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Relação entre extensão média do enunciado e vocabulário em crianças com desenvolvimento típico de linguagem

RESUMO

Objetivo:

investigar a existência de relação entre vocabulário e as medidas de extensão média do enunciado em crianças em fase de desenvolvimento da linguagem.

Métodos:

a amostra foi composta de 72 crianças com idades de 2 anos até 4 anos 11 meses e 29 dias, sendo 36 meninos e 36 meninas, distribuídos uniformemente em faixas etárias, com desenvolvimento típico de linguagem, matriculadas em escolas de educação infantil da rede pública municipal de Santa Maria (Rio Grande do Sul, Brasil). Foram realizadas filmagens da fala espontânea de cada sujeito e, após, realizou-se a análise do vocabulário e Extensão Média do Enunciado. Para análise estatística foram utilizados o Programa Statistical Analysis System, versão 9.2 e o coeficiente de correlação de Spearman, com nível de significância p<0.05.

Resultados:

foi verificada influência do gênero na correlação de Extensão Média do Enunciado e vocabulário. Houve diferença entre as faixas etárias de 2 e 4 anos.

Conclusão:

o desenvolvimento do vocabulário promove a extensão do enunciado, indicando a correlação positiva entre gênero e faixa etária.

Descritores:
Vocabulário; Desenvolvimento da Linguagem; Desenvolvimento Infantil; Fala; Criança

ABSTRACT

Purpose:

to investigate the existence of a relationship between vocabulary and measures of mean length of utterance in children in their language development phase.

Methods:

the sample consisted of 72 children aged 2 to 4 years, 11 months and 29 days, 36 boys and 36 girls, with typical language development, evenly distributed into age groups, enrolled in kindergartens with the public school system, in Santa Maria, RS, Brazil. Videos of the spontaneous speech of each subject were made, and then, the analysis of the vocabulary and Mean Length of Utterance took place. Statistical analysis was performed using the Statistical Analysis System program, version 9.2 and Spearman correlation coefficient, with a significance level of p <0.05.

Results:

the influence of gender in the Mean Length of Utterance correlation and vocabulary was observed. There was a difference between the ages of 2 and 4 years.

Conclusion:

vocabulary development promotes mean length utterance, indicating positive correlation between gender and age range.

Keywords:
Vocabulary; Language Development; Child Development; Speech; Child

Introdução

Um dos índices para monitorar o desenvolvimento de linguagem é a produção do vocabulário11. Befi-Lopes DM, Galea DES. Análise do desempenho lexical em crianças com alteração no desenvolvimento da linguagem. Pró-Fono R. Atual. Cient. 2000;12(9):31-7.,22. Befi-Lopes DM, Puglisi ML, Rodrigues A, Giusti E, Gândara JP, Araújo K. Perfil comunicativo de crianças com alterações específicas no desenvolvimento da linguagem: caracterização longitudinal das habilidades pragmáticas. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2007;12(4):265-73.. Durante o desenvolvimento normal da linguagem, a criança adquire as palavras por volta dos 12 meses, seguindo um período de desenvolvimento lento e gradual do vocabulário, que acontece em um ritmo de aproximadamente 10 palavras por mês, até os 18 meses de idade. Quando a criança se aproxima do marco de 50 palavras, essa velocidade de crescimento aumenta, caracterizando a chamada “explosão do vocabulário”. Já na idade escolar esse crescimento apresenta picos de desenvolvimento acelerado, permanecendo até por volta dos 16 anos. Na fase adulta o vocabulário continua a aumentar, mas isso depende muito do ambiente33. Benedict KS. Early lexical development: comprehension and production. J Child Lang. 1979,6:183-200.,44. Gândara JP, Befi-Lopes DM. Tendências da aquisição lexical em crianças em desenvolvimento normal e crianças com Alterações Específicas no Desenvolvimento da Linguagem. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2010;15(2):297-304..

Sabe-se que crianças em fase normal de desenvolvimento da linguagem apresentam uma fase inicial de aquisição lexical lenta e, em seguida, uma fase rápida, durante a qual muitas palavras são incorporadas por dia. Há certa variação individual em relação às idades em que tais marcos55. Bassano D, Maillochon I, Eme E. Developmental changes and variability in the early lexicon: a study of French children's naturalistic productions. J Child Lang. 1998;25(3):493-531. ocorrem.

