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Relação entre qualidade de vida e auto-percepção da qualidade vocal de pacientes laringectomizados totais: estudo piloto

Relation between life quality and self-perception of vocal quality in total laryngectomized patients: pilot study

Resumos

OBJETIVO: investigar os indicativos da qualidade de vida em indivíduos submetidos a laringectomia total e a relação destes com os aspectos perceptivo-auditivos da qualidade vocal. MÉTODOS: a população estudada foi constituída por seis indivíduos laringectomizados totais com idades compreendidas entre 40 e 60 anos, de ambos os gêneros, falantes por meio da fala esofágica ou traqueoesofágica. Foram aplicados o protocolo Qualidade de Vida e Voz (QVV) (Behlau et al., 2001) e um roteiro escala de fluência (Robe et al.,1956) para julgamentos de estudantes de graduação e pós-graduação em Fonoaudiologia; e roteiro de auto-percepção da voz para julgamentos dos laringectomizados totais. RESULTADOS: os valores do Domínio Físico do QVV foram em média 63.19 e no Domínio Sócio-Emocional 80.20, tendo como máximo 100. Os sujeitos que apresentaram um escore global baixo são aqueles que sentem um maior desconforto na voz, referido como tensão e rouquidão e os juízes classificaram como sujeitos com limitações para se comunicar. Os sujeitos com valores do escore global alto possuem uma melhor percepção de sua voz e fizeram fonoterapia, tendo sido classificados pelo grupo de juízes como bons falantes que conseguem emitir sentenças ou possuem uma fala fluente, sem hesitação. CONCLUSÃO: o escore no Domínio Físico foi maior do que no Domínio Sócio-Emocional, e tais dados revelam que o desconforto maior apresenta-se no Domínio Físico. Os julgamentos efetuados pelos profissionais e pelos laringectomizados totais correlacionaram-se entre si e com o QVV.

Qualidade de Vida; Voz Alaríngea; Qualidade da Voz; Laringectomia; Percepção da Fala


PURPOSE: to investigate life quality indications in individuals that underwent a total laryngectomy and their relationship with the vocal quality hearing-perceptive aspects. METHODS: the studied population was made up by six total laryngectomized individuals between 40 and 60-year old, of both genders, esophageal or tracheae-esophageal speech speakers. Life and Voice Quality (QVV) protocol (Behlau et al., 2001) and a fluency scale guide (Robe et al. ,1956) were applied for trials of Speech Therapy graduation and post-graduation students; and voice self-perception guide for trials of total laryngectomized individuals. RESULTS: the values for Physical Dominion of QVV were on average 63.19 and in the Social-Emotional Dominion 80.20, considering 100 as threshold. The subjects that showed a low global score are those that feel a major voice discomfort, referred to as tension and hoarseness and that the examiners classified as subjects with limitations to communicate. The subjects with values within the global high score have a better perception of their voice and underwent speech therapy, having been classified by the group of examiners as good speakers who get to give out sentences or have a fluent speech, with no hesitation. CONCLUSION: the score in the Physical Dominion was higher than in the Social-Emotional Dominion, and such data show that the major discomfort appears in the Physical Dominion. The trials carried through by the professionals and by the total laryngectomized individuals were correlated amongst themselves and with QVV.

Quality of Life; Speech; Alaryngeal; Voice Quality; Laryngectomy; Speech Perception


VOZ

ARTIGO ORIGINAL

Relação entre qualidade de vida e auto-percepção da qualidade vocal de pacientes laringectomizados totais: estudo piloto

Relation between life quality and self-perception of vocal quality in total laryngectomized patients: pilot study

Rodrigo Dornelas do Carmo I; Zuleica Camargo II; Kátia Nemr III

IFonoaudiólogo, Estagiário da Unidade Básica de Saúde Vila Ramos - São Paulo; Aprimoramento em Saúde Pública, Especialização em Voz.

