Triagem auditiva de neonatos de mães com Diabetes Mellitus e/ou hipertensão na gestação: uma revisão sistemática da literatura

RESUMO

Objetivos:

investigar os resultados da Triagem Auditiva Neonatal (TAN) em neonatos cujas mães tiveram hipertensão e/ou diabetes mellitus na gestação.

Métodos:

revisão sistemática da literatura, sem restrição de ano e de idioma, guiada pelo protocolo PRISMA, realizada a partir de consulta às bases MEDLINE(PUBMED), LILACS(BVS), SCOPUS, WEB OF SCIENCE e EMBASE, utilizando-se os descritores neonatal screening AND hearing AND (hypertension OR diabetes mellitus). Foram excluídos estudos duplicados ou indisponíveis na íntegra.

Resultados:

foram encontrados 64 registros, dos quais5 foram incluídos para análise. Os artigos analisados foram publicados nos últimos 13 anos, originaram-se em diferentes países e apresentaram tanto delineamento retrospectivo (transversal, n=1; caso-controle, n=1) como prospectivo (transversal, n=1; caso-controle, n=1; coorte, n=1). Os achados dos estudos revisados demonstram divergências quanto à presença de alterações no resultado da TAN de recém-nascidos cujas mães apresentaram hipertensão e/ou diabetes gestacional.

Conclusão:

diante dos resultados contraditórios a respeito de alterações do resultado da TAN na presença de hipertensão e/ou diabetes na gestação, sugere-se a realização de estudos de coorte prospectivos, em diferentes contextos, a fim de isolar os fatores de confusão para perda auditiva e minimizar os vieses de aferição e seleção.

Descritores:
Triagem Neonatal; Audição; hipertensão; Diabetes Mellitus; Revisão

ABSTRACT

Purpose:

to investigate the results of the Neonatal Hearing Screening (NHS) in neonates whose mothers presented hypertension and/or diabetes mellitus in their pregnancy.

Methods:

a systematic review of the literature, without restriction of year and language, guided by the PRISMA protocol, that was carried out through a search in the MEDLINE (PUBMED), LILACS (BVS), SCOPUS, WEB OF SCIENCE and EMBASE databases, using neonatal screening AND hearing AND (hypertension OR diabetes mellitus) as descriptors. Studies that were duplicated or were unavailable were excluded.

Results:

64 records were found, 5 being included for analysis. These articles had been published in the last 13 years, originated from different countries, and using a retrospective (cross-sectional, n=1, case-control, n=1) or prospective design (cross-sectional, n=1, case-control, n=1; cohort, n=1). The findings of the articles demonstrated differences regarding the presence of changes in the NHS outcomes of newborns whose mothers presented hypertension and/or diabetes during pregnancy.

Conclusion:

since the review showed contradictory results regarding changes in the NHS outcomes in the presence of mothers’ hypertension and/or diabetes during pregnancy, prospective cohort studies are needed, in different contexts, in order to isolate confounding factors for hearing loss and minimize measurement bias and selection.

Keywords:
Neonatal Screening; Hearing; Hypertension; Diabetes Mellitus; Review

INTRODUÇÃO

A gestação é um fenômeno fisiológico, que envolve diversas mudanças psicossociais e que deve ser considerado pelas gestantes e equipes de saúde como parte de uma experiência de vida saudável¹. Entretanto, na presença de condições médicas que possam afetar a saúde e/ou a vida materna ou fetal (ou mesmo ambas), a gestação passa a se constituir como uma situação limítrofe e a ser considerada como uma “gestação de alto risco”. Esse termo é usado para indicar a presença de situações de risco, que podem ocorrer durante a gestação, o parto ou pós-parto, e que acabam por representar uma maior probabilidade de evolução desfavorável desses acontecimentos^1-3.

