Acessibilidade / Reportar erro

Desfechos do treinamento muscular respiratório sobre a biomecânica da deglutição e medidas de função respiratória em sujeitos normais

RESUMO

Objetivo:

verificar os desfechos do treinamento muscular respiratório (TMR) com espirômetro de incentivo orientado a fluxo sobre as medidas de função respiratória e sua relação com a biomecânica da deglutição.

Métodos:

29 sujeitos realizaram o treinamento por sete dias consecutivos (três séries de dez repetições para inspiração e expiração). A biomecânica da deglutição foi avaliada por videofluoroscopia, utilizando como variável temporal o tempo de transito faríngeo e como visuoperceptuais o número de deglutições, resíduos em seios piriformes e valéculas, penetração/aspiração. As medidas de função respiratória foram avaliadas por meio das pressões respiratórias máximas e espirometria.

Resultados:

o TMR influenciou o tempo de trânsito faríngeo (p=0,002) e a pressão inspiratória máxima correlacionou-se com o número de deglutições pós TMR (ρ=0,62, p=0,01). Houve aumento significante nas pressões respiratórias máximas pós TMR (p<0,0001).

Conclusão:

o TMR aumentou as pressões respiratórias máximas e influenciou na redução do tempo de trânsito faríngeo. Ainda, houve relação entre a pressão inspiratória máxima com o número de deglutições pós-treinamento.

Descritores:
Deglutição; Exercício Respiratório; Métodos

ABSTRACT

Purpose:

to verify the outcomes of respiratory muscle training (RMT) with flow-oriented incentive spirometer on respiratory function measurements and their relationship with the swallowing biomechanics variables.

Methods:

29 subjects underwent training for seven consecutive days (three sets of ten repetitions for inspiration and expiration). The swallowing biomechanics was assessed by video fluoroscopy, using as temporal variable the pharyngeal transit time and as visuoperceptual variables the number of swallows, residues in pyriform sinuses and valleculae, and penetration/aspiration. Respiratory function measurements were assessed by maximal respiratory pressures and spirometry.

Results:

RMT influenced pharyngeal transit time (p=0.002) and maximal inspiratory pressure correlated with the number of swallows after RMT (ρ=0.62, p=0.01). There was a significant increase in the maximum respiratory pressures post RMT (p<0.0001).

Conclusion:

RMT increased maximal respiratory pressures and influenced the reduction of pharyngeal transit time. Besides that, there was a relation between the maximum inspiratory pressure and the number of post-training swallows.

Keywords:
Swallowing; Respiratory Exercises; Methods

Introdução

A deglutição é dividida didaticamente em três fases: oral, faríngea e esofágica. A fase oral pode ser controlada de forma voluntária, ao passo que as fases faríngeas e esofágicas acontecem de forma involuntária. A fase faríngea, com suas ações sequenciadas e coordenadas, determina o fluxo do material deglutido em direção ao esôfago, fazendo com que este passe posteriormente à abertura laríngea, sem que haja penetração do conteúdo engolido na direção da árvore traqueobrônquica11. Costa M. Deglutição & Disfagia: bases morfofuncionais e videofluoroscópicas. Rio de Janeiro: Med Book; 2013.

2. Chaves RD, Carvalho CRF, Cukier A, Stelmach R, Andrade CRF. Sintomas indicativos de disfagia em portadores de DPOC. J Bras Pneumol. 2011;37(2):176-83.
-33. Dozier TS, Brodsky MB, Michel Y, Walters BC, Martin-Harris B. Coordination of swallowing and respiration in normal sequential cup swallows. Laryngoscope. 2006;116(8):1489-93..

Para Li et al.44. Li Q, Minagi Y, Hori K, Kondoh J, Fujiwara S, Tamine K et al. Coordination in oro-pharyngeal biomechanics during human swallowing. Physiology & Behavior. 2015;147:300-5. o ato de engolir necessita de uma série de ações voluntárias e involuntárias, altamente coordenadas entre si, afim de que a o transporte do bolo alimentar ao longo da faringe aconteça de forma segura. Por isso, afirma que deve haver uma profunda interação biomecânica entre o momento em que o bolo alimentar é propulsionado da cavidade oral, por meio da pressão gerada pelo contato da língua com o palato, na direção da faringe, onde neste momento as estruturas contráteis são as responsáveis pelo deslocamento vertical superior e anterior do osso hióide e da laringe, a fim de proteger a abertura laríngea que dá passagem para a traquéia. Steele et al.55. Steele CM, Miller AJ. Sensory input pathways and mechanisms in swallowing: a review. Dysphagia. 2010;25(4):323-33. denominaram a integração funcional e anatômica destas estruturas da fase faríngea como complexo hiolaríngeo.