IIFonoaudióloga Professora Assistente-Doutora do Departamento de Lingüística da Faculdade de Comunicação e Filosofia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Doutora em Lingüística Aplicada e Estudos da Linguagem pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

IIIFonoaudióloga Professora Concursada da Universidade de São Paulo; Doutora em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo.

Endereço para Correspondência:Endereço para Correspondência: Rua Isidoro José Pereira, 43 São Paulo - SP CEP: 05731-350 Tel: (11) 9816-9020 E-mail: rodrigodornela@uol.com.br

RESUMO

OBJETIVO: investigar os indicativos da qualidade de vida em indivíduos submetidos a laringectomia total e a relação destes com os aspectos perceptivo-auditivos da qualidade vocal.

MÉTODOS: a população estudada foi constituída por seis indivíduos laringectomizados totais com idades compreendidas entre 40 e 60 anos, de ambos os gêneros, falantes por meio da fala esofágica ou traqueoesofágica. Foram aplicados o protocolo Qualidade de Vida e Voz (QVV) (Behlau et al., 2001) e um roteiro escala de fluência (Robe et al.,1956) para julgamentos de estudantes de graduação e pós-graduação em Fonoaudiologia; e roteiro de auto-percepção da voz para julgamentos dos laringectomizados totais.

RESULTADOS: os valores do Domínio Físico do QVV foram em média 63.19 e no Domínio Sócio-Emocional 80.20, tendo como máximo 100. Os sujeitos que apresentaram um escore global baixo são aqueles que sentem um maior desconforto na voz, referido como tensão e rouquidão e os juízes classificaram como sujeitos com limitações para se comunicar. Os sujeitos com valores do escore global alto possuem uma melhor percepção de sua voz e fizeram fonoterapia, tendo sido classificados pelo grupo de juízes como bons falantes que conseguem emitir sentenças ou possuem uma fala fluente, sem hesitação.

CONCLUSÃO: o escore no Domínio Físico foi maior do que no Domínio Sócio-Emocional, e tais dados revelam que o desconforto maior apresenta-se no Domínio Físico. Os julgamentos efetuados pelos profissionais e pelos laringectomizados totais correlacionaram-se entre si e com o QVV.

Descritores: Qualidade de Vida; Voz Alaríngea; Qualidade da Voz; Laringectomia; Percepção da Fala

ABSTRACT

PURPOSE: to investigate life quality indications in individuals that underwent a total laryngectomy and their relationship with the vocal quality hearing-perceptive aspects.

METHODS: the studied population was made up by six total laryngectomized individuals between 40 and 60-year old, of both genders, esophageal or tracheae-esophageal speech speakers. Life and Voice Quality (QVV) protocol (Behlau et al., 2001) and a fluency scale guide (Robe et al. ,1956) were applied for trials of Speech Therapy graduation and post-graduation students; and voice self-perception guide for trials of total laryngectomized individuals.

RESULTS: the values for Physical Dominion of QVV were on average 63.19 and in the Social-Emotional Dominion 80.20, considering 100 as threshold. The subjects that showed a low global score are those that feel a major voice discomfort, referred to as tension and hoarseness and that the examiners classified as subjects with limitations to communicate. The subjects with values within the global high score have a better perception of their voice and underwent speech therapy, having been classified by the group of examiners as good speakers who get to give out sentences or have a fluent speech, with no hesitation.

CONCLUSION: the score in the Physical Dominion was higher than in the Social-Emotional Dominion, and such data show that the major discomfort appears in the Physical Dominion. The trials carried through by the professionals and by the total laryngectomized individuals were correlated amongst themselves and with QVV.

Keywords: Quality of Life; Speech, Alaryngeal; Voice Quality; Laryngectomy; Speech Perception

INTRODUÇÃO

A voz humana é produzida por meio da participação de vários sistemas do organismo humano, principalmente o respiratório e o digestório. Com a retirada de quaisquer órgãos dos sistemas citados, esse mecanismo todo é modificado.

As mudanças na qualidade vocal podem trazer diferenças no grau de entendimento da fala ao se considerar as adaptações ocorridas no aparelho fonador. Um dos motivos para que o homem fique sem essas importantes estruturas é a ocorrência de câncer. Especificamente nessa pesquisa, o foco foi concentrado na região laríngea.