Atualmente, 88% das gestações necessitam apenas de cuidados básicos, pois seguem um curso fisiológico típico. Contudo, em 12% dos casos encontra-se uma gravidez de alto risco, que requer assistência adicional e específica². Os diagnósticos de diabetes gestacional e hipertensão são os mais frequentemente associados à gestação de alto risco, trazendo desafios adicionais à vivência da gestação, do parto e do puerpério¹. Globalmente, 21,4 milhões (16,9%) de 127,1 milhões de nascidos vivos, filhos de mulheres com idades entre 20 e 49 anos, são afetados por hiperglicemia na gravidez⁴. No que tange à hipertensão, os distúrbios hipertensivos estão presentes em cerca de 5 a 10% das gestações, enquanto a pré-eclâmpsia atinge cerca de 3%⁵.

A presença de diabetes pode influenciar negativamente o desenvolvimento intra-uterino. No primeiro trimestre gestacional, o feto pode ter, como consequências desta doença, anomalias congênitas, o que aumenta o risco de aborto espontâneo. Durante o segundo e o terceiro trimestres, podem ser observados crescimento excessivo (macrossomia fetal), hipoglicemia neonatal, icterícia, policitemia e, até mesmo, a morte fetal. Portanto, essa condição impõe um monitoramento cuidadoso, para minimizar o risco de complicações fetais^6,7. Os sintomas são raros e difíceis de distinguir daqueles presentes em uma gestação de baixo risco, pois incluem o aumento da sede e a micção frequente, além de certa elevação da pressão arterial.

Já as doenças hipertensivas constituem um grupo clinicamente desafiador, pois pouco se sabe sobre sua patogênese e prevenção. A principal preocupação referente à presença dessa condição relaciona-se aos potenciais efeitos nocivos para a mãe e o feto. Além disso, destaca-se a abrangência desta doença, uma vez que não há diferenciação entre países mais ou menos industrializados^5,8. A hipertensão induzida pela gravidez, ou pré-eclâmpsia, é associada à proteinúria e edema, ocorrendo principalmente nas nulíparas após a 20ª semana gestacional. Embora tenha causa desconhecida, a hipótese explicativa atual para a sua patogênese é a de que a placenta provoca uma perturbação imunológica anormal, resultando em diminuição da perfusão placentária⁹.

Muitas das perturbações fisiológicas e complicações decorrentes das doenças hipertensivas também estão associadas com a presença de diabetes mellitus na gravidez. Além das repercussões fetais já mencionadas, ambos os diagnósticos têm o potencial de afetar tanto o desenvolvimento do sistema auditivo quanto o cérebro do feto, o que pode gerar danos ao processamento auditivo periférico e/ou central. Por essa razão, filhos de mães diabéticas podem estar em risco para o desenvolvimento da comunicação e da aprendizagem¹⁰.

Independentemente do risco gestacional, é importante garantir a continuidade do cuidado do neonato, assegurando o seguimento da mulher e do neonato no pós-parto, assim como ao longo do seu desenvolvimento, para que ele possa alcançar todo o seu potencial intelectual, cognitivo e motor. Nesse sentido, a implementação da Triagem Auditiva Neonatal (TAN) representa um passo importante, por ter como finalidade a identificação precoce de deficiência auditiva em neonatos e lactentes. A TAN tem se tornado uma prática padrão na maioria dos países, tendo como base uma vasta literatura disponível sobre os benefícios do ponto de vista financeiro e do desenvolvimento infantil¹¹.

A técnica mais utilizada para os neonatos e lactentes sem indicadores de risco para deficiência auditiva (IRDA) é o exame de Emissões Otoacústicas Evocadas (EOA), caracterizado por ser um instrumento de avaliação objetiva pré-neural. Caso a falha persista, indica-se a realização do teste Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico (PEATE- Automático ou em modo triagem), que compreende uma avaliação eletrofisiológica do nervo auditivo até o tronco encefálico alto^12,13. No que tange à presença de diabetes mellitus e hipertensão gestacional, indica-se a realização desta mesma sequência, uma vez que estas doenças não são consideradas como IRDA^1,12, embora, como mencionado, elas possam repercutir sobre o desenvolvimento cerebral e, consequentemente, auditivo do feto.

