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Implicações audiológicas da COVID-19: revisão integrativa da literatura

RESUMO

Objetivo:

realizar um levantamento da literatura nacional e internacional sobre os impactos da infecção por coronavírus no sistema auditivo.

Métodos:

revisão integrativa com pesquisa nas bases de dados Bireme, PubMed, Scopus e Web of Sciences. Critérios de inclusão: artigos em português e em inglês que tinham como tema a infecção por coronavírus e seus efeitos no sistema auditivo. Critérios de exclusão: informações de livros e/ou capítulos, cartas ao editor, artigos de revisões e de relatos de experiência. Para a estratégia de busca, utilizou-se a combinação dos descritores em português e em inglês, respectivamente: “Infecções por coronavírus”, “Audição”, “Perda auditiva”, “Coronavirus infections”, “Hearing”,Hearing Loss”.

Resultados:

dos 43 artigos encontrados, dois abordaram o tema proposto. O primeiro estudo avaliou 20 pacientes que testaram positivo para COVID-19, porém assintomáticos, esses realizaram audiometria tonal liminar e emissões otoacústicas. Observou-se como resultado um aumento significativo dos limiares auditivos nas altas frequências e menor amplitude de resposta no exame de emissões otoacústicas evocadas por estímulo transiente, quando comparados ao grupo controle. O segundo estudo relatou o caso de uma paciente de 35 anos de idade com COVID-19 assintomática, que apresentou queixa de otalgia e zumbido após a contaminação. A audiometria tonal liminar e timpanometria indicaram perda auditiva do tipo condutiva de grau leve unilateral à direita com curva timpanométrica do tipo B deste lado.

Conclusão:

os estudos incluídos mostraram diferentes repercussões da COVID-19 na audição, com possíveis acometimentos nas estruturas sensoriais e mecânicas do sistema auditivo. O conhecimento sobre a COVID-19 é limitado e mais estudos primários sobre seu real impacto no sistema auditivo são necessários.

Descritores:
Infecções por Coronavírus; Audição; Perda Auditiva

ABSTRACT

Purpose:

to survey the national and international literature on the impacts of the coronavirus infection on the auditory system.

Methods:

an integrative review with search in the BIREME, PubMed, Scopus, and Web of Sciences databases. Inclusion criteria: articles in Portuguese and English whose subject was the coronavirus infection and its effects on the auditory system. Exclusion criteria: information from books and/or chapters, letters to editors, review articles, experience reports. The search strategy was based on the following combined descriptors, respectively in Portuguese and English: “Infecções por coronavírus”, “Audição”, “Perda auditiva”, “Coronavirus infections”, “Hearing”, “Hearing Loss”.

Results:

out of 43 articles found, two approached the issue. The first study assessed 20 patients that tested positive for COVID-19, though asymptomatic, who underwent pure-tone threshold audiometry and otoacoustic emissions. A significant increase in the auditory thresholds at high frequencies and a smaller response amplitude in the transient evoked otoacoustic emissions of those who tested positive for COVID-19 were observed when compared to that of controls. The second study reported the case of an asymptomatic 35-year-old COVID-19 female patient, who complained of otalgia and tinnitus, after being contaminated. The pure-tone threshold audiometry and tympanometry indicated mild unilateral (right ear) conductive hearing loss, with a type B tympanometric curve on that side.

Conclusion:

the studies included in this review showed different consequences of COVID-19 on hearing, with possible impairments on the sensory and mechanical structures of the auditory system. The knowledge of COVID-19 is limited, and further studies on its real impact on the auditory system are necessary.

Keywords:
Coronavirus Infections; Hearing; Hearing Loss

Introdução

A infecção por coronavírus (COVID-19) é causada por SARS-COV2 e representa o agente causador de uma doença potencialmente fatal que é uma grande preocupação global de saúde pública11. Li YC, Bai WZ, Hashikawa T. The neuroinvasive potential of SARS-CoV2 may play a role in the respiratory failure of COVID-19 patients. J Med Virol. 2020;92(6):552-5..

Esta doença foi primeiramente identificada em Wuhan, província de Hubei, na China que posteriormente se espalhou pelo mundo, atingindo mais de 120 países22. Sriwijitalai W, Wiwanitkit V. COVID-19 outbreak in international airport - Where the incidence case occurs? Int J Prev Med. 2020;11(1):51..

