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Intervenção fonoaudiológica em uma adolescente com transtorno do espectro autista: relato de caso

RESUMO

O Transtorno do Espectro do Autismo é um transtorno do desenvolvimento neurológico que afeta as habilidades sociocomunicativas e comportamentais, sendo que no aspecto da linguagem observa-se maior comprometimento no nível pragmático e nos aspectos não verbais. O objetivo do trabalho foi caracterizar a percepção dos pais sobre a gravidade do Transtorno do Espectro do Autismo, em uma adolescente, pré e pós-terapia fonoaudiológica e descrever o processo de intervenção fonoaudiológica utilizando como modelo de intervenção o Sistema de Troca de Figuras aliada aos princípios da análise comportamental aplicada à linguagem. Foi aplicado o questionário Autism Treatment Evaluation Checklist com os pais. Em seguida, foi desenvolvido um programa terapêutico de 14 sessões de 50 minutos, sendo uma por semana, e então o questionário foi reaplicado. No decorrer do processo terapêutico pôde-se perceber aumento do número de trocas de figuras de maneira independente, ampliação do número de vocalizações com intenção comunicativa ou a fala funcional, maior tempo de contato visual e sorriso social, redução de comportamentos inadequados com uma melhora significativa na pontuação do questionário Autism Treatment Evaluation Checklist.

Descritores:
Transtorno Autístico; Comunicação; Linguagem; Fonoaudiologia; Reabilitação dos Transtornos da Fala e da Linguagem

ABSTRACT

Autism Spectrum Disorder is a neurodevelopmental disorder that affects socio-communicative and behavioral abilities. In the language aspect, there is a greater impairment at the pragmatic level and in non-verbal aspects. The objective of this study was to characterize the severity of Autism Spectrum Disorder in an adolescent, pre-and post-speech-language therapy, and describe the process of speech-language intervention using Picture Exchange Communication System allied to the principles of behavioral analysis applied to language. The Autism Treatment Evaluation Checklist with the parents was applied. Then, a therapeutic program of 14 sessions of 50 minutes was developed, one per week, and then the questionnaire was reapplied. In the course of the therapeutic process, it was possible to observe an increase in the number of figure exchanges independently, an increase in the number of vocalizations with communicative intention or functional speech, longer time of visual contact and social smile, reduction of inappropriate behaviors with a significant improvement in the Autism Treatment Evaluation Checklist score.

Keywords:
Autistic Disorder; Communication; Language; Speech, Language and Hearing Sciences; Rehabilitation of Speech and Language Disorders

Introdução

O Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) é um transtorno do desenvolvimento neurológico, caracterizado por um conjunto de condições comportamentais com prejuízos em dois principais domínios: sociocomunicativo e comportamental (comportamentos fixos ou repetitivos) sendo que o aparecimento dos sintomas se dá desde o nascimento ou no começo da primeira infância11. Teixeira G. Manual do autismo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Best Seller; 2016..

Esta definição baseia-se na nova classificação descrita no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5)22. American Psychiatric Association. Diagnostic and statistical manual of mental disorders. 5ª ed. Washington, DC: American Psychiatric Association; 2017., que uniformiza o diagnóstico e visa aumentar a especificidade do diagnóstico de TEA. O quadro clínico pode apresentar níveis de gravidade muito distintos fazendo com que indivíduos com o mesmo diagnóstico possam apresentar manifestações clínicas muito diferentes, por isso o termo “espectro.” Nesta nova classificação estão incluídos no TEA o autismo clássico, o transtorno de Asperger, o transtorno desintegrativo da infância e o transtorno invasivo do desenvolvimento sem outra especificação.

As alterações de linguagem, embora não seja critério exclusivo de diagnóstico de autismo, tem um papel central na caracterização do TEA, pois geralmente ocorrem atrasos e desvios no desenvolvimento da mesma observando-se maior comprometimento no nível pragmático e nos aspectos não verbais. É possível notar ainda nos primeiros meses de vida a ausência de contato ocular, número reduzido de gestos e expressões faciais, de balbucio e de resposta aos sons33. Landa R. Early communication development and intervention for children with autism. Ment Retard Dev Disabil Res Rev. 2007;13(1):16-25..

