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Formação e PET-Saúde: experiências de estudantes de fonoaudiologia na Bahia

Resumos

OBJETIVO:

compreender as concepções de formação dos estudantes de Fonoaudiologia da Universidade Federal da Bahia que participam ou participaram do Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde, e discutir as percepções sobre as potencialidades e limites do programa para a formação.

MÉTODOS:

pesquisa qualitativa, com dados produzidos a partir de grupo focal. Os estudantes foram divididos em 2 grupos, tendo 6 participantes em um e 4 em outro, totalizando 10 sujeitos.

RESULTADOS:

as concepções de formação evidenciadas foram: aprendizagem por meio da relação entre teoria e prática, processo permanente de aprendizagem e reflexão das experiências. Sobre as potencialidades do Programa, os estudantes trouxeram o reconhecimento das necessidades em saúde, vivência de novas práticas de aprendizagem, significação da integralidade e trabalho em equipe e interdisciplinar. Referente aos limites, os estudantes expuseram a precarização do sistema de saúde do município, baixa participação dos preceptores, incompatibilidade dos horários e relações conflituosas com os profissionais que não participavam/ participam do Programa.

CONCLUSÃO:

os sujeitos compreendem a formação como algo que vai além do saber técnico e científico. Nas potencialidades, destaca-se a importância de serem criados espaços na universidade para o trabalho interdisciplinar e para vivência de novas práticas de aprendizagem. Sobre os limites, a precarização do sistema de saúde interfere diretamente na aprendizagem do estudante, com prejuízo nas ações. Diante disto, restringir as práticas do Programa somente à inserção do estudante no serviço não garante a reorientação da formação, reforçando a necessidade de consolidar as reformas curriculares e de fortalecer a articulação entre ensino-serviço.

Recursos Humanos em Saúde; Fonoaudiologia; Saúde Pública; Sistema Único de Saúde


PURPOSE:

to understand the conceptions of the speech, hearing and language students which participated or still do of Working Education Program in Health, and discuss their perceptions regarding the potential and the limits of this program for their training.

METHODS:

it's a qualitative research, and the data were produced from the focus group. The students were divided into 2 groups, with 6 students in one and 4 in the other, totaling 10 subjects.

RESULTS:

the students' conceptions regarding training presented the following themes: learning through the relationship between theory and practice; permanent process of learning; and reflection of experiences. About the potential of PET- Saúde, were identified four themes: the recognition of health needs; the experience of new learning practices; the significant understanding of comprehensiveness; and the teamwork and interdisciplinarity. Regarding the limits, the students exposed the precariousness of the health system of Salvador; low participation of preceptors; incompatibility of schedules and conflicting relationships between preceptors and the other professionals who were not in the project.

CONCLUSION:

the subjects understand training not only as technical and scientific knowledge. Concerning the potential, stands out the importance of spaces within the university for interdisciplinary work and new learning practices. About the limits, the precariousness of the health system interferes in students' learning, harming the actions. Thus, to restrict the practices of PET - Saúde only to engaging students in health services does not guarantee a change in training, reinforcing the need to consolidate the curricular reforms and strengthening the link between university and health services.

Health Manpower; Speech, Hearing and Language Sciences; Public Health; Unified Health System


Introdução

A palavra formação comporta uma variedade de significados. A sua definição não é tão simples, tampouco restrita. A formação não está reduzida a um diploma, programa, ou lei, sendo ela reconhecida como necessária para a prática profissional e, também, relacionada à evolução da vida pessoal11. Dominicé P. A epistemologia da formação ou como pensar a formação. In: Macedo RS, Pimentel A, Reis LR, Azevedo OB, organizadores. Currículo e processos formativos: experiências, saberes e culturas. Salvador: EDUFBA; 2012. P. 19-38.. No setor saúde, o debate sobre a necessidade de reorientar a formação profissional tem estimulado a criação de estratégias e programas com vistas à superação do distanciamento entre a teoria e a prática; entre o que se ensina e as reais necessidades em saúde da população. Neste contexto, foi criado o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde), do Ministério da Saúde, em agosto de 2008, e implantado na Universidade Federal da Bahia (UFBA) em dezembro de 200922. Brasil. Ministério da Saúde. Ministério da Educação. Portaria interministerial nº 421. Institui o Programa de Educação pelo Trabalho para a saúde (PET-Saúde) e dá outras providências [portaria na internet]. Diário Oficial da União 27 de ago 2008 [acesso em 26 de jan 2014]; Seção 1,(27). Disponível em: http://www.brasilsus.com.br/legislacoes/inter-ministerial/103143-421.html
http://www.brasilsus.com.br/legislacoes/...
, 33. Cangussu C. Re: PET-Saúde e TCC [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por mau.fono@hotmail.com em 20 dez 2012..

Enquanto uma das estratégias do Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde, o PRÓ-SAÚDE, implantado em 2005, o PET-Saúde tem como pressuposto a educação pelo trabalho, colocando em perspectiva a inserção das necessidades dos serviços como fonte de produção de conhecimento e pesquisa nas instituições de ensino. Visa ordenar a formação de profissionais de saúde, de acordo com características sociais e regionais; desenvolver atividades acadêmicas por meio da aprendizagem tutorial de natureza coletiva e interdisciplinar; contribuir para a implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) dos cursos de graduação em saúde; colaborar para a formação de profissionais de saúde com perfil adequado às necessidades e às políticas de saúde; e fomentar a articulação ensino-serviço-comunidade na área da saúde22. Brasil. Ministério da Saúde. Ministério da Educação. Portaria interministerial nº 421. Institui o Programa de Educação pelo Trabalho para a saúde (PET-Saúde) e dá outras providências [portaria na internet]. Diário Oficial da União 27 de ago 2008 [acesso em 26 de jan 2014]; Seção 1,(27). Disponível em: http://www.brasilsus.com.br/legislacoes/inter-ministerial/103143-421.html
http://www.brasilsus.com.br/legislacoes/...
.

Atualmente na UFBA, o funcionamento do PET-Saúde é organizado em atividades divididas em eixos. No eixo Universidade, são programadas reuniões sistemáticas do Comitê Gestor Local do Pró Saúde III e Comissão Especial de Integração Ensino Serviço visando a integração dos cursos nas áreas básicas. Na articulação com os serviços de Saúde são propostas estratégias para fortalecimento da integração, estímulo ao planejamento estratégico situacional, programação de estratégias comuns dos cursos participantes e contribuição na educação continuada da rede de serviços de saúde do município. Para os estudantes, vislumbra-se o conhecimento do programa em seus objetivos e operacionalização, além de serem elaboradas diferentes propostas para a contribuição na formação acadêmica no âmbito da pesquisa e da extensão33. Cangussu C. Re: PET-Saúde e TCC [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por mau.fono@hotmail.com em 20 dez 2012.. Participam do PET-Saúde estudantes submetidos a processo seletivo, podendo estes estar cursando qualquer ano da graduação. Os tutores são professores que colaboram com o projeto desde o seu planejamento, e são eles também os responsáveis pela escolha dos preceptores, que são profissionais dos serviços de saúde do município.

Estudos têm sido elaborados com o objetivo de analisar a metodologia, as práticas e ações desenvolvidas no PET - Saúde. Alguns identificaram a efetivação de algumas metas e propostas do PET-Saúde, com a iniciação profissional dos estudantes, fortalecimento das práticas ensino-serviço, indução ao trabalho multiprofissional e interdisciplinar, produções acadêmicas destinadas às necessidades do SUS, fomento de ações em promoção de saúde e prevenção de agravos, identificação da necessidade e motivação à educação permanente entre os profissionais do serviço, visão crítica dos estudantes em relação à realidade do serviço e às necessidades de saúde da população44. Rodrigues AAAO, Juliano IA, Melo MLC, Beck CLC, Prestes FC. Processo de interação ensino, serviço e comunidade: a experiência de um PET-Saúde. Rev Bras Educ Med. 2012;36(1):184-92.

