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A prática da arte clownesca pela pessoa com afasia: relato de caso

RESUMO

Este relato de caso discute o efeito da arte clownesca na qualidade de vida e bem-estar de uma mulher com afasia predominantemente expressiva e depressão. Esta havia recebido alta da terapia fonoaudiológica individual devido à melhora na linguagem, mas continuava com queixas emocionais ligadas a situações comunicativas. A participante, então, ingressou no Palhafasia, um projeto de extensão que acolhe afásicos para a realização de sessões de arte clownesca em grupo. Participou uma vez por semana de encontros com duração de três horas durante seis meses. A comparação de medidas pré e pós intervenção detectou melhoras na sua qualidade de vida - incluindo aspectos de comunicação - e bem-estar subjetivo. Esse estudo de caso traz evidências preliminares sobre uma abordagem inovadora que deve ser investigada mais amplamente. O estudo aponta para potenciais benefícios que a prática da arte clownesca pode ter no que se refere à promoção de maior qualidade de vida e bem-estar de pessoas com afasia que sofrem de depressão.

Descritores:
Afasia; Qualidade de Vida; Arte

ABSTRACT

This study addresses the effects of the art of clowning on the quality of life and wellbeing of a woman presented with aphasia and depression. She was discharged from individual Speech-Language Therapy due to improved language skills, but she continued expressing emotional complaints associated with communicative situations. The participant joined Palhafasia, a community project that welcomes aphasics for group clowning sessions. She participated for six months in once-a-week meetings that lasted three hours each. The comparison of pre- and post-intervention measures detected improvements in her quality of life, including communication and subjective well-being of the participant. This innovative case study provides a preliminary contribution that must be further investigated. The study points to the potential benefits of the practice of clowning to promote quality of life and well-being of people with aphasia who suffer from depression.

Keywords:
Aphasia; Quality of Life; Art

Introdução

A afasia é uma condição que resulta de dano cerebral em áreas relacionadas à linguagem. As principais alterações sofridas pela pessoa com afasia dizem respeito a suas habilidades linguísticas. A maioria das pessoas que vivem com afasia são adultos idosos (com 60 anos ou mais) e a causa número um da afasia é o acidente vascular cerebral (AVC). O AVC é a principal causa de deficiência e mortalidade no Brasil11. Lopes JM, Sanchis GJB, Medeiros JLA, Dantas FG. Hospitalization for ischemic stroke in Brazil: an ecological study on the possible impact of Hiperdia. Rev. bras. Epidemiol. 2016;19(1):122-34.. A medida que o tratamento agudo do AVC melhora no Brasil, o número de sobreviventes com afasia aumenta22. Lotufo PA, Goulart AC, Fernandes TG, Benseñor IMA. A reappraisal of stroke mortality trends in Brazil (1979-2009). Int J Stroke. 2013;8(3):155-63.. Isso significa que o investimento em reabilitação é urgente. Essa preocupação se expressa na publicação das diretrizes nacionais de atenção a reabilitação da pessoa com AVC33. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Diretrizes de atenção à reabilitação da pessoa com acidente vascular cerebral. Brasília: [Ministério da Saúde], 2013., sendo necessário expandir esforços para intervir sobre as consequências sociais da afasia.

A frustração durante a comunicação, o isolamento social e o estigma reduzem o bem-estar das pessoas que vivem com afasia44. Code C, Herrmann M. The relevance of emotional and psychosocial factors in aphasia to rehabilitation. Neuropsychol Rehabil. 2003;13(1-2):109-32.. As incidências de depressão e deficiência são altas em sobreviventes de AVC brasileiros e estão associadas a déficits de comunicação e baixos níveis de qualidade de vida55. Carod-Artal FJ, Trizotto DS, Coral LF, Moreira CM. Determinants of quality of life in Brazilian stroke survivors. J Neurol Sci. 2009;284(1-2):63-8.. A participação em grupos modera os efeitos desses fatores na qualidade de vida de sobreviventes de AVC brasileiros55. Carod-Artal FJ, Trizotto DS, Coral LF, Moreira CM. Determinants of quality of life in Brazilian stroke survivors. J Neurol Sci. 2009;284(1-2):63-8.. Esses achados concordam com constatações de que a terapia deve ser focada em mudanças na vida diária relacionadas à comunicação e ao bem-estar da pessoa que vive com afasia e que a frequência de contatos sociais que as pessoas com afasia fazem relacionam-se com sua qualidade de vida66. Lee H, Lee Y, Choi H, Pyun SB. Community integration and quality of life in aphasia after stroke. Yonsei Med J. 2015;56(6):1694-702.,77. Lanyon LE, Worrall L, Rose M. What really matters to people with aphasia when it comes to group work? A qualitative investigation of factors impacting participation and integration. Int J Lang Commun Disord. 2018;53(3):526-41..