De acordo com dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA) 1, os tumores malignos da laringe e hipofaringe apresentam alta incidência no Brasil, sendo o sexto sítio mais comum entre os tumores malignos na população masculina em idade média de 40 anos, com 2.300 óbitos registrados em 1996.

O conhecimento e a compreensão dos fatores relacionados à laringectomia total e à recuperação com a voz esofágica possibilitam a assimilação de uma nova imagem corporal, fornecendo condições de "fazer" a ação, ou seja, de produzir o som esofágico e, posteriormente, compreender o seu mecanismo, abstraindo e automatizando a nova voz com base na diferenciação entre fazer e compreender. Desta forma, o paciente teria condições de usar a nova voz em qualquer situação comunicativa 2. Conseqüentemente, não se pode minimizar o impacto que a laringectomia total promove ao paciente em seus vários aspectos de sobrevivência: físico (conforto e dor), pessoal, familiar, social e profissional.

Os aspectos intrafamiliar e social são relevantes para a boa e rápida recuperação do paciente, pois o indivíduo nessa situação passa por momentos depressivos. A família deve buscar entender as dificuldades do indivíduo que esteticamente não é mais como antes. O paciente não deve ser recusado, estigmatizado pela família, nem tampouco superprotegido. A relação social após essa cirurgia pode ficar um pouco conturbada, pois o indivíduo se sente, em algumas situações, constrangido. Geralmente há um processo de aceitação, acomodação ou agregação de ambas as partes.

Desta forma, torna-se importante entender os efeitos da laringectomia total no cotidiano do indivíduo de forma a revelar as possibilidades e impedimentos vivenciados nas situações de comunicação neste contexto. No presente estudo, optou-se por explorar o aspecto de qualidade de vida.

Na área da comunicação, foi proposto um protocolo específico, que relaciona a qualidade de vida com alguma alteração no aspecto de comunicação oral, denominado Qualidade de Vida e Voz (QVV) 3. Sua aplicação é crescente e revela-se importante, não apenas para compreensão do impacto na vida do indivíduo, mas para desenvolver a compreensão mais refinada da amplitude dos efeitos de um problema de voz 4.

Diante da ausência de voz laríngea, as técnicas clássicas de reabilitação vocal do laringectomizado total apresentam vantagens e desvantagens que não podem ser ignoradas, se o objetivo é dar ao paciente as maiores possibilidades de readaptação ao seu ambiente sócio-familiar.

Um estudo sobre a reabilitação vocal de 65 laringectomizados totais revelou que 53 entrevistados adquiriram tanto voz esofágica quanto a eletrolaríngea; oito conseguiram somente a voz eletrolaríngea e somente quatro adquiriram a voz esofágica isoladamente. Dos 57 pacientes que conseguiram adquirir a voz esofágica, 38 ficaram em processo de reabilitação vocal por período maior que seis meses. Do total de pacientes, 27 adquiriram a prática da voz esofágica, 59 adquiriram voz esofágica ou voz eletrolaríngea e apenas seis não conseguiram adquirir alguma forma de comunicação alaríngea 5.

Há relatos de que a laringectomia total tem um efeito devastador em pacientes e em suas famílias, sendo que os problemas mais importantes relatados após a laringectomia foram o discurso, a aparência e a atividade física 6.

O crescente desenvolvimento tecnológico da Medicina e disciplinas afins reforçou a necessidade de reflexão sobre a questão da qualidade de vida e de ações que visem impedir a desumanização dos serviços de saúde. Conseqüentemente, a preocupação com o conceito qualidade de vida refere-se a um movimento dentro das ciências humanas e biológicas, no sentido de valorizar parâmetros mais amplos do que o controle de sintomas, a diminuição da mortalidade ou o aumento da expectativa de vida 7.