Isso pode estar relacionado ao referencial das palavras aprendidas. Segundo estudos, as crianças têm mais facilidade em adquirir palavras de classe aberta (substantivos, verbos, adjetivos, advérbios e numerais) que apresentam referenciais concretos (o que é mais fácil pelo contexto), do que palavras de classe fechada (artigos, preposições, conjunções, pronomes, interjeições)66. Bloom P. Précis of how children learn the meanings of words. Behav Brain Sci. 2001;24(6):1095-103.,77. D'odorico L, Fasolo M. Nouns and verbs in the vocabulary acquisition of Italian children. J Child Lang. 2007;34(4):891-907..

No Português Brasileiro, os resultados das pesquisas sobre vocabulário ainda são controversos. Num estudo88. Sherer S, Souza APS. Types e tokens na aquisição típica de linguagem por sujeitos de 18 a 32 meses falantes do português brasileiro. Rev. CEFAC. 2011;13(5):838-46. quantitativo e transversal com crianças em idades que variaram entre 1 e 5 anos, os autores encontraram uma prevalência de verbos.

Já outros autores99. Nóro LA, Silva DD, Wiethan FM, Mota HB. Initial lexical acquisition and noun bias hypothesis verification. Rev. CEFAC. 2015;17(suppl.1):52-9. puderam concluir que a hipótese em que os substantivos prevalecem aos verbos no período de aquisição lexical inicial, se confirmou na faixa etária de 18 meses, sendo que nas faixas etárias de 24 e de 32 meses, há uma tendência de os verbos se igualarem ou superarem os substantivos, estando praticamente todas as classes gramaticais presentes na faixa etária de 32 meses.

Em outro trabalho1010. Befi-Lopes DM, Nuñes CO, Cáceres AM. Correlation between expressive vocabulary and mean length utterance in children with language disorder. Rev. CEFAC. 2013;15(1):51-7. foi verificado de que modo se dá a aquisição lexical inicial de crianças com desenvolvimento típico, em termos de tipos e ocorrências dos itens lexicais e, ainda, se a hipótese do viés nominal realmente ocorre. Os resultados da análise indicaram que o número de substantivos foi superior ao de verbos durante o período de aquisição lexical estudado, porém a produção de substantivos não foi exclusiva, mesmo neste período bem inicial de aquisição linguística.

A ampliação do vocabulário expressivo de substantivos está relacionada à ampliação do uso de sentenças mais extensas e ao uso de palavras de classe fechada (como preposições, pronomes e conjunções), confirmando que para o desenvolvimento sintático é fundamental o processo de aquisição de palavras44. Gândara JP, Befi-Lopes DM. Tendências da aquisição lexical em crianças em desenvolvimento normal e crianças com Alterações Específicas no Desenvolvimento da Linguagem. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2010;15(2):297-304.,1111. Felix J, Santos ME, Benitez-Burraco A. Spontaneous language of preterm children aged 4 and 5 years. Rev. CEFAC. 2017;19(6):742-8..

Sendo assim, a aquisição de palavras constitui fator crucial para o posterior desenvolvimento sintático, além de marcar o início da possibilidade de comunicação oral efetiva entre a criança em desenvolvimento e o mundo que a cerca. Conhecer uma palavra não se baseia somente em conhecer o seu significado e a sua forma fônica. Logo, conhecer uma palavra envolve saber de maneira implícita a classe de palavras a qual ela pertence, uma vez que esse conhecimento determina as posições que ela pode ocupar numa frase, além de envolver, também, saber que condições ela impõe ao contexto sintático em que pode ocorrer44. Gândara JP, Befi-Lopes DM. Tendências da aquisição lexical em crianças em desenvolvimento normal e crianças com Alterações Específicas no Desenvolvimento da Linguagem. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2010;15(2):297-304.,1212. Brown R. A first language. Cambridge MA: Harvard University Press; 1973..