5. Leite MTS, Rodrigues CAQ, Mendes DC, Veloso NS, Andrade JMO, Rios LR. O Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde na formação profissional. Rev Bras Educ Med. 2012;36(1):111-8.

6. Ferreira VS, Barreto RLM, Oliveira EK, Ferreira PRF, Santos LPS, Marques VEA et al. PET - Saúde: uma experiência prática de integração ensino-serviço-comunidade. Rev Bras Educ Med. 2012;36(1):47-151.
- 77. Caldas JB, Lopes ACS, Mendonça RD, Figueiredo A, Lonts JGA, Ferreira EF et al. A percepção de alunos quanto ao Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde - PET - Saúde. Rev Bras Educ Med. 2012;36(1):33-41.. Em contrapartida, currículos engessados44. Rodrigues AAAO, Juliano IA, Melo MLC, Beck CLC, Prestes FC. Processo de interação ensino, serviço e comunidade: a experiência de um PET-Saúde. Rev Bras Educ Med. 2012;36(1):184-92. , 55. Leite MTS, Rodrigues CAQ, Mendes DC, Veloso NS, Andrade JMO, Rios LR. O Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde na formação profissional. Rev Bras Educ Med. 2012;36(1):111-8. , 88. Oliveira ML, Mendonça MK, Filho HLA, Coelho TC, Benetti CN. PET - Saúde: (in)formar e fazer como processo de aprendizagem em serviços de saúde. Rev Bras Educ Med. 2012;36(1):105-11. , 99. Cyrino EG, Cyrino APP, Prearo AY, Popim RC, Simonetti JP, Villas Boas PJF. Ensino e pesquisa na Estratégia de Saúde da Família: o PET-Saúde da FMB/Unesp. Rev Bras Educ Med. 2012;36(1):92-101., a precariedade dos serviços de saúde 55. Leite MTS, Rodrigues CAQ, Mendes DC, Veloso NS, Andrade JMO, Rios LR. O Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde na formação profissional. Rev Bras Educ Med. 2012;36(1):111-8. , 99. Cyrino EG, Cyrino APP, Prearo AY, Popim RC, Simonetti JP, Villas Boas PJF. Ensino e pesquisa na Estratégia de Saúde da Família: o PET-Saúde da FMB/Unesp. Rev Bras Educ Med. 2012;36(1):92-101., e a difícil aceitação dos profissionais dos serviços ao PET-Saúde33. Cangussu C. Re: PET-Saúde e TCC [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por mau.fono@hotmail.com em 20 dez 2012. , 66. Ferreira VS, Barreto RLM, Oliveira EK, Ferreira PRF, Santos LPS, Marques VEA et al. PET - Saúde: uma experiência prática de integração ensino-serviço-comunidade. Rev Bras Educ Med. 2012;36(1):47-151., foram os principais limites apontados pelos autores.

Hodiernamente, os estudantes de Fonoaudiologia possuem a oportunidade de participar de projetos e programas voltados à reorientação da formação, sendo o PET-Saúde um exemplo destes. A necessidade desta inserção é evidenciada quando feita a análise da formação do fonoaudiólogo, onde os sujeitos que estão neste processo possuem um contato incipiente e, por muitas vezes, equivocado com a Saúde Coletiva, enviesando para um atendimento de demandas espontâneas, com destaque na prática terapêutica reabilitadora1010. Lemos M, Bazzo LMF. Formação do fonoaudiólogo no município de Salvador e consolidação do SUS. Rev ciênc saúde coletiva. 2010;15(5):2563-8.. Analisando historicamente, identifica-se que o próprio surgimento da profissão no Brasil se respalda no modelo médico hegemônico com práticas ambulatoriais/tecnicistas, associado à necessidade de reabilitação de escolares com distúrbios da comunicação1111. Bacha SMC, Osório AMN. Fonoaudiologia e educação: uma revisão da prática histórica. Rev CEFAC. 2004;6(2):215-21.. Visando superar este cenário, a Fonoaudiologia inicia as discussões sobre a formação profissional, o que parece ter sido estimulado pela criação das DCN, que objetiva promover a formação de um profissional generalista, crítico, humanista e reflexivo1212. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CES 5, de 19 de fevereiro de 2002. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Fonoaudiologia [resolução na internet]. Diário Oficial da União 4 de março 2002 [acesso em 26 de jan 2013]; Seção 1, (12). Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CES052002.pdf
http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pd...
. Desta forma, o PET-Saúde desponta como um projeto oportuno para o processo de reorientação da formação do fonoaudiólogo, o que demanda a realização de análises de experiências construídas nas universidades.

É relevante contextualizar que entende-se formação como a transformação dos acontecimentos cotidianos, geralmente ocorridos na esfera de um projeto pessoal e coletivo, em uma experiência significativa. Não é algo, portanto, que possui apenas uma aptidão ou função cultivada passíveis de serem desenvolvidas eventualmente, tampouco deve ser restritamente considerada da ótica do sujeito, da interioridade, dimensão própria de um indivíduo1313. Honore B. Para una teoria de la formación. Madrid: Narcea S.A de ediciones; 1980.. A formação pode ser ainda concebida como uma atividade por qual se busca as condições para que um saber advindo do exterior, interiorizado, possa ser superado e exteriorizado novamente, enriquecido de uma nova forma, com significado em uma nova atividade13. Portanto, num processo formativo, o aprendiz vai mobilizar suas experiências para apropriar-se de novos conhecimentos11. Dominicé P. A epistemologia da formação ou como pensar a formação. In: Macedo RS, Pimentel A, Reis LR, Azevedo OB, organizadores. Currículo e processos formativos: experiências, saberes e culturas. Salvador: EDUFBA; 2012. P. 19-38..

Além disso, pode-se dizer que a formação também é percebida como aquilo que acontece no mundo, da consciência do Ser ao transformar acontecimentos, informações e conhecimentos que o cerca em experiência significativa, intencionada. Neste âmbito, destaca-se que quem se encontra em formação é o Ser na sua emergência individual e sociocultural1414. Macedo RS. Compreender/mediar a formação: o fundante da educação. Brasília: Liber Livro; 2010.. Compreendida como processo em constante movimentação no decorrer da vida, a formação requer a elaboração de depoimentos e a construção de histórias. O que é vivido pelos que se beneficiam de aportes educativos, ou pelos que refletem sobre o que acontece de formativo em suas vidas, constitui uma via de acesso ao reconhecimento da formação11. Dominicé P. A epistemologia da formação ou como pensar a formação. In: Macedo RS, Pimentel A, Reis LR, Azevedo OB, organizadores. Currículo e processos formativos: experiências, saberes e culturas. Salvador: EDUFBA; 2012. P. 19-38.. Logo, o sujeito em formação possui suas individualidades, suas pessoalidades, que particularizam as suas experiências formativas.

