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Análise da osmolalidade do leite humano e da fórmula infantil com a viscosidade modificada para uso em lactentes com disfagia

RESUMO

Objetivo:

avaliar o efeito do agente espessante na osmolalidade do leite humano e da fórmula infantil em relação às concentrações e ao efeito do tempo.

Métodos:

foram realizados 6 ensaios para avaliar a osmolalidade, ao natural e com espessamento, da fórmula infantil, leite humano ordenhado cru e pasteurizado. O cereal de arroz foi usado como agente espessante (nas concentrações de 2%, 3%, 5% e 7%). A osmolalidade foi aferida pelo The Advanced TM Micro Osmometer Model 3300 após a preparação das amostras por um período de 0-60 minutos. As diferenças significantes foram avaliadas por meio de Anova.

Resultados:

observou-se variação da osmolalidade no leite humano pasteurizado nos tempos observados e nas concentrações. O leite humano cru apresentou variação nos tempos e nas concentrações 5 e 7%, quando comparado ao leite não espessado. A fórmula infantil não mostrou diferenças na osmolalidade com relação ao tempo. No tempo zero, apresentou variações entre as concentrações de 2, 3 e 5%. Nos demais tempos, houve diferença na osmolalidade entre as amostras com concentração de 5% e a fórmula não espessada.

Conclusão:

a osmolalidade das dietas analisadas variou conforme o tempo e as concentrações para o leite humano e a formula infantil. No entanto, estas variações se mantiveram dentro dos parâmetros preconizados, indicando que o cereal de arroz é um espessante seguro para a alimentação de lactentes com disfagia orofaríngea leve ou moderada.

Descritores:
Leite Humano; Transtornos de Deglutição; Espessantes; Concentração Osmolar; Viscosidade

ABSTRACT

Purpose:

to evaluate the effects of a thickening agent on the osmolality of human milk and on an infant formula, with respect to concentration and time.

Methods:

six trials were performed to evaluate the osmolality of a natural and thickened infant formula, raw human milk, and pasteurized human milk. Rice cereal was used as a thickening agent (at concentrations of 2%, 3%, 5%, and 7%). Osmolality was measured using the Advanced Micro Osmometer Model 3300 after sample preparation periods of 0-60 minutes. Statistical evaluations were performed using ANOVA.

Results:

pasteurized human milk exhibited time- and concentration-dependent variation in osmolality. The osmolality of raw human milk differed among time points and between the samples with 5% and 7%, when compared to the non-thickened milk. The infant formula did not show differences in osmolality with respect to time. At time zero, there were differences in osmolality between the infant formula samples with 2%, 3%, and 5% thickener. At other time points, there were differences in osmolality between the sample with a 5% thickener and the non-thickened formula.

Conclusion:

the osmolality of diets varied over time and according to the concentration of thickener in human milk and the infant formula. However, the observed variation remained within the recommended parameters, indicating that rice cereal is a safe thickener for the feeding of infants presented with mild or moderate oropharyngeal dysphagia.

Keywords:
Milk, Human; Deglutition Disorders; Thickeners; Osmolar Concentration; Viscosity

Introdução

A disfagia é uma condição clínica presente em muitos recém-nascidos e lactentes, que apresentam patologias neurológicas, cardiorrespiratórias, malformações craniofaciais e do trato digestivo, além da prematuridade, e caracteriza-se pela dificuldade de coordenação entre a sucção, respiração e deglutição. Não se caracteriza como uma doença, e sim como um sintoma ou manifestação de uma variedade de anormalidades congênitas, estruturais e/ou condições clínicas, ou por disfunção dos centros responsáveis pelo controle neurofisiológico das estruturas envolvidas: cavidade oral, faringe, laringe e esôfago11. Logemann J. Evaluation and treatment of swallowing disorders. Austin: Pro-Ed; 1998.

2. Cuenca RM, Malafaia DT, Souza GD, Souza LRQ, Motta VP, Lima MRA et al. Síndrome disfágica. ABCD Arq Bras Cir Diag. 2007;20(2):116-8.
-33. Fussi C, Furkim AM. Disfagias infantis. In: Furkim AM, Santini CRQS (orgs). Disfagias orofaríngeas. São Paulo: Editora Pró-Fono; 2008. Vol 2. p. 89-114..