Nas últimas décadas, foram inseridas nas políticas públicas de saúde as práticas integrativas e complementares, o que possibilita que as unidades de saúde ofertem práticas expressivas, como a terapia comunitária integrativa e a musicoterapia88. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Manual de implantação de serviços de práticas integrativas e complementares no SUS. Brasília: [Ministério da Saúde], 2018.. A adoção de abordagens terapêuticas que contemplam metas de inclusão social e de expressão pela arte para a pessoa com afasia pode e deve ter campo fértil no contexto dos serviços públicos ofertados para a população. No entanto, os atuais desafios enfrentados pelo Sistema Único de Saúde do país sugerem que esses modelos de atenção estão em risco e precisam de apoio e fortalecimento99. Morosini MV, Guimarães C, Fonseca AF, Lima LD. Política Nacional de Atenção Básica 2017: retrocessos e riscos para o Sistema Único de Saúde. Saúde debate. 2018;42(116):11-24.. Considerando a relevância de promover a qualidade de vida das pessoas com afasia, é preciso definir o papel de diferentes serviços ofertados para essa população, refletir sobre a importância de encaminhamentos a grupos que visam o empoderamento pelo contato com a arte e com a cultura, bem como planejar o processo de cuidado continuado nos distintos serviços, considerando a importância da inclusão social1010. Manning M, MacFarlane A, Hickey A, Franklin S. Perspectives of people with aphasia post-stroke towards personal recovery and living successfully: a systematic review and thematic synthesis. PLoS One. 2019;14(3):e0214200..

O teatro estimula as pessoas com afasia a usarem gestos e expressões faciais e a aumentarem a confiança durante a comunicação1111. Côté I, Getty L, Gaulin R. Aphasic theatre or theatre boosting self-esteem. special issue on disability, virtual reality, artabilitation and music editors: Anthony L. Brooks, Paul Sharkey and Joav Merrick. Int J Disabil Hum Dev. 2011;10(1):11-5.,1212. Cherney LR, Oehring AK, Whipple K, Rubenstein T. "Waiting on the Words": procedures and outcome of a drama class for individuals with aphasia. Sem Speech Lang. 2011;32(3):229-42.. No Brasil, as Artes Cênicas têm se destacado como meios de expressão particularmente relevantes para adultos que vivem com afasia1313. Ser em Cena Teatro Afásico [homepage da internet]. São Paulo: Ser em Cena; [atualizada em maio de 2019; acesso em seis de novembro de 2019]. Disponível em http://www.seremcena.org.br.
http://www.seremcena.org.br...

14. Tonezzi J. Distúrbios de linguagem e teatro: o afásico em cena. Edição 1. São Paulo: Plexus; 2007.
-1515. Malachias AR, Gushiken L. Redescobrindo a fala: intervenção teatral com pacientes afásicos atendidos no município de São Vicente. BIS, Bol. Inst. Saúde. 2017;18(supl.):61-3.. Grupos de dança também estão desenvolvendo uma compreensão profunda de inclusão das pessoas com deficiências1616. Vendramin C, Velho LR, Ferraz W. Diversos corpos dançantes: uma proposta de improvisação e dança na comunidade. Conc. 2016;5(2):3-25.. Afastando-se de modelos recreativos, essas abordagens visam oportunizar a ativa expressão corporal e a manifestação autêntica da individualidade dos participantes, além de revelarem elementos da cultura brasileira. Performances inclusivas demonstram que o humor oferece um elemento crítico capaz de alcançar o engajamento e o entendimento do público sobre o olhar dos participantes com relação às condições sociais que enfrentam1616. Vendramin C, Velho LR, Ferraz W. Diversos corpos dançantes: uma proposta de improvisação e dança na comunidade. Conc. 2016;5(2):3-25..

O Papel Terapêutico do Humor e o Clown no Contexto da Saúde

O humor vem sendo cada vez mais valorizado como uma manifestação de comunicação importante e catalisadora de transformação social. O riso é valioso em conversas com pessoas que vivem com afasia e o humor compartilhado é frequentemente experimentado em grupos de convivência formados por pessoas com afasia1717. Sherratt K, Simmons-Mackie N. Shared humour in aphasia groups: "They should be called cheer groups". Aphas. 2016;30(9):1039-57.,1818. Archer B, Azios JH, Moody S. Humour in clinical-educational interactions between graduate student clinicians and people with aphasia. Int J Lang Commun Dis. 2019;54(4):580-95.. No cenário de valorização do humor na área da saúde, a arte clownesca está em franca ascensão, especialmente no que tange à presença do palhaço visitador em diversos ambientes, como hospitais e centros geriátricos.