O debate sobre qualidade de vida e saúde tem razoável tradição, particularmente em países como o Brasil e outros da América Latina, devido à precária distribuição de renda, ao analfabetismo e ao baixo grau de escolaridade. As condições habitacionais e ambientais têm um papel muito importante nas condições de vida e saúde 8.

A qualidade da vida está vinculada à dependência de inúmeras variáveis, muitas delas também relacionadas com a quantidade de vida, ou seja, o número de anos que a pessoa vive e em quais condições isso ocorre. Se um indivíduo durante a sua trajetória vital desenvolve a sua caminhada numa situação que lhe permita "operacionalizar" satisfatoriamente e sem transtornos físicos ou mentais as atividades "normalmente esperadas dos indivíduos de sua idade", pode-se pensar que a qualidade da vida desse indivíduo seja boa. Para tanto é necessário o somatório dos estados "qualitativos" 9.

Dessa forma, deve-se considerar além do trauma emocional vivido pelos pacientes, a relação da equipe que assiste o laringectomizado total, os mecanismos que estes profissionais desenvolvem para lidar com tal situação e as possibilidades empregadas para que a qualidade de vida seja restaurada de forma adequada 10. A reabilitação vocal não é um processo simples, requerendo um esforço motivacional importante, uma rede de apoio eficiente que acople desde os profissionais de saúde até familiares e pessoas de seu entorno social 11.

O presente trabalho aborda a questão da qualidade de vida do paciente laringectomizado total, relacionada com a auto-avaliação vocal e avaliação perceptivo-auditiva de estudantes de Fonoaudiologia. A partir desta relação entre qualidade vocal e qualidade de vida, dados de extrema importância para a reabilitação podem ser revelados e discutidos com base na proposta de abordagens que norteiem a reabilitação, de forma a possibilitar uma melhora comunicativa que signifique, ou melhor, ressignifique a vida de um indivíduo por meio de uma visão social.

Esta pesquisa teve como objetivo investigar os indicativos da qualidade de vida em falantes laringectomizados totais e a relação destes com os aspectos perceptivo-auditivos da qualidade vocal apontada por estudantes de graduação e pós-graduação em Fonoaudiologia e pelo próprio paciente.

MÉTODOS

A população estudada foi constituída por seis indivíduos laringectomizados totais (nomeados S1 a S6) com idades compreendidas entre 42 e 75 anos do gênero masculino, falantes por meio da fala esofágica ou traqueoesofágica, atendidos no Serviço de Fonoaudiologia do Hospital Heliópolis. Os falantes foram esclarecidos sobre o objetivo da pesquisa e procedimentos de coleta de dados, aceitaram voluntariamente participar, expressando seu consentimento para uso das informações coletadas.

Foram incluídos os pacientes em fase final de atendimento fonoaudiológico ou em alta fonoaudiológica, independente do método de introdução de ar no esôfago para a emissão da voz esofágica ou em uso de prótese traqueoesofágica. Todos os indivíduos estudados foram considerados bons falantes pelos profissionais responsáveis pela fonoterapia.

Como critérios de exclusão consideraram-se aqueles sujeitos com presença de lesão em atividade, em tratamento radio ou quimioterápico ou com outro comprometimento neurológico que influísse na comunicação.

As informações referentes à idade, estadiamento do tumor (TNM), tratamentos de radioterapia e de fonoterapia dos indivíduos laringectomizados totais são apresentadas na Figura 1.


A coleta de dados envolveu gravações em áudio de amostras de fala, com registro das respostas ao questionário utilizado para análise dos aspectos de qualidade de vida e voz 3. Três das gravações envolveram a adaptação de microfone head set marca audiotechnica ATM 75 acoplado à cabeça do falante, unidirecional, diagrama polar cardióide, elemento condenser, resposta de freqüência de 60 a 1500 Hz e curva de ganho linear, garantindo o controle do nível de intensidade da gravação mantido a uma distância fixa de 15 centímetros (cm) da comissura labial direita do falante, o qual foi conectado à mesa de som marca soundcraft modelo 328xd e esta por sua vez a um computador, no laboratório de Rádio da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Três das gravações foram realizadas em gravador Mini Disc (MD) modelo Sony, com adaptação do microfone de cabeça unidirecional e condensador a eletreto, marca Le Son. O falante permaneceu sentado e recebeu as instruções para gravação, as quais foram repetidas tantas vezes quantas necessárias.