A COVID-19 é um dos principais patógenos que tem como alvo principal o sistema respiratório humano, acomete predominantemente adultos, na maioria das vezes com doenças cardiovasculares e/ou com diabetes mellitus associada33. Chen N, Zhou M, Dong X, Qu J, Gong F, Han Y et al. Epidemiological and clinical characteristics of 99 cases of 2019 novel coronavirus pneumonia in Wuhan, China: a descriptive study. Lancet. 2020;395(10223):507-13.. Os sintomas típicos são: febre, tosse, dispnéia, mialgia, dores de cabeça, faringite, rinorréia, dores no peito e diarréia33. Chen N, Zhou M, Dong X, Qu J, Gong F, Han Y et al. Epidemiological and clinical characteristics of 99 cases of 2019 novel coronavirus pneumonia in Wuhan, China: a descriptive study. Lancet. 2020;395(10223):507-13.,44. Zhai P, Ding Y, Wu X, Long J, Zhong Y, Li Y. The epidemiology, diagnosis and treatment of COVID-19. Int J Antimicrob Agents. 2020;55(5):105955., entretanto a maioria dos pacientes apresenta sintomas leves e com bom prognóstico33. Chen N, Zhou M, Dong X, Qu J, Gong F, Han Y et al. Epidemiological and clinical characteristics of 99 cases of 2019 novel coronavirus pneumonia in Wuhan, China: a descriptive study. Lancet. 2020;395(10223):507-13..

As taxas de transmissão são desconhecidas, no entanto, há evidências de que ela ocorra de pessoa para pessoa, e devido à gravidade das complicações clínicas e índices elevados de contaminação, a COVID-19 foi reconhecida como Pandemia em 11 de março de 2020 pela Organização Mundial da Saúde55. Opening speech by the Director-General of WHO, without information from COVID-19. In: WHO [Internet]. [accessed on March 11, 2020]. Available at: https://www.who.int/dg/speeches/detail/who-director-general-s-opening-remarks-at-the-media-briefing-on-covid-19%2D%2D-11- March 2020.
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, assim autoridades governamentais de todo o mundo, adotaram medidas de isolamento social a fim de se controlar o número de infectados, dando maior atenção e enfoque aos indivíduos suscetíveis, incluindo crianças, profissionais de saúde e pessoas idosas11. Li YC, Bai WZ, Hashikawa T. The neuroinvasive potential of SARS-CoV2 may play a role in the respiratory failure of COVID-19 patients. J Med Virol. 2020;92(6):552-5.

2. Sriwijitalai W, Wiwanitkit V. COVID-19 outbreak in international airport - Where the incidence case occurs? Int J Prev Med. 2020;11(1):51.

3. Chen N, Zhou M, Dong X, Qu J, Gong F, Han Y et al. Epidemiological and clinical characteristics of 99 cases of 2019 novel coronavirus pneumonia in Wuhan, China: a descriptive study. Lancet. 2020;395(10223):507-13.

4. Zhai P, Ding Y, Wu X, Long J, Zhong Y, Li Y. The epidemiology, diagnosis and treatment of COVID-19. Int J Antimicrob Agents. 2020;55(5):105955.
-55. Opening speech by the Director-General of WHO, without information from COVID-19. In: WHO [Internet]. [accessed on March 11, 2020]. Available at: https://www.who.int/dg/speeches/detail/who-director-general-s-opening-remarks-at-the-media-briefing-on-covid-19%2D%2D-11- March 2020.
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Embora a manifestação da COVID-19 seja muito relacionada a comprometimentos respiratórios, estudos apontam que muitas das infecções virais existentes, podem acometer também o sistema auditivo, ocasionando em sua grande maioria, perda auditiva (PA) congênita ou até mesmo adquirida, do tipo sensorioneural uni ou bilateral, progressiva ou não66. Vieira ABC, Mancini P, Gonçalves DU. Doenças infecciosas e perda auditiva. Rev Med Minas Gerais. 2010;20(1):102-6.. Outros tipos de infecções virais podem, além de acometer a orelha interna, ocasionar danos às estruturas do sistema auditivo, responsáveis pela transmissão sonora66. Vieira ABC, Mancini P, Gonçalves DU. Doenças infecciosas e perda auditiva. Rev Med Minas Gerais. 2010;20(1):102-6.