Além disso, os precursores da língua falada como a habilidade de imitar comportamentos, brincar com objetos e a atenção compartilhada (atenção triádica), estão prejudicados na criança com autismo. Observa-se também ecolalia (imediata ou tardia), uso inadequado de pronomes, estrutura gramatical imatura e rigidez de significados44. Walter CCF, Nunes DRP. Estimulação da linguagem em crianças com autismo. In: Lamônica DAC (org). Estimulação da linguagem: aspectos teóricos e práticos. São José dos Campos: Pulso; 2008. p.133-62..

Durante a adolescência indivíduos com TEA podem vivenciar experiências sociais limitadas, mantendo relações apenas com pessoas mais próximas, como os familiares. Para alterar tal modo de funcionamento individual e social, o trabalho terapêutico fonoaudiológico é fundamental, visto que o funcionamento sociocognitivo de adolescentes autistas está estreitamente associado ao perfil comunicativo e, portanto, quanto mais efetiva a comunicação, mais os sujeitos podem colocar-se socialmente e desenvolver-se55. Bagarollo M, Panhoca A. A constituição da subjetividade de adolescentes autistas: um olhar para as histórias de vida. Rev. Bras. Ed. Esp. 2010;12(2):231-50..

Além disso, os tratamentos de primeira linha para crianças e adolescentes com autismo devem incluir tratamentos psicossociais e intervenções educacionais, com o objetivo de maximizar a aquisição da linguagem, melhorar as habilidades sociais e comunicativas e acabar com os comportamentos mal adaptativos. Atualmente, entretanto, não existem tratamentos medicamentosos aprovados pelo FDA (Food and Drug Administration) para o autismo. Apesar do limitado suporte empírico, o tratamento psicofarmacológico parece ser comum na prática clínica e têm como alvo sintomas específicos que acompanham os sintomas nucleares e que, incapacitam gravemente o funcionamento do indivíduo, comumente não permitindo que ocorram as intervenções educacionais e comportamentais (agressão, comportamento autodestrutivo, rituais compulsivos, baixa tolerância à frustração com acessos explosivos, hiperatividade, etc.)66. Nikolov R, Jonker J, Scahill L. Autismo: tratamentos psicofarmacológicos e áreas de interesse para desenvolvimentos futuros. Rev Bras Psiquiatr. 2006;28(I):S39-46..

Tratamentos com base nos princípios de análise do comportamento aplicada, como o ABA (Applied Behavior Analysis), associada a um sistema de comunicação por trocas de figuras PECS (Picture Exchange Communication System), tem se mostrado eficientes, possibilitando melhoras significativas na comunicação e consequentemente melhor qualidade de vida para esses pacientes77. Eldevik S, Hastings RP, Jahr E, Hughes JC. Outcomes of behavioral intervention for children with autism in mainstream pre-school settings. J Autism Dev Disord. 2012;42(2):210-20.,88. Grindle CF, Hastings RP, Saville M, Hughes JC, Huxley K, Kovshoff H et al. Outcomes of a behavioral education model for children with autism in a mainstream school setting. Behav Modif. 2012;36(3):298-319..

Entretanto estudos recentes questionam as afirmações de que o ABA é o único modelo com resultados cientificamente comprovados e admitem a necessidade de mais pesquisas a respeito dos resultados de processos de intervenção, com casuística relevante e critérios claros de inclusão e de avaliação dos resultados, para que qualquer proposta de intervenção possa ser considerada mais eficiente ou produtiva do que outras99. Klintwall L, Gillberg C, Bölte S, Fernell E. The efficacy of intensive behavioral intervention for children with autism: a matter of allegiance? J Autism Dev Disord. 2012;42(2):139-40.,1010. Fernandes FDM, Amato CALH. Applied behavior analysis and autism spectrum disorders: literature review. CoDAS. 2013;25(3):289-96..