A presença da palhaçaria em contextos terapêuticos é definida como a implementação de técnicas do clown derivadas do mundo do circo e do teatro em contextos ligados à saúde com o objetivo de melhorar a qualidade de vida da população1919. Dionigi A, Canestrari C. Clowning in health care settings: the point of view of adults. Eur J Psychol. 2016;12(3):473-88.. A maioria das publicações sobre os efeitos terapêuticos da palhaçaria focam-se no clown visitador ou na visita de palhaços. No Brasil, os programas de visitas de palhaços se tornaram muito populares, especialmente no contexto hospitalar em interação com crianças2020. Lopes-Júnior L, Lima R, Olson K, Bomfim E, Neves E, Silveira D et al. Systematic review protocol examining the effectiveness of hospital clowns for symptom cluster management in paediatrics. BMJ Open. 2019;9:e026524. doi: 10.1136/bmjopen-2018-026524.
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. No entanto, crescem as pesquisas que mostram que a visita de palhaços é bem recebida por adultos2121. Catapan SC, Oliveira WF, Rotta TM. Palhaçoterapia em ambiente hospitalar: uma revisão de literatura. Ciênc Saúde Coletiva. 2019;24(9):3417-29.. Idosos que vivem com demência e que são visitados por palhaços experimentam aumento de expressões não verbais que demonstram satisfação e alegria2222. Dunn J, Balfour M, Moyle W. Quality of life or 'quality moments of life': considering the impact of relational clowning for people living with dementia, Research in Drama Education: J Appl Theat Perf. 2019;24(1):38-52.. As interações com palhaços no contexto da saúde demonstram que a relação estabelecida entre palhaços terapêuticos e pessoas com demência é rica e recíproca2323. Kontos P, Miller KL, Mitchel GJ, Stirling-Twist J. Presence redefined the reciprocal nature of engagement between elder-clowns and persons with dementia. Dement. 2017;16(1):46-66.. Entretanto, as pesquisas em saúde ainda se concentram quase que exclusivamente em programas de visita hospitalar e geriátrica. No Brasil, a prática ativa da palhaçaria por pessoas com deficiência intelectual já vem sendo investigada, demonstrando excelentes potenciais2424. Gómez PAM. O corpo em estado de palhaço: vulnerabilidade e autoconhecimento a serviço do estado de saúde [Dissertação]. Salvador (BA): Universidade Federal da Bahia. Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas; 2017..

Considerações sobre a Prática da Arte Clownesca pela Pessoa com Afasia

Até o momento atual, não há publicações sobre os efeitos da prática ativa da palhaçaria por adultos que vivem com alterações neurológicas. É importante entender os elementos essenciais da prática da arte clownesca para compreender o potencial benéfico dessa atividade para a pessoa que vive com afasia.

Aprender a ser clown é aprender a não representar. O palhaço não é um personagem, mas uma ampliação dos aspectos ingênuos e humanos próprios de cada pessoa. O aprendiz de palhaço é solicitado a se comunicar de maneira criativa e não se pautar por classificações como “certo” ou “errado”. Portanto, a diversidade comunicativa é sempre bem-vinda ao clown, o que coloca o indivíduo em contato com sua maneira própria de se expressar. Um dos aspectos mais transformadores da palhaçaria pode ser justamente o fato de que o clown não se concentra em “consertar” algo, mas sim em criar algo a partir da exposição de suas “falhas” tão humanas. A participação nesse contexto tão particular pode promover uma mudança na maneira de conceber a própria experiência de aceitar as próprias vulnerabilidades e promover o prazer de encontrar-se a si mesmo2424. Gómez PAM. O corpo em estado de palhaço: vulnerabilidade e autoconhecimento a serviço do estado de saúde [Dissertação]. Salvador (BA): Universidade Federal da Bahia. Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas; 2017..

No contexto da prática clown as regras sociais mudam radicalmente, sendo extremamente valorizadas as estratégias funcionais e os estilos pessoais de comunicação. O contexto lúdico e de exposição ao ridículo de forma bem humorada é estabelecido claramente como regra no jogo do palhaço. Isso parece aumentar a segurança dos participantes para expressarem-se de maneiras diferentes das usuais. Em um encontro coletivo de prática clown, os palhaços se comunicam muito mais por meio da expressão facial e corporal e sua expressão verbal não só permite falas “esquisitas” e diferentes do esperado, como valoriza essas expressões como autênticas. Compartilhar emoções e expor o que a sociedade entende como fracasso é desejável aos palhaços, o que pode ser encarado como uma libertação de convenções que criam estigma2525. Gordon J, Shenar Y, Pendzik S. Clown therapy: a drama therapy approach to addiction and beyond. Arts Psych. 2017; 57:88-94..

O presente estudo de caso leva em consideração reflexões sobre a qualidade de vida do indivíduo que vive com afasia, bem como sobre a importância de práticas que promovem a arte em comunidade, particularmente a arte clownesca. Descreve o caso de uma mulher com afasia predominantemente expressiva e com diagnóstico clínico de depressão. Devido à melhora na linguagem após 6 meses de terapia fonoaudiológica individual, esta havia recebido alta assistida da equipe no ambulatório de um hospital público de alta complexidade. A continuidade de queixas emocionais ligadas a situações comunicativas, levou à condução de um processo de alta assistida do hospital, envolvendo uma etapa de adaptação ao ingresso em serviço de inclusão social fora do hospital. No ingresso ao grupo de convivência para pessoas com afasia, o núcleo de reabilitação então a convida a participar do Palhafasia. Trata-se de um projeto de extensão que acolhe pessoas com afasia para a realização de sessões de arte clownesca em grupo. Ao conhecer o trabalho e eleger participar somente do grupo Palhafasia, a participante consente ser alvo do presente estudo de caso que visa relatar o efeito dessa intervenção em seis meses.

