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Avaliação audiológica comportamental e eletrofisiológica no transtorno do espectro do autismo

Resumos

Objetivo

descrever os achados das avaliações audiológicas comportamentais e eletrofisiológicas de pacientes com diagnóstico de transtorno do espectro do autismo.

Métodos

estudo descritivo, de coorte contemporânea com corte transversal, composto por nove pacientes com diagnóstico de transtorno do espectro do autismo, submetidos a avaliação comportamental e eletrofisiológica da audição. Os resultados foram analisados por meio de estatística descritiva.

Resultados

todos os pacientes avaliados apresentaram limiares audiométricos dentro dos padrões de normalidade. Oito pacientes apresentaram curva timpanométrica do tipo A, e um do tipo C. Observou-se emissões otoacústicas por produto de distorção presentes em todos os pacientes avaliados. Os resultados do potencial evocado auditivo de tronco encefálico demonstraram integridade das vias auditiva.

Conclusão

a população estudada apresentou resultados compatíveis com a normalidade tanto na avaliação comportamental como na avaliação eletrofisiológica da audição. Pelo fato de não haver consenso, na literatura especializada, quanto aos achados audiológicos nesta população, principalmente no que se refere à avaliação eletrofisiológica do processamento auditivo, sugere-se a realização de novos estudos.

Audição; Potenciais Evocados Auditivos; Eletrofisiologia; Transtorno Autístico


Purpose

to describe the audiological and electrophysiological findings of a group of patients with autistic spectrum disorder.

Methods

this is a cross-sectional descriptive study. Nine patients with autistic spectrum disorder participated in these study and it was performed the audiological and electrophysiological evaluation. Results were expressed as descriptive statistics.

Results

all patients presented audiometric threshold within normal standards. Eight patients had type A tympanogram and one had type C. It was observed the presence of distortion product otoacoustic emission responses in all patients. The results of brainstem auditory evoked responses indicated the integrity of auditory pathways.

Conclusion

the population studied showed results consistent with normality in behavioral and electrophysiological assessment of hearing. Because there is no consensus, in specialty literature, regarding the audiological findings in this population, particularly with regard to electrophysiological assessment of auditory processing, we would like to suggest the performance of new studies.

Hearing; Evoked Potentials; Auditory; Electrophysiology; Autistic Disorder


INTRODUÇÃO

A literatura ressalta que alteração na comunicação é um dos elementos centrais no quadro clínico de indivíduos com transtornos do espectro do autismo (TEA) que se caracterizam por uma tríade de impedimentos graves e crônicos nas áreas de interação social, comunicação verbal e não verbal e interesses restritos1. Klin A. Autism and Asperger syndrome: an overview. Rev. Bras. Psiquiatr. 2006;28:3-11.

. Jones LA, Campbell JM. Clinical characteristics associated with language regression for children with autism spectrum disorders. J. Autism. Dev. Disord. 2010;40(1):52-62.

. Russo N, Nicol T, Trommer B, Zecker S, Kraus N. Brainstem transcription of speech is disrupted in children with autism spectrum disorders. Dev. Sci. 2009;12(4):557-67.

. Tamanaha AC, Perissinoto J, Chiari B. M. Uma breve revisão história sobre a construção dos conceitos do Autismo Infantil e da síndrome de Asperger. Rev. Bras. Fonoaudiol. 2008;13(3):296-9.
-5. Misquiatti ARN, Fernandes FDM. Terapia de linguagem no espectro autístico: a interferência do ambiente terapêutico. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2011;16(2):204-9..

Existe controvérsia na literatura sobre as habilidades comunicativas em pacientes do espectro do autismo e o quanto prejuízos da função auditiva se relacionam a essas dificuldades. Apesar de respostas atípicas e adversas aos sons serem observados por pais e educadores, estes comportamentos auditivos não têm sido bem quantificados. Pacientes inclusos nos TEA frequentemente apresentam diferentes domínios sensoriais que podem se manifestar como comportamentos hiposensíveis ou hipersensíveis ao som, porém o processamento visual-espacial parece ser relativamente preservado6. Orekhova EV, Tsetlin MM, Butorina AV, Novikova SI, Gratchev vv, Sokolov PA et al. Auditory cortex responses to clicks and sensory modulation difficulties in children withautism spectrum disorders (ASD). PLos ONE. 2012;7(6):e39906.,7. Gomes E, Pedroso FS, Wagner MB. Hipersensibilidade auditiva no transtorno do espectro autístico. Pró-Fono Rev. Atual. Cient. 2008;20(4):279-84..