As amostras da fala foram digitalizadas em freqüência de amostragem de 22050 Hertz (Hz) e 16 bits, nos formatos áudio, compondo um CD para avaliação perceptivo-auditiva por parte de um grupo de fonoaudiólogos e estudantes de Fonoaudiologia. Esse procedimento foi necessário devido à dificuldade de locomoção dos participantes da pesquisa até o laboratório de rádio da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Durante a sessão de gravação, o falante respondeu oralmente às dez questões do protocolo QVV-Qualidade de Vida e Voz 3, o qual consta de dez itens, abordando os domínios: socioemocional e físico, contendo uma escala que aborda desde interferências psíquicas até a influência que os aspectos vocais presentes trouxeram ao seu cotidiano e meio social.

O item 02 do QVV foi adaptado para a realidade da produção de fala do laringectomizado total falante por meio da fala esofágica quanto à dinâmica respiratória na fala.

Por meio de análise estatística, foi calculado um escore padrão a partir do escore bruto. O valor referência é 100. Valor mais elevado indica maior correlação entre a voz e a qualidade de vida. O escore mínimo é zero, tanto para um domínio particular, como para o escore global.

Para identificar os fatores que influenciam os domínios sócio-emocional, funcionamento físico e global (escores) do QVV, o método estatístico utilizado neste protocolo é a regressão linear múltipla.

O falante laringectomizado total também caracterizou sua voz do ponto de vista perceptivo-auditivo (Auto-percepção de fala), relacionando descritores de voz tanto de base auditiva, quanto cinestésica. Os descritores envolveram: confortável, agradável, rouca, clara, fina, grossa, forte, cochichada, ríspida, tensa e, por último com secreção. Este protocolo foi construído no decorrer da pesquisa com intuito de abordar de maneira simples alguns descritores 12 relacionados à voz de modo que fossem claramente compreendidos pelos sujeitos participantes, levando em consideração a baixa escolaridade e as limitações cognitivas em grande parte dos pacientes atendidos em hospitais públicos 2.

Os dados da avaliação vocal do paciente (QVV e auto-percepção) foram correlacionados aos dados da avaliação perceptivo-auditiva segundo a Escala de Fluência 13. A análise perceptivo-auditiva realizada pelo grupo de juízes estudantes de graduação e pós-graduação em Fonoaudiologia envolveu a apresentação da gravação em áudio de uma amostra de fala encadeada de cada sujeito do grupo estudado.

Os estímulos foram reproduzidos em sala com nível de ruído reduzido em duas sessões distintas, totalizando 18 juízes (seis graduandos do último semestre de graduação em Fonoaudiologia, cursando a disciplina específica de Percepção e Produção de Fala e 12 pós-graduandos, integrantes do Grupo de Trabalho em Voz), todos estudantes da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Todos consentiram o uso do julgamento efetuado de acordo com o termo de consentimento. A apresentação dos estímulos para a caracterização dos profissionais e estudantes em Fonoaudiologia foi dividida em dois momentos. No primeiro momento apresentou-se os estímulos para que os sujeitos pudessem se familiarizar com as vozes sem que houvesse a necessidade de preencher a Escala de fluência 13. No segundo momento foi solicitado o preenchimento do roteiro de avaliação de Fluência 13. Após a apresentação das amostras, eram recolhidos os protocolos e agrupados conforme a classificação dada individualmente por cada juiz.

Foram utilizados nesta pesquisa três protocolos sendo que o protocolo 1 foi apresentado ao grupo de juízes e os protocolos 2 e 3 foram apresentados aos pacientes laringectomizados totais.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Serviço de Fonoaudiologia do Hospital Heliópolis sob o Parecer de n° 398/05, com referendo do Comitê de Ética da Faculdade de Fonoaudiologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo sob o número 249/05. Os resultados foram apresentados na forma descritiva.