Apresentação do Caso

Este é um estudo de caso longitudinal misto (qualitativo e quantitativo), observacional, intervencional e analítico-descritivo2626. Yin RK. Case study research, design and methods (applied social research methods). Thousand Oaks. California: Sage Publications, 2009.. Foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS (sob o número 29162) com registro no projeto maior registrado na Plataforma Brasil. A participante assinou o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) no qual foi esclarecida e informada sobre os procedimentos e os detalhes desta pesquisa.

Critérios de Seleção do Caso

Na escolha do caso, foram respeitados os seguintes critérios: 1) médico (realizado por neurologista) de um AVC isquêmico no hemisfério cerebral esquerdo, confirmado por tomografia computadorizada; 2) AVC ocorrido há pelo menos 6 meses (período de recuperação espontânea do cérebro); 3), nacionalidade e procedência brasileiras, monolíngue falante do Português Brasileiro, 4) mínimo de quatro anos de escolaridade; 5) ausência de dificuldades de visão e audição não corrigidas; 6) diagnóstico fonoaudiológico de afasia predominantemente expressiva com queixas ligadas à qualidade de vida; 7) não estar recebendo terapia fonoaudiológica individual no momento do estudo; e 5) não estar participando de encontros de convivência em grupo.

Uma importante observação a respeito da não realização de outras modalidades de terapia pela participante é o fato de que esta tomou a decisão espontânea de abrir mão dos demais atendimentos. Ao discutir-se a alta assistida da terapia fonoaudiológica individual do hospital, ofereceu-se a possibilidade de que L frequentasse o grupo de convivência oferecido pela equipe na universidade. Na mesma ocasião, L foi convidada a ingressar no projeto de arte clownesca. Após experimentar uma sessão nesse projeto, a participante argumentou que ela teria apenas um turno de um dia da semana para atividades extras ao seu trabalho como cuidadora. Foi então que L deixou claro que escolhia participar somente no projeto de arte clownesca.

Descrição do Caso

L é uma mulher de 67 anos com ensino fundamental incompleto e que anteriormente trabalhava como cozinheira. Teve um AVC em fevereiro de 2016 e outro em abril do mesmo ano. Em face do segundo AVC, surgem os sintomas de afasia predominantemente expressiva. Nessa ocasião, ao ser encaminhada para atendimento fonoaudiológico, seu prontuário registra também o diagnóstico clinico de depressão. Mesmo com problemas respiratórios e com um quadro de disfluência verbal, após o AVC L manteve-se trabalhando como cuidadora de um casal de idosos. Observa-se que L é uma pessoa que cuida muito bem dos outros, mas relata dificuldade para cuidar de si mesma. Tem dificuldades para adotar hábitos saudáveis de alimentação e observa-se reincidências ao tabagismo e ao alcoolismo, mesmo sob orientação e acompanhamento médico regular. L tem um parceiro, porém refere que o mesmo apresenta condições de saúde que também requerem seu cuidado. L não tem filhos e não convive com familiares, perdeu sua mãe há alguns anos.

A maior parte das habilidades linguísticas de L estão atualmente dentro do esperado para sua faixa etária e escolaridade, exceto a compreensão oral de frases, cujo escore z indica alerta para déficit. Resultados dos subtestes da Bateria Montreal-Tolouse podem ser visualizados no Figura 1 abaixo, considerando-se que escores entre -1,0 e -1,5 indicam alerta para déficit neuropsicológico e escores entre -1,6 e -2,0 indicam déficit moderado a grave.

Figura 1:
Caracterização do perfil linguístico (escores z)

Grupo de Arte Clownesca Palhafasia

As práticas de arte clownesca ocorreram no contexto do Palhafasia, um projeto de extensão que acolhe afásicos e alunos de graduação. Os encontros são permeados por jogos, que gradualmente abrem caminho para a expressão emocional e a improvisação individual e em dupla. Durante os encontros os componentes do grupo passam a utilizar os vários canais de comunicação, dando atenção especial para a expressão do corpo, dos gestos e da face. Quando surgem dificuldades verbais, como hesitações, anomias e parafasias, essas são consideradas como situações interessantes para o clown, que é incentivado a buscar soluções criativas para se expressar. Cada membro é estimulado a descobrir seu palhaço e a interação com o grupo, que nos encontros atua como público é um aspecto relevante. O palhaço compartilha atenção não só com seu parceiro de cena, mas também com os espectadores. Dessa forma o trabalho com a comunicação abrange aspectos como empatia, inciativa, reciprocidade e expressão de humor.