Para o diagnóstico diferencial e intervenção adequada dessa população, são utilizados procedimentos de avaliação auditiva objetivos e subjetivos. A avaliação comportamental é um dos procedimentos subjetivos, ou seja, depende das respostas do sujeito, podendo ser prejudicada devido à dificuldade de interação desta população, que geram respostas que podem não ser confiáveis8. Tas A, Yagiz R, Tas M, Esme M, Uzun C, Karasalihoglu AR. Evaluation of hearing in children with autism by using TEOAE and ABR. Autism. 2007;11(1):73-9.. Com o intuito de diminuir esta variabilidade a associação de medidas comportamentais e eletrofisiólogicas na avaliação de crianças com TEA proporcionam um diagnóstico preciso e uma intervenção mais eficaz9. Magliaro FCL, Scheuer CI, Júnior FBA, Matas CG. Estudo dos potenciais evocados auditivos em autismo. Pró-Fono Rev. Atual. Cient. 2010;22(1):31-6..

A audiometria convencional comportamental é utilizada na avaliação da sensibilidade auditiva periférica em pacientes que respondem de forma confiável, esta, associada à avaliação objetiva da audição complementa e garante a confiabilidade dos resultados em avaliações de pacientes com dificuldades de interações sociais, distúrbios perceptuais, de atenção e de memória, e que podem ser confundidos com deficientes auditivos8. Tas A, Yagiz R, Tas M, Esme M, Uzun C, Karasalihoglu AR. Evaluation of hearing in children with autism by using TEOAE and ABR. Autism. 2007;11(1):73-9.,1010 . Matas CG, Gonçalves IC, Magliaro FC. L. Avaliação audiológica e eletrofisiológica em crianças com transtornos psiquiátricos. Rev. Bras. Otorrinolaringol. 2009;75(1):130-8..

Dentre as medidas fisiológicas e objetivas de avaliação auditiva, a imitância acústica contribue com informações sobre a mobilidade do sistema tímpano ossicular e a integridade da via auditiva nesse nível1111 . Garcia MV, Azevedo MF, Testa JR. Medidas de imitância acústica em lactentes com 226hz e 1000hz: correlação com as emissões otoacústicas e o exame otoscópico. Rev. Bras. Otorrinolaringol. 2009;75(1):349-57., enquanto que as emissões otoacústicas por produto de distorção (EOAPD) avaliam a função coclear desde a espira basal até a espira apical e apresentam grande sensibilidade para detectar lesão das células ciliadas externas1212 . Munhoz MS. et al. Otoemissões Acústicas. Atheneu, São Paulo; 2000..

O Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico (PEATE) é uma medida eletrofisiológica que avalia a integridade da via auditiva desde o nervo auditivo até o tronco encefálico1313 . Källstrand J, Olsson O, Nehlstedt SF, Sköld ML, Nielzén S. Abnormal auditory forward masking pattern in the brainstem response of individuals with Asperger syndrome. Neuropsychiatr Dis Treat. 2010;24(6):289-96.. Esse exame mostra-se útil na investigação de neonatos e crianças com distúrbios neurológicos e psiquiátricos, principalmente em crianças com TEA1414 . Klin A. Auditory brainstem responses in Autism: brainstem dysfunction or peripheral hearing loss. J. autism dev. disord. 1993;23:15-35.

15 . Rosenhall U, Nordin V, Sandstrom M, Ahlsen G, Gillberg C. Autism and Hearing Loss. J. autism dev. disord. 1999;29(5):349-57.
-1616 . Wong V, Wong SN. Brainstem auditory evoked potential study in children with autistic disorder. J Autism Dev Disord. 1991;21:329-40., difíceis de serem avaliadas por meio de testes audiológicos convencionais, por serem feitos de maneira objetiva, sem a participação ativa do paciente1313 . Källstrand J, Olsson O, Nehlstedt SF, Sköld ML, Nielzén S. Abnormal auditory forward masking pattern in the brainstem response of individuals with Asperger syndrome. Neuropsychiatr Dis Treat. 2010;24(6):289-96.,1717 . Musiek FE, Lee WW. The auditory brain stem response in patients with brain stem or cochlear pathology. Ear Hear. 1995;16(6):631-6..