A assistência em disfagia requer uma abordagem individualizada de acordo com as condições clínicas associadas. A intervenção fonoaudiológica consiste em estabelecer um plano de tratamento que contemple a estimulação sensório-motora oral, a organização postural durante a alimentação, técnicas de suporte oral e do ritmo de sucção, manejo e gerenciamento do aleitamento materno, adaptação dos utensílios de alimentação e, quando necessário, mudanças na consistência do leite 44. Hernandez AM. Neonatos. In: Jotz GP, Angelis EC, Barros APB. Tratado de deglutição e disfagia no adulto e na criança. São Paulo: Editora Revinter; 2009. p. 230-8.

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-66. Gosa M, McMillan L. Therapeutic considerations for children and infant with feeding tubes. Perspectives on Swallowing and Swallowing Disorders. 2006;15(3):15-20..

O leite humano é espécie-específico e produto-específico e deve ser a primeira escolha para alimentação de recém-nascidos. Ele proporciona uma combinação única de proteínas, lipídios, carboidratos, minerais, vitaminas, enzimas e células vivas, bem como benefícios nutricionais, imunológicos, psicológicos e econômicos reconhecidos e inquestionáveis77. Almeida JAG. Amamentação: um híbrido natureza-cultura. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 1999.,88. World Health Organization. Effect of breastfeeding on infant and child mortality due to infectious disease in less developed countries: a pooled analysis. Collaborative study team on the role of breastfeeding on the prevention of infant mortality. Lancet. 2000;355(9202):451-5.. Quando o recém-nascido, ou o lactente, não é capaz de manter a estabilidade clínica ou a deglutição segura durante a alimentação, e após o esgotamento das técnicas fonoaudiológicas de estimulação oral, deve-se proceder a adaptação da consistência, com a mudança na viscosidade do leite ofertado55. Dusick A. Investigation and management of dysphagia. Semin Pediatr Neurol. 2003;10(4)255-64.,99. Lefton-Greif MA. Pediatric dysphagia. Phys Med Rehabil Clin N Am. 2008;19(4):837-51.

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12. Kakodkar K, Schroeder JW Jr. Pediatric dysphagia. Pediatr Clin N Am. 2013;60(4):969-77.

13. Steele CM, Alsanei WA, Ayanikalath S, Barbon CEA, Chen J, Cichero JA et al. The influence of food texture and liquid consistency modification on swallowing physiology and function: a systematic review. Dysphagia. 2015;30(1):2-26.
-1414. Dion S, Duivestein JA, Pierre AS, Harris SR. Use of thickened liquids to manage feeding difficulties in infants: a pilot survey of practice patterns in Canadian pediatric centers. Dysphagia. 2015;30(4):457-72..

A viscosidade e, complementarmente, a osmolalidade devem ser observadas quando se fornece dieta com a consistência modificada aos lactentes com disfagia. A composição do agente espessante pode contribuir para o aumento da osmolalidade da dieta com a viscosidade modificada. Nesse sentido, faz-se necessária a determinação da osmolalidade para verificação de possível hiperosmolaridade na dieta ofertada. As fórmulas hiperosmolares podem causar desconforto abdominal, retardo no esvaziamento gástrico, cólicas, diarreias, desidratação, além de favorecer o desenvolvimento de enterocolite necrosante, danos aos rins e ao cérebro em lactentes1515. Weffort VRS. Avanços nutricionais em fórmulas infantis. Pediatria Moderna. 2012;48(4):115-20..

A osmolalidade é a medida da quantidade de partículas osmoticamente ativas na solução, expressa em número de miliosmoles de soluto por quilograma de solvente (mOsm/Kg)1616. Scott-Stump S, Mahan KL, Raymond JL. Krause alimentos, nutrição e dietoterapia. 13th ed. Rio de Janeiro: Saunders Elsevier; 2013.. A osmolaridade do leite humano varia de 277 a 303 mOsm/L1515. Weffort VRS. Avanços nutricionais em fórmulas infantis. Pediatria Moderna. 2012;48(4):115-20., e recomenda-se que o alimento lácteo infantil tenha osmolalidade menor do que 450 mOsm/Kg (ou 400mOsm/L)1717. Thatrimontrichai A, Janjindamai W. Safety of superfortification of human milk for preterm. Asian Biomed. 2011;5(6):825-30., embora estes parâmetros se encontrem em discussão atualmente na literatura científica1818. Choi A, Fusch G, Rochow N, Fusch C. Target fortification of breast milk: predicting the final osmolality of the feeds. PLoS ONE. 2016;11(2):1-12..