A Extensão Média do Enunciado (EME), referido em pesquisas brasileiras, derivou do Mean Length Utterance (MLU) que estudou aspectos de desenvolvimento gramatical e delineou as estruturas frasais e os elementos constituintes de cada segmento em diversas faixas etárias. O objetivo principal foi obter dados sobre o desempenho dos aspectos morfológicos e sintáticos de crianças em desenvolvimento típico e com distúrbios de comunicação1313. Araujo K, Befi-Lopes DM. Extensão média do enunciado de crianças entre 2 e 4 anos de idade: diferenças no uso de palavras e morfemas. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2004;9(1):156-63.

14. Fensterseifer A, Ramos AP. Extensão média de enunciados em crianças de 1 a 5 anos. Pró-Fono R. Atual. Cient. 2003;15(3):251-8.

15. Thordardottir ET. Early lexical and syntactic development in Quebec French and English: implications for cross-linguistic and bilingual assessment. Int J Lang Commun. Disord. 2005;40(3):243-78.
-1616. Rice ML, Redmond SM, Hoffman L. Mean length of utterance in children with specific language impairment and in younger control children shows concurrent validity and stable and parallel growth trajectories. J Speech Lang Hear Res. 2006;49(4):793-808..

A extensão média em morfemas (EME-m) foi proposta como um índice para verificação do desenvolvimento gramatical. Na literatura internacional, alguns autores afirmam haver relação entre idade cronológica e a EME. Idade e vocabulário podem interagir na predição do desenvolvimento gramatical. Assim, primeiramente a criança demonstra sensibilidade para os princípios e regularidades gramaticais na compreensão, para depois poder utilizá-los na produção1313. Araujo K, Befi-Lopes DM. Extensão média do enunciado de crianças entre 2 e 4 anos de idade: diferenças no uso de palavras e morfemas. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2004;9(1):156-63.,1717. Dixon JA, Marchman VA. Grammar and the lexicon: developmental ordering in language acquisition. Child Dev. 2007;78(1):190-212.

18. Rice ML, Smolik F, Perpich D, Thompson T, Rytting N, Blossom M. Mean length of utterance levels in 6-month intervals for children 3 to 9 years with and without language impairments. J Speech Lang Hear Res. 2010;53(2):333-49.

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Além do cálculo da EME-m, alguns estudos sugerem o cálculo da EME em palavras (EME-p). Tal medida forneceria dados sobre o desenvolvimento linguístico geral da criança. A partir de estudo em que foi encontrada alta correlação entre EME-m e EME-p, foi feita a indicação de utilização da EME-p como uma medida mais confiável para o cálculo da extensão do enunciado e mais sensível à complexidade de linguagem da criança2121. Felício CM, Ferreira CL. Protocol of orofacial myofunctional evaluation with scores. Int J Ped Otorhinolaryngol. 2008;72(3):367-75.,2222. Zorzi JL, Hage SRV. PROC - Protocolo de observação comportamental: avaliação de linguagem e aspectos cognitivos infantis. São José dos Campos: Pulso Editorial; 2004..

Nesse contexto, buscou-se investigar a hipótese de que, à medida que aumenta o vocabulário, a EME aumenta na mesma proporção. Com base no exposto, o objetivo deste estudo foi investigar a existência de relação entre extensão média do enunciado e vocabulário em crianças em fase de desenvolvimento da linguagem, matriculadas em escolas de educação infantil da rede pública municipal de Santa Maria (Rio Grande do Sul).

Métodos

Essa pesquisa caracteriza-se como sendo quantitativa, descritiva e com coleta de dados transversal, fazendo parte de um projeto aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria, sob o número 0219.0.243.000-11. Como condição obrigatória para participação do estudo, os responsáveis pelos sujeitos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

A amostra deste artigo foi selecionada por conveniência e é composta de 72 crianças com idades entre 2 anos até 4 anos 11 meses e 29 dias, sendo 36 meninos e 36 meninas, distribuídos uniformemente entre faixas etárias. Foram pareados quanto ao gênero. Todas as crianças eram membros de famílias monolíngues falantes do Português Brasileiro, com desenvolvimento típico de linguagem. Como fatores de exclusão, foram considerados: perda auditiva; comprometimento neurológico, emocional e/ou cognitivo; presença de alterações motoras ou orgânicas orais; ou crianças que tivessem realizado/estivessem realizando fonoterapia. Essas questões foram observadas durante entrevista prévia e confirmadas de acordo com a entrevista com os pais ou responsáveis.