7. Demmler GJ. Screening for congenital cytomegalovirus infection: a tapestry of controversies. J Pediatr. 2005;146(2):162-4.
-88. Mustafa MWM. Audiological profile of asymptomatic Covid-19 PCR-positive cases. Am J Otolaryngol. 2020;41(3):102483..

Além do mais, pela COVID-19 se tratar de uma virose recente, é necessário investigar se pacientes infectados, além das manifestações clínicas já conhecidas, também podem demonstrar como sequelas, distúrbios que envolvam a audição.

Assim, para o desenvolvimento deste estudo, surgiu a pergunta focada na população, seja ela criança, adulto ou idoso, exposta à COVID-19, com o intuito de se investigar possíveis alterações no sistema auditivo, tendo por base a hipótese de que essa nova doença pode também afetar a audição, principalmente pelo fato de ter como alvo primário as vias aéreas superiores e, consequentemente agravar o estado de saúde do indivíduo infectado, como requerer a necessidade do uso de suporte mecânico de ventilação, hemodiálise, além do uso de drogas que podem lesar as estruturas mecânicas e sensoriais da função auditiva.

Portanto, a investigação dos possíveis desfechos negativos dessa doença na audição contribuirá para que os profissionais da área da saúde, como médicos otorrinolaringologistas e fonoaudiólogos tenham conhecimento prévio sobre os reais efeitos dessa nova infecção viral no aparelho auditivo o que contribuirá para o melhor manejo prestado aos indivíduos infectados.

Sendo assim, com o intuito de responder à pergunta norteadora, este trabalho teve como objetivo realizar um levantamento da literatura nacional e internacional sobre os impactos da infecção por coronavírus no sistema auditivo.

Métodos

O presente estudo trata-se de uma revisão integrativa da literatura, pois se configura em reunir achados de estudos desenvolvidos mediante metodologias diferentes, que permite aos revisores sintetizar os resultados sem ferir a filiação epistemológica dos estudos incluídos.

A revisão integrativa da literatura foi realizada a partir dos seguintes passos: a identificação do problema (o propósito da revisão foi definido claramente); a busca da literatura (com a delimitação de palavras-chave, base de dados e aplicação dos critérios definidos para a seleção dos artigos); a avaliação, e a análise dos dados obtidos.

Para a elaboração da pergunta de pesquisa, utilizou-se como estratégia didática os acrônimos PECO (patient, exposure, comparison, outcomes)99. Canto GDL, Réus JC. Mãos à obra. In: Violin GC (ed). Revisões Sistemáticas da Literatura: Guia Prático. 1ª edição. Curitiba: Brazil Publishing; 2020. p. 24-6.. Dessa forma a questão de pesquisa estabelecida foi: “pessoas infectadas por coronavírus apresentam comprometimento das estruturas auditivas?”. Assim, o acrônimo (P) consiste em população (crianças, adultos e/ou idosos), (E) consiste na exposição à infecção por coronavírus, (O) consiste em qualquer comprometimento das estruturas auditivas. É importante salientar que de acordo com o método de revisão integrativa proposto, nem todos os elementos da estratégia PECO foram aplicados, neste caso o terceiro elemento (C), comparação não foi utilizado (Figura 1).

Figura 1:
Pergunta de pesquisa elaborada pela estratégia didática: (P) patient, (E) exposure, (C) comparison, (O) outcomes

A busca dos estudos ocorreu no mês de julho de 2020.

Para o levantamento dos artigos na literatura, realizou-se uma busca nas principais bases de dados na área da saúde: Bireme, PubMed, Scopus e Web of Science, e foram utilizados os Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) e Medical Subject Headings (MeSH). Tais bases de dados foram selecionadas por integrarem quase a totalidade da produção na área da saúde indexada.

Para a estratégia de busca, foi utilizada a combinação dos seguintes descritores em português e em inglês, respectivamente: “Infecções por coronavírus”, “Audição”, “Perda auditiva”, “Coronavirus infections”, “Hearing”,Hearing Loss”. Para contemplar os determinados eixos temáticos, foram utilizados os operadores booleanos “OR” e “AND”, de acordo com MESH/DECS.