Os encontros do Palhafasia são estruturados de modo a fazer uma transição gradual para o papel de palhaço. Todos os participantes são tranquilizados sobre a segurança de compartilhar emoções e são oferecidas demonstrações para apoiar sua compreensão da arte clownesca. As atividades são criativas, mas se repetem semanalmente; portanto, elas tem um alcance previsível e progressivo de semana a semana. As tarefas fornecem pistas que eliciam respostas imediatas ao invés da evocação livre, geralmente usando a imitação como forma de apresentar um modelo de ação. A estrutura das sessões obedece a uma ordem gradual: 1) jogos de aquecimento divertidos; 2) dramatização de atividades engraçadas; 3) Transição para o estado de palhaço através da música, figurinos, chapéu e nariz; 4) Atividades de improvisação nas quais os participantes são incentivados a serem espontâneos, enquanto improvisam números com base em cenários e instruções simples. O facilitador fornece instruções de acordo com as iniciativas e necessidades de cada participante. As atividades de improvisação evoluem do estágio de estar sozinho em cena e compartilhar a atenção com o público (grupo) em relação a um objeto, progredindo para a interação com um parceiro de cena. Finalmente, as sessões terminam com um círculo no qual os participantes são incentivados a compartilhar sentimentos e pensamentos relacionados às experiências. Todas as atividades são permeadas pela presença da música e de um ambiente que zela pela segurança afetiva e o cuidado. A experiência desse ciclo de seis meses foi concluída com a apresentação de um ensaio aberto para um público composto por membros do grupo de conversação e alunos do curso de fonoaudiologia, mostrando números curtos compostos por dois ou três palhaços.

Instrumentos

A coleta de dados do estudo ocorreu no período de março e setembro de 2017. Para obtenção do perfil linguístico (com o fim de caracterização do caso) foram usados subtestes da Bateria Montreal-Tolouse de Avaliação da Linguagem (MTL-Brasil)2727. Parente MA, Fonseca RP, Pagliarin K, Barreto S, Siqueira E, Hubner L et al. MTL BRASIL - Bateria Montreal Toulouse de Avaliação da Linguagem. Brasil: Vetor; 2016.. Para a obtenção das medidas (pré e pós-intervenção) de bem-estar subjetivo (EBES) foi aplicada a escala de bem-estar subjetivo (EBES)2828. Albuquerque AS, Tróccoli BT. Desenvolvimento de uma escala de bem-estar subjetivo. Psic: Teor e Prát. 2004;20(2):153-64. -, composta por 62 itens, dos quais 21 avaliam afeto positivo, 26 itens são de afeto negativo e 15 itens avaliam a satisfação com a vida. A escala de bem-estar subjetivo (EBES), possui um intervalo de pontuação que varia de 1 a 5, no qual 1 significa “nem um pouco” e 5 significa “extremamente”. Quanto maior o escore para afeto positivo e satisfação com a vida, melhor será o bem-estar subjetivo do indivíduo. Para a avaliação (pré e pós-intervenção) da qualidade de vida foi aplicada a Escala de Qualidade de Vida na Afasia traduzida e adaptada no Brasil por meio de um estudo que apresenta dados de referência2929. Ribeiro C. Avaliação da qualidade de vida em pacientes afásicos com protocolo específico SQOL-39 [Dissertação]. São Paulo (SP): Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina; 2008.. Esta escala pode ser aplicada em pessoas com diferentes graus de comprometimento de expressão e compreensão. Tanto a escala de bem-estar subjetivo (EBES) como o questionário de qualidade de vida SAQOL-39 foram aplicados antes do início da intervenção clownesca e ao final do período da intervenção para posterior comparação.

No que tange aos dados qualitativos da pesquisa, foram realizadas observações pela equipe durante o processo. Após o período de intervenção, foi realizada uma entrevista aberta com a finalidade de realizar uma escuta da participante e obter dados sobre a sua percepção a respeito da intervenção.

Resultados

Evidenciou-se aumento de sentimentos de afeto positivo, bem como diminuição de sentimentos de afeto negativo, porém isso não parece traduzir-se para uma melhora considerável da satisfação com a vida (ver Figura 2). Quando comparados os dados de qualidade de vida (QV) coletados antes e após o término da intervenção clownesca, foi observado que houve uma melhora relevante no que tange aos aspectos de comunicação, bem como na disposição para atividades diárias (escore de energia). Os aspectos psicossociais investigados demonstraram melhora, embora menos expressiva. A participante não apresentou evolução nos aspectos físicos (ver Figura 3).

Figura 2:
Comparação da evolução do bem-estar subjetivo por meio da escala EBES antes e ao final do período de análise das sessões de arte clownesca

Figura 3:
Comparação entre as aplicações do questionário de qualidade de vida SAQOL-39 aplicado antes e ao final da intervenção clownesca

Depoimento em Entrevista após o Período de Intervenção

Entrevistadora: o que a senhora sente quando vem ao projeto?

L: Eu gosto de fazer isso, me sinto bem. O dia que eu não venho sinto falta.

Entrevistadora: uhum... mas por que? O que tem de diferente aqui?