O significado de formação ainda apresenta prejuízos expressivos nas práticas, já que carrega consigo a banalização das suas implicações ontológicas, pedagógicas, éticas e políticas. Proposições e práticas de formação fragmentadas de conceitos são reduzidas à facetas técnicas, pouco dialogicizadas1414. Macedo RS. Compreender/mediar a formação: o fundante da educação. Brasília: Liber Livro; 2010.. Pode-se perceber então, diante do exposto, que o modelo de formação, em seu contexto atual, distancia-se da relação entre teoria e prática, da aprendizagem por meio da transformação e da experiência significativa. Este cenário também é visualizado por autores que apontam a necessidade do debate sobre a orientação da formação dos profissionais de saúde, com enfrentamento da fragmentação no processo de aprendizagem, e estimulando uma maior criticidade diante das transformações na situação de saúde e na organização do trabalho1515. Teixeira CFS, Coelho MTAD, Rocha MND. Bacharelado interdisciplinar: uma proposta inovadora na educação superior em saúde no Brasil. Rev ciênc saúde coletiva. 2013;18(6):1635-46.

16. Haddad AE, Morita MC, Pierantoni CR, Brenelli SL, Passarella T, Campos FE. Formação de profissionais de saúde no Brasil: uma análise no período de 1991 a 2008. Rev saúde pública. 2010;44(3):383-93.
- 1717. Guimarães DA, Silva ES. Formação em ciências da saúde: diálogos em saúde coletiva e a educação para a cidadania. Rev ciênc saúde coletiva. 2010; 15(5):2551-62..

Considerando a contextualização apresentada, este artigo tem como objetivo compreender as concepções de formação dos estudantes de Fonoaudiologia da Universidade Federal da Bahia que participam ou participaram do Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde e discutir as percepções sobre as potencialidades e limites do programa para a formação.

Métodos

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Professor Edgard Santos da Universidade Federal da Bahia (UFBA) sob parecer de número 335.292, atendendo às orientações da Resolução n° 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde.

Trata-se de um estudo qualitativo, cujo cenário é o projeto PET-Saúde da UFBA, em suas duas edições. O projeto de 2009/2011 teve como eixo central o tema da violência, compreendida como problema de saúde pública, trabalhada na perspectiva multiprofissional orientada pela clínica ampliada, a partir da inspiração do conceito de transdisciplinaridade, onde os atores desse contexto de aprendizagem são os estudantes e professores de diferentes cursos da saúde e preceptores trabalhadores de serviços de saúde do município de Salvador. No projeto de 2012/2014, a instituição de origem assumiu como eixo de pesquisa/intervenção a Estratégia Saúde da Família e as Redes de Atenção na diversificação das temáticas33. Cangussu C. Re: PET-Saúde e TCC [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por mau.fono@hotmail.com em 20 dez 2012..

Os critérios utilizados para a inclusão na pesquisa foram: ser estudantes do curso de fonoaudiologia da UFBA participantes ou ex-participantes do PET-Saúde que tenham tido, no mínimo, seis meses de experiência neste Programa. Foram excluídos aqueles que se formaram, não são desta universidade e estudantes de outros cursos. Adotando estes critérios, a amostra estimada foi de 14 estudantes, com participação efetiva de 10 sujeitos.

A distribuição dos estudantes que participam ou participaram em projeto e subprojeto do PET-Saúde está ilustrada na Figura 1. Dentre os discentes envolvidos nesta pesquisa, dois cursam o terceiro ano e oito o quinto ano. Para uma melhor compreensão do quadro, é importante ressaltar que um sujeito do estudo participou de duas edições do programa.

Figura 1:
Distribuição dos estudantes por projeto e subprojeto

Para a produção dos dados foi realizada a técnica do grupo focal1818. Iervolino SA, Pelicioni MCF. A utilização do grupo focal como metodologia qualitativa na promoção da saúde. Rev esc enf USP. 2001;35(2):115-21.. O contato inicial foi realizado por correio eletrônico, a partir do qual os sujeitos foram convidados a participar da pesquisa. Após a confirmação de participação, os estudantes foram divididos conforme a disponibilidade de horário, sendo realizados 2 grupos focais, tendo 6 participantes em um grupo e 4 em outro, totalizando a participação de 10 estudantes.

Para a condução do grupo focal, o autor assumiu o papel de moderador, e teve a colaboração de dois voluntários sendo um o relator, para anotar os acontecimentos de maior interesse para a pesquisa, e o observador, que auxiliou no registro fonográfico dos encontros1919. Ressel LB, Beck CLC, Gualda DMR, Hoffmann IC, Silva RM, Sehnem GD. O uso do grupo focal em pesquisa qualitativa. Rev texto-contexto enf. 2008;17(4):779-86.. A relatora da pesquisa tratou-se de uma terapeuta ocupacional com experiência em pesquisa científica, e o observador um estudante de fonoaudiologia da UFBA, cursando o último ano, sendo ambos capacitados previamente pelo pesquisador para exercer tais papéis. O moderador, baseado nos objetivos do estudo, conduziu os grupos focais com o apoio de um roteiro pré estabelecido, propondo a discussão do tema e mantendo o grupo focalizado nas questões que circundam a pesquisa.

Posteriormente, os materiais foram transcritos e analisados, seguido da indexação dos dados, a partir da sua ordenação e categorização destacando-se os temas ou padrões mais recorrentes. Estas indexações são procedidas por indução, a partir da interpretação do pesquisador1919. Ressel LB, Beck CLC, Gualda DMR, Hoffmann IC, Silva RM, Sehnem GD. O uso do grupo focal em pesquisa qualitativa. Rev texto-contexto enf. 2008;17(4):779-86..

Resultados

Visando compreender a concepção de formação e as experiências dos estudantes de Fonoaudiologia que participam ou participaram do PET-Saúde, foram construídas três categorias para análise, a saber: 1. Concepção de formação; 2., Potencialidades do PET-Saúde para a formação; e 3. Limites do PET-Saúde para a formação.

Em relação à primeira categoria, as perspectivas que os estudantes trouxeram na maior parte do debate se referiam a formação como aprendizagem por meio da relação entre teoria e prática, como processo permanente de aprendizagem e como reflexão das experiências.

1.1 Aprendizagem por meio da relação entre teoria e prática

Os estudantes entendem como elemento da formação a relação entre teoria e prática, sendo esta importante para que não ocorra a fragmentação da aprendizagem. Destacam ainda que a relação teoria - prática está presente no PET-Saúde, onde a partir das reflexões da prática, associados à teoria, conseguem chegar à consolidação da aprendizagem significativa, como pode ser visualizado nos trechos:

"Isso me fez lembrar, LC, a questão de que a gente vê muita teoria na graduação e a prática fica muito distante. Então se perde muitos elementos. Então talvez como o PET é prática né, é ação, talvez ter mais essas ações incorporado na graduação, assim, teoria e prática. Teoria-prática mais associado, mais juntas" (M)

"A gente tá lá dentro do serviço, a gente entra, observa as coisas, faz algumas perguntas, conversa com os trabalhadores, a gente percebe coisas e isso nos dá algumas reflexões, a gente volta com essas reflexões pra tutora, pra preceptora e então a gente conversa, faz um debate, alguma coisa assim." (D)

1.2 Processo permanente de aprendizagem

A perspectiva da formação como aprendizado permanente, contínuo, que não termina, também foi discutida pelos estudantes. Estes sujeitos encaram a formação além da aprendizagem técnica de uma profissão, que não se limita à graduação ou à universidade. Neste sentido, o processo permanente de aprendizagem, segundo os estudantes, refere-se às experiências envolvidas na vida do indivíduo, em todos os âmbitos. Os fragmentos abaixo demonstram a compreensão dos indivíduos sobre o processo permanente de aprendizagem como elemento formativo:

"É...um processo de aprendizado permanente [...] É o conhecimento que a gente adquire aqui, tanto o conhecimento teórico, o conhecimento que a gente adquire nas práticas, tanto clínica quanto essas práticas sociais, comunitárias, as experiências que a gente vivencia aqui na faculdade, as experiências também que é trazido por nossos pacientes." (L)

