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Distúrbios fonoaudiológicos autodeclarados e fatores associados em idosos

Resumos

OBJETIVO:

identificar os distúrbios fonoaudiológicos e fatores associados autodeclarados em uma população de idosos.

MÉTODOS:

estudo transversal a partir de visitas domiciliares com uma amostra de 44 idosos com idade igual ou superior a 60 anos. A amostragem foi aleatória por múltiplos estágios. Utilizou-se um roteiro previamente estruturado com questões relacionadas a: aspectos sócio demográficos de saúde geral e uso de serviços de saúde; comunicação oral; motricidade e funções orofaciais; audição e equilíbrio segundo auto-percepção. Perguntou-se ainda sobre a existência ou não de tontura, zumbido uso de prótese dentária, dentição precária, diagnóstico de doenças sistêmicas, uso de cigarro ou assemelhados e manutenção de acompanhamento médico sistemático. Os dados foram registrados em banco de dados e as análises estatísticas realizadas por meio do programa EpiInfo versão 7.0. Foram verificadas as frequências das variáveis e sua distribuição na amostra estudada.

RESULTADOS:

44 idosos com idades entre 60-80 anos (média de 66,04 anos; DP=4,8). Destes, 52,3% eram do sexo masculino e 47,4% do sexo feminino. 11,4% dos sujeitos da amostra referiram alteração de fala; 09,1% alteração de voz; 11,4% alteração de motricidade orofacial sendo que 27,3% fazia uso de prótese dentária e 18,2% apresentava dentição precária; 6,8% citaram audição e equilíbrio ruins sendo que 40,9% relataram tontura; 54,5% mencionaram serem portadores de doença sistêmica; 18,2% declararam-se fumantes e 70,4% disseram manter acompanhamento médico periódico.

CONCLUSÃO:

as queixas fonoaudiológicas mais frequentes na população entrevistada estão relacionadas à motricidade orofacial, audição e equilíbrio, sendo que ter doença sistêmica está mais comumente associado às queixas fonoaudiológicas.

Idoso; Perda auditiva; Qualidade de Vida


PURPOSE:

to identify self-reported speech-language disorders and associated factors in an elderly population.

METHODS:

we conducted a cross-sectional study based on home visits made to each participant from a multistage random sample of 44 elderly aged 60 years or older. We used a structured self-report questionnaire containing questions related to sociodemographic characteristics, general health and use of health services, oral communication, orofacial movements and functions, hearing, and balance. The participants were also asked about the presence or absence of dizziness and tinnitus, use of dental prosthesis, poor dentition, diagnosis of systemic diseases, whether they were smokers, and whether they were included in a systematic medical follow-up. Data were recorded in a database and the statistical analysis was performed using Epi Info version 7.0. The frequency and distribution of variables in the sample selected were examined.

RESULTS:

of 44 elderly aged 60-80 years (mean, 66.04 years; SD=4.8), 52.3% were male and 47,7% female; A 11.4% of the subjects reported abnormal speech, 9.1% reported voice changes, and 11.4% orofacial movements changes . In addition, 27.3% reported wearing a dental prosthesis, 18.2% poor dentition, 6.8% poor hearing and balance, 40.9% reported dizziness; 54.5% had a systemic disease, 18.2% reported being smokers, and 70.4% were receiving regular medical care.

CONCLUSION:

the most common speech-language complaints in the investigated population were related to orofacial movements, hearing, and balance. It was identified that systemic disease as the most prevalent factor associated to speech-language complaints.

