia. The average time reported for positive change in patients was 183 days. No significant difference in aphasia improvement was observed between dysphagia complainers and non-complainers.

CONCLUSIONS: out of the aphasic patients assessed in this study, 48% reported swallowing complaints. Based on reports by family members, aphasia had no impact on the prognosis of dysphagia.

Keywords: Swallowing Disorders; Aphasia; Rehabilitation; Stroke; Swallowing; Language

INTRODUÇÃO

Os acidentes vasculares encefálicos (AVEs) compreendem os distúrbios vasculares nos quais é afetada uma área do encéfalo de forma transitória ou permanente1.

O AVE está entre as três principais causas de morte na maioria dos países desenvolvidos e em desenvolvimento1,2. Ele pode também causar sequelas motoras globais, alterações de linguagem (afasia), de fala (apraxia e disartria) e na dinâmica da deglutição (disfagia).

A frequência de afásicos entre os pacientes que sofreram AVE é de 21% a 38% 3. Existe uma associação entre os pacientes afásicos pós-AVE e o alto nível de mortalidade4,5.

Alguns estudos sugerem que fatores demográficos assim como sexo e idade, influenciam na ocorrência, severidade e frequência da afasia6, enquanto outros estudos não confirmam esses achados7.

A afasia pode ser definida como um distúrbio de linguagem de origem neurológica, podendo ter etiologias diversas, entre elas o AVE8. Da mesma forma, as doenças neurológicas são as causas comuns de disfagia9 e os AVEs podem chegar a representar mais de 50% da causa desta alteração8.

A disfagia pode ser, em alguns casos, temporária e o paciente pode voltar a ter uma dieta via oral normalmente. No entanto, este distúrbio também pode trazer riscos de desidratação, deficiências nutricionais e complicações pulmonares. Nas disfagias neurogênicas detectar o risco de aspiração nos pacientes logo após o AVE durante a fase aguda é muito importante, a fim de se prevenir complicações pulmonares e permitir intervenções terapêuticas adequadas10.

Muitos pacientes que tiveram AVE não relatam queixa de disfagia, mas podem apresentar dificuldade para deglutir. Essa dificuldade pode ser mascarada com adaptações e compensações realizadas pelos mesmos11.

Nos acometimentos neurológicos, muitas vezes a disfagia está associada aos distúrbios da linguagem, como a afasia. A preservação das capacidades cognitivas e comunicativas do paciente constitui um dos indicadores para a classificação do paciente na escala de independência relativa à deglutição funcional. A flutuação do estado de consciência ou das funções cognitivas pode impossibilitar a aprendizagem que favoreça a deglutição12,13.

Considerando-se então as possíveis alterações que podem ocorrer após a lesão cerebral, o presente estudo objetivou verificar a presença e percepção da evolução da queixa de deglutição em pacientes afásicos pós- AVE. Foram elencados os seguintes objetivos específicos: comparar o tempo médio da percepção da melhora da disfagia e da afasia percebida e referida pela família em pacientes afásicos pós-AVE; analisar, a partir do relato dos familiares em relação à melhora das manifestações, se a ocorrência da afasia interfere no prognóstico da disfagia.

MÉTODO

O presente estudo foi realizado no Núcleo de Investigação Fonoaudiológica em Neuropsicolinguística do Departamento de Fonoaudiologia da Universidade Federal de São Paulo.

Para a coleta de dados, foram selecionados pacientes afásicos que tivessem tido como causa etiológica um AVE único em hemisfério esquerdo,ou seja, sem outras etiologias causadoras da afasia, como traumatismo cranioencefálico ou demências, que procuraram espontaneamente o atendimento no ambulatório de Distúrbios Neurológicos Adquiridos do Núcleo de Investigação Fonoaudiológica em Neuropsicolinguística do departamento de Fonoaudiologia da UNIFESP, totalizando 30 pacientes afásicos pós AVE. Não houve exclusão de pacientes quanto ao critério tempo de ocorrência do AVE, porém todos os pacientes deveriam estar na fase crônica da doença quando foram entrevistados Os pacientes deveriam ter queixas de linguagem para participarem da pesquisa.