"eu acredito que a formação ela vai ser é...a base pras minhas futuras práticas profissionais né. Então ela vai me dar é...conhecimento pra que eu possa atuar nas práticas que eu vou realizar após esse processo de formação. Agora, claro que não é algo estanque, mas é algo contínuo." (V)

1.3 Reflexão sobre as experiências

Neste tema, foi abordado pelos estudantes que a formação ultrapassa a aprendizagem e reprodução de técnica, e que a mesma deve ser um processo onde o sujeito reflete a partir das suas concepções, suas construções. As práticas do indivíduo, no processo de formação, devem ter como base as suas experiências tanto na universidade, quanto ao longo de sua vida. Isto pode ser observado nos destaques:

"Acho que seria a perspectiva assim, de que a gente vai aprender a técnica e a gente não vai apenas reproduzi-las né, nós iremos refletir com bases nas nossas concepções acerca do que a gente aprendeu ao longo da vida e o aprendizado dentro da universidade também, acho que seria... Não apenas reproduzir, mas refletir em cima do que a gente aprendeu." (M)

"Assim, é...eu quero dizer que é uma coisa ampla né, que não envolve só a técnica mas também as concepções da pessoa. E isso vai interferir na prática dele né, desde o momento em que... quando ele começar a agir ele entender que naquela ação ele tem que considerar outras coisas né." (LC)

Em relação à categoria 2. Potencialidades do PET-Saúde para a formação, os temas que emergiram nos discursos dos estudantes estão relacionados ao reconhecimento das necessidades em saúde, vivência de novas práticas de aprendizagem, significação da integralidade e trabalho em equipe e interdisciplinar.

2.1 Reconhecimento das necessidades em saúde

Neste tema, os estudantes identificaram a relevância de estar próximo à comunidade e ao território, para compreender as principais demandas dos usuários e dos serviços de saúde. O PET-Saúde, com a proposta de interação ensino-serviço-comunidade, permitiu aos estudantes esta vivência da realidade da população, bem como da dinâmica dos serviços de saúde, contribuindo para uma formação por meio da prática, como pode ser observado nos trechos a seguir:

"Então eu acho que contribui isso, a gente focar mesmo, ver as necessidades, os dilemas, as dificuldades mesmo que o usuário e a população dessa comunidade passa." (AP)

"... Acho que o ponto positivo também é conhecer o território que você vai desenvolver as suas ações é... a comunidade que faz parte né, identificar as populações e compreender como os determinantes sociais em saúde podem interferir nesse processo." (LM)

2.2 Vivência de novas práticas de aprendizagem

O PET-Saúde, segundo os estudantes, permite uma nova perspectiva de aprendizagem, diferente das práticas exercidas nas graduações de saúde, mais especificamente na Fonoaudiologia. Isso proporciona aos participantes do PET-Saúde, sobretudo, a vivência de modelos de ensino-aprendizagem que estimulam a formação por meio da experiência significativa. Isto pode ser observado nos depoimentos abaixo, onde os estudantes destacam a busca do conhecimento e a aprendizagem que vai além de uma profissão ou da graduação.

"Esse olhar de que no início do PET eu achava que eu ia lá falar só sobre a Fonoaudiologia, eu ia lá levar o meu conhecimento mas eu fui lá buscar conhecimento também, e eu fui lá aprender com os meus colegas também de outras áreas. Isso pra mim contribuiu e muito, sabe?" (U)

"Eu acho que o PET permite você ir além da Fonoaudiologia assim em si. Claro que vai trazer contribuições, mas assim, o PET permite você trazer temas que você até então você não veria na graduação, você não veria nesse espaço aqui em sala de aula, você não ia ter possibilidade de ver isso." (A)

2.3 Significação da integralidade

Os sujeitos da pesquisa julgaram como importante a contribuição do PET-Saúde na construção de um olhar mais ampliado sobre a saúde de um indivíduo e da coletividade, compreendendo de uma melhor forma o conceito da integralidade. Ressaltam ainda que a aprendizagem na prática da integralidade permite uma melhor relação com o que estudaram na teoria, criando espaços que extrapolam os limites das especialidades da Fonoaudiologia, como exemplificado nos fragmentos:

"A gente vai entender essa pessoa que chega com uma queixa não só como um paciente que tem um problema de voz, um problema de deglutição, um problema de mastigação, um problema de linguagem pra tá sendo ali tratado. Mas a gente vai entender ele mesmo como um ser que tá inserido em um meio social, que esse meio social interfere na sua vida. (...)" (L)

"E um dos princípios que eu compreendi foi o da integralidade que eu não entendia qual era a relação da integralidade com o sistema de informação. Então eu passei a perceber que quando cada coisa no serviço funciona isso reflete na saúde do indivíduo e principalmente na promoção da saúde."(D)

2.4 Trabalho em equipe e interdisciplinar

O trabalho interdisciplinar, quando os estudantes de Fonoaudiologia possuem a oportunidade de exercer suas práticas em conjunto com discentes de outros cursos da saúde é, na ótica dos participantes dos grupos focais, uma das principais potencialidades do PET-Saúde. Segundo os mesmos, esta estratégia de trabalho não é estimulada durante a graduação nos cursos, sendo o PET-Saúde a oportunidade de experienciá-la, atuando em equipe, com objetivos em comum. Estas perspectivas podem ser observadas nos fragmentos seguintes:

". É... o que mais me marcou nesse projeto foi o trabalho interdisciplinar mesmo porque a gente teve muitas dificuldades né. Então assim, é... o quanto que é importante o trabalho ser em equipe né. Não só em equipe de cada um fazer um pouquinho, mas assim da equipe estar em um acordo comum, com o objetivo igual, que isso é fundamental pro trabalhar em equipe né." (LC)

": É...concluindo assim...compartilhando com A, eu acho que o principal pra mim é a questão de vários cursos né. De você poder tá atuando com pessoas que não são só fonoaudiólogos e que aqui nos estágios da faculdade a gente não tem esse prazer né." (B)

Em relação à categoria 3. Limites do PET-Saúde para a formação, os estudantes identificaram, como as principais dificuldades vivenciadas, a precarização do sistema de saúde do município, baixa participação dos preceptores, incompatibilidade dos horários e relações conflituosas com os profissionais que não participavam/participam do PET-Saúde. É importante salientar que dois sujeitos da pesquisa apontaram não visualizar limites no PET-Saúde para a formação, tendo como base as suas experiências.

3.1 Precarização do sistema de saúde do município

Para os estudantes de Fonoaudiologia participantes do estudo, o descaso com o setor saúde no município causou transtornos que dificultaram o processo de aprendizagem dentro dos serviços. O principal enfoque foi dado à desvalorização dos profissionais, resultando na falta de estímulo para a realização do trabalho, além de ser apontada a ausência de compromisso com o serviço, como ilustrado nas argumentações:

"E foi um trabalho difícil, porque assim, os trabalhadores estavam muito desmotivados, foi uma época que realmente o Distrito Centro Histórico e como todos os Distritos de Salvador tavam passando por um período de transição assim...muito forte, o pessoal da limpeza tava em greve então assim, a unidade tava jogada ao léu, então foi bem complicado, um período bem conturbado" (A)

"E também a gente via, como A falou, a desmotivação de alguns profissionais por várias questões, porque muitos são desvalorizados, eles não se sentem sujeitos ativos participantes do processo de trabalho em saúde." (D)

3.2 Baixa participação dos preceptores

Os trechos destacados mostram relatos dos estudantes deste estudo que consideraram como limite no curso do PET-Saúde a baixa participação dos preceptores nas atividades. As principais críticas neste quesito se relacionam a pouca colaboração na realização ou planejamento das atividades e a ausência de co - responsabilização na condução do processo. É importante destacar que este tema foi o único deste estudo que houve diferença entre as opiniões dos participantes, onde todos os estudantes da primeira edição do PET-Saúde apontaram este ponto negativo no projeto e apenas duas da edição seguinte fizeram esta mesma observação.