A seleção da amostra foi realizada em escolas municipais de Educação Infantil de uma cidade do Rio Grande do Sul. A avaliação fonoaudiológica incluiu questionário destinado aos responsáveis, avaliação orofacial, da linguagem oral e triagem auditiva.

Para avaliação dos aspectos orofaciais empregou-se o “Protocolo de avaliação miofuncional orofacial com escores (AMIOFE)”2121. Felício CM, Ferreira CL. Protocol of orofacial myofunctional evaluation with scores. Int J Ped Otorhinolaryngol. 2008;72(3):367-75. adaptado. A avaliação da linguagem foi realizada mediante o “Protocolo de Observação Comportamental”2222. Zorzi JL, Hage SRV. PROC - Protocolo de observação comportamental: avaliação de linguagem e aspectos cognitivos infantis. São José dos Campos: Pulso Editorial; 2004. para as crianças de até 4 anos. Com as crianças maiores, atentou-se para narrativas orais espontâneas, respostas às perguntas e observação do brincar.

A triagem auditiva para as crianças de até 2 anos 6 meses e 29 dias de idade foi a Audiometria de Reforço Visual2323. Lidden G, Kankkonen A. Visual reinforcement audiometry. J Acta Oto-Laryngologica. 1961;67:281-92. e para as crianças na faixa etária de 2 anos e 7 meses até 5 anos 11 meses e 29 dias foi realizada a avaliação audiológica, com audiometria lúdica condicionada ou audiometria tonal liminar2424. Northern JL, Downs MP. Avaliação auditiva comportamental. 5ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2005.. Caso houvesse falha nas respostas, em uma ou mais frequências, e em duas triagens consecutivas, a criança era encaminhada para avaliação otorrinolaringológica e audiológica completa.

Assim, com as crianças que passaram nos critérios de inclusão, procedeu-se a avaliação do vocabulário, realizada por meio de fala espontânea e nomeação de objetos e brinquedos em miniatura. Foram realizadas gravações em vídeo durante 20 minutos. Para a transcrição da fala das crianças até 3:3;29, utilizou-se o método do consenso2525. Shriberg LD, Kwiatkowski J, Hoffmann KA. A procedure for phonetic transcription by consensus. J Speech Hear Res. 1984;27(3):456-65.,2626. Morris SR. Test-Retest Reliability of Independent Measures of Phonology in the Assessment of Toddlers' Speech. Lang. Speech Hear. Serv. Schools. 2009;40:46-52.. Para as crianças das demais faixas etárias, que apresentam as produções mais estáveis, utilizou-se o método de confiabilidade entre as transcrições2727. McLeod S, Harrison LJ, McCormack J. The intelligibility in context scale: validity and reliability of a subjective rating measure. J Speech Lang Hear Res. 2012;55(2):648-56.,2828. Sosa AV, Stoel-Gammon C. Lexical and phonological effects in early word production. J Speech Lang Hear Res. 2012;55(2):596-608..

Para análise do vocabulário, foram utilizados dois critérios: “tipos e ocorrências” ou “types e tokens” e “classe aberta e classe fechada” de palavras.

  • Tipos e ocorrências ou types e tokens: a fala das crianças foi separada por palavras, sendo contabilizados os tipos e as ocorrências (types e tokens) de cada sujeito. Para a classificação dos tipos foram consideradas todas as palavras diferentes utilizadas pela criança. A contagem das ocorrências seguiu os mesmos critérios, a partir da identificação do número de repetições de cada tipo de palavra no corpus. Assim, puderam ser verificadas as frequências de produção de cada classe de palavras: classe aberta (palavras de conteúdo): substantivos, adjetivos, verbos, advérbios e numerais; classe fechada (palavras funcionais): artigos, preposições, conjunções, pronomes, interjeições.