Todos os indivíduos selecionados para participarem do estudo foram convidados a participar e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Estes pacientes junto com seus familiares responderam a um questionário sobre queixas atuais ou pregressas de deglutição, feitas pela fonoaudióloga de forma oral e individualmente. Os questionários foram aplicados prioritariamente com o paciente cérebro-lesado. Apenas nas situações em que o paciente apresentou déficits de compreensão e/ou emissão que impossibilitassem a entrevista com o mesmo, a entrevista foi realizada com o familiar. A presença do familiar no momento da entrevista teve por objetivo que todos os dados obtidos fossem confirmados. Em todas as entrevistas, mesmo quando o paciente respondeu às perguntas, o familiar esteve presente para garantir a confiabilidade dos dados. Os dados relativos ao histórico do AVE foram retirados dos protocolos de avaliação dos pacientes e anotados em uma folha de registro.

Esta folha de registro foi composta com o objetivo de se obterem as informações do paciente, como: dados pessoais, data da ocorrência do AVE, tipo de afasia, sendo este último dado sido obtido por meio de avaliações fonoaudiológicas seguidas de seus respectivos diagnósticos.

Quanto ao questionário (Figura 1), o mesmo foi elaborado a partir de manifestações já descritas em pacientes que apresentaram queixas de deglutição pós AVE11


Ele contém perguntas que visaram identificar como transcorreu a queixa de deglutição associada à afasia.

As perguntas contidas nesse questionário abrangeram os seguintes aspectos: dificuldades de deglutição antes e após AVE, com qual/quais consistência(s) apresentou maior dificuldade, se houve a necessidade de intervenção fonoaudiológica, se houve melhora da comunicação e/ou da disfagia e o tempo médio da melhora com ou sem intervenção fonoaudiológica específica para tais distúrbios. Durante a entrevista, perguntou-se ao paciente se ele havia apresentado, em algum momento pós AVE, dificuldades para engolir ou queixas relacionadas (tosse, engasgos, etc). Quando a resposta foi sim, seguiram-se as demais perguntas, se estas queixas (referidas) melhoraram, e, em caso afirmativo foi perguntado como foi a melhora, a fim de que se confirmasse que a mudança referida pela família/paciente seria sinal de melhora parcial ou total da manifestação. Neste estudo, utilizamos o termo "melhora" para todas as mudanças referidas pelos pacientes/familiares e identificadas pelo fonoaudiólogo por meio do relato, como positivas, mesmo que tenham sido parciais

Este estudo recebeu aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição sob CEP número 2041/08.

Após a obtenção e análise das respostas do questionário foi realizada a análise estatística. As curvas de sobrevivência para dados de melhora da afasia e da disfagia foram geradas a partir do método de Kaplan-Meier. As comparações das curvas de sobrevivência foram realizadas pelo teste de log-rank e todas as pré-suposições dos testes foram verificadas. A probabilidade (p) menor que 0,05 foi considerada para indicar significância estatística; todos os testes foram bicaudados e toda a análise foi calculada segundo o pacote estatístico SPSS (Statistical Pakage for the Social Science) 13.0 para Windows.

RESULTADOS

Características gerais

A média de idade dos pacientes foi de 57,8 ± 13,7 anos. O paciente mais novo tinha 21 anos e o mais velho tinha 81 anos.

Foram avaliados 30 pacientes ao todo, sendo que cinquenta e três por cento dos pacientes eram homens.

Os tipos de afasia estão representados na Tabela 1.

Em relação à análise da melhora referida da afasia em relação ao tempo, oitenta e sete por cento dos pacientes referiram melhora da afasia, embora em nenhum deles a melhora tenha sido completa. O tempo mínimo para que o paciente pudesse apresentar qualquer melhora referida pela família foi de 15 dias. A mediana dos pacientes que melhoraram foi igual a183 dias.

A Figura 2 representa a curva de Kaplan-Meier para a melhora da afasia.


Do total de pacientes, 57% foram submetidos à fonoterapia para afasia.

Pela análise das curvas de Kaplan-Meier dos pacientes que foram submetidos à fonoterapia com os que não foram, não houve diferença significante na melhora entre os dois grupos (94% x 78% de melhora, X2(1)= 2,03; p= 0,155).

Quanto à análise da melhora da disfagia em relação ao tempo, a queixa de disfagia foi referida em 48% dos pacientes. Destes, 93% referiram melhora da disfagia. O tempo mínimo referido para que o paciente apresentasse qualquer tipo de melhora foi de sete dias, após a retomada do nível de consciência, pós-AVE. A mediana dos pacientes que referiram melhora foi igual a76 dias. Dentre os disfágicos, 43% referiram ter usado sonda durante a internação. O tempo de uso da sonda variou de 5 a 122 dias (mediana= 22).

A Figura 3 representa a curva de Kaplan-Meier para a melhora da disfagia.