"Bom, o nosso grupo era assim muito desfalcado. Era só nós 3: eu, L. e tinha outra estudante de Farmácia, depois foi (para o PET) pra nutrição. Então, o preceptor, o primeiro preceptor que a gente teve ele deixava muito...a gente solto, entendeu? E...eu e L. entrou ainda não sabendo a proposta do PET de Farmácia."(AP)

3.3 Incompatibilidade dos horários

Uma das dificuldades também apontadas refere-se a incompatibilidade dos horários entre os próprios estudantes dos grupos do PET-Saúde, o que prejudica a formação dos subgrupos de prática multidisciplinares. Além disso, as questões de horário impossibilitaram uma maior aproximação do tutor com os estudantes, dificultando também a realização das tutorias.

"Bom, a gente tem a dificuldade é em relação ao horários assim dos próprios estudantes porque a gente não consegue formar um grupo coeso de, por exemplo, 3 estudantes pra que esses 3 estudantes fiquem nesse dia né...com essa proposta. Muito difícil, assim, então tem dias...tinha dias que eu tava sozinha, eu ficava na comunidade sozinha, eu e minha preceptora." (A)

"Eu acho que no meu caso especificamente a distância dos tutores ao longo do projeto foi uma coisa negativa que interferiu no papel dos preceptores. Porque... O, o meu tutor, ele... Os horários assim não eram compatíveis com os horários dele, os horários das nossas reuniões, dos nossos encontros, não eram compatíveis com os horários dele." (LC)

3.4 Relações conflituosas com os profissionais que não participavam/ participam do PET-Saúde

Fora apontado também pelos participantes a presença de conflito dentro dos serviços por conta da existência do PET-Saúde. A entrada do programa nas unidades sem uma prévia articulação com os trabalhadores acabou gerando um distanciamento entre a universidade e o serviço, fazendo com que os profissionais encarem a presença do estudante como uma sobrecarga. Entretanto, sabe-se que nos serviços da Atenção Básica os trabalhos são multi e interdisciplinares, onde as ações em equipe são preconizadas, tornando os profissionais interdependentes e corresponsáveis. Não obstante, os trabalhadores que não têm ligação com o PET-Saúde, por vezes, acabam não colaborando com as atividades desenvolvidas pelos estudantes, mesmo sendo estas inerentes ao processo de trabalho dos profissionais de saúde. Outrossim, a remuneração recebida apenas pelos preceptores, segundo os estudantes, acentua a dificuldade na realização de atividades com profissionais que não são vinculados PET-Saúde.

"E outra coisa é a relação dos trabalhadores entre si mesmo né, essa questão de 'Por que aquele lá é preceptor? Eu também sou trabalhador daqui do serviço, por que que não fui chamado pra ser preceptor? O que que faz? Ganha mais o que...por que, ele é melhor do que eu?" (A)

"Coisas, porque os agentes comunitários eles conhecem as áreas mais do que ninguém né. E ai dificultava o trabalho, agente não, o agente não comparecia, o agente dizia que não ia. Porque assim, existia questão da bolsa também né. O preceptor recebia pra estar naquela função e o agente não, no caso lá onde eu estava o agente não recebia, não fazia." (U)

Discussão

1.1 Aprendizagem por meio da relação entre teoria e prática

O distanciamento entre teoria e prática é frequentemente visualizado nos processos de ensino-aprendizagem. Com a proposta da inserção nos serviços de saúde, o PET-Saúde proporciona espaços dialógicos e de construção, em conjunto à aprendizagem teórica. Por meio desta estratégia, os estudantes têm a possibilidade de vivenciar a dinâmica do SUS, contribuindo para que este processo formativo seja o momento de mobilizar as experiências para apropriar-se dos conhecimentos adquiridos.

A efetivação da relação entre teoria e prática permitiu aos estudantes entenderem a necessidade do trabalho de acordo com as demandas da população, bem como consolidarem o conceito de integralidade, sendo estes dois fatores destacados como potencialidades do PET-Saúde. Deste modo, o pressuposto da educação pelo trabalho favoreceu aos estudantes vivenciarem espaços de aprendizagem que transformaram acontecimentos cotidianos, na esfera do programa, em experiência significativa. Estes achados vão ao encontro a outros estudos que tiveram o PET-Saúde como cenário44. Rodrigues AAAO, Juliano IA, Melo MLC, Beck CLC, Prestes FC. Processo de interação ensino, serviço e comunidade: a experiência de um PET-Saúde. Rev Bras Educ Med. 2012;36(1):184-92. , 55. Leite MTS, Rodrigues CAQ, Mendes DC, Veloso NS, Andrade JMO, Rios LR. O Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde na formação profissional. Rev Bras Educ Med. 2012;36(1):111-8. , 77. Caldas JB, Lopes ACS, Mendonça RD, Figueiredo A, Lonts JGA, Ferreira EF et al. A percepção de alunos quanto ao Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde - PET - Saúde. Rev Bras Educ Med. 2012;36(1):33-41. , 2020. Ferraz L. O PET-Saúde e sua interlocução com o PRÓ-Saúde a partir da pesquisa: o relato dessa experiência. Rev Bras Educ Med. 2012;36(1):166-71. , 2121. Tanaka EE, Ortiz DA, Penteado MM, Dezan CC, Codato LAB, Higasi MS et al. Projeto PET-Saúde: ferramenta de aprendizado na formação profissional em saúde. Rev Bras Educ Med. 2012;36(1):136-40..

1.2 Processo permanente de aprendizagem

Considerando que a formação está voltada tanto para as práticas profissionais, quanto para a constituição do Ser, é possível entendê-la como um processo que não é estanque, ou seja, em constante movimentação. A formação requer ainda a elaboração de depoimentos e a construção de histórias. Torna-se, então, um processo onde a aprendizagem é permanente, o qual a vivência e experiência são significados e exteriorizados1313. Honore B. Para una teoria de la formación. Madrid: Narcea S.A de ediciones; 1980. , 1414. Macedo RS. Compreender/mediar a formação: o fundante da educação. Brasília: Liber Livro; 2010..

Essa compreensão de formação difere do que se encontra em vigência no atual modelo de educação na maioria dos cursos da saúde, o qual é essencialmente restrito à reprodução de facetas técnicas ainda que algumas mudanças curriculares possam ser observadas em diferentes Instituições de Ensino Superior. Esta prática formativa reduz a formação à capacitação ou treinamento, restringindo os espaços de reflexões críticas para a transformação do saber interiorizado. Com isso, aumenta-se a fragmentação do conhecimento, favorecendo a formação de profissionais cada vez mais técnicos e pouco ativos no seu processo de aprendizagem1414. Macedo RS. Compreender/mediar a formação: o fundante da educação. Brasília: Liber Livro; 2010..