Aged; Hearing Loss; Quality of Life


Introdução

Cerca de 21 milhões de pessoas possuem idade igual ou superior a 60 anos, representando, aproximadamente, 11% do total da população. Na comparação entre 2009 e 2011 a população que compõem a terceira idade aumentou 7,6%, totalizando mais 1,8 milhão de pessoas. Há estimativa de que em 2025 existirão cerca de 30 milhões de pessoas com esta faixa etária em todo o mundo11. Brasil. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [base de dados na Internet].. Disponível em URL < http://www.ibge.gov.br> [acesso em 20 de dezembro de 2012].
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Com o avanço da idade, algumas alterações são esperadas e podem ser consideradas como parte do processo de envelhecimento22. da Silva PT, Master S, Andreoni S, Pontes P, Ramos LR. Acoustic and longterm average spectrum measures to detect vocal aging in women. J Voice. 2011;25:411-9.

3. Konrad-Martin D, Dille MF, McMillan G, Griest S, McDermott D, Fausti SA et al. Age-related changes in the auditory brainstem response. J Am Acad Audiol. 2012;23(1):18-35.
- 44. Pacala JT, Yueh B. Hearing Deficits in the Older Patient"I Didn't Notice Anything". JAMA. 2012;307(11):1185-94.. Dentre estas alterações, destacam-se os distúrbios fonoaudiológicos, pois podem comprometer a qualidade de vida da população idosa55. Lílian JLG, Maria IBM, Regina YSC. Questões sobre a atenção à saúde no envelhecimento no âmbito da fonoaudiologia. Dist da Comum. 2006;18(1):111-7..

Há uma tendência em que na velhice a perda auditiva venha a ser progressiva, podendo causar algum grau de prejuízo à qualidade de vida, com possibilidade de acarretar ao idoso isolamento, dependência e frustrações66. Ciorba A, Bianchini C, Pelucchi S, Pastore A. The impact of hearing loss on the quality of life of elderly adults. Clin Interv Aging. 2012;7:159-63. .

Além da audição, estudos recentes têm considerado que as dificuldades apresentadas pelos idosos em relação à compreensão da fala podem estar associadas ao declínio das funções cognitivas tais como, memória de trabalho, atenção seletiva e velocidade de processamento da informação77. Gonçales AS, Cury MCL. Assessment of two central auditory tests in elderly patients without hearing complaints. Braz. j. otorhinolaryngol. 2011;77(1):24-32.

8. Mattos LC, Veras RP. A prevalência da perda auditiva em uma população de idosos da cidade do Rio de Janeiro: um estudo seccional. Rev. Bras. Otorrinolaringol. 2007;73(5):654-9.
- 99. Janse E. Processing of fast speech by elderly listeners. J Acoust Soc Am. 2009;125(4):2361-73..

No atual cenário, a principal causa de mortalidade em idosos são as doenças circulatórias. Dentre as mais comuns está a hipertensão arterial sistêmica1010. Ministério da Saúde. Disponível em: http://www.saude.gov.br. [acesso em dez/2012].
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. No entanto, assim como a hipertensão, o diabetes mellitus é uma doença crônica associada com morbimortalidade elevada, impacto psicossocial e prejuízo na qualidade de vida, embora ainda não se conheça claramente os aspectos do diabetes mellitus que estão envolvidos na piora da qualidade de vida1111. Aguiar CCT, Vieira APGF, Carvalho AF, Montenegro-Junior RM. Assessment instruments for a health-related quality of Life in diabetes mellitus. Arq Bras Endocrinol Metab. 2008;52(6):931-9..

Deste modo, conhecer as demandas fonoaudiológicas nos diferentes estratos da população (faixa etária, sexo, de acordo com as doenças de base, entre outros) é essencial para que os esforços, recursos humanos e financeiros, sejam mais efetivos, proporcionando retorno positivo para a saúde coletiva1212. Goulart BNG, Algayer AR. Características de um grupo de usuários do programa de saúde da família na cidade de Campo Bom (RS), Brasil em 2006. Ciên e Saúde Col. 2009;14(1):1379-84.. Porém, ações em saúde nas unidades básicas de saúde, em geral, ainda estão centradas na demanda espontânea, a partir da busca dos sujeitos pelos serviços oferecidos1313. Lenz AJ, Gernhardt A, Goulart BNG, Zimmer F, Rocha JG, Vilanova JR et al. Acolhimento, Humanização e Fonoaudiologia: Relato de Experiência em Unidade Básica de Saúde de Novo Hamburgo (RS). Bol da saúde. 2006;20(2):59-69..