Para análise da EME, a amostra da fala do sujeito foi dividida em enunciados, até que se chegasse ao número de 100 dos mesmos. Quando este número foi atingido, o restante da transcrição foi desprezado. Porém, transcrições que obtiveram menos do que 100 enunciados foram consideradas. Grandes amostras de discurso estão significantemente relacionadas, mas não significantemente diferentes e sob pena de reduzir drasticamente o tamanho da amostra2929. Casby MW. An examination of the relationship of sample size and mean length of utterance for children with development language impairment. Child Lang Teach Ther. 2011;27(3):286-93.. Para a pontuação foram utilizados os critérios propostos por Araújo e Befi-Lopes (2004):

  • Artigos: um (1) ponto para marcar o gênero (feminino: um (1) ponto; masculino: um (1) ponto) e um (1) ponto para marcar o número (singular: um (1) ponto; plural: um (1) ponto);

  • Substantivo: um (1) ponto para marcar o gênero, um (1) ponto para marcar o número, um (1) ponto para marcar o aumentativo e um (1) ponto para marcar o diminutivo;

  • Verbos: um (1) ponto para marcar número-pessoa e um (1) ponto para morfemas de tempo modo;

  • Pronomes: um (1) ponto para cada uma das ocorrências;

  • Preposições: um (1) ponto para cada ocorrência;

  • Conjunções: um (1) ponto para cada das ocorrências.

As contrações de preposições com artigos, pronomes ou outros elementos, foram contados como um só morfema. Por exemplo, “no, da, neste, daqui”.

Os morfemas gramaticais (MG) foram agrupados em dois grupos para melhor visualização dos dados: MG-1: substantivos, verbos e artigos e MG-2: conjunções, pronomes e preposições. A somatória de MG-1 e MG-2 constituiu a EME-m total. Para o cálculo da EME-p foram contabilizadas todas as palavras dividindo-as pelo número total de enunciados.

Todas as repetições exatas de segmentos foram incluídas. As disfluências como repetições de palavra serão pontuadas uma única vez.

Finalmente, utilizou-se o Programa StatisticalAnalysis System, versão 9.2. Com o mesmo programa, utilizou-se o teste de correlação de Spearman. Em ambos os testes, o nível de significância adotado foi de 5% (p < 0.05).

Resultados

Para verificar se as medidas de vocabulário e de extensão média do enunciado se correlacionam, foi utilizado o coeficiente de correlação de Spearman, como mostra a Tabela 1. Os resultados indicaram a existência de correlação positiva entre todas as variáveis. Assim, foi possível verificar que com a expansão do vocabulário ocorre um aumento da extensão média do enunciado, tanto em palavras quanto em morfemas.

Tabela 1:
Resultados da correlação entre extensão média do enunciado e vocabulário

A Tabela 2 apresenta a análise da correlação de vocabulário e EME (morfemas e palavras) em cada faixa etária. A partir dos dados verificou-se que há diferença estatisticamente significante na faixa etária de 2 e 4 anos, mas principalmente nos 2 anos.

Tabela 2:
Resultados da correlação entre extensão média do enunciado e vocabulário, nas faixas etárias

A Tabela 3 apresenta a análise da influência do gênero na correlação de EME e vocabulário. As crianças do gênero masculino tiveram resultado significante na influência do vocabulário e extensão média do enunciado.

Tabela 3:
Análise da influência do gênero na extensão média do enunciado e no vocabulário

Discussão

Nos resultados encontrados na Tabela 1, pode-se verificar que o aumento do vocabulário implica em uma maior extensão do enunciado, isso devido a uma necessidade maior de refinar as representações fonológicas e lexicais, indicando alta correlação.

A maior correlação deu-se entre a EME-m e classe fechada, possibilitando a confirmação de que para o desenvolvimento sintático é fundamental o processo de aquisição de palavras44. Gândara JP, Befi-Lopes DM. Tendências da aquisição lexical em crianças em desenvolvimento normal e crianças com Alterações Específicas no Desenvolvimento da Linguagem. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2010;15(2):297-304., apesar de a diferença não ser grande.