Os estudos incluídos deveriam abordar temas sobre a infecção por coronavírus e os possíveis impactos desse patógeno no sistema auditivo dos pacientes infectados.

A amostra de consulta foi determinada por meio dos seguintes critérios de inclusão: 1) artigos publicados no idioma português ou inglês; 2) artigos com qualquer data de publicação; 3) artigos publicados em periódicos nacionais e internacionais com avaliação cega por pares; 4) artigos do tipo: estudos de relato de caso, série de casos, estudo transversal, caso-controle, coorte e ensaio clínico randomizado.

As principais razões para exclusão de artigos da amostra foram: informações de livros e/ou capítulos, descrição de estudos de revisões integrativas, sistemáticas da literatura e/ou metanálise, bem como artigos de reflexão1010. Vosgerau DSR, Romanowsk JP. Estudos de revisão: implicações conceituais e metodológicas. Rev. Diálogo Educ. 2014;14(41):165-89.,1111. Honório HM, Satiago Júnior JF. Revisões sistemáticas: definições, importância e limitações. In: Honório HM, Santiago Júnior JF (orgs). Fundamentos das revisões sistemáticas. 1ª edição. São Paulo: Quintessence Editora; 2018. p. 3-21..

O instrumento elaborado com a finalidade de extrair e analisar os dados dos estudos incluídos foi composto dos seguintes itens: (1) O texto aborda a infecção por coronavírus? (2) São apontados a associação dessa doença em relação ao sistema auditivo?

As etapas de extração e análise dos resultados dos estudos primários foram cumpridas por dois grupos de revisores, que desenvolveram este trabalho de forma independente.

A análise, bem como a síntese dos dados extraídos dos artigos foram realizadas de forma qualitativa possibilitando observar, contar, descrever e classificar os dados encontrados, com o intuito de reunir o conhecimento produzido sobre o tema explorado nesta revisão, e para nortear a interpretação quanto ao desenho metodológico dos estudos incluídos, foi adotado o critério de classificação em função do grau de recomendação e dos níveis de evidência (de 1 a 5), segundo a proposta de Oxford Centre for Evidence-based Medicine - Levels of Evidence1212. Howick J. Oxford Centre for Evidence-based Medicine-Levels of Evidence. [Internet] 2011. Available at: http://www.cebm.net/index.aspx?o=5653.
http://www.cebm.net/index.aspx?o=5653...
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Revisão de Literatura

Após a identificação dos artigos, realizou-se a seleção dos estudos primários de acordo com a questão norteadora e os critérios de inclusão previamente estabelecidos.

Ao total foram encontradas, na estratégia de busca, 43 publicações, das quais 18 foram do PubMed, 07 da Bireme, 13 do Scopus e cinco da Web of Science. Todos os estudos foram inicialmente avaliados por meio da análise dos títulos e resumos. Nos casos em que os títulos e os resumos não se mostraram suficientes para definir a seleção inicial, procedeu-se a leitura na íntegra das publicações. Ainda na etapa de seleção, os autores se reuniram a fim de haver consenso quanto aos artigos selecionados, minimizando-se, assim, os riscos de viés. Ao final, foram selecionados dois artigos, ambos publicados no ano de 2020 (Figura 2), cuja síntese encontra-se na Figura 3.

Figura 2:
Elegibilidade dos estudos obtidos

Figura 3:
Síntese dos estudos incluídos na revisão integrativa

O primeiro estudo, avaliou 20 pacientes, com idades entre 20 a 50 anos, assintomáticos, que testaram positivo para COVID-19 e que realizaram avaliação auditiva por meio da audiometria tonal liminar (ATL) e emissões otoacústicas. Observou-se aumento significativo dos limiares auditivos por via aérea nas frequências de 4000, 6000 e 8000 Hz, na ATL, com menor amplitude média de resposta no exame de emissões otoacústicas evocadas por estímulo transiente nesses indivíduos, quando comparados ao grupo controle, sugerindo comprometimento no funcionamento das células ciliadas da cóclea88. Mustafa MWM. Audiological profile of asymptomatic Covid-19 PCR-positive cases. Am J Otolaryngol. 2020;41(3):102483..