Conhecida a amplitude das demandas da população idosa, será possível identificar o grau de mudanças e inovações necessários nos paradigmas de atenção à saúde que atendam as especificidades deste grupo.

O presente estudo tem como objetivo identificar os distúrbios fonoaudiológicos e fatores associados autodeclarados em uma população de idosos.

Métodos

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul sob o protocolo número 4.06.04.07.891 e seguiu as diretrizes da resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.

É um estudo transversal a partir de visitas domiciliares com uma amostra de idosos residentes na região de Novo Hamburgo (RS). O percentual estimado de idosos desta região corresponde a 7,9% da população. A amostragem foi aleatória por múltiplos estágios. Participaram do estudo 44 sujeitos, com idade igual ou superior a 60 anos, residentes no perímetro urbano, vinculados à Unidade Básica de Saúde Canudos (UBS Canudos).

Os critérios de inclusão foram: ter idade igual ou superior a 60 anos, aceitar participar da pesquisa e preencher o termo de consentimento livre e esclarecido. Foram excluídos do estudo sujeitos que tinham idade inferior a 60 anos e aqueles que se recusaram a assinar o termo de consentimento livre e esclarecido.

O levantamento dos dados foi realizado por meio de um roteiro previamente estruturado contemplando questões ligadas a dados sócio-demográficos, aspectos da saúde geral e uso de serviços de saúde, bem como aspectos referentes à comunicação oral (compreensão, voz e fala), motricidade e funções orofaciais, audição e equilíbrio, segundo a percepção do próprio idoso. As respostas foram classificadas em normal (sem alteração) ou alterada. Perguntou-se também sobre a existência ou não de tontura, zumbido, uso de prótese dentária (parcial ou total), bem como existência de dentição precária (caracterizada pela existência de edentulismo, cárie, doença periodontal e outros agravos que comprometam a integridade dentária). Foi perguntado, ainda, se os idosos tinham diagnóstico de doenças sistêmicas (hipertensão e/ou diabetes), bem como se faziam uso de cigarro ou assemelhados (tabagismo) e se mantinham acompanhamento médico sistemático (pelo menos uma consulta na UBS quando com queixas de saúde ou como rotina para acompanhamento, quando da existência de algum agravo).

Os dados foram registrados em banco de dados e as análises estatísticas realizadas por meio do programa EpiInfo versão 7.0. Foram verificadas as frequências das variáveis e sua distribuição na amostra estudada. Além disso, para estimar o Intervalo de Confiança (Exato de Fisher 95%) foi utilizado o programa WinPepi versão 11.41.

Resultados

Foram entrevistados 44 idosos, com idades entre 60-80 anos (média de 66,0 anos; DP=4,8).

As características e distribuição das alterações fonoaudiológicas e fatores associados são apresentadas na Tabela 1.

Tabela 1:
Características e distribuição dos distúrbios fonoaudiológicos e fatores associados autodeclarados na população estudada

Dentre os sujeitos deste estudo 27,3% faziam uso de próstese dentária, 40,9% relataram sentir tontura, 54,5% possuíam doenças sistêmicas, 18,2% eram fumantes e 70,4% estavam fazendo acompanhamento médico (Tabela 1).

Discussão

As alterações de fala encontradas no presente estudo podem ser decorrentes de alterações da motricidade e/ou funções orofaciais e/ou auditivas. A fluidez do processo de comunicação sofre importantes alterações diante de uma perda auditiva, mesmo de grau leve88. Mattos LC, Veras RP. A prevalência da perda auditiva em uma população de idosos da cidade do Rio de Janeiro: um estudo seccional. Rev. Bras. Otorrinolaringol. 2007;73(5):654-9..