Esse resultado vai ao encontro de um estudo1010. Befi-Lopes DM, Nuñes CO, Cáceres AM. Correlation between expressive vocabulary and mean length utterance in children with language disorder. Rev. CEFAC. 2013;15(1):51-7. realizado com crianças falantes do português brasileiro com alteração específica de linguagem, que teve como objetivo verificar a influência da idade no desempenho lexical e gramatical, além de investigar a existên cia de correlação entre vocabulário expressivo e as medidas de extensão média de enunciado. Os resultados indicaram que a expansão do vocabulário favorece a ampliação da extensão frasal.

Um estudo internacional77. D'odorico L, Fasolo M. Nouns and verbs in the vocabulary acquisition of Italian children. J Child Lang. 2007;34(4):891-907. mostrou que no início do processo de aquisição da linguagem as crianças têm maior facilidade em adquirir palavras de classe aberta, (que compreende os substantivos, verbos, adjetivos, advérbios e numerais). Isso se deve ao seu conteúdo mais concreto e seu maior uso na língua. Como as crianças precisam de intensa exposição a novos itens lexicais para que haja o aumento do vocabulário, elas começam a adquirir palavras de classe fechada, devido a exigência sintática de elementos de ligação frasal1313. Araujo K, Befi-Lopes DM. Extensão média do enunciado de crianças entre 2 e 4 anos de idade: diferenças no uso de palavras e morfemas. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2004;9(1):156-63.,3030. Castilho A. Fundamentos teóricos da gramática do português culto falado no Brasil: sobre o segundo volume, classes de palavras e as construções gramaticais. Alfa. 2007;51(1):99-135..

Nesse sentido, conforme se amplia o vocabulário, a extensão do enunciado das crianças tende a aumentar concomitantemente e, desta forma, a introdução de palavras de classe fechada no enunciado torna-se necessária para que ocorra a conexão entre as palavras da sentença e entre as próprias sentenças3131. Tonietto L, Siqueira M, Parente MA. Da aquisição das primeiras palavras aos significados literal e metafórico. In: Eisenberg Z, Parente MA (orgs). Psic da linguagem - da constituição da fala às primeiras narrativas. São Paulo: Vetor; 2010. p. 57-82..

Em virtude do tempo, frequência e maturidade linguística, o vocabulário vai progressivamente sendo refinado, gerando o desenvolvimento de redes de relações entre as palavras por meio de categorizações semânticas, como por exemplo, a palavra “cachorro”. A criança no primeiro momento aprende o conceito básico, depois aprende o conceito que é “animal”, e por último um conceito que é subordinado, “cachorro labrador”. Com isso, o discurso e a formação de ideias pelas crianças acompanham esse desenvolvimento, ocorrendo gradativamente o predomínio de características mais elaboradas e articuladas, implicando em uma alta correlação entre vocabulário e extensão média do enunciado3232. Santos MT, Befi-lopes DM. Vocabulário, consciência fonológica e nomeação rápida: contribuições para a ortografia e elaboração escrita. J. Soc. Bras. Fonoaudiol. 2012;24(3):269-75.

33. Souza D, Eisenberg Z. Desenvolvimento lexical: aprendendo palavras abstratas. In: Eisenberg Z, Parente MA (orgs). Psic da linguagem - da constituição da fala às primeiras narrativas. São Paulo: Vetor; 2010. p. 109-30.
-3434. Santos ME, Lynce S, Carvalho S, Cacela M, Mineiro A. Mean length of utterance-words in children with typical language development aged 4 to 5 years. Rev. CEFAC. 2015;17(4):1143-51..

Na presente pesquisa foi possível notar que o aumento do vocabulário é de grande importância para o processo de aprendizagem, pois ele vai contribuir para o processo de leitura e da compreensão de palavras. Este conhecimento abrange vários aspectos das palavras, como pronúncias, definições de seus significados, regras sintáticas de seus usos e o modo como as palavras são escritas. Todos esses elementos estão conectados a uma rede de conexões mentais e a qualidade destas se relacionará com o bom uso do vocabulário3535. Ferracini F, Capovilla AGS, Dias NM, Capovilla FC. Avaliação de vocabulário expressivo e receptivo na educação infantil. Rev. Psicopedagog. 2006;23(71):124-33.,3636. Barret MD. Desenvolvimento lexical inicial. In: Fletcher P, Macwhinney B (orgs). Compêndio da linguagem da criança. Porto Alegre: Artes Médicas; 1997. p. 299-322..