Foram realizados alguns estudos que utilizaram o PEATE para avaliar crianças com TEA e observaram tempo de condução do estimulo alterado, com respostas neurais alongadas, indicando anormalidades no neurodesenvolvimento do cérebro desses indivíduos1616 . Wong V, Wong SN. Brainstem auditory evoked potential study in children with autistic disorder. J Autism Dev Disord. 1991;21:329-40.,1818 . Roth DA, Muchnik C, Shabtai E, Hildesheimer M, Henklin Y. Evidence for atypical auditory brainstem responses in young children with suspected autismspectrum disorders. Dev Med Child Neurol. 2012;54(1):23-9.

19 . Rosenhall U, Nordin V, Brantberg K, Gillberg C. Autism and auditory brainstem responses. Ear Hear. 2003;24:206-14.
-2020 . Fujikawa-Brooks S, Isenberg AL, Osann K, Spence MA, Gage NM. The effect of rate stress on the auditory brainstem response in autism: a preliminary report. Int J Audiol. 2010;49:129–40..

Considerando o exposto o objetivo desse estudo foi descrever os achados da avaliação audiológica comportamental e eletrofisiológica de pacientes com diagnóstico de TEA.

MÉTODOS

Esse trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Filosofia e Ciências -UNESP- Marília, Processo n.º 486-2012. Os responsáveis pelos participantes foram informados sobre os procedimentos metodológicos e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido antes da realização de qualquer procedimento.

O delineamento de estudo aqui apresentado é descritivo, de coorte contemporânea com corte transversal.

Os responsáveis pelos participantes foram informados sobre os procedimentos metodológicos e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido antes da realização de qualquer procedimento.

Esse estudo foi realizado em uma clínica escola de uma universidade pública do estado de São Paulo e a amostra constitui-se de nove pacientes do gênero masculino, com idade variando entre quatro e 27 anos (Mediana = 8 anos), que frequentavam o Estágio de Linguagem Infantil desta Instituição, com diagnóstico de TEA.

Embora as crianças com TEA tivessem seus diagnósticos estabelecidos por profissionais especializados, para uma melhor caracterização da amostra foi utilizada a Escala de Avaliação de Traços Autísticos – ATA21. Este instrumento é composto por 23 subescalas, cada uma das quais dividida em diferentes itens. Sua construção foi realizada levando-se em conta os critérios diagnósticos do DSM-III, DSM-III-R e da CID-10 e, na padronização dos autores, foram utilizadas também as correções de critérios decorrentes da publicação do DSM-IV. A ATA é um instrumento de fácil aplicação, por profissional conhecedor do quadro, embora não necessariamente médico, sendo ele o responsável pela avaliação das respostas dadas, em função de cada item21. Não é, portanto uma entrevista diagnóstica, mas uma prova estandardizada que dá o perfil conductual da criança, auxiliando também a elaboração de um diagnóstico mais confiável.

A escala se pontua com base nos seguintes critérios: cada subescala da prova tem um valor de 0 a 2; pontua-se zero se não houver a presença de nenhum item, 1 se houver apenas um item e 2 se houver mais de um item, realizando-se uma soma aritmética dos pontos obtidos. Seu ponto de corte é de vinte e três21.

O critério de inclusão foi: pacientes com diagnóstico de TEA atendidos na clínica escola. Os critérios de exclusão foram: presença de outros comprometimentos associados diagnosticados por uma equipe especializada (médico psiquiatra e neurologista, fonoaudiólogos e psicólogos) e ou fatores de risco audiológico.

Todos os responsáveis responderam à anamnese audiológica especifica. A avaliação audiológica constou de inspeção otoscópica com o intuito de descartar a presença de anomalias estruturais e/ou obstrução do meato acústico externo que pudessem impedir a realização dos exames audiológicos.