Steele et al.66. Steele CM, Cichero JAY. Physiological factors related to aspiration risk: a systematic review. Dysphagia. 2014;29(3):295-304. publicou uma revisão de literatura concentrada em elucidar e compilar materiais científicos sobre fatores fisiopatológicos associados a disfunções da deglutição. Dentre os fatores apontados destacaram-se as alterações de força e capacidades pulmonares, incoordenação entre as etapas de respiração/apnéia protetiva/deglutição/respiração, redução da força de propulsão do bolo alimentar, aumento do tempo de permanência do bolo na fase faríngea da deglutição, alterações na mobilidade do osso hióide e fraqueza dos músculos supra-hióideos, tendo estes um papel fundamental na geração do movimento do osso hióide nos sentidos superior e anterior.

O treinamento muscular respiratório (TMR) visa melhorar o desempenho respiratório por meio da carga imposta ao sistema respiratório além do seu nível habitual de funcionamento, criando assim um efeito de treinamento. Muitas pesquisas sobre TMR foram realizados em indivíduos saudáveis, atletas e em populações clínicas com problemas respiratórios primários, sempre demonstrando ganhos absolutos nas variáveis de força e capacidade pulmonar nos grupos treinados77. Kulnik ST, Rafferty GF, Birring SS, Moxham J, Kalra L. A pilot study of respiratory muscle training improve cough effectiveness and reduce the incidence of pneumonia in acute stroke: study protocol for a randomized controlled trial. Trials. 2014;15:123..

O uso de incentivadores respiratórios visa estimular a realização de uma inspiração profunda, com objetivo voltado à expansão máxima dos pulmões e ao exercício da respiração profunda. O Respiron® vem a ser um incentivador (IR) de carga alinear pressórica88. Sarmento G. Recursos em fisioterapia cardiorrespiratória. São Paulo: Manole; 2012., utilizado de forma a gerar um TMR por meio da formação de um limiar de pressão e responsável por aumentara resistência à fadiga muscular e melhorar a função respiratória99. Paiva DN, Asmann LB, Bordin DF, Gass R, Jost RT, Bernardo-Filho M et al. Inspiratory muscle training with threshold or incentive spirometry: wich is the most effective? Rev Port Pneumol. 2015;21(2):76-81..

Troche et al.1010. Troche MS, Okaun MS, Rosenbek JC, Musson N, Fernandez HH, Rodriquez R et al. Aspiration and swallowing in Parkinson disease and rehabilitation with EMST. Neurology. 2010;75(21):1912-9. demonstraram a importância do TMR, por meio do uso de IR para reabilitação da disfagia em sujeitos parkisonianos. Houve melhora na função da deglutição, atribuída à melhora da função do complexo hiolaríngeo, resultando em uma maior proteção das vias aéreas durante a deglutição.

Neste contexto, os objetivos do presente trabalho foram de verificar os desfechos do TMR com IR sobre as medidas de função respiratória e sua relação com a biomecânica da deglutição.

Métodos

Trata-se de um estudo prospectivo e longitudinal, previamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria, seguindo a Resolução 466/2012, sob registro CAAE 23676813.8.0000.5346. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, consentindo participação na pesquisa.

Foram incluídos adultos jovens, com idades entre 18 e 30 anos, sem diagnóstico prévio de doença respiratória, sintomas de resfriado e/ou afecções respiratórias no momento da avaliação, sem queixas de alterações na deglutição e não tabagistas. Todos os sujeitos que apresentassem qualquer alteração ventilatória, avaliada pela espirometria, foram excluídos do estudo.

Foram avaliados 32 jovens que iniciaram o estudo, porém 02 sujeitos foram excluídos por apresentarem alergia ao contraste de bário utilizado na videofluoroscopia (VFD) e 01 por problemas técnicos na gravação da VDF de reavaliação, resultando uma amostra de 29 sujeitos.