Os estudos que avaliam a osmolalidade do leite humano são, em sua maioria, focados em sua fortificação e nos aspectos nutricionais. Devido à escassez de estudos, faz-se necessário que a produção de conhecimento sobre o tema avalie também a osmolalidade de dietas espessadas para recém-nascidos visando a melhora da coordenação da sucção, respiração e deglutição.

Assim, esse estudo tem por objetivo avaliar a osmolalidade do leite humano e da fórmula infantil ao natural e com a viscosidade modificada, através do cereal de arroz, nas concentrações de 2, 3, 5 e 7%, na temperatura de 37ºC, e seu efeito no tempo de 60 minutos.

Métodos

Estudo experimental realizado no Laboratório de Controle de Qualidade do Banco de Leite Humano (BLH - IFF), com aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira - Fundação Oswaldo Cruz (IFF - Fiocruz), sob o parecer CAAE nº 14607113.4.0000.5269. Todas as amostras de leite humano utilizadas foram provenientes de doadoras cadastradas no BLH-IFF, no período de dezembro de 2013 a novembro de 2017, observando o disposto na legislação que regulamenta a implantação e o funcionamento de bancos de leite humano1919. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Resolução RDC nº171 dispõe sobre o regulamento, a implantação e o funcionamento de Bancos de Leite Humano no território nacional. Diário Oficial da União de 04/09/2006. Brasil.. As amostras de leite humano selecionadas para o estudo estavam estocadas a -20°C e apresentavam acidez entre 1 e 4ºD e caloria entre 500 a 650kcal/L.

Foram utilizadas amostras de leite humano cru (LHOC) e pasteurizado (LHOP), uma vez que, durante a internação na UTI Neonatal, o espessamento é realizado no leite humano pasteurizado proveniente do BLH-IFF, e, após a alta hospitalar, se ainda houver indicação, a mãe poderá continuar espessando o leite humano ordenhado cru em casa.

A pasteurização é um tratamento térmico aplicado ao leite humano ordenhado cru que visa a inativação de 100% dos micro-organismos patogênicos que podem estar presentes no produto, além de sua microbiota saprófita ou normal, através do binômio temperatura/tempo de 62,5ºC, após o tempo de pré-aquecimento, com o tempo de pasteurização dependendo do volume de leite a ser processado, conforme recomendação da Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) 1711919. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Resolução RDC nº171 dispõe sobre o regulamento, a implantação e o funcionamento de Bancos de Leite Humano no território nacional. Diário Oficial da União de 04/09/2006. Brasil..

As amostras de leite humano foram degeladas e mantidas em banho-maria na temperatura de 37ºC, com variação de aproximadamente ±2º C. A fórmula infantil foi preparada conforme recomendações do fabricante para um volume de 30mL e mantida em banho-maria na temperatura de 37ºC com variação de aproximadamente ±2ºC. A análise de cada concentração foi realizada separadamente.

O espessante foi pesado em balança digital da marca Marte, modelo A500, e posteriormente foi adicionado ao leite conforme recomendação do fabricante, no preparo com o leite. As amostras foram agitadas manualmente durante o preparo por um período de 30 segundos, para evitar a incorporação excessiva de ar e melhor solubilização. Um termômetro calibrado foi utilizado para verificação da estabilidade térmica.

O agente espessante utilizado, da marca Vitalon ® (WOW Nutrition, São Paulo, Brasil), foi a mucilagem composta de cereal de arroz, que não contém traços de leite em sua composição. Cada ensaio foi realizado em triplicata e foram utilizadas 32 amostras com o volume de 30 mL de leite humano, totalizando 128 aferições e 12 amostras de 30 mL de fórmula infantil, no total de 48 medições.

A osmolalidade da fórmula infantil sem espessamento e com espessamento de 2, 3 e 5% e a do leite humano ordenhado cru e pasteurizado sem espessamento e com espessamento de 2, 3, 5 e 7% foram determinadas no período de 60 minutos, com intervalos de 20 minutos, à temperatura de 37ºC, compreendendo 6 estudos.