A avaliação audiológica foi composta dos seguintes procedimentos: audiometria tonal liminar, imitanciometria, emissões otoacústicas por produto de distorção e potencial evocado auditivo de tronco encefálico (PEATE). Para caracterização dos sujeitos foram utilizadas uma Ficha informativa e a Escala de Avaliação de Traços Autísticos (ATA) (Tabela 1).

Tabela 1
Caracterização das crianças com transtornos do espectro autístico

A audiometria tonal limiar foi realizada em cabina acústica, utilizando o audiômetro da marca Grason Standler GSI-61 com fones TDH-50. Os limiares de audibilidade foram obtidos, por via aérea, nas frequências sonoras de 500 a 4000 Hz. Os audiogramas foram classificados de acordo com a faixa etária dos pacientes. Para os pacientes com idade igual ou inferior a sete anos utilizou-se a classificação proposta por Northern e Downs2222 . Northen JL, Dows MP. Hearing in Children. Baltimore: Williams & Wilkins; 1984. e, para os pacientes com idade superior a sete anos utilizou-se a classificação proposta por Lloyd e Kaplan2323 . Lloyd LL, Kaplan H. Audiometric interpretation: a manual of basic audiometry. Baltimore: University Park Press, 1978..

Para a imitanciometria utilizou-se o imitanciômetro GSI-38 (Grason Standler) com sonda de 226 Hz. Após a vedação do meato acústico externo realizou-se a timpanometria. Os resultados foram posteriormente analisados e classificados de acordo com a proposta de Jerger2424 . Jerger, J. Clinical experience with impedance audiometry. Arch Otolaryngol. 1970;92(4):311-24.. Realizou-se a pesquisa do reflexo acústico, modo ipsilateral, e os reflexos foram classificados como presentes, ausentes ou alterados2424 . Jerger, J. Clinical experience with impedance audiometry. Arch Otolaryngol. 1970;92(4):311-24.,2525 . Gelfand SA. The contralateral acoustic-reflex threshold. In: Silman S. The acoustic reflex: Basic principles and clinical applications. New York: Academic; 1984. p. 137-86..

A fim de avaliar o funcionamento coclear, mais especificamente das células ciliadas externas, empregou-se as emissões otoacústicas evocadas por produto de distorção. Utilizou-se o equipamento Eclipse, da marca Interacoustics, acoplado a um microcomputador. Na pesquisa das emissões evocadas por produto de distorção (EOAE-PD) foram utilizados dois tons puros de frequências primárias (F1 e F2) numa intensidade L1 para a frequência primária F1 e L2 para a frequência F2. A intensidade do estímulo empregada foi de 65 dB para F1 e de 55 dB para F2. Foram analisadas as respostas nas bandas de frequência de 750 a 8.000 Hz. Para todas as categorias a estabilidade mínima da sonda obtida durante o teste foi 70%. O critério para considerar presença de resposta foi a verificação da amplitude de resposta (relação sinal/ruído) igual ou superior a 6 dB NPS.

O potencial evocado auditivo foi registrado utilizando o equipamento Eclipse, por meio do software EP-25, da marca Interacoustics, e suas respostas foram captadas por meio de eletrodos posicionados da seguinte maneira: Fz o eletrodo ativo; lóbulos direito (A2) e esquerdo (A1) os eletrodos referências e o eletrodo terra na fronte (Fpz) e a estimulação foi feita por meio do fone de inserção 3A. Os parâmetros de estimulação foram: estímulo clique, polaridade rarefação, taxa de apresentação de 19,9 cliques/s, sendo promediados de 1000 a 2000 cliques com duplicação de resposta. O filtro passa banda usado foi de 30-3000 Hz, amplificação de 50000 e a janela de análise de 15ms. O critério de normalidade adotado para valores absolutos de latência na intensidade de 80dB, foi de 1,65 para a onda I; 3,76 para a onda III e 5,61 para onda V. Quanto a latência interpicos, os valores adotados foram de 2,1ms para o intervalo I-III; de 1,86 ms para o intervalo III-V e de 3,94 ms para o intervalo I-V, considerando os respectivos ajustes de desvio padrão por idade em crianças acima de 3 anos, de dois desvios padrão acima e abaixo da média e mais um valor de correção em relação à idade cronológica, recomendados nos dados normativos de Hall, 2006.