O exame de videofluoroscopia da deglutição (VFD) foi realizado a fim de analisar a biomecânica da deglutição, utilizando a oferta de consistência pastosa em colher de 10ml.

As imagens foram geradas em um equipamento marca Siemens, modelo Iconos R200, no modo fluoroscopia com 30 quadros por segundos, já os vídeos gravados no software de captura Zscan6. Este software possui como principais características técnicas: imagem com matriz até 720x576; resolução da imagem de 32Bits (32 milhões de cores); formato de imagem JPEG com 1440 dpi; sistema de vídeo NTSC, PAL, SECAM (todos standard); vídeo de até 720x576 com imagens em tempo real (30 quadros por segundo(quadros/s) formato AVI e compressor divX podendo ser gravado em DVD e CD. O valor médio de dose gerado neste procedimento é de 0,14 mR/quadro (2,1 mR/s), essas medidas de dose foram realizadas em condições que reproduzem a técnica e o posicionamento do paciente, utilizando-se um simulador de 4 cm de alumínio e um eletrômetro marca Radcal, modelo 9010 com câmara de ionização específica para procedimentos em fluoroscopia de 60 cm33. Dozier TS, Brodsky MB, Michel Y, Walters BC, Martin-Harris B. Coordination of swallowing and respiration in normal sequential cup swallows. Laryngoscope. 2006;116(8):1489-93..

Durante a VFD, os sujeitos foram avaliados na posição sentada, com projeção lateral. O campo da imagem videofluoroscópica incluiu os lábios, cavidade oral, coluna cervical e esôfago cervical proximal.

Os dados coletados por meio da VFD foram avaliados utilizando variáveis temporais e visuoperceptuais. A variável temporal analisada foi o tempo de transição faríngea (TTF), expressa em segundos, considerou-se como início quando o bolo alimentar encontrava-se na região final do palato duro e início do palato mole, fazendo ângulo com o ramo mandibular e a base de língua e, como término da fase faríngea da deglutição, o momento em que o bolo alimentar passava pelo esfíncter superior do esôfago1111. Kendall KA, Leonard RJ, McKenzie SW. Accommodation to changes in bolus viscosity in normal deglutition: a videofluoroscopic study. Ann Otol Rhinol Laryngol. 2001;110(11):1059-65.. Já as variáveis visuoperceptuais foram representadas em uma escala numérica, conforme se descreve a seguir1212. Baijens LWJ, Speyer R, Passos VL, Pilz W, Roodengurg N, Clave P. Swallowing in Parkinson patients versus healthy controls: reliability of measurements in videofluoroscopy. Gastroenterology Research and Practice. 2011; Volume 2011, Article ID 380682, 9 pages. http://dx.doi.org/10.1155/2011/380682
http://dx.doi.org/10.1155/2011/380682...
:

  • Número de deglutições (número de vezes que o bolo alimentar é fragmentado): 0 - uma deglutição; 1 - duas deglutições; 2 - três deglutições; 3 - quatro ou mais deglutições;

  • Resíduo em valécula (estase do bolo alimentar em valécula após a deglutição completa): 0 - não houve estase; 1 - resíduo preencheu até 50 % da valécula; 2 -resíduo preencheu mais de 50% da valécula.

  • Resíduo em seios piriformes (estase do bolo alimentar em seios piriformes após a deglutição completa): 0 - não houve estase; 1 - leve a moderada estase; 2 - grave estase, preenchendo os seios piriformes.

  • Penetração/Aspiração: 0 - normal; 1 - penetração; 2 - aspiração.

As variáveis em estudo foram analisadas por dois avaliadores cegados, com experiência de cinco anos em análise de VFD. Todos os juízes receberam treinamento prévio no software Movie Maker® para realizar a análise dos vídeos, tanto para as variáveis visuoperceptuais quanto para a temporal.

Para a avaliação das medidas de função respiratória foi realizada a espirometria, na qual o sujeito foi posicionado sentado com o bucal do espirômetro (de papelão descartável) adaptado à boca, sendo incentivado a realizar uma inspiração máxima seguida de uma expiração rápida e sustentada por, no mínimo, seis segundos. Foi usado um clipe nasal para auxiliar na vedação da via aérea e as medidas realizadas com o espirômetro modelo MicroQuark, sendo utilizado o software OneFlow 3.0.0 para avaliação das medidas.