A osmolalidade foi aferida usando-se a avaliação da diminuição do ponto de congelamento (using freezing point depression) a partir do equipamento The Advanced TM Micro Osmometer Model 3300, Advanced Instruments INC. O equipamento foi calibrado com padrões de calibração de controle de qualidade (Advanced Instruments Inc, Norwood, MA, EUA) após cada 10 medidas.

Foram realizadas análises descritivas utilizando a média e o desvio padrão das variáveis utilizadas. A normalidade da distribuição foi verificada pelos testes Kolmogorov-Smirnov (KS) e de Shapiro - Wik. A análise de variância (ANOVA) foi utilizada para verificar diferenças significantes entre os diferentes graus de espessamento. Um teste de post hoc, com distribuição de Tukey, foi realizado para identificação dos pares com diferença estatisticamente significante. Todas as análises foram realizadas no SPSS 21, adotando-se um nível de significância de 0,05.

Resultados

Nesse estudo, a osmolalidade média do leite humano sem adição de espessante foi de 281 mOsm/Kg±2,23 para o leite humano cru e de 285 mOsm/Kg±1,28 para o leite humano pasteurizado. A osmolalidade média para a fórmula infantil sem espessante foi de 287 mOsm/Kg ±15,43, acompanhada no período de uma hora e na temperatura de 37ºC, com variação de aproximadamente ± 2°C (Tabela 1).

Para o grupo de amostras de leite do estudo, espessadas com cereal de arroz, a osmolalidade média foi de 341 mOsm/Kg ±16,2.

Tabela 1:
Valores da osmolalidade média dos leites do estudo, incubados à 37ºC

No ensaio com a fórmula infantil, o efeito do tempo não representou diferenças nos valores da osmolalidade em todas as concentrações analisadas (p>0,05). Considerando as concentrações, observou-se diferenças nos valores da osmolalidade entre a fórmula sem espessamento em relação a todas as outras amostras da fórmula com a viscosidade modificada no tempo zero (p<0,05). Em todos os outros tempos analisados, há diferença entre a fórmula sem espessamento e a concentração de 5% (p-valor de 0,009, 0,010 e 0,015, respectivamente em 20, 40 e 60 minutos). Entre as outras concentrações (2, 3 e 5%), não houve diferenças estatísticas (Tabela 2).

Tabela 2:
Efeito do tempo sobre a osmolalidade da fórmula infantil sem espessante e com a viscosidade modificada, incubada a 37ºC

No ensaio com o leite humano pasteurizado, observou-se que não houve variação em relação ao tempo nas amostras de leite in natura (p>0,05). Na concentração de 2%, a osmolalidade variou do tempo zero ao tempo 60 (p<0,05), entre os outros tempos não houve variação. Quando foi analisada a concentração de 3%, verificou-se que houve variação em relação ao tempo zero e 20, zero e 40 e zero e 60 minutos (p-valor< 0,001), e uma estabilização entre os outros tempos. As concentrações de 5 e 7% apresentaram o mesmo comportamento em relação ao tempo, ou seja, só não houve variação entre o tempo de 40 para 60 (p-valor de 0,125 e 0,920, respectivamente), apresentando uma suposta estabilização.

Em relação às concentrações, há diferença no leite humano pasteurizado in natura entre as concentrações de 2, 3, 5 e 7%, exceto nos tempos zero e 20 para a concentração de 3% (p-valor 0,976). Nas amostras com a viscosidade modificada, há diferença entre as concentrações 2 e 3%, 3 e 5%, e 3 e 7% no tempo zero (p-valor<0,05). Nos demais tempos, não há diferença, somente entre as concentrações de 2 e 3% (p-valor de 0,932, 0,873 e 0,547) e 5 e 7% (p-valor de 0,940, 0,224 e 0,286), respectivamente, nos tempos 20, 40 e 60 (Tabela 3).

Tabela 3:
Efeito do tempo sobre a osmolalidade do leite humano pasteurizado in natura e com a viscosidade modificada, incubada a 37ºC

Na análise da osmolalidade do leite humano cru em relação ao tempo, observou-se que o leite in natura e as concentrações de 2 e 7% não apresentaram variação com o tempo (p>0,05). Quando comparou-se as concentrações de 3 e 5% verificou-se variação do tempo entre o tempo zero e 40 minutos (p-valor de 0,023 e 0,029, respectivamente) e entre o tempo zero e 60 minutos (p-valor de 0,010 e 0,030, respectivamente). Considerando as concentrações, entre o leite humano cru in natura e as outras concentrações, verificou-se que somente no tempo zero ele difere da concentração de 7% (p-valor de 0,012). Nos demais tempos ele é diferente nas concentrações de 5 e 7% (p-valor<0,05). As demais concentrações não diferem entre si quanto à osmolalidade (p>0,05) (Tabela 4).