Os resultados foram analisados por meio de estatística descritiva.

RESULTADOS

A audiometria tonal liminar foi realizada nos nove pacientes, apenas nas frequências de 500 a 4KHz, sendo que todos apresentaram os resultados dentro dos padrões de normalidade, com limiares inferiores a 15 dB em sua maioria (Tabela 2). Tal adequação do procedimento foi devida, em alguns momentos, a idade das crianças e, em outros, ao comportamento dos pacientes que se cansavam facilmente e/ou negavam-se a continuar o exame.

Tabela 2
Análise descritiva dos limiares tonais (em db) obtidos por via aérea na audiometria tonal liminar (n=9)

Na timpanometria oito pacientes apresentaram curva timpanométrica do tipo A bilateral indicando mobilidade normal do sistema tímpano-ossicular, e um paciente apresentou curva timpanométrica do tipo C bilateral, indicando pressão de ar da orelha média desviada para pressão negativa. As medidas do reflexo acústico ipsilateral encontram-se descritas na tabela 3.

Tabela 3
Estatística descritiva dos limiares mínimos (db) do reflexo acústico ipsilateral das orelhas direita e esquerda para as frequências pesquisadas dos pacientes com TEA (n=9)

Com relação à medida das Emissões Otoacústicas por Produto de Distorção (EOAPD) do total de nove pacientes, somente um não permitiu a inserção da sonda para o registro da resposta. A relação sinal/ruído de todos os pacientes foi igual ou superior a 6dB, os maiores valores foram visivelmente observados nas frequências agudas, sendo que os valores máximos chegaram a 35 dB para OE e 39 dB para OD (Tabela 4).

Tabela 4
Estatística descritiva dos resultados das emissões otoacústicas por produto de distorção nas orelhas direita e esquerda quanto à relação sinal/ruído (db nps)

O PEATE foi realizado nos nove pacientes e seus resultados encontram-se descritos na Tabela 5.

Tabela 5
Estatística descritiva dos resultados do potencial evocado auditivo de tronco encefálico quanto à latência das ondas I, III e V

DISCUSSÃO

O resultado das pesquisas sobre a audição periférica em crianças do espectro do autismo ainda não é consensual, grande parte desses indivíduos apresenta comportamentos de irritabilidade ou desatenção ao som. Estudos comparativos da audição entre crianças com TEA e desenvolvimento típico, usando medidas auditivas comportamentais, constataram normalidade da função auditiva sem diferença significante entre os dois grupos estudados em todos os testes2626 . Gravel JS, Dunn M, Lee WW, Ellis MA. Peripheral audition of children on the Autistic Spectrum. Ear Hear. 2006;27(3):299-312.,2727 . Tharpe AM, Bess FH, Sladen DP, SCHISSEL H, COUCH S, SCHERV T. Auditory characteristics of children with autism. Ear Hear. 2006;27(4):430-41., o que corrobora os resultados encontrados nos pacientes com TEA desse estudo.

Nesse estudo não foram encontradas alterações significantes nos achados da audiometria tonal limiar, sendo avaliadas em todos os pacientes apenas as frequências entre 500 e 4000Hz, devido à alteração de comportamento e o tempo de atenção reduzido dos pacientes2828 . Coutinho MB, Rocha V, Santos MC. Auditory brainstem response in two children with autism. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2002;66:81-5.,2929 . Magliaro FCL. Avaliação comportamental, eletroacústica e eletrofisiológica da audição em autismo [Dissertação]. Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo: São Paulo, Brasil; 2006., o que, geralmente, inviabiliza a pesquisa em toda a faixa de frequência comumente pesquisada.