Assim, baseando-se na pergunta de pesquisa deste estudo, em termos de fisiopatologia, vale ressaltar que o aumento dos limiares auditivos por via aérea ocorreu principalmente na região das altas frequências, região basal da cóclea, porém ainda sem apresentar valores que indiquem perda auditiva (em todas as frequências os limiares foram menores que 25 dBNA), entretanto esses achados apontaram um menor desempenho auditivo nos indivíduos que tiveram COVID-19 quando comparados aos indivíduos saudáveis.

Outro aspecto a ser considerado com relação ao exame de emissões otoacústicas evocadas por estímulo transiente, é o fato que antes mesmo dos indivíduos que tiveram COVID-19 apresentarem perda auditiva evidenciada no exame de ATL, houve diminuição no tamanho da resposta das emissões em comparação aos indivíduos saudáveis. Esse achado é uma característica que pode ser vista nesse tipo de exame, quando as respostas começam a apresentar declínio ou até mesmo ausência antes de ocorrer mudanças dos limiares na ATL1313. Lord SG. Monitoring protocols for cochlear toxicity. Semin Hear. 2019;40(2):122-43..

Sendo assim, esse tipo de resposta encontrada nas emissões otoacústicas é comumente visto em indivíduos expostos a agentes que danificam de forma provisória ou permanente as estruturas cocleares, e podem auxiliar o médico a suspender a exposição do indivíduo a esses agentes ototóxicos, quando possível1313. Lord SG. Monitoring protocols for cochlear toxicity. Semin Hear. 2019;40(2):122-43.. Portanto, os achados desse estudo podem a longo prazo se associarem a perda auditiva do tipo sensorioneural, que comumente é encontrada em viroses66. Vieira ABC, Mancini P, Gonçalves DU. Doenças infecciosas e perda auditiva. Rev Med Minas Gerais. 2010;20(1):102-6..

Resultado semelhante aos observados nos pacientes com COVID-1988. Mustafa MWM. Audiological profile of asymptomatic Covid-19 PCR-positive cases. Am J Otolaryngol. 2020;41(3):102483., é relatado em outras doenças infectocontagiosas, que também mostraram menores amplitudes de respostas nas emissões otoacústicas por produto de distorção, em múltiplas frequências, quando comparado ao grupo controle1414. Maro II, Fellow AM, Clavier OH, Gui J, Rieke CC, Wilbur JC et al. Auditory impairments in HIV-infected children. Ear Hear. 2016;37(4):443-51., supondo que, a SARS-COV2 também pode acometer estruturas cocleares em especial as células ciliadas externas, o que justifica a necessidade de acompanhamento audiológico desses pacientes para diagnóstico e tratamento adequado.

Os mecanismos que levam a perda de audição, por diferentes vírus, são bem variados, podendo acometer de maneira direta estruturas da orelha interna, como as células ciliadas e o órgão de Corti, e que podem apresentar caráter permanente ou temporário1515. Guo J, Chai R, Li H, Sun S. Protection of hair cells from ototoxic drug-induced hearing loss. Adv Exp Med Biol. 2019;1130:17-36.,1616. Michels TC, Duffy MT, Rogers DJ. Hearing loss in adults: differential diagnosis and treatment. Am Fam Physician. 2019;100(2):98-108..

Sendo assim, é importante conhecer o envolvimento da SARS-COV2 no sistema auditivo de pacientes infectados, além de desvendar se pode ocasionar perda auditiva congênita, por transmissão transplacentária do vírus da mãe ao feto, ou ainda, se pode causar perda auditiva tardia devido a essa exposição ao vírus, o que leva a necessidade de estudos primários com delineamentos de coorte, nessas situações1717. Cohen BE, Durstenfeld A, Roehm PC. Viral causes of hearing loss: a review for hearing health professionals. Trends Hear. 2014;29(18):1-17..

O segundo estudo incluído, relatou o caso de uma paciente de 35 anos de idade com COVID-19 assintomática, sem comorbidades e que apresentou queixa de otalgia e zumbido. Ao realizar ATL foi encontrado perda auditiva do tipo condutiva de grau leve unilateral à direita com curva timpanométrica do tipo B deste lado1818. Fidan V. New type of coronavirus induced acute otitis media in adult. Am J Otolaryngol. In press 2020..