L: É porque eu gosto de tá aqui, gosto de conversar, gosto de ver vocês conversando... eu me sinto bem, é porque eu não, não vou em outro lugar nenhum, eu só saio de casa pro serviço e do serviço pra casa, eu não vou mais em lugar nenhum, desde que eu perdi a minha mãe, nem na casa da minha mãe, eu nunca mais fui, eu nunca mais fui na sobrinha, eu nunca mais nada... já faz um ano que eu nunca mais fui. Porque antes eu ia sempre uma vez por semana, eu ia a xx (nome da cidade) e ficava o dia inteiro e nunca mais fiquei, e só em casa pro serviço e só aqui que eu venho, então isso me faz bem. E quando chega na terça feira é seis horas da manhã e eu já tô de pé porque eu tenho que sair, que eu já tô pensando que hora que eu tenho que sair do serviço pra vir pra cá. É que eu me sinto bem, eu me sinto bem mesmo.

Entrevistadora: O que tem aqui no projeto que a senhora se sente bem?

L: A diversão.

Entrevistadora: hmmm.

L: A diversão.

Entrevistadora: E isso muda algo?

L: Eu não sei explicar... mas eu gosto.

Entrevistadora: E o que foi pra senhora, assim, esse processo de descobrir a palhaça?

L: Ah, foi muito bom! Me diverti bastante e brincava no serviço com meu patrão.

Que chamava ele ‘vem Quindim de Iaiá’ (risadas). E agora de vez em quando eu brinco com ele, e digo pra ele ‘e daí como é que tá xx hoje?’. É gostei muito, me fez bem.

Entrevistadora: uhum, que bom! E todo aquele processo de criar o seu figurino, e de se enfeitar, maquiar, o que significa, assim, pra senhora, aquelas atividades que a gente faz?

L: Ah, muda bastante, me diverti muito, gostei muito mesmo! Me faz esquecer muitas coisas... muitas coisas...

Entrevistadora: Com isso quer dizer que esquece quando veste aquela roupa, isso? Bota o nariz...

L: Eu me sinto outra pessoa. Eu fiz aquele negócio das cartas, que eu gostei, com aquele negócio de dizer que eu adivinhava.

Entrevistadora: aham.

L: Parece que a gente tá fazendo na verdade aquilo, eu sentia aquilo, é, principalmente quando eu fiz lá no teatro. E quando eu ensaiava aqui, que eu botava a minha roupa eu gostava, que eu me sentia outra coisa.

Entrevistadora: Se sentia mais o que?

L: Explicar eu não sei direito, mas eu me sentia mais à vontade. Mais calma, mais à vontade, me sentia à vontade. Quando eu fui criança eu fiz uma apresentação no teatro do colégio que eu estudei, que estudei em colégio de freira quando eu era criança, e eu já tinha participado disso e eu nunca esqueci.

Observações da Equipe

No decorrer dos encontros de arte clownesca, L demonstrou motivação e uma atitude lúdica cada vez mais espontânea. Nos momentos de improviso, a palhaça de L foi revelando-se aos poucos, primeiro com seriedade e timidez, depois com desenvoltura maior ao se transformar em uma espécie de cigana com ares de sisuda. L demonstrou ter talento de figurinista e auxiliou frequentemente em urgências de costura na roupa de outros palhaços. Porém foi na criação e na costura dos detalhes de seu próprio figurino que ela mais se dedicou. Seu figurino incluiu um turbante de cigana enfeitado com correntes e uma rosa vermelha. Escolheu usar vestido e bolero em tons discretamente coloridos. Sua palhaça revelava gosto pelo momento da maquiagem.

Deu um nome que evocava o apelido carinhoso usado por ela para chamar seu “patrão”, um senhor com demência do qual ela cuida. Frequentemente em improvisações, L chamava pelo nome de sua palhaça como uma espécie de “grito de guerra”, o que parecia evocar um ritual mágico poderoso dirigido a todos os participantes. Sua palhaça foi revelando gradualmente sorrisos e olhares ternos, misturando melancolia, sabedoria, energia e esperteza. O número final de sua palhaça foi criado a partir das improvisações e ideias geradas em grupo. Foi apresentado em um teatro no contexto de ensaio aberto, junto com os números do demais membros, tendo como expectadores os membros do grupo de convivência com afasia e alunos do Curso de Fonoaudiologia. Seu número teve como mote o “atendimento espiritual” ofertado a outra palhaça. Nesse número, oferece uma sessão de taro que se dá entre trapaças e escandalosas revelações sobre o futuro amoroso da cliente. A plateia respondeu com atenção e gargalhadas.