Assim como as alterações na fala, os idosos podem apresentar queixas relacionadas à qualidade vocal, tais como: voz rouca, soprosa, com diminuição de volume e flexibilidade, tremor e menos clareza33. Konrad-Martin D, Dille MF, McMillan G, Griest S, McDermott D, Fausti SA et al. Age-related changes in the auditory brainstem response. J Am Acad Audiol. 2012;23(1):18-35., as quais podem ocorrer devido a mudanças histológicas das estruturas do trato vocal1414. Chen X, Thibeault SL. Characteristics of age-related changes in cultured human vocal fold fibroblasts. Laryngoscope. 2008;118:1700-4. e à diminuição da capacidade vibratória das pregas vocais1515. Huber JE. Effects of utterance length and vocal loudness on speech breathing in older adults. Respir Physiol Neurobiol.2008;164(3):323-30.

16. Huber JE, Spruill J. Age-related changes to speech breathing with increased vocal loudness. J Speech Lang Ouça Res. 2008;51(3):651-68.
- 1717. Stathopoulos ET, Huber JE, Sussman JE. Changes in acoustic characteristics of the voice across the life span: measures from individuals 4-93 years of age. JSLHR. 2011;54:1011-21., fazendo com que demandem um maior esforço para sustentar a vibração das pregas vocais1818. Ahmad K, Yan Y, Bless D. Vocal Fold Vibratory Characteristics of Healthy Geriatric Females-Analysis of High-Speed Digital Images. J Voz. 2012;26(6):751-9..

É possível perceber que uma das queixas de maior ocorrência foi em relação à motricidade orofacial e funções orofaciais, problema esse que pode acarretar consequências à saúde geral do idoso. Conforme a literatura, alterações da motricidade e funções orofaciais são esperadas na população idosa e podem acarretar prejuízo na alimentação, pela incoordenação respiração-deglutição1919. Leslie P, Drinnan MJ, Ford GA, Wilson JA. Swallow respiratory patterns and aging: presbyphagia or dysphagia? J Gerontol A Biol Sci Med Sci. 2005;60(3):391-5., deglutição e fala2020. Cassol K, Galli JFM, Zamberlan NE, Dassie-Leite AP. Qualidade de vida em deglutição em idosos saudáveis. J. Soc. Bras. Fonoaudiol. 2012;24(3):223-32..

No presente estudo, pôde-se observar que 27,3% dos sujeitos referiram fazer uso de prótese dentária. Segundo a literatura, usuários de prótese dentária podem apresentar alterações em relação ao corte do alimento, acarretando dificuldades mastigatórias e de deglutição2121. Cavalcanti RVA, Bianchini EMG. Verificação e análise morfofuncional das características da mastigação em usuários de prótese dentária removível. Rev CEFAC. 2008;10(4):490-502., podendo ser fator de risco para problemas nutricionais2222. Yoshikawa M, Yoshida M, Nagasaki T, Tanimoto K, Tsuga K, Akagawa Y. Influence of aging and denture use on liquid swallowing in healthy dentulous and edentulous older people. J Am Geriatr Soc. 2006;54(3):444-9.. Entretanto, quando bem adaptada a prótese dentária minimiza prejuízos referentes à mastigação e deglutição, favorecendo a manutenção da qualidade de vida da população idosa2020. Cassol K, Galli JFM, Zamberlan NE, Dassie-Leite AP. Qualidade de vida em deglutição em idosos saudáveis. J. Soc. Bras. Fonoaudiol. 2012;24(3):223-32..