Os resultados das avaliações de imitância acústica encontraram-se, em sua maioria, dentro dos padrões de normalidade indicando ausência de alterações auditivas periféricas em indivíduos do espectro do autismo, o que corrobora os achados de Gomes, Pedroso e Wagner7. Gomes E, Pedroso FS, Wagner MB. Hipersensibilidade auditiva no transtorno do espectro autístico. Pró-Fono Rev. Atual. Cient. 2008;20(4):279-84., Coutinho et al.2828 . Coutinho MB, Rocha V, Santos MC. Auditory brainstem response in two children with autism. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2002;66:81-5. e Alcântara et al.3030 . Alcântara JI, Weisblatt EJL, Moore BCJ, Bolton PF. Speech-in-noise perception in high-functioning individuals with autism or Asperger’s Syndrome. J Child. Psychol. Psychiatry. 2004;45(6):1107-14.. Foi observado apenas um caso isolado de alteração na timpanometria, o que corrobora os estudos de Magliaro2929 . Magliaro FCL. Avaliação comportamental, eletroacústica e eletrofisiológica da audição em autismo [Dissertação]. Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo: São Paulo, Brasil; 2006. e Rosenhall et al.1515 . Rosenhall U, Nordin V, Sandstrom M, Ahlsen G, Gillberg C. Autism and Hearing Loss. J. autism dev. disord. 1999;29(5):349-57., que identificaram aproximadamente 20% de problemas condutivos associados.

Na avaliação das EOAPD os resultados mostraram-se dentro dos padrões de normalidade com nível de resposta médio de 8,33 dB a 21,75 dB para a orelha direita e 7,40 dB a 22,40 dB para orelha esquerda, com respostas consideravelmente maiores nas frequências agudas devido à menor interferência de ruído2626 . Gravel JS, Dunn M, Lee WW, Ellis MA. Peripheral audition of children on the Autistic Spectrum. Ear Hear. 2006;27(3):299-312.,2727 . Tharpe AM, Bess FH, Sladen DP, SCHISSEL H, COUCH S, SCHERV T. Auditory characteristics of children with autism. Ear Hear. 2006;27(4):430-41..

Os achados deste estudo apresentaram resultados compatíveis com a normalidade tanto na avaliação comportamental como na avaliação eletrofisiológica da audição por meio do PEATE.

Apesar disso, estudo realizado por Magliaro2929 . Magliaro FCL. Avaliação comportamental, eletroacústica e eletrofisiológica da audição em autismo [Dissertação]. Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo: São Paulo, Brasil; 2006. destacou que apesar do comprometimento cognitivo não ser significante nos pacientes do espectro do autismo, a dificuldade de atenção, de compreensão, de interação social, e de comunicação, inferiram na qualidade da resposta ao som o que exige do avaliador maior perspicácia e experiência na condução da avaliação, além de maior disponibilidade de tempo para a avaliação.

Logo, a avaliação eletrofisiológica da audição em crianças inclusas nos TEA tem como vantagem não necessitar de resposta subjetiva da criança e é importante na determinação das características auditivas periféricas de crianças do espectro do autismo2626 . Gravel JS, Dunn M, Lee WW, Ellis MA. Peripheral audition of children on the Autistic Spectrum. Ear Hear. 2006;27(3):299-312..

As alterações nas habilidades de linguagem destas crianças têm sido muito investigadas em estudos3131 . Hayashi M, Takamura I, Kohara H, Yamazaki K. A neurolinguistic study of autistic children employing dichotic listening. Tokai J Exp Clin Med. 1989;14:339-45.

32 . Volden J. Conversational repair in speakers with autism spectrum disorder. Int J Lang Commun Disord. 2004;39:171-89.

33 . Charman T. Matching preschool children with autism spectrum disorders and comparison children for language ability: methodological challenges. J Autism Dev Disord. 2004;34:59-64.
-3434 . Lewis V. Play and language in children with autism. Autism. 2003;7:391-399., ressaltando que a alteração na decodificação da linguagem auditiva é um fator importante nessa população3131 . Hayashi M, Takamura I, Kohara H, Yamazaki K. A neurolinguistic study of autistic children employing dichotic listening. Tokai J Exp Clin Med. 1989;14:339-45..

Essas alterações observadas em crianças com TEA podem ser investigadas através de métodos eletrofisiológicos objetivos que, por vezes, sofrem alterações devido à anormalidades comportamentais, quanto à localização, lateralização, discriminação auditiva e padrão de reconhecimento auditivo, e por Distúrbios do Processamento Auditivo Central (DPAC)3535 . Chermak GD. Deciphering auditory processing disorders in children. Otolaryngol Clin. 2002;35:733-49..