Discussão

A constatação de aumento do bem estar subjetivo e da qualidade de vida da participante após o período de prática de arte clownesca indica os potenciais benefícios deste tipo de intervenção para pessoas que vivem com afasia. Evidências encontradas na literatura também apontam que o teatro se configura como um meio que pode favorecer a autoestima de pessoas com afasia e o seu desempenho em atividades diárias1111. Côté I, Getty L, Gaulin R. Aphasic theatre or theatre boosting self-esteem. special issue on disability, virtual reality, artabilitation and music editors: Anthony L. Brooks, Paul Sharkey and Joav Merrick. Int J Disabil Hum Dev. 2011;10(1):11-5.,1212. Cherney LR, Oehring AK, Whipple K, Rubenstein T. "Waiting on the Words": procedures and outcome of a drama class for individuals with aphasia. Sem Speech Lang. 2011;32(3):229-42.,1515. Malachias AR, Gushiken L. Redescobrindo a fala: intervenção teatral com pacientes afásicos atendidos no município de São Vicente. BIS, Bol. Inst. Saúde. 2017;18(supl.):61-3..

As medidas de bem-estar e qualidade de vida mostraram-se muito úteis no exame dos possíveis efeitos da arte clownesca. O instrumento SAQOL-39 fornece importantes dados sobre a qualidade de vida da pessoa com afasia, especialmente no que tange ao aspecto da comunicação no dia a dia. Um dado especialmente marcante obtido com essa medida mostrou que justamente os aspectos comunicativos se destacaram em termos de melhora. Esse é um resultado particularmente relevante no sentido de reforçar a importância de intervenções desse tipo na área da Fonoaudiologia.

A literatura mostra que visitas de palhaços têm sido bem aceitas por adultos e idosos, inclusive possibilitando melhoras na comunicação de pessoas com demência2323. Kontos P, Miller KL, Mitchel GJ, Stirling-Twist J. Presence redefined the reciprocal nature of engagement between elder-clowns and persons with dementia. Dement. 2017;16(1):46-66.. Porém a atuação do clown quase sempre tem sido relatada como um processo em que somente terapeutas vivenciam o “ser palhaço”. O presente projeto propõe a vivência ativa da arte clownesca, que já tem sido reconhecida como um processo terapêutico poderoso2424. Gómez PAM. O corpo em estado de palhaço: vulnerabilidade e autoconhecimento a serviço do estado de saúde [Dissertação]. Salvador (BA): Universidade Federal da Bahia. Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas; 2017..

O aumento dos escores de energia na escala de qualidade de vida também expressa um dado particularmente relevante para o entendimento do efeito da prática da arte clownesca na vida da participante, que apresenta diagnóstico clínico de depressão. Os aspectos psicossociais investigados pela escala de qualidade de vida demonstraram melhora, embora menos expressiva, possivelmente porque nesse caso também seriam necessárias mudanças sociais mais amplas que atingissem os demais contextos nos quais a participante está inserida. A participante não apresentou evolução nos aspectos físicos, o que pode ter relação com o fato de continuar experimentando dificuldades respiratórias, já que esses sintomas foram observados durante todo o período da intervenção. Novamente aqui se confirma a importância de desenvolver estratégias que estimulem o autocuidado para a promoção do bem-estar físico.

Os resultados de aumento do afeto positivo e pouca expressão no que tange à satisfação com a vida parecem assemelhar-se com a experiência relatada em um estudo australiano que investigou os efeitos da visita de palhaços na qualidade de vida de pessoas com demência2121. Catapan SC, Oliveira WF, Rotta TM. Palhaçoterapia em ambiente hospitalar: uma revisão de literatura. Ciênc Saúde Coletiva. 2019;24(9):3417-29.. Os investigadores dessa pesquisa observaram diferenças importantes na resposta a uma escala de qualidade de vida e na percepção de momentos de afeto positivo que foram proporcionados pela visita dos palhaços. Enquanto a escala não captou mudanças na qualidade de vida dos participantes, os vídeos analisados pelos pesquisadores demonstraram mudanças positivas sempre que os participantes entravam em contato com os palhaços. As respostas nas entrevistas também demonstraram que a intervenção levava alegria para suas vidas e diminuía os momentos de tristeza. Os pesquisadores argumentaram que o efeito terapêutico das visitas dos palhaços consistia em promover momentos de qualidade de vida para os participantes e diminuir a ocorrência de sentimentos de tristeza.

A complexidade dos desafios enfrentados por uma pessoa com afasia exige uma ampla gama de recursos sociais para a construção de uma maior satisfação com a vida. No que tange a promoção da saúde, são necessários esforços interdisciplinares para possibilitar transformações mais profundas na sua realidade. No caso de L, desde o momento em que iniciou a fonoterapia individual, a mesma foi encaminhada para realizar psicoterapia na clínica universitária. Entretanto, não aderiu ao tratamento, alegando que não gostava de falar sobre seus problemas pessoais. Da mesma forma, também não aderiu quando foram feitos encaminhamentos a grupos de combate ao tabagismo e educação alimentar. Além de alegar que não pode faltar ao trabalho, é possível que L não se sinta à vontade em intervenções que exijam o uso exclusivo da comunicação verbal. Além disso, pode ser que L se sinta mais à vontade em contextos inclusivos, que contemplem a presença de outras pessoas que apresentam diversidade comunicativa. Com frequência a equipe do núcleo trata explicitamente de temas de autocuidado no grupo de convivência, mas no Palhafasia é possível incorporar formas de aquecimento que inspirem o autocuidado de forma lúdica. A continuidade de L no Palhafasia denota que a participação nesse grupo é vista como uma intervenção legitima e elegida pela participante.