Diferente do estudo anterior88. Mustafa MWM. Audiological profile of asymptomatic Covid-19 PCR-positive cases. Am J Otolaryngol. 2020;41(3):102483., este apresenta um relato de caso de uma mulher com alteração unilateral, com comprometimento na orelha média, que consequentemente elevou os limiares auditivos por via aérea, porém as estruturas sensoriais, medidas pelos limiares auditivos por via óssea estavam dentro dos padrões de normalidade, sugerindo desta forma, um outro tipo de comprometimento nas estruturas auditivas que não exclusivamente a cóclea, na ocorrência da COVID-19.

Os mecanismos de instalação da perda auditiva viral, que incluem infecções das vias aéreas superiores, podem causar comprometimento da orelha média, gerando perda auditiva condutiva, diferente da situação em que há invasão virótica na orelha interna, podendo provocar lesão da cóclea e/ou do nervo auditivo66. Vieira ABC, Mancini P, Gonçalves DU. Doenças infecciosas e perda auditiva. Rev Med Minas Gerais. 2010;20(1):102-6.,1919. Cohen BE, Durstenfeld A, Roehm PC. Viral causes of hearing loss: a review for hearing health professionals. Trends Hear. 2014;18:1-17..

A otite média aguda é precedida por uma infecção viral do epitélio nasofaríngeo e da tuba auditiva, sendo que o processo de colonização bacteriano na nasofaringe só ocorre quando o vírus inicia processos inflamatórios nessa região2020. Nokso-Koivisto J, Marom T, Chonmaitree T. Importance of viruses in acute otitis media. Curr. Opin. Pediatr. 2015;27(1):110-5.. Portanto, supõe-se que a SARS-COV2, assim como outras viroses, pode levar a uma maior suscetibilidade a infecções oportunistas na orelha média, possivelmente devido a uma diminuição transitória da resposta imune à infecção ou até mesmo apresentar otite devido aos efeitos primários do próprio vírus.

Ademais, salienta-se que os estudos incluídos88. Mustafa MWM. Audiological profile of asymptomatic Covid-19 PCR-positive cases. Am J Otolaryngol. 2020;41(3):102483.,1818. Fidan V. New type of coronavirus induced acute otitis media in adult. Am J Otolaryngol. In press 2020., avaliaram indivíduos assintomáticos para a doença e a investigação dos efeitos ototóxicos para o tratamento de pacientes sintomáticos também se faz necessário.

Sabe-se que especialistas em todo o mundo estão em busca da melhor forma de tratamento, bem como conhecer as consequências que o COVID-19 pode trazer. Os dados obtidos nessa revisão são referentes a dois estudos primários, que apresentam limitações como o número pequeno da amostra, descrição apenas dos casos assintomáticos, bem como pelos desenhos metodológicos (um estudo de caso-controle e outro de relato de caso) apresentados, apontando, desta forma, evidências sutis quanto aos resultados encontrados. Entretanto, ambos os estudos excluíram da amostra indivíduos que tivessem história pregressa de perda auditiva ou comorbidades associadas.

Deste modo, ainda não é possível mensurar as dimensões dessa nova doença nesses pacientes e nos pacientes sintomáticos e com outras comorbidades. Todavia, esses recentes relatos já indicam uma certa associação entre a COVID-19 e o sistema auditivo, que deve ser melhor investigado, com o surgimento de novos estudos, com metodologias diferentes e com maior número de participantes envolvidos.

Conclusão

Os dois estudos incluídos mostraram diferentes repercussões da COVID-19 na audição, com possíveis acometimentos nas estruturas sensoriais e mecânicas do sistema auditivo. O conhecimento sobre a COVID-19 é limitado e mais estudos primários sobre seu real impacto no sistema auditivo são necessários.

Agradecimentos

Agradecemos as instituições: Faculdade de Medicina de Botucatu e Universidade Federal de Santa Catarina pelo auxílio técnico.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Mar 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    18 Jul 2020
  • Aceito
    29 Out 2020
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