Neste sentido, este relato de caso teve como objetivo caracterizar a percepção dos pais sobre a gravidade do Transtorno do Espectro do Autismo, em uma adolescente, pré e pós-terapia fonoaudiológica e descrever o processo de intervenção fonoaudiológica utilizando como modelo de intervenção a comunicação por troca de figuras PECS aliada aos princípios da análise comportamental ABA aplicada à linguagem.

Apresentação do Caso

Cumpriram-se os princípios éticos, a pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Sergipe (no. 2.321.274) e a mãe, responsável legal do caso aqui apresentado, assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Este estudo baseia-se no relato de caso da terapia fonoaudiológica a uma adolescente de 13 anos, sexo feminino, com diagnóstico realizado por um neuropediatra de Transtorno do Espectro Autista (TEA) grave.

A gravidez foi sem intercorrências, nasceu pré-termo, não precisando de oxigênio e foi amamentada até os dois anos de idade. Segundo relato dos pais, até um ano e dois meses a criança apresentou desenvolvimento normal, por exemplo, falava /valo/ para cavalo e interagia bem, porém a partir dessa idade ela regrediu significativamente com relação a fala, comportamento e interação, não apresentando mais interesse em compartilhar atividades e situações com seus interlocutores. O diagnóstico de TEA foi realizado quando a mesma tinha três anos e desde então realizou atendimentos semanais com fonoaudióloga, terapeuta ocupacional e equoterapia, entretanto a mãe relata ter observado poucos ganhos durante todo esse período. Atualmente faz uso do medicamento neuroléptico Risperidona para sua hiperatividade; frequenta escola regular, está no 9º ano do ensino fundamental, apenas como forma de socialização; não realiza com independência nenhuma das atividades de vida diária dependendo sempre de um cuidador e, se comunica apenas com gestos indicativos do que deseja.

Iniciou atendimento no Ambulatório de Linguagem de uma Clínica Escola de Fonoaudiologia em uma Universidade Federal no dia 16 de setembro de 2016 sendo a queixa principal dos pais a dificuldade de comunicação devido ao pouco progresso apresentado até o momento com as intervenções anteriores.

Resultados

Inicialmente, para avaliar o nível de gravidade do autismo e medir os efeitos do tratamento, a mãe preencheu o questionário Autism Treatment Evaluation Checklist (ATEC)1111. Rimland B, Edelson M. Autism treatment evaluation checklist (ATEC). Sandiego: CA: Autism Research Institute; 1999., escala desenvolvida especificamente para avaliar a efetividade de tratamentos para autismo e que abrange quatro áreas do desenvolvimento e comportamento quais sendo: I. Linguagem, (14 itens) II. Sociabilidade (20 itens), III. Consciência congnitiva/sensorial (18 itens) e IV. Comportamento (25 itens), sendo que quanto maior a pontuação mais grave é o quadro apresentado. A pontuação obtida pela paciente foi de I=26, II=29, III=29 e IV=27, total= 111, indicando de 90 à 100% de severidade.

Para o estabelecimento de vínculo e avaliação por meio de observação comportamental, utilizou-se como recursos brinquedos interativos, blocos de encaixe, livros de pop-up e, exploração do ambiente terapêutico. A paciente apresentou estereotipias verbais, em especial a ecolalia, e não verbais, como, por exemplo, o flapping (movimentos repetitivos de mão); um repertório de atividades bastante restrito, demonstrando interesse exacerbado por música e celular. Foi observado que a paciente anda na ponta dos pés frequentemente, mantém pouco contato visual, apresenta inquietude, hipersensibilidade auditiva (tapando sempre os ouvidos) e tátil.

Com relação ao aspecto pragmático da linguagem apresentou comunicação intencional com funções primárias por meio de gestos não simbólicos elementares e algumas palavras isoladas (fala tchau /ىau/ e beijo /bezu/ quando solicitado, associado ao gesto, além de chamar o nome do irmão e da babá) com restrita participação em atividade dialógica. Compreende ordens com até duas ações quando ligadas ao contexto imediato. Devido ao grave déficit no aspecto pragmático, os demais aspectos da linguagem como fonologia, morfossintaxe e semântica não são possíveis de serem avaliados. Foi realizada uma tentativa de avaliação audiológica, no entanto a paciente não permitiu a realização dos exames.