A técnica e controles de qualidade foram realizados conforme referências descritas previamente nas Diretrizes para Testes de Função Pulmonar da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia1313. Pereira CAC. Espirometria. J Pneumol. 2002;28(Supl 3):S1-S82.. As variáveis: capacidade vital forçada (CVF - medida em litros) e % do seu valor predito; volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1 - medido em litros/seg) e % do seu valor predito.

As mensurações das pressões inspiratórias máximas (PIM) e pressões expiratórias máximas (PEM) foram realizadas com aparelho manovacuômetro digital, marca MDV-500 Globalmed, que é graduado de -500 /+ 500cmH2O. As mensurações da PIM e PEM foram feitas com os pacientes sentados, como descrito por Black e Hyat1414. Black LF, Hyatt RE. Maximal respiratory pressures: normal values and relationship to age and sex. Am Rev Respir Dis. 1969;99(5):696-702.. De acordo com as diretrizes da SBPT1313. Pereira CAC. Espirometria. J Pneumol. 2002;28(Supl 3):S1-S82., o paciente foi colocado sentado confortavelmente, com um clipe nasal, e antes da avaliação foram realizadas todas as orientações sobre o teste. Foram realizadas até seis mensurações de cada PIM PEM, com um minuto de intervalo entre cada repetição. Foram assim obtidas três manobras aceitáveis, sem vazamentos, com duração de pelo menos dois segundos cada, e se entre as manobras houver pelo menos duas manobras reprodutíveis (com valores que não diferissem entre si por mais de 10% do valor mais elevado), foi a de maior valor adotada no estudo como força muscular respiratória do indivíduo.

A avaliação das medidas de função respiratória (espirometria e manovacuometria) foram randomizadas entre os sujeitos de forma aleatória, por meio de sorteio, a fim de minimizar o fator esforço entre os participantes.

O treinamento com exercício respiratório foi realizado em domicílio, com orientações prévias dadas por um fisioterapeuta, por meio de IR a fluxo Respiron®, por um período de sete dias consecutivos. Para o treino inspiratório todos os participantes deveriam realizar três séries de dez repetições diárias, partindo da Capacidade Residual Funcional (CRF) até atingir a Capacidade Inspiratória (CI) e sustentar as esferas por período de cinco a oito segundos1515. Ysayama L, Lopes LR, Silva AMO, Andreollo NA. A influência do treinamento muscular respiratório pré-operatório na recuperação de pacientes submetidos à esofagectomia. Arq Bras Cir Dig. 2008;21(2):61-4..

Já para o treino expiratório, houve a utilização do Respiron® de forma invertida. Cada participante foi orientada a realizar três séries de dez repetições diárias, partindo da CI até atingir a CRF, com um minuto de descanso entre cada série inspiratória e expiratória. Foram realizados contatos diários a fim de reforçar a importância da realização do treinamento1616. Rosa R, Santos GK, Siqueira AB, Toneloto MGC. Inspirômetro de incentivo invertido como exercitador da musculatura respiratória em indivíduos saudáveis. Rev Intellectus. 2013.25:177-97..

Na análise estatística, os dados foram analisados pelo programa computacional Statistical Package for Social Science (SPSS) versão 17. Para verificar a significância entre as variáveis categóricas foram utilizados os teste de Wilcoxon e t de Student, para as não-categóricas o Teste de Igualdade de Duas Proporções. A correlação entre a biomecânica da deglutição com as medidas de função respiratória utilizou-se o Teste de Spearman.

Para a concordância entre os avaliadores o Teste de Wilcoxon foi aplicado para a variável temporal e o Kappa para as visuoperceptuais. O grau de concordância foi definido conforme Landis e Koch1717. Landis JR, Koch GG. The Measurement of observer agreement for categorical data. Biometrics. 1977;33(1):159-74.: <0,00 concordância pobre; 0,00 - 0,19 concordância pobre; 0,20 - 0,39 concordância fraca; 0,40 - 0,59 concordância moderada; 0,60 - 0,79 concordância substancial; 0,80 - 1,00 concordância quase perfeita.