A preferência de L pela palhaçaria em comparação à terapia fonoaudiológica individual e mesmo ao grupo de convivência chama atenção. Mostra a importância de ofertar atividades centradas no indivíduo e de integrar os objetivos de recuperação da linguagem com a promoção da qualidade de vida e do bem-estar.

A experiência clown parece oferecer elementos únicos que se mostram necessários na vida da participante. O depoimento de L. em entrevista lança alguma luz a respeito da forma como o trabalho com a arte clownesca tocou essa mulher que vive com afasia. L refere que aguarda com expectativa o dia e o horário dos encontros de arte clownesca. Parece ver sua participação no grupo como uma rede de apoio semelhante a rede familiar, algo que substitui a falta de convivência com sua mãe. Além disso, a participante faz um comentário que parece ilustrar o ingresso do brincar no seu dia a dia fora do contexto do Palhafasia, mencionando as brincadeiras com seu patrão.

No decorrer da entrevista, L revela que a experiência de se maquiar e vestir como palhaça a diverte, a faz “esquecer de muitas coisas”. Independente do fato de não abordar diretamente os temas que L parece querer esquecer, sua participação no projeto talvez seja uma alternativa terapêutica que a faz sentir-se “à vontade”. Relembra o jogo de tarô e adivinhação de sua palhaça, que brinca de ser uma cigana poderosa. Confidencia o sentimento de sentir-se vivendo as cenas da sua palhaça, especialmente no dia de sua apresentação no teatro. A apresentação no teatro parece ser percebida como um elemento singular que concede poder e expressão.

Em resumo, o discurso de L revela a importância do acolhimento social no contexto clown. Nesse contexto elementos como diversão e acesso ao mundo da imaginação podem ser essenciais. Experiências negativas parecem ser suplantadas pela permissão de viver e sentir-se “na pele” da palhaça. Em contraste com a dificuldade que L apresenta no cuidado de si, sua palhaça é poderosa e bem cuidada. Observa-se que há esmero no figurino e na maquiagem. Isso sugere que a palhaçaria pode ser usada como chave para o desenvolvimento do autocuidado. Finalmente, o reviver da experiência do teatro na infância também parece significar o resgate de uma lembrança feliz de criança. Confirma-se o que afirma Pendzik et al.3030. Pendzik S, Raviv A. Therapeutic clowning and drama therapy: a family resemblance. Arts Psych. 2011;38(4):267-75., de que uma das principais características da dinâmica do clown é a imaginação. A imaginação do clown é um recurso psicológico saudável que ajuda a colocar em prática atitudes e pensamentos benéficos. O estado clownesco proporciona abertura (que faz com que a pessoa se sinta à vontade), possibilita outras visões (o sentir-se outra coisa, outra pessoa), e também é um estado de atenção que facilita o contato com o presente (o sentir-se fazendo de verdade, vivendo aquilo)2424. Gómez PAM. O corpo em estado de palhaço: vulnerabilidade e autoconhecimento a serviço do estado de saúde [Dissertação]. Salvador (BA): Universidade Federal da Bahia. Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas; 2017.,2525. Gordon J, Shenar Y, Pendzik S. Clown therapy: a drama therapy approach to addiction and beyond. Arts Psych. 2017; 57:88-94..

Embora o depoimento pessoal ilumine aspectos importantes sobre os mecanismos que podem estar envolvidos com a melhora do bem-estar e da qualidade de vida, a breve entrevista realizada neste estudo não é suficiente para sozinha demonstrar o efeito da prática clownesca. Além disso, é preciso considerar aspectos limitadores da expressão de críticas ao trabalho, já que a entrevistadora foi a coordenadora da equipe. Entretanto, a aplicação das escalas foi realizada por outros membros da equipe e esses instrumentos não abordam temas relacionados com a intervenção, o que previne o viés das respostas.

Conclusão

No presente estudo, foi possível perceber que a prática da arte clownesca beneficiou o bem-estar e a qualidade de vida da participante, destacando-se o aumento da energia e da comunicação. Esses dados preliminares são promissores, no entanto, são necessárias mais pesquisas sobre o efeito da prática teatral, bem como da arte clownesca. Este estudo de caso é um passo inicial para a realização de um estudo mais amplo a ser realizado com um futuro grupo de palhaços que ingressarão no projeto.

A atuação interdisciplinar entre as áreas da Saúde e das Artes Cênicas e Circenses é muito bem-vinda, especialmente considerando a troca rica de aprendizados que pode se estabelecer, levando a práticas cada vez mais humanizadas na área da saúde.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Set 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    20 Maio 2020
  • Aceito
    28 Jul 2020
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