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RESULTADOS

Os resultados estão divididos nos itens da Escala de Fluência; Protocolo Qualidade de Vida e Voz (QVV); e auto-percepção de fala.

A análise perceptivo-auditiva por meio da Escala de Fluência realizada por estudantes de graduação e pós-graduação em Fonoaudiologia é apresentada na Figura 3.


O julgamento perceptivo da fala pelo grupo de fonoaudiólogos comparado à auto-percepção mostrou que os descritores como uma fala clara, confortável apontados pelos pacientes laringectomizados, estão relacionados à melhor percepção de fala sendo esses classificados como bons falantes que conseguem emitir sentenças consistentemente ou possuem uma fala fluente sem hesitação, segundo os juízes.

Os resultados da aplicação do QVV estão demonstrados nas Tabelas 1 a 3. Na Tabela 1 observa-se os resultados referentes à análise global do grupo, enquanto nas Tabelas 2 e 3 são apresentados os resultados com base no levantamento das respostas individuais respectivamente às dez perguntas e ao escore no Domínio Físico e Sócio-Emocional.

Neste item, os valores do Domínio Físico tiveram em média respostas em torno de 63.19 e no Domínio Sócio-Emocional 80.20 tendo como máximo 100. Tais dados revelam que o desconforto em relação à nova voz apresenta-se principalmente no domínio físico.

Os resultados da auto-avaliação de fala pelos laringectomizados totais são apresentados na Figura 2. Em relação aos descritores de auto-percepção, pode-se observar que a referência de voz clara obteve o maior índice de aceitação.


DISCUSSÃO

A relação entre auto-percepção de fala com a qualidade de vida do paciente laringectomizado total traz a tona à discussão de até que ponto a percepção da nova voz o incomoda e, conseqüentemente, o quanto isso afeta sua qualidade de vida.

Os valores do Domínio Físico tiveram em média respostas em torno de 63.19 e no Domínio Sócio-Emocional 80.20 tendo como máximo 100. Tais dados revelam que o desconforto em relação à nova voz apresenta-se principalmente no domínio físico. As restrições após a laringectomia total de fato continuam sendo um dos grandes problemas para a reabilitação do paciente, que demanda necessidades de adaptações, manutenção de alguma atividade física de trabalho 14. Ressalta-se assim, que esta temática merece maior aprofundamento no estudo da reabilitação do laringectomizado total.

Os sujeitos que apresentaram escore global entre 27.50 e 57.50 no QVV são aqueles que sentem maior desconforto na voz e acham que tal desconforto é passado para o interlocutor por meio de uma fala com características de tensão, com muita secreção e com rouquidão. Os sujeitos que apresentaram escore global entre 80.00 e 97.50 acham sua voz confortável, muito agradável e totalmente clara.

O índice do QVV relacionado com os descritores da auto-percepção, revelaram que os descritores de voz agradável e confortável mostram uma qualidade de vida melhor, não interferindo na sua vida social e em hábitos como o de evitar sair socialmente e em problemas para exercer a profissão. Tais dados indicam que o paciente percebe quando provoca uma maior ou menor aceitação daqueles com quem interage, estando de acordo com a literatura 10.

Em relação aos descritores de auto-percepção, vale ressaltar ainda o fato da referência de voz clara ter obtido o maior índice de aceitação, ou seja, por mais que haja dificuldades, os indivíduos possuem uma percepção de sua fala como inteligível. Estes descritores se relacionaram à melhor percepção de fala na avaliação realizada pelos juizes, sendo esses classificados como bons falantes, ou seja aqueles que conseguem emitir sentenças consistentemente ou possuem fala fluente sem hesitação.

Os pacientes laringectomizados totais que se utilizam de fala tráqueo-esofágica como forma de comunicação, quando comparados com falantes esofágicos, apresentam um melhor índice de qualidade de vida e esse está relacionado também à melhor auto-percepção da voz 15.