Em seguida, foi desenvolvido um programa terapêutico de 14 sessões de 50 minutos cada, sendo uma por semana, tendo como meta terapêutica principal ampliar as habilidades comunicativas, visando melhoria na inserção social e familiar da adolescente. Os objetivos específicos foram promover o ensino da PECS; criar um ambiente de treinamento estruturado; incentivar a interação; promover autonomia nas atividades de vida diária (AVDs).

Para identificação dos vocábulos a serem utilizados no período inicial de intervenção terapêutica fonoaudiológica com PECS utilizou-se a Planilha de Seleção de Vocabulário1212. Bondy A, Frost L. Manual de treinamento do sistema de comunicação por troca de figuras. Newark: Pyramid; 2009. proposta pelo próprio manual do sistema. Nesta planilha, os familiares listaram de 5 a 10 itens mais utilizados em cada uma nas categorias: comidas, bebidas, atividades, brincadeiras sociais, lugares frequentados, atividades de lazer, pessoas familiares e atividades não prazerosas.

Após a seleção dos reforçadores da adolescente, as figuras foram impressas, plastificadas e fixados velcros na parte posterior para que pudessem ser colocadas e destacadas facilmente na pasta de comunicação. Posteriormente observou-se que a paciente se incomodava com barulho do velcro, diante disso optou-se por utilizar folha de imã (manta magnética), sendo esta bem aceita pela paciente. A pasta contendo folhas coloridas plastificadas para classificação dos tipos de reforçadores (alimentos, objetos, brinquedos, verbos como, por exemplo, eu quero) possibilitaram a fixação e o destacamento das figuras de comunicação com facilidade.

Antes de iniciar o ensino das fases da PECS, foi realizada uma linha de base nas sessões iniciais, cujo objetivo foi verificar se a paciente tinha ou não a habilidade de requisitar um item utilizando troca de figuras. Durante essa fase foram utilizadas estratégias que facilitassem a familiaridade da paciente com a PECS como fichas com representação pictóricas sobre se despir e vestir; bonecos para vestir (autocolante na prancha) e brinquedos interativos.

Durante todas as fases, foi utilizada a hierarquia de dicas baseada na ABA, para facilitar a aprendizagem. As dicas são retiradas gradualmente, ou seja, deve-se começar com uma dica mais intrusiva (ajuda física - pegar na mão da paciente e descolar e entregar ou apontar a foto junto com ela) e deve-se passar gradualmente para dicas mais leves (ajuda gestual - só direcionar a mão da paciente para a foto ou apenas apontar a foto que a paciente deve pegar).

Na fase I, o comportamento ensinado “trocar a figura” foi composto por um encadeamento de três respostas: 1- pegar a figura, 2- estender o braço em direção ao terapeuta e 3 - colocar a figura na mão do terapeuta. Cada resposta foi ensinada separadamente, de acordo com a habilidade da paciente. O estímulo reforçador desta fase foi o celular, visto que dentre as possibilidades este foi o que apresentou maior valor reforçador para paciente (Figura 1).

Na fase II o objetivo foi trabalhar a espontaneidade para a adolescente interagir com o terapeuta na troca. Três etapas foram necessárias para o ensino desta fase, como é possível verificar na Figura 1 1313. Jesus JC, Oliveira TP, Rezende JV. Generalização de mandos aprendidos pelo PECS (Picture Exchange Communication System) em crianças com transtorno do espectro autista. Temas em Psicologia. 2017;25(2):531-43.. Aumenta-se, aos poucos, a distância entre o terapeuta e a adolescente e posteriormente aumenta-se a distância entre a adolescente e o fichário. A fase termina quando a paciente realiza 80% das tentativas de maneira independente.