Do total de disfágicos, 60% referiram melhora total da disfagia e 47% disseram ter realizado terapia para disfagia. Pela análise das curvas de Kaplan-Meier dos pacientes que foram submetidos à fonoterapia com os que não foram, não houve diferença significante na melhora referida pelos dois grupos (100% x 87% de melhora, X2(1)= 0,67; p= 0,411).

Em relação à análise quanto às consistências dos alimentos, dos pacientes que apresentaram queixa de disfagia, 11 (73,33%) referiram dificuldades com a consistência sólida dos alimentos, 11 (73,33%) com líquido e sete (46,66%) com pastoso, sendo que desses, 4 (26,66%) apresentaram queixas com todos os tipos de consistência.

Cinco pacientes apresentaram queixa com apenas uma das consistências, três deles relataram dificuldades com líquidos e dois com sólidos, seis pacientes apresentaram dificuldades com duas consistências, sendo que três tiveram problemas com líquido e sólido, dois com pastoso e sólido e um com líquido e pastoso.

Nenhum dos pacientes referiu queixas de disfagia anteriores ao AVE.

Quanto às relações entre afasia e disfagia, para verificar se a disfagia interferiu no prognóstico da afasia, compararam-se as curvas de Kaplan-Meier dos pacientes que referiram queixas de disfagia com os que não referiram. Não houve diferença significante na melhora da afasia entre os dois grupos (93% x 81% de melhora, X2(1)= 2,14; p= 0,143).

Para verificar se a melhora da afasia interferiu no prognóstico dos pacientes com disfagia, compararam-se as curvas de Kaplan-Meier dos pacientes que referiram afasia com os que não referiram. Da mesma forma, não houve diferença significante na melhora referida da disfagia entre os dois grupos (93% x 100% de melhora, X2(1)= 0,04; p= 0,848).

DISCUSSÃO

Inicialmente, em relação à caracterização da amostra, pode-se observar que a média da idade dos sujeitos avaliados foi de 57,8 anos com desvio padrão de 13,7 anos, considerada baixa quando comparada com a idade de maior prevalência de AVE na população. Segundo a literatura, mais da metade dos casos de AVE ocorre em pessoas com mais de 70 anos de idade14. Tem-se observado, no entanto, que apesar de os AVEs ocorrerem predominantemente em indivíduos mais idosos, podem muitas vezes acometer pessoas mais jovens5. Nesse estudo, a média de idade dos pacientes avaliados corrobora o fato de que o AVE vem acometendo populações mais jovens nos últimos anos.

Cinquenta e três por cento dos pacientes avaliados nessa pesquisa eram do sexo masculino. De fato, parece haver uma predileção pelo sexo masculino (1,3:1) 1.

Quanto à melhora da afasia, 87% dos pacientes referiram algum tipo de evolução da afasia, sendo que nenhum deles referiu melhora completa do quadro. Dos trinta pacientes avaliados, 57% foram submetidos à fonoterapia e desses, 94% esboçaram melhora do quadro e, daqueles que não receberam terapia fonoterápica, 78% apresentaram alguma melhora. Cabe ressaltar que este estudo foi feito em um ambulatório da rede pública de saúde. Os casos de pacientes afásicos que foram expostos à terapia fonoaudiológica referem-se aos que conseguiram obter uma vaga no serviço de atendimento ambulatorial. Por sua vez, os casos que não realizaram terapia, não o fizeram por não haver vaga disponível para o paciente. Ainda assim, a assiduidade e frequência do tratamento foram variáveis não-controladas neste estudo. A melhora observada nos casos não expostos à terapia fonoaudiológica pode se justificada pela provável ocorrência da recuperação espontânea, aliada às orientações realizadas à família do paciente afásico no término da avaliação. O conceito de recuperação espontânea, apesar de muito discutido e revisto é ainda aceito, pois tal recuperação foi verificada em muitos pacientes que não tiveram nenhuma estimulação terapêutica e assim mesmo melhoraram. Esse tipo de recuperação é atribuído ao funcionamento compensatório de certas áreas no cérebro ou de outros fatores ainda não determinados16. Desta forma, a mudança parcial do quadro de linguagem referida pelos pacientes ou seus familiares deve ter ocorrido devido à recuperação funcional espontânea na fase aguda da doença. Houve um percentual de pacientes que referiu melhora do quadro afásico mediante terapia e também em alguns pacientes que não foram expostos à terapia fonoaudiológica. Também houve pacientes (3,3%) que mesmo com terapia não esboçaram melhora alguma quanto à afasia. Porém, conforme observado na Tabela 1, em relação às características gerais da amostra, verifica-se que a grande maioria dos pacientes afásicos entrevistados neste estudo apresentou afasias graves (N= 19; 63,4%), o que nos permite hipotetizar que teriam, em relação ao prognóstico, poucas chances de melhora espontânea total do quadro, ou seja, sem a intervenção fonoaudiológica.