1.3 Reflexão sobre as experiências

Realçar e mobilizar a experiência na formação tem o sentido de reconhecer, na atividade humana, a dinamização do processo contínuo e intenso de compreensão do mundo. As experiências são sempre resultantes de vivências, carregando consigo a dialógica e a dialética que envolvem o indivíduo, a sociedade e a cultura1414. Macedo RS. Compreender/mediar a formação: o fundante da educação. Brasília: Liber Livro; 2010.. Portanto, refletir sobre as experiências significa construir o conhecimento a partir das vivências e consolidar a aprendizagem sem descartar o mundo e os acontecimentos que cercam o sujeito11. Dominicé P. A epistemologia da formação ou como pensar a formação. In: Macedo RS, Pimentel A, Reis LR, Azevedo OB, organizadores. Currículo e processos formativos: experiências, saberes e culturas. Salvador: EDUFBA; 2012. P. 19-38. , 1313. Honore B. Para una teoria de la formación. Madrid: Narcea S.A de ediciones; 1980. , 1414. Macedo RS. Compreender/mediar a formação: o fundante da educação. Brasília: Liber Livro; 2010..

Na visão dos estudantes desta pesquisa, o processo de formação relaciona-se com a reflexão sobre as práticas, sobre o que é aprendido, vivenciado, sensibilizado, isto é, com as experiências. Estas experiências tornam-se significativas a partir do momento em que o saber exterior, que é interiorizado, superado e exteriorizado, tem a possibilidade de ganhar uma nova significância, sendo utilizado em novas atividades.

No que concerne à segunda categoria, a partir dos resultados apresentados, pode-se inferir que a participação no PET-Saúde proporcionou ao estudante uma aprendizagem a partir da experiência, utilizando-se de novas práticas de aprendizagem, contribuindo na apropriação de conceitos para o exercício do seu trabalho como profissional da saúde.

2.1 Reconhecimento das necessidades em saúde

Neste tema, destaca-se a visão dos estudantes quanto à aprendizagem que se apresenta a partir da compreensão do meio exterior, neste caso as demandas de saúde de uma comunidade, interiorizando este conhecimento para, a partir destes, elaborar estratégias e ações que possam contribuir com as reais necessidades. Esta aprendizagem significativa acontece neste contexto a partir do momento em que o PET-Saúde proporciona o contato dos estudantes com os serviços e território de uma comunidade. O presente resultado obtido corrobora achados de outros autores que estudaram a participação de estudantes no PET-Saúde44. Rodrigues AAAO, Juliano IA, Melo MLC, Beck CLC, Prestes FC. Processo de interação ensino, serviço e comunidade: a experiência de um PET-Saúde. Rev Bras Educ Med. 2012;36(1):184-92. , 66. Ferreira VS, Barreto RLM, Oliveira EK, Ferreira PRF, Santos LPS, Marques VEA et al. PET - Saúde: uma experiência prática de integração ensino-serviço-comunidade. Rev Bras Educ Med. 2012;36(1):47-151.

7. Caldas JB, Lopes ACS, Mendonça RD, Figueiredo A, Lonts JGA, Ferreira EF et al. A percepção de alunos quanto ao Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde - PET - Saúde. Rev Bras Educ Med. 2012;36(1):33-41.

8. Oliveira ML, Mendonça MK, Filho HLA, Coelho TC, Benetti CN. PET - Saúde: (in)formar e fazer como processo de aprendizagem em serviços de saúde. Rev Bras Educ Med. 2012;36(1):105-11.
- 99. Cyrino EG, Cyrino APP, Prearo AY, Popim RC, Simonetti JP, Villas Boas PJF. Ensino e pesquisa na Estratégia de Saúde da Família: o PET-Saúde da FMB/Unesp. Rev Bras Educ Med. 2012;36(1):92-101. , 2020. Ferraz L. O PET-Saúde e sua interlocução com o PRÓ-Saúde a partir da pesquisa: o relato dessa experiência. Rev Bras Educ Med. 2012;36(1):166-71.

21. Tanaka EE, Ortiz DA, Penteado MM, Dezan CC, Codato LAB, Higasi MS et al. Projeto PET-Saúde: ferramenta de aprendizado na formação profissional em saúde. Rev Bras Educ Med. 2012;36(1):136-40.

22. Teixeira S, Lessa JKA, Xavier LPZ, Costa MFM, Rabelo NDB, Menzel HJ et al. O PET-Saúde no Centro de Saúde Cafezal: promovendo hábitos saudáveis de vida. Rev Bras Educ Med. 2012;36(1):183-6.
- 2323. Abrahão AL, Cordeiro BC, Marques D, Daher DV, Teixeira GHMC, Monteiro KA. A pesquisa como dispositivo para o exercício no PET-Saúde UFF/FMS Niterói. Rev Bras Educ Med. 2011;35(3):435-40..

Ressalta-se que, nesta perspectiva, é importante ser atribuído um significado a esta aproximação dos futuros profissionais de saúde com a população, não sendo relevante apenas a inserção no campo de prática de forma única e isolada. É preciso, além disso, a construção coletiva, a interiorização e a exteriorização, transformando os acontecimentos e conhecimentos adquiridos em experiência significativa.

2.2 Vivência de novas práticas de aprendizagem

A importância deste tema está na identificação, pela parte dos estudantes, de que a formação não está restrita ao cumprimento dos componentes curriculares da graduação. Neste contexto, o PET-Saúde contribui por disparar no Ser o pensamento crítico acerca do seu processo de formação, e da relevância da aprendizagem das reflexões e experiências1313. Honore B. Para una teoria de la formación. Madrid: Narcea S.A de ediciones; 1980. , 1414. Macedo RS. Compreender/mediar a formação: o fundante da educação. Brasília: Liber Livro; 2010. , 2020. Ferraz L. O PET-Saúde e sua interlocução com o PRÓ-Saúde a partir da pesquisa: o relato dessa experiência. Rev Bras Educ Med. 2012;36(1):166-71.

21. Tanaka EE, Ortiz DA, Penteado MM, Dezan CC, Codato LAB, Higasi MS et al. Projeto PET-Saúde: ferramenta de aprendizado na formação profissional em saúde. Rev Bras Educ Med. 2012;36(1):136-40.

22. Teixeira S, Lessa JKA, Xavier LPZ, Costa MFM, Rabelo NDB, Menzel HJ et al. O PET-Saúde no Centro de Saúde Cafezal: promovendo hábitos saudáveis de vida. Rev Bras Educ Med. 2012;36(1):183-6.
- 2323. Abrahão AL, Cordeiro BC, Marques D, Daher DV, Teixeira GHMC, Monteiro KA. A pesquisa como dispositivo para o exercício no PET-Saúde UFF/FMS Niterói. Rev Bras Educ Med. 2011;35(3):435-40..

Os espaços dialógicos e interdisciplinares presentes no PET-Saúde permitem que o estudante visualize o limite existente na sua formação profissional atual, predominantemente reduzida a proposições e práticas técnicas. Isto representa também o enriquecimento na formação do estudante pelos aportes educativos do programa, bem como pela reflexão que fazem sobre o seu processo formativo, constituindo um caminho de reconhecimento da formação.

2.3 Significação de integralidade

A integralidade é um conceito importante para a prática de saúde no SUS, sobretudo na atenção primária, pois permite a identificação dos sujeitos em sua totalidade, considerando todas as dimensões possíveis de intervenção. O atendimento integral extrapola a estrutura organizacional hierarquizada e regionalizada da assistência de saúde, abrangendo a qualidade da atenção individual e coletiva assegurada aos usuários, percebendo-os como sujeito histórico, social e político2424. Machado MFAS, Monteiro EMLM, Queiroz DT, Vieira NFC, Barroso MGT. Integralidade, formação de saúde, educação em saúde e as propostas do SUS - uma revisão conceitual. Rev ciênc saúde coletiva. 2007;12(2):335-42.. A participação no PET-Saúde permitiu aos estudantes a experiência com ações que visam a integralidade, permitindo a relação do conceito com as práticas, favorecendo a construção de uma significação nesta aprendizagem, já que não raramente o conceito é apontado como abstrato e de difícil compreensão.