Observou-se que mesmo entre os não usuários de prótese dentária 18,2% dos idosos apresentavam uma conservação precária dos dentes. A precariedade de conservação dos dentes e/ou a falta de elementos dentários é considerado um importante problema de saúde pública2323. Moreira RS, Nico LS, Tomita NE. Spatial risk and factors associated with edentulism among elderly persons in Southeast Brazil. Cad. Saúde Pública. 2011;27(10):2041-53. e pode comprometer em maior ou menor grau as funções estomatognáticas - mastigação, deglutição e fonoarticulação. Nesta ultima, especialmente, dificultando a produção de determinados fonemas2424. Lima RMF, Amaral AKFJ, Aroucha EBL, Vasconcelos TMJ, da Silva HJ, Cunha DA. Adaptações na mastigação, deglutição e fonoarticulação em idosos de instituição de longa permanência. Rev Cefac. 2009;11(3):405-22., como os linguo-dentais e dento-labiais.

Além disto, a perda dentária pode acarretar prejuízo de ordem nutricional, estética e psicológica, perda ou diminuição da auto-estima e da integração social2525. Musacchio E, Perissinotto E, Binotto P, Sartori L, Silva-Netto F, Zambon S et al. Tooth loss in the elderly and its association with nutritional status, socio-economic and lifestyle factors. Acta Odontol Scand. 2007;65:78-86.. Estas características os tornam candidatos em potencial para o uso de prótese. Desta forma, políticas públicas direcionadas à saúde bucal do idoso se fazem necessárias para oferecer a todos os idosos uma atenção mais humanizada, no que se refere à promoção da saúde bucal. No entanto, a promoção da saúde do idoso perpassa a odontologia clínica, pois há necessidade de incorporar outros ramos do saber. Desta forma, para acompanhar a tendência das políticas públicas em saúde que preconizam a promoção da saúde, educação, humanização da atenção, dentre outras, requer a construção e execução de forma interdisciplinar 2626. Saintrain MVL, Vieira LJES. Saúde bucal do idoso: abordagem interdisciplinar. Ciênc. saúde coletiva. 2008;13(4):1127-32. , 2727. Cardoso EM, Parente RCP, Vettore MV, Rebelo MAB. Condição de saúde bucal em idosos residentes no município de Manaus, Amazonas: estimativas por sexo. Rev. bras. epidemiol. 2011;14(1):131-40..

Dentre os agravos mais prevalentes entre os idosos, estão a hipertensão, artrite e a perda auditiva77. Gonçales AS, Cury MCL. Assessment of two central auditory tests in elderly patients without hearing complaints. Braz. j. otorhinolaryngol. 2011;77(1):24-32.. Entre os idosos desse estudo, somente 4,5% referiram queixa de dificuldade auditiva, taxa inferior àquela apontada na literatura para esta faixa etária88. Mattos LC, Veras RP. A prevalência da perda auditiva em uma população de idosos da cidade do Rio de Janeiro: um estudo seccional. Rev. Bras. Otorrinolaringol. 2007;73(5):654-9. , 2828. Cruz MS, Oliveira LR, Carandina L, Lima MCP, César CLG, Barros MBA et al. Prevalence of self-reported hearing loss and attributed causes: a population-based study. Cad. Saúde Pública. 2009;25(5):1123-31. , 2929. Meneses C, Mário MP, Marchori LLM, Melo JJ, Freitas ERFS. Prevalence of hearing loss and associated factors in elderly population in Londrina, Paraná: preliminary study. Rev CEFAC. 2010;12(3):384-92.. Esta prevalência possivelmente foi inferior neste estudo pelo baixo acesso dos sujeitos estudados a exames e serviços de diagnóstico audiológico ou mesmo pela pouca percepção destes de que a diminuição da acuidade auditiva seja uma "queixa", visto que a pergunta feita foi "você está com dificuldade para escutar?" e a maioria dos entrevistados entende como natural a degeneração de seus sentidos com o passar dos anos, seja com perda da acuidade visual, auditiva ou do vigor físico que tinha com décadas de vida a menos 77. Gonçales AS, Cury MCL. Assessment of two central auditory tests in elderly patients without hearing complaints. Braz. j. otorhinolaryngol. 2011;77(1):24-32. , 2828. Cruz MS, Oliveira LR, Carandina L, Lima MCP, César CLG, Barros MBA et al. Prevalence of self-reported hearing loss and attributed causes: a population-based study. Cad. Saúde Pública. 2009;25(5):1123-31. , 2929. Meneses C, Mário MP, Marchori LLM, Melo JJ, Freitas ERFS. Prevalence of hearing loss and associated factors in elderly population in Londrina, Paraná: preliminary study. Rev CEFAC. 2010;12(3):384-92..