Na fase III o objetivo era escolher a figura de um item tendo disponibilizado, ao mesmo tempo, dois ou mais estímulos (discriminação). Os estímulos disponíveis para escolha iam sendo modificados: primeiramente estavam disponíveis um estímulo reforçador e um estímulo neutro, depois dois estímulos reforçadores e por último a resposta de escolha deveria ocorrer entre vários estímulos neutros e reforçadores. As figuras dispostas tiveram, portanto, sua quantidade aumentada e seu tamanho diminuído ao longo da fase III.

Figura 1:
Descrição das fases da Picture Exchange Communication System (PECs) e resultados obtidos

Além disso, para incentivar a autonomia nas atividades de vida diária, foi utilizada uma imagem mostrando uma sequência de figuras do passo a passo sobre como escovar os dentes por ser essa a atividade que a família considerava prioridade. O procedimento foi explicado e realizado na sala de terapia e, posteriormente, essa figura foi entregue aos familiares com a orientação de que a figura fosse posicionada no banheiro, em um local de fácil visualização, para que o treino também fosse realizado em casa.

Ao final de cada sessão a família era orientada quanto ao que foi trabalhado e em como dar continuidade ao aprendizado desenvolvido no ambiente familiar. Além de passar informações precisas sobre o desenvolvimento da adolescente e acolher possíveis dúvidas.

No decorrer do processo terapêutico pôde-se perceber aumento do número de trocas de figuras de maneira independente, ampliação do número de vocalizações com intenção comunicativa ou a fala funcional, maior tempo de contato visual e sorriso social, redução de comportamentos inadequados com uma melhora significativa na pontuação do questionário ATEC, pois após 14 sessões de intervenção a mãe respondeu novamente o questionário e os resultados foram os seguintes: I=19, II=13, III=15 e IV=20, total= 67, indicando redução do nível de gravidade para 50 a 59%.

Discussão

O principal objetivo no início da terapia com um paciente com autismo é estabelecer o setting terapêutico, entrar em contato com a sua singularidade, estabelecendo vínculo e relação terapêutica, e aos poucos trabalhar as barreiras impostas pelo espectro. É indispensável considerar as iniciativas primitivas de interação e comunicação e vagos indícios de novidade num mundo estereotipado e rígido1414. Marques CFFC, Arruda SLS. Autismo infantil e vínculo terapêutico. Estud. Psicol. 2007;24(1):115-24..

Durante as primeiras sessões, a paciente apresentou comportamento agitado e com muitos movimentos estereotipados, frequentemente chorava durante o atendimento, apresentando assim pouca intenção comunicativa. Diante disso, buscou-se identificar os fatores que estavam interferindo, por meio de mudanças no ambiente, como desligar o ventilador, reduzir a intensidade da voz do terapeuta, tornar o ambiente mais atrativo e colorido e, não restringir a paciente a ficar sentada incentivando-a explorar a sala de terapia.

Estudo recente1515. Hsieh MY, Lynch G, Madison C. Intervention techniques used with autism spectrum disorder by speech-language pathologists in the United States and Taiwan: a descriptive analysis of practice in clinical settings. Am J Speech Lang Pathol. 2018;27(3):1091-104. realizado pela American Speech Language Hearing Association com objetivo de determinar qual a intervenção utilizada por fonoaudiológos em crianças com TEA, assim como as técnicas de intervenção usadas com diferentes faixas etárias e o treinamento recebido antes de usar as técnicas de intervenção demonstrou que o Sistema de Trocas de Figuras, juntamente com Treinamento de Habilidades Sociais, Comunicação Aumentativa e Alternativa, e Histórias Sociais são as técnicas mais utilizadas. Sendo relatado também a importância do uso de práticas baseadas em evidências estabelecidas ou emergentes.