A mediana de tempo que os pacientes referiram mudanças no quadro afásico foi de 183 dias (6 meses). Na comparação entre os pacientes que fizeram fonoterapia com os que não fizeram, a partir das curvas de Kaplan-Meier, não houve diferença significante na melhora desses casos. Apesar de não ter sido encontrada diferença significante entre a melhora do distúrbio de linguagem em pacientes afásicos expostos ou não à terapia fonoaudiológica, ressalta-se, novamente, que a amostra deste estudo foi muito heterogênea no que diz respeito ao tipo de afasia apresentada pelos pacientes. Casos leves, geralmente, tem melhor chances de melhora espontânea,17 o que impossibilita a comparação ideal entre grupo tratado e não-tratado, uma vez que a gravidade da afasia não foi controlada nesta comparação. Da mesma forma, não foi possível controlar o que cada família considerou melhora ou não do paciente, durante a entrevista, o que confere subjetividade a esta análise. E finalmente, esta investigação não foi objeto de estudo desta pesquisa e foi realizada apenas para que se pudesse comparar a evolução da afasia e da disfagia referida e observada pelos pacientes. Em pesquisas futuras, estas variáveis, se forem de interesse, poderão ser controladas objetivamente.

A princípio, em relação à amostra, pode-se observar que 48% apresentaram queixa de disfagia. Sabe-se que dos pacientes pós AVE, 25-50% apresentam queixas de disfagia18, e alguns autores sugerem probabilidades de ocorrência ainda maiores8. Estudos específicos sobre os aspectos epidemiológicos e a história natural da disfagia, associada a quadros vasculares encefálicos agudos apontam para uma incidência em torno de 50% para distúrbios da deglutição19,20. Ressalta-se, no entanto, que apesar destes estudos concordarem em números com o atual, todos eles são diferentes quando se trata da análise, pois eles avaliaram apenas pacientes que tiveram disfagia após terem sofrido o AVE, independentemente da ocorrência ou não de outros transtornos, diferentemente desse estudo que teve como critério de seleção da amostra a co-ocorrência da afasia. Isso sugere que o risco de disfagia em pacientes pós AVE é independente da associação ou não à ocorrência do distúrbio de linguagem (afasia), uma vez que o percentual descrito na literatura se manteve na amostra de pacientes afásicos analisada neste estudo. Em um estudo que se assemelhou a este quanto à casuística11 encontrou-se que 54,54% dos pacientes disfágicos pós AVE, houve associação com a afasia, dado que se assemelha ao evidenciado no presente estudo.

Dos pacientes que apresentaram queixa de disfagia, 93% referiram alguma melhora e 60% deles referiram melhora total. Muitos autores consideram que a disfagia melhora espontaneamente e a frequência de casos crônicos é pequena 21,22.

Em relação à disfagia, a mediana de tempo em que os pacientes apresentarem melhora, foi de 76 dias, após a ocorrência do AVE. Lembrando-se que, do total de disfágicos, 47% foram submetidos à terapia e, quando se compararam os pacientes que fizeram fonoterapia com os que não fizeram, observou-se que não houve diferença significante na melhora entre os dois grupos. Houve 100% de melhora para os pacientes que fizeram terapia fonoaudiológica para disfagia e 87% de melhora nos pacientes que não fizeram terapia. Em um estudo que objetivou verificar a incidência e o prognóstico da disfagia em pacientes com AVE, observou-se que em 88% dos casos, já estavam se alimentando por via oral, sem complicações, devido à melhora espontânea, em quatro meses após o AVE22.

Em geral, a literatura aponta que os pacientes podem ter entre um a quatro meses até que ocorra a melhora espontânea da disfagia23,24. No estudo atual, observou-se que os pacientes levaram um pouco mais do que dois meses para apresentarem melhora da disfagia. Além disso, ressalta-se novamente, que esta casuística é diferente das analisadas nos demais estudos, uma vez que os pacientes eram também afásicos e, devido à alteração linguístico-cognitiva associada ao quadro, podem ter apresentado processo de reabilitação motora da disfagia um pouco atrasado, pela maior dificuldade de compensação funcional dos déficits e compreensão de instruções e de orientações dadas pelos terapeutas.