De forma que a audição, ainda que com perda leve a moderada, seja pouco perceptível em alguns sujeitos como uma "queixa", exceto para aqueles que chegam a serviços para a realização de exames específicos. A tendência é de que a perda auditiva na velhice venha a ser progressiva, podendo vir a causar algum grau de prejuízo à qualidade de vida, com possibilidade de acarretar ao idoso isolamento, dependência e frustrações66. Ciorba A, Bianchini C, Pelucchi S, Pastore A. The impact of hearing loss on the quality of life of elderly adults. Clin Interv Aging. 2012;7:159-63., sendo relevante o implemento de ações dirigidas para diminuir comorbidades associadas à perda auditiva88. Mattos LC, Veras RP. A prevalência da perda auditiva em uma população de idosos da cidade do Rio de Janeiro: um estudo seccional. Rev. Bras. Otorrinolaringol. 2007;73(5):654-9. , 3030. Li-Korotky HS. Age-related hearing loss: quality of care for quality of life. Gerontologist. 2012;52(2):265-71..

Dificuldades de equilíbrio e presença de tontura foram apontadas como queixa dos idosos estudados. É sabido pela literatura, que as vias responsáveis pelo equilíbrio corporal também sofrem com o processo do envelhecimento, gerando grande impacto para os idosos, tais como quedas, entre outros3131. Bittar RSM, Pedalini MEB, Bottino MA, Formigoni LG. Síndrome do desequilíbrio no idoso. Pró-Fono R Atual Cient. 2002;14(1):119-28..

Estas dificuldades podem gerar alterações na qualidade de vida desta população, podendo comprometer sua autonomia social, uma vez que acabam reduzindo suas atividades de vida diária, pela predisposição a quedas e fraturas3232. Ruwer SL, Rossi AG, Simon LF. Equilíbrio no idoso. Rev. Bras. Otorrinolaringol. 2005;71(3):298-303.. Assim, as queixas relacionadas ao desequilíbrio no paciente idoso devem ser criteriosamente avaliadas, para que seja realizado um acompanhamento, a fim de, evitar evolução dos sintomas e/ou desordens decorrentes da dificuldade de equilíbrio e de tontura 3333. Simoceli L, Sguillar DA, Santos HMP, Caputti C. Vestibulopatia por lesão endovascular em cateterismo de urgência. Int. Arch. Otorhinolaryngol. 2012;16(2):282-5. .

Neste estudo, observa-se maior ocorrência (40,9%) de queixas relacionadas à tontura. Tais resultados corroboram com a literatura, que cita a tontura como a queixa mais frequente na população geriátrica, sendo esta queixa de grande relevância por estar associada ao maior risco de quedas, importante fator relacionado à morbimortalidade nesta faixa etária 3434. Felipe L, Cunha LCM, Cunha FCM, Cintra MTG, Gonçalves DU. Presbivertigem como causa de tontura no idoso. Pró-Fono R Atual Cient. 2008;20(2):99-104. , 3535. Tenório JP, Guimarães JA, Flores NG, Iório MC. Comparison between classification criteria of audiometric findings in elderly. J Soc Bras Fonoaudiol. 2011;23(2):114-8..

Doenças sistêmicas são comuns ao grupo geriátrico. No contexto do envelhecimento populacional brasileiro, associado ao aumento da expectativa de vida, configura-se o quadro de transição epidemiológica, expresso pela diminuição de doenças transmissíveis e pelo aumento das crônicas não transmissíveis3636. Ribeiro JP, Rocha AS, Popim RC. Understanding the meaning of quality of life to older persons with type-2 diabetes mellitus. Esc. Anna Nery. 2010;14(4):765-71..