Na análise entre os avaliadores observou-se que na variável TTF os avaliadores obtiveram 100% de concordância (p = 1,00), o que indica concordância quase perfeita, bem como nas variáveis visuoperceptuais (Kappa=1,0; p<0,001).

Os resultados foram expressos em média±desvio padrão e percentagem, considerando estatisticamente valores de p< 0,05.

Resultados

A amostra foi composta por 29 adultos jovens, com média de idade de 20,9±3,2 anos, sendo 75% do sexo feminino. A Tabela 1 apresenta os resultados referentes à função respiratória, demonstrando que todos os sujeitos da pesquisa estavam hígidos no momento da avaliação.

Tabela 1:
Função respiratória dos sujeitos avaliados

Os valores referentes à PIM e PEM pré e pós exercício respiratório apresentaram valores 79,3±27,8 X 101±32,8 e 77,9±29,3 X 95,2±35,3 cmH2O, respectivamente.

Na Tabela 2 estão apresentados os valores referentes às variáveis da biomecânica da deglutição analisadas pré e pós exercício muscular respiratório.

Tabela 2:
Variáveis da biomecânica da deglutição pré e pós exercício muscular respiratório

Observa-se que apenas a variável TTF pré e pós exercício respiratório apresentou diferença estatisticamente significante (p=0,002).

Em relação à correlação entre as variáveis respiratórias com a biomecânica da deglutição, observou-se apenas correlação entre a PIM pós com o número de deglutições pós-exercício respiratório (ρ=0,62; p=0,01). As demais variáveis não apresentaram correlações.

Os efeitos do exercício respiratório com o Respiron® sobre a função respiratória demonstraram apenas diferença significante sobre as pressões respiratórias máximas (Tabela 3).

Tabela 3:
Comparação das variáveis respiratórias pré e pós exercício muscular respiratório

Discussão

As fibras musculares adquirem a capacidade de alterar suas propriedades fisiológicas e bioquímicas de acordo com o treinamento muscular, acarretando um aumento na quantidade de proteínas internas da fibra, responsáveis pela capacidade de contração e geração de força. Isto induz estas células a uma adaptação e consequente aumento do seu desempenho mecânico. Este fato, para Guyton e Hall1818. Guyton AC, Hall JE. Tratado de fisiologia médica. 10º ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2002., significa plasticidade muscular e capacidade de reação às cargas impostas pelas diversas formas de exercício muscular. Como resultado disso se obtém-se melhora na potência de contração, que é determinada não somente pela força executada pelo músculo, mas também pela velocidade de contração.

No presente estudo, observa-se que somente a variável TTF apresentou diferença significante no que se refere ao pré e pós TMR (p=0,002). No entanto essa não apresentou correlação com nenhuma variável respiratória analisada. Dessa forma, ao que indica, o TTF depende de outros fatores, que devem ser melhores investigados, além das medidas respiratórias, como a sensibilidade da região faríngea, devido ao aumento do fluxo aéreo desencadeado pelo IR, e medidas de ativação da musculatura faríngea.

Até o momento, estudos que tenham verificado o impacto do uso do Respiron® sobre a biomecânica da deglutição não foram encontrados na literatura. Fregosi e Ludlow1919. Fregosi RF, Ludlow CL. Activation of upper airway muscles during breathing and swallowing. J Appl Physiol. 2014;116(3):291-301. afirmaram que a coordenação muscular no trajeto faríngeo é de fundamental importância para que a deglutição e respiração ocorram de forma efetiva e segura, sendo necessário para isso, dentre outros fatores potência muscular. No presente estudo, observou-se uma redução no número de deglutições pós TMR e esta esteve correlacionada com a PIM, a qual obteve aumento significante após treinamento aplicado.

Reyes et al.2020. Reyes A, Cruickshank T, Nosaka K, Ziman M. Respiratory muscle training on pulmonary and swallowing function in patients with huntington's disease: a pilot randomised controlled trial. Clinical Rehabilitation. 2014; PII: 0269215514564087., em estudo controlado e randomizado, propuseram TMR (inspiratório e expiratório) para indivíduos com Doença de Huntington, no qual o grupo treinado obteve melhora significante, em comparação ao grupo controle em variáveis como pressões máximas (inspiratória e expiratória), PEF e deglutição e questionário de qualidade de vida na deglutição, com avaliações em 2 e 4 meses de TMR. Neste sentido, é possível inferir que o TMR foi capaz de potencializar a musculatura responsável pela deglutição, induzindo a redução no número de deglutições e maior proteção tônica das vias aéreas.