As vivências nos serviços de saúde proporcionadas pelo PET-Saúde permitem que o estudante relacione a teoria aprendida com a dinâmica real do sistema e da comunidade, tornando as experiências mais significativas. Neste sentido, a significação da integralidade, ou seja, a sua elucidação e compreensão a partir das práticas, favorece a formação de um profissional implicado com a qualidade da atenção individual e coletiva aos usuários.

2.4 Trabalho em equipe e interdisciplinar

Constitui-se como uma das diretrizes do PET-Saúde o trabalho interdisciplinar e atuação multiprofissional. O trabalho interdisciplinar visa uma construção coletiva, onde indivíduos de diferentes categorias profissionais buscam promover ações, reflexões, estratégias com o mesmo objetivo, neste caso, prover saúde à comunidade22. Brasil. Ministério da Saúde. Ministério da Educação. Portaria interministerial nº 421. Institui o Programa de Educação pelo Trabalho para a saúde (PET-Saúde) e dá outras providências [portaria na internet]. Diário Oficial da União 27 de ago 2008 [acesso em 26 de jan 2014]; Seção 1,(27). Disponível em: http://www.brasilsus.com.br/legislacoes/inter-ministerial/103143-421.html
http://www.brasilsus.com.br/legislacoes/...
, 1717. Guimarães DA, Silva ES. Formação em ciências da saúde: diálogos em saúde coletiva e a educação para a cidadania. Rev ciênc saúde coletiva. 2010; 15(5):2551-62.. Sabe-se que na graduação não existem, ou são reduzidos, os espaços de troca com sujeitos de outros cursos. Não obstante, quando os profissionais são inseridos nos serviços de Atenção Básica, especialmente na Estratégia Saúde da Família, são requisitados a trabalharem de forma interdisciplinar, ainda que esta prática seja negligenciada, fazendo com que surjam barreiras, ansiedades e dificuldades em sua realização, muitas vezes por não ter sido uma realidade vivenciada pelos profissionais em sua formação1515. Teixeira CFS, Coelho MTAD, Rocha MND. Bacharelado interdisciplinar: uma proposta inovadora na educação superior em saúde no Brasil. Rev ciênc saúde coletiva. 2013;18(6):1635-46. , 1616. Haddad AE, Morita MC, Pierantoni CR, Brenelli SL, Passarella T, Campos FE. Formação de profissionais de saúde no Brasil: uma análise no período de 1991 a 2008. Rev saúde pública. 2010;44(3):383-93..

A proposta de criar espaços dialógicos, de elaboração e ação conjunta, faz com que o PET-Saúde seja o momento da formação destes estudantes aprenderem a trabalhar sob os conceitos da interdisciplinaridade. Também por isso, esse foi um dos temas que mais apareceram durante os grupos focais, surgindo inclusive a proposta de incluir esta diretriz do PET-Saúde no currículo do curso de Fonoaudiologia da instituição.

Acerca da terceira categoria, em relação aos principais limites apontados pelos estudantes, percebe-se que o enfrentamento das dificuldades ao longo do programa estimula o pensamento crítico, e que aprendem, desta forma, a trabalhar com as adversidades.

3.1 Precarização do sistema de saúde do município

Em relação aos problemas dos serviços, o Plano Municipal de Saúde de Salvador (2010 - 2013), é sistematizado por cinco principais componentes do sistema de serviços: infra-estrutura, organização, gestão, financiamento e modelo de atenção2525. Prefeitura Municipal de Salvador. Secretaria Municipal de Saúde. Plano Municipal de Saúde 2010 - 2013. Salvador. 2010.. Com base no Plano, pode-se observar que as problemáticas levantadas pelos estudantes estão relacionadas diretamente aos componentes de infra-estrutura (insuficiência quantitativa e qualitativa do quadro permanente de servidores e de gerentes), gestão (precarização dos vínculos de trabalho em saúde; precárias condições de trabalho e remuneração para os trabalhadores de saúde), modelo de atenção (privatização e terceirização dos serviços de saúde) e organização dos recursos (má distribuição de recursos humanos nas unidades de saúde).

Os projetos do PET - Saúde em Salvador aconteceram no período da realização de concurso público no setor saúde, visto que até então grande parte dos profissionais dos serviços não possuía vínculo empregatício estável com o município. Entretanto, a realização deste concurso criou uma instabilidade ainda maior aos trabalhadores, já que seus contratos poderiam ser, a qualquer momento, rompidos devido à contratação dos servidores públicos.

Esses relatos representam ainda a criticidade dos estudantes quanto ao seu ambiente de aprendizagem. Por meio do concreto, a precarização do sistema de saúde do município, os sujeitos refletiram e transformaram o conhecimento, consubstanciando a sua formação. Desta forma, a vivência da dinâmica real do serviço permite a interiorização desta aprendizagem pelo profissional que está sendo formado, transcendendo o que é visto na teoria1313. Honore B. Para una teoria de la formación. Madrid: Narcea S.A de ediciones; 1980. , 1414. Macedo RS. Compreender/mediar a formação: o fundante da educação. Brasília: Liber Livro; 2010..

3.2 Baixa participação dos preceptores

Os preceptores são os profissionais do serviço vinculados ao PET-Saúde, responsáveis pela orientação em serviço dos estudantes. Estes profissionais são escolhidos pelos tutores, professores responsáveis pelo acompanhamento pedagógico nos subprojetos do PET-Saúde, de acordo com a disponibilidade, indicação e perfil.

O preceptor tem o papel de favorecer a prática educativa, como espaço de mediação de práticas socialmente construídas2626. Ribeiro ECO. Exercício da preceptoria: espaço de desenvolvimento de práticas de educação permanente. Rev do Hosp Univ Pedro Hernesto UERJ. 2012;11(1):77-81.. Neste sentido, a contribuição do preceptor no PET-Saúde, no processo de ensino-aprendizagem, se expressa na orientação dos planejamentos e execuções dos trabalhos, na troca dialógica para uma construção coletiva e no compartilhamento de experiências.

O distanciamento do preceptor nas ações do PET-Saúde causa insegurança e desmotivação dos estudantes no ambiente de aprendizagem. Desta maneira, as práticas acabam sendo prejudicadas, restringindo os espaços de conhecimentos, informações e acontecimentos, para a apropriação de uma experiência significativa, dificultando a concretização do objetivo principal do programa de reorientar a formação dos profissionais de saúde.

3.3 Incompatibilidade dos horários

Assim como o resultado obtido neste estudo, outros autores também identificaram como um dos limites do PET-Saúde a incompatibilidade dos horários para a realização das práticas ou reuniões de tutoria55. Leite MTS, Rodrigues CAQ, Mendes DC, Veloso NS, Andrade JMO, Rios LR. O Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde na formação profissional. Rev Bras Educ Med. 2012;36(1):111-8. , 88. Oliveira ML, Mendonça MK, Filho HLA, Coelho TC, Benetti CN. PET - Saúde: (in)formar e fazer como processo de aprendizagem em serviços de saúde. Rev Bras Educ Med. 2012;36(1):105-11. , 99. Cyrino EG, Cyrino APP, Prearo AY, Popim RC, Simonetti JP, Villas Boas PJF. Ensino e pesquisa na Estratégia de Saúde da Família: o PET-Saúde da FMB/Unesp. Rev Bras Educ Med. 2012;36(1):92-101.. Este fator está diretamente relacionado aos diferentes horários dos cursos na instituição de origem, bem como ao engessamento curricular, já que a obrigatoriedade em cumprir os componentes semestrais de carga horária elevada fornece poucos espaços para o desenvolvimento de atividades não contempladas no currículo.