O PECS é composto por seis fases, mas este trabalho descreve a aplicação das três primeiras fases, que são: 1) troca física, 2) aumento da esponta neidade e 3) discriminação de figuras. O PECS tem como objetivo facilitar a aquisição de habilidades funcionais de comunicação, baseando-se nos princípios do comportamento verbal de Skinner, onde operantes verbais (unidades funcionais da linguagem) são ensinados sistematicamente, utilizam-se estratégias para ensinar a paciente a “requisitar” e “comentar”. Os principais operantes ensinados são: tato (nomear), mando (pedir), intraverbal (responder perguntas)1616. Oliveira TP, Jesus JC. Análise de sistema de comunicação alternativa no ensino de requisitar por autistas. Psicol Educ. 2016;42:23-33.. Ou seja, o indivíduo não precisa ter linguagem oral para utilizar os princípios de ensino do comportamento verbal. Pode-se dizer que o mando é o operante verbal que beneficia diretamente o falante, porque a pessoa faz o pedido e é reforçada pela obtenção de algo em troca, por isso é um operante naturalmente reforçador. Sendo então a primeira forma de linguagem a ser adquirida1717. Rosales R, Rehfeldt RA. Contriving transitive conditioned establishing operations to establish derived manding skills in adults with severe developmental disabilities. J Appl Behav Anal. 2007;40(1):105-21..

O indivíduo está apto a passar da fase I para a fase II quando é capaz de pegar o cartão sozinho, sem pistas, e entregar na mão do interlocutor. Para passar para a fase III ele deve ser capaz de encontrar a figura e seu parceiro de comunicação, espontaneamente, em qualquer situação comunicativa. A fase III é finalizada quando o individuo é capaz de escolher o cartão referente ao item que corresponde aos seus desejos no momento, discriminando entre outros cartões, e entregar ao parceiro de comunicação1212. Bondy A, Frost L. Manual de treinamento do sistema de comunicação por troca de figuras. Newark: Pyramid; 2009..

Entretanto, é importante destacar que para a efetividade e garantia da implementação eficiente do sistema de PECS, como descrito na literatura1818. Ferreira C, Bevilacqua M, Ishihara M, Fiori A, Armonia A, Perissinoto J et al. Selection of words for implementation of the Picture Exchange Communication System - PECS in non-verbal autistic children. CoDAS. 2017;29(1):e20150285., é primordial o planejamento correto das ações pelo fonoaudiólogo assim como a seleção adequada dos vocábulos preferenciais de cada indivíduo, visto que esses vocábulos serão os responsáveis em incentivar o comportamento comunicativo interpessoal.

Após 10 sessões de ensino da PECS, aliada aos princípios da análise comportamental ABA, a paciente adquiriu os critérios de aprendizagem propostos na fase I, II e III, estando assim na metade do ensino, demonstrando bom progresso, principalmente na aquisição do operante mando. A literatura1919. Ziomek MM, Refeldt RA. Investigating the acquisition, generalization, and emergence of untrained verbal operants for mands acquired using the Picture Exchange Communication System in adults with severe developmental disabilities. Anal Verbal Behav. 2008;24(1):15-30. relata que um dos motivos para o sucesso do ensino do operante verbal “mando” no PECS é que os passos do protocolo criam situações que propiciam relações funcionais entre a resposta do paciente e seu ambiente por meio de contextos motivadores (operações estabelecedoras) o que incentiva os pacientes a aprender e requisitar.

Outro resultado importante, diz respeito aos ganhos em atenção compartilhada, contato visual, iniciações sociais e solicitações, além de redução em problemas de comportamento. Estudo2020. Ganz JB, Davis JL, Lund EM, Goodwyn FD, Simpson RL. Metaanalysis of PECS with individuals with ASD: investigation of targeted versus nontargeted outcomes, participant characteristics, and implementation phase. Research in Developmental Disabilities. 2012;33(2):406-18. demonstrara que o PECS além de promover a aquisição dos operantes verbais, também tem possibilitado a emergência de outros comportamentos que não seriam alvos do ensino, como sorriso social e contato visual, ainda que não diretamente ligados à comunicação funcional.