A pesquisa de Rosa et al.1616. Rosa R, Santos GK, Siqueira AB, Toneloto MGC. Inspirômetro de incentivo invertido como exercitador da musculatura respiratória em indivíduos saudáveis. Rev Intellectus. 2013.25:177-97. corrobora com os achados obtidos no presente estudo, onde foi analisado o uso do Respiron® invertido sobre a força muscular respiratória de adultos jovens (20-30 anos), onde obteve-se acréscimo de 15 cmH2O e 23 cmH2O, na PIM e PEM, respectivamente, após treinamento de dois meses, com sessões três vezes semanais de 10 repetições com um minuto de intervalo entre cada manobra.

Outro estudo utilizou IR de carga linear para treinamento expiratório (EMST-15) em uma amostra de população acometida de acidente vascular cerebral (AVC). As medidas quanto à força e capacidades pulmonares foram realizadas no início, com quatro semanas e com 12 semanas após o treinamento. Os resultados demonstraram ganho considerável nas variáveis de força e capacidade pulmonares, assim como na capacidade de gerar pressão subglótica para tosse, fazendo com que em observações secundárias fosse diminuída a incidência de pneumonias aspirativas77. Kulnik ST, Rafferty GF, Birring SS, Moxham J, Kalra L. A pilot study of respiratory muscle training improve cough effectiveness and reduce the incidence of pneumonia in acute stroke: study protocol for a randomized controlled trial. Trials. 2014;15:123..

Em relação aos efeitos do TMR com IR a fluxo, no presente estudo foi verificada diferença significante sobre as pressões respiratórias (p<0,0001), o que já era esperado. O Respiron®, comumente é indicado por fisioterapeutas para promover aumento do volume corrente e, assim, melhorar a expansão pulmonar de indivíduos acometidos por afecções de diferentes etiologias1616. Rosa R, Santos GK, Siqueira AB, Toneloto MGC. Inspirômetro de incentivo invertido como exercitador da musculatura respiratória em indivíduos saudáveis. Rev Intellectus. 2013.25:177-97.. Na literatura, o foco principal dos estudos com IR tem sido a expansão pulmonar. Somente nos últimos 15 anos2121. Scalan CL, Wilkins RL, Stoller JK. Fundamentos da terapia respiratória de Egan. 7º ed. São Paulo: Manole; 2000. ele vem se apresentado como recurso para exercitar a musculatura respiratória.

Dentre as limitações encontradas no presente estudo, observou-se o número da amostra reduzida, escassez de outros estudos que tenham avaliado os efeitos de Respiron® sobre a deglutição em sujeitos normais e a ausência de análise objetiva das demais variáveis da biomecânica da deglutição.

Conclusão

Embora já sejam conhecidos os efeitos do exercício muscular respiratório com uso de IR na força e função pulmonares, não foram encontrados estudos que apontassem o impacto destes sobre a biomecânica da deglutição.

No presente estudo foi constatado que o TMR demonstrou efeito sobre as pressões respiratórias máximas, o que já era apontado pela literatura. Quanto aos seus efeitos sobre a biomecânica da deglutição, houve correlação entre a PIM com o número de deglutições pós treinamento, o que pode estar relacionado a uma redução do TTF.

Dessa forma, os autores sugerem novos estudos abordando a temática, incluindo um número maior de sujeitos, avaliação da sensibilidade das regiões anatômicas responsáveis pela deglutição e relações com o movimento/deslocamento do osso hióide.