Esta problemática dificulta a organização dos grupos de prática de forma multidisciplinar, causando prejuízos no processo de trabalho e no alcance dos objetivos do PET-Saúde. No caso da tutoria, a ausência do estudante neste espaço fragiliza a reflexão da aprendizagem, e da relação entre teoria e prática, visto que a reunião tutorial representa o momento de consolidar os conhecimentos teóricos para a realização das ações e para refletir sobre as práticas. A regularidade desses encontros permite um melhor funcionamento das atividades do PET-Saúde, pois favorece um planejamento potencial dos trabalhos. A ausência de qualquer participante nesse espaço, principalmente quando isto ocorre frequentemente, desenvolve uma certa fragilidade do trabalho em grupo e, em consequência, das atividades do Programa.

Ainda que o PRÓ-Saúde objetive contribuir com a implantação das DCN com vistas à reordenação da formação, os problemas oriundos do engessamento curricular ainda são identificados nas graduações da saúde, como observado nos relatos dos estudantes. Apesar de alguns cursos de saúde, como é o caso da Fonoaudiologia na instituição de origem, estarem passando por processo de mudança curricular, a forma desarticulada e independente em que acontece acaba por permitir a permanência da formação fragmentada, criando dificuldades na participação dos estudantes em extensões e outros contextos interdisciplinares, como é o caso do próprio PET-Saúde. Sendo assim, torna-se necessário que o PET-Saúde amplie o debate no espaço das reformas curriculares, para que a construção dos currículos das graduações em saúde ocorra de forma integrada.

3.4 Relações conflituosas com os profissionais que não participavam/participam do PET-Saúde

Por fim, a dificuldade em trabalhar com profissionais não vinculados ao PET-Saúde configura-se como um dos limites do programa, como apontado pelos estudantes desta pesquisa. Estudos que discutem a integração ensino-serviço, exemplificados inclusive pelo próprio PET-Saúde, têm apresentado como problemática a dificuldade desta relação ser efetivada44. Rodrigues AAAO, Juliano IA, Melo MLC, Beck CLC, Prestes FC. Processo de interação ensino, serviço e comunidade: a experiência de um PET-Saúde. Rev Bras Educ Med. 2012;36(1):184-92. , 77. Caldas JB, Lopes ACS, Mendonça RD, Figueiredo A, Lonts JGA, Ferreira EF et al. A percepção de alunos quanto ao Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde - PET - Saúde. Rev Bras Educ Med. 2012;36(1):33-41. , 2727. Albuquerque VS, Gomes AP, Rezende CHA, Sampaio MX, Dias OV, Lugarinho RM. A integração ensino-serviço no contexto dos processos de mudança na formação superior dos profissionais da saúde. Rev Bras Educ Med. 2008;32(3):356-62.. É alarmante o distanciamento que a maioria das instituições de ensino mantem dos serviços de saúde, sem o diálogo esperado, limitando as ações na prática do cuidado, na gestão e organização do trabalho, e na escuta do usuário2727. Albuquerque VS, Gomes AP, Rezende CHA, Sampaio MX, Dias OV, Lugarinho RM. A integração ensino-serviço no contexto dos processos de mudança na formação superior dos profissionais da saúde. Rev Bras Educ Med. 2008;32(3):356-62..

Existem críticas dos trabalhadores quanto à inserção da universidade no serviço, devido à desconsideração aos profissionais que ali estão. Esta questão surge principalmente porque as atividades da universidade são planejadas previamente sem considerar devidamente a realidade dos serviços. Do outro lado, as queixas por conta das instituições de ensino tangem o modelo pautado na produtividade adotado pelos serviços2727. Albuquerque VS, Gomes AP, Rezende CHA, Sampaio MX, Dias OV, Lugarinho RM. A integração ensino-serviço no contexto dos processos de mudança na formação superior dos profissionais da saúde. Rev Bras Educ Med. 2008;32(3):356-62.. Desta forma, é de extrema importância, para que os objetivos do PET-Saúde sejam efetivados de forma concreta, construir estratégias de articulação eficaz entre o ensino e o serviço. Além disso, é preciso deixar clara a proposta do programa para os trabalhadores das unidades que irão receber os estudantes, bem como criar dispositivos que permitam dirimir os conflitos entre os próprios profissionais das unidades por conta da remuneração dos preceptores.

Conclusão

A partir deste estudo, pode-se perceber que as concepções de formação apresentadas pelos estudantes referem-se a uma construção contínua, na qual são mobilizadas experiências vivenciadas na universidade ou em outros ambientes ao longo da vida e que deve ter uma relação entre a teoria e a prática sempre mantida, não se tratando, portanto, apenas de acúmulo e reprodução dos conhecimentos técnicos. Com base neste entendimento, os sujeitos da pesquisa conseguiram identificar as principais potencialidades e limites do PET-Saúde para a formação, demonstrando, desta forma, que participam deste processo com criticidade, utilizando-se dos espaços proporcionados pelo programa para a consolidação da aprendizagem.

Acerca das potencialidades do PET-Saúde para a formação, destaca-se a importância de serem criados espaços dentro da universidade para o trabalho interdisciplinar e para vivência de novas práticas de aprendizagem. Contudo, cabe a ressalva de que o PET-Saúde não abrange todos os estudantes dos cursos da saúde, provocando a restrição das experiências. Portanto, é preciso priorizar um dos principais objetivos do PRÓ-Saúde, de contribuir com a implantação das DCN, a partir do PET-Saúde, fomentando a discussão sobre a reordenação da formação do profissional, com uma maior interlocução entre os currículos dos cursos, para dissolver a fragmentação existente no setor.

No que tange os limites do PET-Saúde, é visível a interferência da precarização do sistema municipal de saúde no processo de aprendizagem do estudante. Com condições de trabalho inadequadas e com a sobrecarga, os profissionais dos serviços acabam se desmotivando para realizar as ações propostas pelo PET-Saúde, além de enfraquecer o envolvimento do preceptor nas atividades do programa. O estudante inserido nesta realidade por muitas vezes é impossibilitado de desenvolver-se e de transformar sua experiência em significativa, causando descontentamento com o serviço e com o programa. Sendo assim, neste cenário, percebe-se que, por mais que o embasamento pedagógico do PET-Saúde esteja respaldado, limitar as suas práticas somente à inserção do estudante no serviço não garante a reorientação da formação, reforçando a necessidade de consolidar as reformas curriculares e de fortalecer a articulação entre ensino-serviço.

  • 1
    Dominicé P. A epistemologia da formação ou como pensar a formação. In: Macedo RS, Pimentel A, Reis LR, Azevedo OB, organizadores. Currículo e processos formativos: experiências, saberes e culturas. Salvador: EDUFBA; 2012. P. 19-38.
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    » http://www.brasilsus.com.br/legislacoes/inter-ministerial/103143-421.html
  • 3
    Cangussu C. Re: PET-Saúde e TCC [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por mau.fono@hotmail.com em 20 dez 2012.
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    Leite MTS, Rodrigues CAQ, Mendes DC, Veloso NS, Andrade JMO, Rios LR. O Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde na formação profissional. Rev Bras Educ Med. 2012;36(1):111-8.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    23 Abr 2014
  • Aceito
    12 Set 2014
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