Durante todo o processo de terapia a música foi utilizada como estratégia devido ao grande interesse da paciente. Notou-se que ao utilizar a música durante a sessão, a paciente conseguia se comunicar pelo meio verbal, completando determinados trechos com uma palavra, além de estabelecer contato visual com a terapeuta por aproximadamente 12 segundos. Estes resultados condizem com a literatura2121. Sampaio RT, Loureiro CMV, Gomes CMAA. Musicoterapia e o transtorno do espectro do autismo: uma abordagem informada pelas neurociências para a prática clínica. Per musi. 2015; (32):137-70., que afirma que por meio da música é possível ultrapassar determinadas barreiras presente no TEA, para alcançar e desenvolver a atenção compartilhada, favorecendo, deste modo, um desenvolvimento mais efetivo de processos de comunicação e de interação social.

A participação da família foi considerada, durante todo o processo terapêutico, sendo de grande contribuição para seu sucesso, assegurando a generalização e manutenção de todas as habilidades aprendidas pela adolescente no ambiente familiar. Diversos autores têm salientado a importância da assistência voltada tanto para criança como também para as famílias, possibilitando aos pais uma participação ativa no processo terapêutico, já que engajamento da família ao tratamento garante que os objetivos terapêuticos sejam ampliados em contexto domiciliar, proporcionando maior sincronicidade e contingência comunicativa e social, entre a criança e seus interlocutores2222. Tamanaha AC, Chiari BM, Perissinoto J. The efficacy of the speech and language therapy in autism spectrum disorders. Rev. CEFAC. 2015;17(2):552-8.

23. Spence J, Thurm A. Testing autism interventions: trials and tribulations. Lancet. 2010;375(9732):2124-5.
-2424. Warren Z, McPheeters ML, Sathe N, Foss-Feig JH, Glasser A, Veenstra-Vanderwelle J. A systematic review of early intensive intervention for autism spectrum disorders. Pediatrics. 2011;127(5):1303-11..

Todos os ganhos descritos puderam ser constatados no resultado da escala ATEC respondido pela mãe. Estudo anterior2525. Geier DA, Kern JK, Geier MR. A comparison of the Autism Treatment Evaluation Checklist (ATEC) and the Childhood Autism Rating Scale (CARS) for the quantitative evaluation of autism. J Ment Health Res Intellect Disabil. 2013;6(4):255-67. revelou ser o ATEC um instrumento valido, eficaz e de rápido preenchimento, uma vez que encontrou uma correlação significativa entre os escores total e os escores por domínios da escala ATEC, respondida pelos pais, e o Childhood Autism Rating Scale (CARS), medida estabelecida por avaliação de um profissional. Além disso, observou que a integração dos testes ATEC na prática de cuidados de saúde traz informações importantes quanto aos sintomas físicos e a saúde geral dos pacientes, informações essas negligenciadas na maioria das avaliações.

Considerações Finais

Pode-se concluir que até o presente momento o PECS associado aos princípios da ABA, juntamente com a utilização da música, foram eficazes no ensino da comunicação funcional para esta adolescente, visto o aumento do número de trocas de figuras de maneira independente, a ampliação do número de vocalizações com intenção comunicativa, um maior tempo de contato visual e sorriso social e até mesmo diminuição de comportamentos inadequados. Destaca-se ainda a importância de se utilizar escalas e testes padronizados que possam avaliar o progresso terapêutico e estimular a participação efetiva da família diante dos resultados obtidos. Cabe ao fonoaudiólogo realizar as orientações, mantendo-os cientes sobre o processo terapêutico e incentivando que o trabalho seja continuo em todos os ambientes frequentados pela adolescente. Além disso, é fundamental o estabelecimento do setting terapêutico, construindo assim o vínculo com terapeuta e possibilitando que o paciente possa fazer-se ouvir por meio de um tratamento acolhedor e efetivo.

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    Trabalho desenvolvido no Departamento de Fonoaudiologia da Universidade Federal de Sergipe, Campus Professor Antônio Garcia Filho.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2018

Histórico

  • Recebido
    06 Jun 2018
  • Aceito
    24 Set 2018
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