REFERENCES

  • 1
    Costa M. Deglutição & Disfagia: bases morfofuncionais e videofluoroscópicas. Rio de Janeiro: Med Book; 2013.
  • 2
    Chaves RD, Carvalho CRF, Cukier A, Stelmach R, Andrade CRF. Sintomas indicativos de disfagia em portadores de DPOC. J Bras Pneumol. 2011;37(2):176-83.
  • 3
    Dozier TS, Brodsky MB, Michel Y, Walters BC, Martin-Harris B. Coordination of swallowing and respiration in normal sequential cup swallows. Laryngoscope. 2006;116(8):1489-93.
  • 4
    Li Q, Minagi Y, Hori K, Kondoh J, Fujiwara S, Tamine K et al. Coordination in oro-pharyngeal biomechanics during human swallowing. Physiology & Behavior. 2015;147:300-5.
  • 5
    Steele CM, Miller AJ. Sensory input pathways and mechanisms in swallowing: a review. Dysphagia. 2010;25(4):323-33.
  • 6
    Steele CM, Cichero JAY. Physiological factors related to aspiration risk: a systematic review. Dysphagia. 2014;29(3):295-304.
  • 7
    Kulnik ST, Rafferty GF, Birring SS, Moxham J, Kalra L. A pilot study of respiratory muscle training improve cough effectiveness and reduce the incidence of pneumonia in acute stroke: study protocol for a randomized controlled trial. Trials. 2014;15:123.
  • 8
    Sarmento G. Recursos em fisioterapia cardiorrespiratória. São Paulo: Manole; 2012.
  • 9
    Paiva DN, Asmann LB, Bordin DF, Gass R, Jost RT, Bernardo-Filho M et al. Inspiratory muscle training with threshold or incentive spirometry: wich is the most effective? Rev Port Pneumol. 2015;21(2):76-81.
  • 10
    Troche MS, Okaun MS, Rosenbek JC, Musson N, Fernandez HH, Rodriquez R et al. Aspiration and swallowing in Parkinson disease and rehabilitation with EMST. Neurology. 2010;75(21):1912-9.
  • 11
    Kendall KA, Leonard RJ, McKenzie SW. Accommodation to changes in bolus viscosity in normal deglutition: a videofluoroscopic study. Ann Otol Rhinol Laryngol. 2001;110(11):1059-65.
  • 12
    Baijens LWJ, Speyer R, Passos VL, Pilz W, Roodengurg N, Clave P. Swallowing in Parkinson patients versus healthy controls: reliability of measurements in videofluoroscopy. Gastroenterology Research and Practice. 2011; Volume 2011, Article ID 380682, 9 pages. http://dx.doi.org/10.1155/2011/380682
    » http://dx.doi.org/10.1155/2011/380682
  • 13
    Pereira CAC. Espirometria. J Pneumol. 2002;28(Supl 3):S1-S82.
  • 14
    Black LF, Hyatt RE. Maximal respiratory pressures: normal values and relationship to age and sex. Am Rev Respir Dis. 1969;99(5):696-702.
  • 15
    Ysayama L, Lopes LR, Silva AMO, Andreollo NA. A influência do treinamento muscular respiratório pré-operatório na recuperação de pacientes submetidos à esofagectomia. Arq Bras Cir Dig. 2008;21(2):61-4.
  • 16
    Rosa R, Santos GK, Siqueira AB, Toneloto MGC. Inspirômetro de incentivo invertido como exercitador da musculatura respiratória em indivíduos saudáveis. Rev Intellectus. 2013.25:177-97.
  • 17
    Landis JR, Koch GG. The Measurement of observer agreement for categorical data. Biometrics. 1977;33(1):159-74.
  • 18
    Guyton AC, Hall JE. Tratado de fisiologia médica. 10º ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2002.
  • 19
    Fregosi RF, Ludlow CL. Activation of upper airway muscles during breathing and swallowing. J Appl Physiol. 2014;116(3):291-301.
  • 20
    Reyes A, Cruickshank T, Nosaka K, Ziman M. Respiratory muscle training on pulmonary and swallowing function in patients with huntington's disease: a pilot randomised controlled trial. Clinical Rehabilitation. 2014; PII: 0269215514564087.
  • 21
    Scalan CL, Wilkins RL, Stoller JK. Fundamentos da terapia respiratória de Egan. 7º ed. São Paulo: Manole; 2000.
  • Fonte de auxílio: CAPES

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2018

Histórico

  • Recebido
    05 Jun 2017
  • Aceito
    02 Out 2018
ABRAMO Associação Brasileira de Motricidade Orofacial Rua Uruguaiana, 516, Cep 13026-001 Campinas SP Brasil, Tel.: +55 19 3254-0342 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revistacefac@cefac.br