Tabela 4:
Efeito do tempo sobre a osmolalidade do leite humano cru in natura e com a viscosidade modificada, incubada a 37ºC

Discussão

Este estudo investigou sistematicamente o impacto da adição do cereal de arroz, usado para modificar a viscosidade da dieta, em relação ao tempo e às concentrações, na osmolalidade do leite humano e da fórmula láctea administrada em lactentes com disfagia. Verificou-se que o tempo mostrou-se como um fator importante para a variação da osmolalidade do leite humano. A fórmula infantil apresentou uma maior estabilidade de acordo com a variação do tempo. A variação da osmolalidade entre as concentrações foi maior no leite humano pasteurizado. No leite humano cru e na fórmula infantil só foram observadas variações quando se comparou a dieta espessada com a sem espessamento.

A pasteurização não alterou a osmolalidade das amostras de leite analisadas neste estudo, corroborando com os achados de Braga e Palhares2020. Braga LPM, Palhares DB. Effect of evaporation and pasteurization in the biochemical and immunological composition of human Milk. Jornal de Pediatria. 2007;83(1):59-63.), que também não observaram diferenças significantes neste parâmetro. Assim, as variações observadas no leite humano podem estar associadas à presença da enzima amilase. A amilase, presente no leite humano, pode causar a hidrólise do amido e, consequentemente, causar o aumento na osmolalidade entre as concentrações e com o tempo2121. Grance TRS, Serafin PO, Thomaz DMC, Palhares DB. Aditivo homólogo para a alimentação do recém-nascido pré-termo de muito baixo peso. Rev Paul Pediatr. 2015;33(1):28-33.. As variações observadas na fórmula infantil podem estar relacionadas à quantidade de espessante utilizado, pois as diferenças começaram a ser percebidas quando se variava a concentração do espessante.

Segundo Srinivasan2222. Srinivasan L, Bokiniec R, King C, Weaver G, Edwards AD. The increased osmolality of breast milk therapeutic additives. Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed. 2004;89:514-517. e colaboradores, a administração de dietas hiperosmolares pode estar associada com enterocolite necrosante. Clinicamente, conhecer como se comporta a osmolalidade é importante, para saber como, fisiologicamente, se realiza a difusão de uma substância através das membranas celulares, e conhecer também a pressão exercida pelo soluto, ou seja, para análise do equilíbrio hídrico corporal2323. Lewis SL, Heitkemper MM, Dirksen SR, Bucher L, Camera IM. Tratado de enfermagem médico-cirúrgica: avaliação e assistência dos problemas clínicos. 8ª edição. Mosby Elsevier; 2013: vol 1..

Choi et al.1818. Choi A, Fusch G, Rochow N, Fusch C. Target fortification of breast milk: predicting the final osmolality of the feeds. PLoS ONE. 2016;11(2):1-12. analisaram a influência do tempo na osmolalidade do leite materno fortificado e o suplemento de carboidratos por um período de 24 horas, a 4°C, e verificaram aumento da osmolalidade, atribuindo o efeito à ação da enzima amilase.

No entanto, mesmo apresentando uma maior variabilidade, a osmolalidade do leite humano permaneceu dentro dos valores preconizados pela literatura científica1515. Weffort VRS. Avanços nutricionais em fórmulas infantis. Pediatria Moderna. 2012;48(4):115-20.,1717. Thatrimontrichai A, Janjindamai W. Safety of superfortification of human milk for preterm. Asian Biomed. 2011;5(6):825-30.,1818. Choi A, Fusch G, Rochow N, Fusch C. Target fortification of breast milk: predicting the final osmolality of the feeds. PLoS ONE. 2016;11(2):1-12.,2121. Grance TRS, Serafin PO, Thomaz DMC, Palhares DB. Aditivo homólogo para a alimentação do recém-nascido pré-termo de muito baixo peso. Rev Paul Pediatr. 2015;33(1):28-33., e mostra-se valor seguro do ponto de vista da osmolalidade, como terapêutica para alimentar os lactentes com disfagia orofaríngea leve ou moderada. O leite humano é um fator protetor para o lactente com disfagia, pois até aproximadamente os seis meses de idade ele não possui, ou possui em concentrações menores, a enzima amilase que faz a hidrólise do amido; e através do leite humano, ele recebe a enzima que o ajuda a digerir o amido2424. Fanaroff AA, Fanaroff JM. Alto risco em neonatologia. Rio de Janeiro: Editora Elsevier; 2015. p.147-97..