Entre as queixas mais presentes na produção de fala esofágica podemos citar as dificuldades de falar e serem ouvidos em ambientes ruidosos 16, achado este que corrobora com os resultados do QVV da presente pesquisa quando é especificada a maior dificuldade encontrada entre os sujeitos da pesquisa, mesmo naqueles com melhor escore.

A voz esofágica apresenta freqüência grave e intensidade reduzida, dado este que é perceptível aos sujeitos participantes da pesquisa quando descrevem suas vozes sucessivamente como grossa e fraca 17 .

Em contrapartida, é possível observar na Figura 2 que os laringectomizados totais falantes com prótese traqueo-esofágica têm como predomínio na percepção de sua voz os descritores de voz confortável, agradável e clara e possuem os valores máximos de escore no domínio sócio-emocional (100). A percepção associada ao modo de produção de fala com prótese traqueo-esofágica é indicativa de melhor qualidade vocal 18.

Aspectos da percepção de fala apontados pelos pacientes como fala ríspida, tensa e com muita secreção foram classificados pelos juízes como falantes com limitações que emitem sons isolados. Houve uma exceção em que o sujeito apontou descritores positivos relacionados à sua voz e foi classificado como um falante com limitações, apontando para uma discordância entre a auto-percepção e a avaliação perceptivo-auditiva que deveria ser melhor investigada. Neste caso, a limitada necessidade comunicativa do indivíduo poderia justificar essa discordância. Assim, análises mais detalhadas sobre as necessidades comunicativas dos laringectomizados totais poderiam enriquecer pesquisas deste tipo.

Os resultados obtidos na presente investigação revelam a importância do método de comunicação oral utilizado e ao mesmo tempo avaliado pelo laringectomizado total, de forma que os pacientes possam opinar no decorrer do processo de aquisição/construção da nova voz, pois apenas ele sabe prioritariamente a necessidade de um padrão vocal contextualizada ao seu ambiente social. A qualidade de vida nesse estudo é apontada e firmemente associada à boa satisfação de comunicação atual.

A qualidade de vida pode ser um conceito bastante subjetivo, mas a subjetividade não pode ser impedimento para que sejam aprimoradas as técnicas, visto que isto poderia conduzir à estagnação deste tipo de investigação 19. Diante dos resultados relatados, o papel do fonoaudiólogo na reintegração social dos sujeitos laringectomizados totais ganha destaque, uma vez que o processo terapêutico propicia o desenvolvimento de um grau de comunicação próximo ao aceito socialmente.O relacionamento profissional de saúde-paciente é, sabidamente, uma parceria entre duas pessoas permeado pela ampla autonomia, das quais uma delas detém o conhecimento técnico-científico, que põe à disposição da outra, que o aceitará, ou não 20.

CONCLUSÃO

Pelos resultados obtidos neste estudo, foi possível concluir que:

· no protocolo Qualidade de Vida e Voz (QVV), os valores de Escore no Domínio Físico foram em média maiores que aqueles do Domínio Sócio Emocional, revelando que o desconforto maior apresenta-se principalmente no Domínio Físico;

· os sujeitos que apresentaram um escore global baixo foram aqueles que referiram maior desconforto na voz e qualidades como tensão e rouquidão. Por outro lado, os sujeitos com valores do escore global alto apontaram melhor percepção de sua fala. Tais achados foram compatíveis com o julgamento do grupo de fonoaudiólogos e estudantes de fonoaudiologia, em que os melhores falantes foram referidos como capazes de emitir sentenças ou possuem fala fluente, sem hesitação e os falantes com maior grau de desconforto foram julgados como tendo limitações na comunicação ou até mesmo conseguirem produzir apenas sílabas isoladas, exceto em um caso de discordância.

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Recebido em: 25/04/06

Aceito em: 29/08/06

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Set 2007
    • Data do Fascículo
      Dez 2006

    Histórico

    • Aceito
      29 Ago 2006
    • Recebido
      25 Abr 2006
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