Acredita-se que o DPAC possa estar relacionado às alterações neuropsiquiátricas, como nos TEA, uma vez que a função auditiva possui semelhanças clínicas e neurofisiológicas com esse transtorno3636 . Kwon S, Kim J, Choe BH, Ko C, Park S. Electrophysiologic assessment of central auditory processing by auditory brainstem responses in children with autism spectrum disorders. J Korean Med Sci. 2007;22(4):656-9.. Assim, a capacidade e a condição auditiva dessas crianças e a busca de evidências objetivas de processamento auditivo anormal nos TEA, tem sido investigadas com o Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico (PEATE)1818 . Roth DA, Muchnik C, Shabtai E, Hildesheimer M, Henklin Y. Evidence for atypical auditory brainstem responses in young children with suspected autismspectrum disorders. Dev Med Child Neurol. 2012;54(1):23-9..

Utilizando o PEATE, Wong e Wong1616 . Wong V, Wong SN. Brainstem auditory evoked potential study in children with autistic disorder. J Autism Dev Disord. 1991;21:329-40. observaram que as crianças TEA tiveram um tempo de transmissão auditiva significantemente mais longo no tronco cerebral quando comparadas às com desenvolvimento típico.

Porém, a literatura descreve resultados contraditórios no PEATE de crianças com TEA, envolvendo prolongamentos, encurtamentos e ausência de anormalidades na neurotransmissão da informação auditiva1010 . Matas CG, Gonçalves IC, Magliaro FC. L. Avaliação audiológica e eletrofisiológica em crianças com transtornos psiquiátricos. Rev. Bras. Otorrinolaringol. 2009;75(1):130-8.,2727 . Tharpe AM, Bess FH, Sladen DP, SCHISSEL H, COUCH S, SCHERV T. Auditory characteristics of children with autism. Ear Hear. 2006;27(4):430-41..

Neste estudo, foram observados resultados normais quanto à latência e interlatências considerando as faixas etárias, indicando integridade das vias auditivas, o que corrobora os resultados relatados por Russo et al.3. Russo N, Nicol T, Trommer B, Zecker S, Kraus N. Brainstem transcription of speech is disrupted in children with autism spectrum disorders. Dev. Sci. 2009;12(4):557-67., Coutinho et. al.2828 . Coutinho MB, Rocha V, Santos MC. Auditory brainstem response in two children with autism. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2002;66:81-5. e Courchesne et al.3737 . Courchesne E, Courchesne RY, Hicks G, Lincoln AJ. Functioning of the brain-stem auditory pathway in non-retarded autistic individuals. Electroencephalogr Clin Neurophysiol. 1985;61:491-501. que também realizaram o PEATE em duas crianças autistas, e obtiveram os valores de latências absolutas das ondas I, III, e V e interpicos I-III, I-V e III-V, dentro da normalidade.

Tharpe et al.2727 . Tharpe AM, Bess FH, Sladen DP, SCHISSEL H, COUCH S, SCHERV T. Auditory characteristics of children with autism. Ear Hear. 2006;27(4):430-41. estudaram as características auditivas de crianças autistas, e observaram que não houve diferença entre elas e o grupo controle na audiometria comportamental, na pesquisa dos reflexos acústicos, nas emissões otoacústicas e na audiometria de tronco encefálico, o que corrobora com os achados desse estudo e ressalta a importância da avaliação auditiva e diagnóstico preciso nessa população.

CONCLUSÃO

Os achados deste estudo apresentaram resultados compatíveis com a normalidade tanto na avaliação comportamental como na avaliação eletrofisiológica da audição e possibilitam descrever aspectos fundamentais para compreensão das manifestações clínicas da população estudada, principalmente aquelas relacionadas a queixa de perda auditiva comum nesta população e que resultam na indicação inadequada/errônea de aparelho de amplificação sonora individual.

Sugere-se a necessidade de novos estudos, a fim de estabelecer o perfil audiológico de indivíduos com TEA, fornecendo elementos para auxiliar na investigação diagnóstica, na elaboração de condutas de prevenção e intervenção terapêutica fonoaudiológica.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    may-jun 2014

Histórico

  • Recebido
    02 Jan 2013
  • Aceito
    01 Mar 2013
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