O uso de agentes espessantes deve ser amplamente discutido com a equipe de assistência, avaliando a real necessidade de seu uso no lactente, após o esgotamento das técnicas terapêuticas para estimulação das funções orais e de alimentação. A oferta imediata ao lactente após a adição do espessante, com equipamentos de alimentação que favoreçam tal medida, pode minimizar tais efeitos e preservar a consistência e a osmolalidade.

A realização das avaliações da osmolalidade, e em trabalho anterior sobre a viscosidade2525. Almeida MBM, Gomes Junior SC, Silva JB, Silva DA, Moreira MEL. Study on viscosity modification of human and formula milk for infants. Rev. CEFAC. 2017;19(5):683-9., só foi possível porque o Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF) é uma unidade materno-infantil da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) certificada com o título de “Hospital Amigo da Criança” (IHAC)2626. Fundo das Nações Unidas para a Infância. Iniciativa Hospital Amigo da Criança: revista, atualizada e ampliada para o cuidado integrado: módulo 1: histórico e implementação / Fundo das Nações Unidas para a Infância. Brasília: Ministério da Saúde; 2008, p. 78., incentivando o aleitamento materno, e que, ao mesmo tempo, dispõe de um Banco de Leite Humano. É centro de referência da Rede Global de Bancos de Leite Humano no Brasil (rBLH), atuando na América Latina, América Central, Península Ibérica e África. Agrega os serviços de um hospital de referência materno-infantil, com total suporte para o aleitamento materno, independentemente das condições fisiopatológicas de seus pacientes, fator que viabilizou a realização deste estudo.

Uma das motivações para a realização deste trabalho foi o fato de que o agente espessante padronizado pelo IFF aparentemente apresentava viscosidade e osmolalidade que não se modificavam com o tempo. A maioria dos estudos localizados durante a busca de referências bibliográficas estava focada na fortificação do leite humano e nos aspectos nutricionais e não na análise da osmolalidade em dieta espessada para lactentes visando a melhora da coordenação da sucção, respiração e deglutição, incentivando a que se realizassem experimentos que controlassem o tempo, a temperatura e as concentrações. Esse estudo tem como diferencial a demonstração de que o leite humano e a fórmula infantil espessada podem ser considerados seguros do ponto de vista da osmolalidade.

O leite humano é espécie e produto específico, e sua composição se altera dependendo das características maternas, do período gestacional, ao longo da mamada e dos compostos bioativos2727. Lönnerdal B. Human milk: bioactive proteins/peptides and functional properties. Nestle Nutr Ins Workshop Ser. 2016;86:97-107. capazes de reagir com o agente espessante utilizado. Estas variações biológicas poderiam interferir na variabilidade dos resultados. Uma forma de minimizar esta situação seria o aumento do tamanho da amostra. No entanto, a complexidade de controle de todas as variáveis que interferem em suas características demandaria a análise de grande número de amostras de leite, sem garantia de reprodutibilidade dos resultados.

Conclusão

A osmolalidade das dietas analisadas neste estudo variou conforme o tempo e as concentrações para o leite humano e a fórmula infantil. Entretanto, estas variações se mantiveram dentro dos parâmetros preconizados na literatura, mostrando-se seguras para a alimentação de recém-nascidos e lactentes com disfagia orofaríngea leve ou moderada.

O uso de espessantes deve ser realizado de forma criteriosa, com parâmetros mínimos aceitáveis, visando a segurança do recém-nascido. A viscosidade e a osmolalidade estão diretamente relacionadas, assim, quanto maior a viscosidade, maior a osmolalidade e maiores os efeitos adversos.

Agradecimentos

Os autores agradecem aos profissionais do Banco de Leite Humano do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira - Fundação Oswaldo Cruz que possibilitaram o acesso as doadoras e a coleta de amostras.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2018

Histórico

  • Recebido
    22 Mar 2018
  • Aceito
    10 Ago 2018
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