Dentre os disfágicos, 43% necessitaram usar sonda durante a internação, por um tempo médio de 22 dias. Numa pesquisa britânica25, realizada nos períodos entre 1996 e 1999, estimou-se um valor por volta de 1,7% de todos os pacientes que sofreram AVE, e que precisaram receber alimentação via sonda. Verificou-se também que nesses pacientes, após um ano do AVE, 13% deles já haviam retornado à alimentação via oral. No presente estudo, a recuperação referida foi mais rápida, pois os pacientes voltaram a se alimentar por via oral numa média de tempo de 22 dias. A quantidade superior dos que necessitaram utilizar sonda como via alternativa de alimentação, talvez seja devido ao fato de que os pacientes eram afásicos e necessitaram de maiores cuidados preventivos pela limitação da comunicação. Por sua vez, o menor tempo para que os pacientes voltassem a se alimentar via oral, talvez se deva a maior assistência dada ou pelo fato de que, ao apresentaram melhora, mesmo que parcial, do transtorno de linguagem, e responderem à estimulação da disfagia, terem sido observadas alterações de deglutição com rápida recuperação, o que parece estar de acordo com o que a literatura sugere 25.

Apesar do objetivo inicial ter sido verificar a possível interferência da afasia na recuperação da disfagia, também verificou-se se a disfagia interfere na reabilitação da afasia. Esta última análise também foi feita, pois se sabe que, quanto maior o grau de dependência funcional dos pacientes, ou seja, quanto maior o número de limitações, nesta incluída a disfagia, maior o risco de depressão26, o que pode interferir na recuperação da afasia. Quando os pacientes que tiveram queixa de disfagia foram comparados com os que não tiveram, observou-se que não houve interferência da disfagia na reabilitação da afasia. O mesmo foi encontrado quando se comparou se a melhora da afasia interferiu no prognóstico da disfagia. No entanto, pesquisas que controlem a variável gravidade da afasia e a interferência na reabilitação da disfagia ainda precisariam ser realizadas. Da mesma forma, seriam necessários estudos que também controlassem a gravidade da disfagia.

Tratando-se da melhora espontânea parcial entre afasia e disfagia, tem-se um valor de 78% da melhora referida para o quadro de comunicação e 87% para a deglutição. Apesar de a diferença ter sido pequena, esta já era esperada, pois a recuperação do quadro afásico é mais lenta, e, além disso, em relação à disfagia, a incidência de casos que melhoram espontaneamente é maior 22. Em estudo prévio, observou-se que pacientes disfágicos, independentemente se apresentavam afasia ou não, foram os que apresentaram pior prognóstico em relação à alta hospitalar.27

Em relação às limitações do estudo e perspectivas futuras, trata-se de um estudo piloto em que se analisou a presença e a evolução da queixa de disfagia referida pelos familiares de afásicos. Uma limitação metodológica foi o estudo ter sido realizado apenas com a investigação da queixa da disfagia em pacientes afásicos crônicos. Podem ter havido falsos positivos (pacientes que referiram queixa de deglutição pós-AVE) e falsos negativos (pacientes sem queixa de deglutição, mas que pudessem ter alguma alteração), apesar do risco da queixa ter sido superestimada ou o transtorno não ter sido percebido. Por outro lado, devido à maior preocupação com os quadros disfágicos, muitos serviços têm proposto triagens com uso exclusivo de questionários28,29, treinamento de diferentes profissionais30, e atenção especial para pacientes disfágicos com ou sem afasia27,31. Futuramente novas pesquisas deverão ser realizadas em populações maiores, para verificar se a co-ocorrência destes distúrbios, avaliados de forma objetiva, interfere no prognóstico específico de cada um deles.

CONCLUSÕES

Dos pacientes afásicos avaliados neste estudo, 48% apresentaram queixa de disfagia.

O tempo médio da melhora referida para a disfagia foi de 76 dias e a média de tempo da melhora da afasia referida pela família foi de 183 dias.

A partir das informações obtidas pelos familiares, não foram encontradas relações positivas, ou seja, a presença da afasia não parece ter interferido no prognóstico da disfagia.

Recebido em: 21/10/2011

Aceito em: 09/06/2012

Pesquisa desenvolvida no Núcleo de Investigação Fonoaudiológica em Neuropsicolinguistica da Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, Brasil

Órgão de Fomento: Fapesp

Conflito de interesses: inexistente

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  • Endereço para correspondência:

    Karin Zazo Ortiz
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2013

    Histórico

    • Recebido
      21 Out 2011
    • Aceito
      09 Jun 2012
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