Observa-se, um índice considerável de respostas dos idosos (54,5%), no que se refere a possuírem diagnóstico médico de doença sistêmica, tais como, hipertensão e/ou diabetes.

Conforme a literatura, idosos portadores de doenças sistêmicas como a hipertensão3737. Nagaoka J, Anjos MF, Takata TT, Chaim RM, Barros F, Penido NO. Perda auditiva neurossensorial súbita idiopática: evolução na presença de hipertensão arterial sistêmica, diabetes melito e dislipidemias. Braz. j. torhinolaryngol. 2010;76(3):363-9. e o diabetes, podem apresentar perdas nos limiares auditivos, de caráter neurossensorial bilateral3838. Diniz TH, Guida HL. Perda auditiva nos Pacientes com Diabetes Mellitus. Braz. j. Otorhinolaryngol. 2009;75(4):573-8..

O acompanhamento médico periódico é uma importante medida para reduzir este problema de saúde pública e assegurar a prevenção, o diagnóstico precoce, o aconselhamento adequado e abrangente e tratamento para pacientes com diabetes mellitus3939. Oliveira AF, Valente JG, Leite IC, Schramm JMA, Azevedo ASR, Gadelha AMJ. Carga Global de Doença atribuível ao diabetes mellitus no Brasil. Cad. Saúde Pub. 2009;25(6):1234-44..

Programas de educação em diabetes são de extrema importância, de modo a redirecionar estratégias educacionais para ser significantes para as pessoas com a doença, melhorar a sua prontidão para a aprendizagem e, consequentemente, reforçar atitudes positivas para lidar com a doença4040. Rodrigues FFL, Zanetti ML, Santos MA , Martins TA, Sousa VD, Teixeira CRS. Conhecimento e atitude: componentes importantes na educação em diabetes. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2009;17(4):468-73..

O tabagismo foi relatado por oito (18,18%) sujeitos dentre os 44 que compõem a amostra. Na literatura há evidência no aumento do risco de inúmeros agravos à saúde de tabagistas, dentre eles, hipertensão, edentulismo, periodontite, entre outros2525. Musacchio E, Perissinotto E, Binotto P, Sartori L, Silva-Netto F, Zambon S et al. Tooth loss in the elderly and its association with nutritional status, socio-economic and lifestyle factors. Acta Odontol Scand. 2007;65:78-86..

Os dados obtidos neste estudo demonstram que o número de idosos que apresentam queixas com relação a distúrbios de comunicação é relativamente pequeno, contrariando a expectativa inicial.

Considerando tratar-se de uma amostra relativamente pequena, pode servir de base como um estudo inicial populacional exploratório, a fim de que estes achados sejam comparados com outros grupos de outras regiões.

Ademais, o envelhecimento populacional e suas implicações na saúde fonoaudiológica dos idosos configuram um relevante desafio na contemporaneidade.

Tais constatações mostram a necessidade de novas ações em saúde para que se contemple um dos objetivos da Política Nacional de Saúde do Idoso, a manutenção da qualidade de vida.

Sugere-se que outros estudos de base populacional e mais abrangentes sejam feitos a fim de determinar mais detalhadamente os principais distúrbios fonoaudiológicos da população idosa. Além disso, essas questões devem ser consideradas quando do planejamento e formulação de políticas ligadas à promoção e manutenção da saúde do idoso.

Conclusão

A queixa fonoaudiológica mais frequente na população entrevistada está ligada à motricidade orofacial, audição e equilíbrio, sendo que entre os fatores associados, o que teve sua taxa mais elevada foi em relação às doenças sistêmicas.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    24 Jun 2014
  • Aceito
    27 Nov 2014
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