Com relação à idade (Tabela 2), encontrou-se que a idade de 2 anos foi a que obteve maiores índices de correlação. Esses resultados podem nos levar a refletir que nesse período são produzidas frases mais curtas e simples, uma vez que nesse estágio a criança utiliza principalmente verbos, adjetivos e substantivos, o que não exige o uso de pronomes, preposições, conjunções e advérbios. Assim, a combinação entre poucas palavras ocorre e os elementos estão ordenados corretamente. Já na idade de 3 anos não foi observada correlação significante. Isso pode ser justificado pelo fato de que nessa idade as crianças utilizam estruturas frasais em que há maior ocorrência de palavras com menor carga semântica, passando assim a serem utilizadas em combinação com os substantivos e verbos.

Por fim, na idade de 4 anos foi observado somente correlação significante entre classe aberta e EME-p. Nessa idade, as estruturas frasais se tornam mais complexas e pode-se observar relações semântico-sintáticas bem desenvolvidas, utilizando grande quantidade de palavras de classe fechada1212. Brown R. A first language. Cambridge MA: Harvard University Press; 1973., o que não pode ser observado no presente estudo.

Esse resultado é semelhante à pesquisa citada anteriormente. Dessa forma, infere-se que a idade não é suficiente para promover o desenvolvimento gramatical, mas será preciso a integração do conhecimento linguístico.

A Tabela 3 mostra a relação da influência do gênero na correlação da extensão média do enunciado e vocabulário. Há correlação no sexo masculino entre as variáveis. Esse resultado não demonstra a tendência de as meninas adquirirem as palavras em uma velocidade ligeiramente mais rápida que os meninos nos estudos em geral. Porém, isso pode ser justificado pelo fato das diferenças individuais3636. Barret MD. Desenvolvimento lexical inicial. In: Fletcher P, Macwhinney B (orgs). Compêndio da linguagem da criança. Porto Alegre: Artes Médicas; 1997. p. 299-322.,3737. Carvalho AMA, Befi-Lopes DM, Limongi SCO. Mean length utterance in Brazilian children: a comparative study between Down syndrome, specific language impairment, and typical language development. CoDAS. 2014;26(3):201-7..

O que pode ser também uma justificativa é a possível interferência do nível sociocultural de origem das crianças, o que não foi o objetivo do estudo. Mas, pode-se inferir que as crianças oriundas de nível alto produziriam enunciados mais complexos3838. Le Normand MT, Parisse C, Cohen H. Lexical diversity and productivity in French preschoolers. Clin Linguist Phon. 2008;22(1):47-58.,3939. Walker D, Greenwood C, Hart B, Carta J. Prediction of school outcomes based on early language production and socioeconomic factors. Children and Poverty. 1994;65(2):606-21..

Conclusão

Do estudo realizado com 72 crianças, destaca-se que o desenvolvimento do vocabulário promove a extensão do enunciado, indicando a correlação positiva entre as variáveis; com relação à faixa etária, observou-se diferença significante para as faixas etárias de 2 e 4 anos, principalmente nos 2 anos; pode-se inferir que o conhecimento linguístico decorre de uma expansão do vocabulário e consequentemente favorece a extensão do enunciado e o aprendizado de palavras de classe fechada.

Embora o número de crianças de cada faixa etária seja relativamente pequeno, considera-se que os dados obtidos possam servir de referência para outras pesquisas, pois o número de enunciados foi elevado e os critérios de inclusão dos participantes, do eliciar do discurso e de análise da produção verbal, foram rigorosos.

Agradecimentos

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo apoio concedido para a realização desta pesquisa.

REFERENCES

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  • Fonte de auxílio à pesquisa: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    01 Maio 2019
  • Aceito
    25 Out 2019
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