Acredita-se que o aumento da resistência à insulina, no caso do diabetes mellitus, fornece ao feto uma oferta abundante de nutrientes necessários para o seu crescimento e desenvolvimento, modificando os níveis maternos de glicose, lipídios, aminoácidos e, portanto, a disponibilidade desses substratos essenciais para o desenvolvimento fetal. Assim sendo, a alteração no desenvolvimento do feto decorrente da hiperglicemia materna poderia vir a acarretar danos no desenvolvimento auditivo. Além disso, várias condições e complicações comuns na gestação de diabéticas são também conhecidas como indicadores para perda auditiva neonatal, tendo potencial de alterar o desenvolvimento do sistema auditivo. Entretanto, até o momento, pouco se sabe sobre as habilidades auditivas de crianças nascidas de mães diabéticas e quais as consequências exclusivas desta doença sobre o desenvolvimento auditivo¹⁰. Já quanto à hipertensão, a expectativa inicial de alteração nos resultados da TAN deriva do fato de essa condição, devido à toxemia sistêmica e a eventos vasculares, ser considerada como crítica, pois coloca tanto as gestantes quanto os bebês em risco de falência de múltiplos órgãos, incluindo a orelha interna⁹.

Assim, a presença dessas condições clínicas, e o eventual comprometimento auditivo que podem acarretar, geram um questionamento a respeito dos resultados obtidos na TAN por recém-nascidos cujas mães apresentem hipertensão e/ou diabetes durante a gestação. Nesse contexto, o presente estudo teve como objetivo investigar os resultados da TAN de recém-nascidos cujas mães apresentaram hipertensão e/ou diabetes mellitus durante a gestação.

MÉTODOS

Para atingir os objetivos do estudo, foi realizada uma revisão sistemática da literatura, com base nas diretrizes e procedimentos da ferramenta Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA)¹⁴. A busca dos artigos foi realizada em cinco bases de dados eletrônicas: MEDLINE (via PUBMED), LILACS (BVS), SCOPUS, WEB OF SCIENCE e EMBASE. Nessa busca foram empregados os seguintes termos descritores: "neonatal screening", "hearing", "hypertension” e “diabetes mellitus”, em acordo aos termos usados nos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) e no Medical Subject Headings (MeSH). Especificamente, a estratégia de busca utilizada foi neonatal screening AND hearing AND (hypertension OR diabetes mellitus). A pesquisa utilizou uma pergunta norteadora, baseada na metodologia PICO¹⁵. “Há evidência de alteração (falha) nos resultados da TAN de recém-nascidos cujas mães tiveram hipertensão e/ou diabetes na gestação?”.

Os critérios usados para a inclusão dos artigos para análise foram os seguintes: artigos originais, que continham resultados da TAN de neonatos cujas mães apresentaram hipertensão e/ou diabetes na gestação. O idioma e o período de publicação não foram limitados. Por outro lado, foram excluídos todos os estudos com registros duplicados ou indisponíveis na íntegra.

Duas pesquisadoras - fonoaudiólogas - devidamente treinadas para tal fim, de forma independente e cega, fizeram a consulta às bases no mesmo dia e horário, seguindo os mesmos procedimentos de consulta. Após a identificação dos registros (n=64), todos os títulos e resumos disponíveis foram lidos para verificar os critérios de inclusão dos artigos para análise. Foram excluídos 30 estudos cujos registros estavam duplicados. Ainda, estudos que não apresentavam o resumo disponível para leitura (n=2), ou que não responderam ao objetivo do presente estudo (n=24), caracterizando fuga ao tema. Ressalta-se que, durante todo o processo de seleção dos artigos, eventuais discordâncias na inclusão/exclusão dos registros foram resolvidas por meio de discussão com um terceiro pesquisador.

De posse dos registros incluídos (n=8), procedeu-se à análise dos textos na íntegra. A partir dessa leitura, verificou-se que outros três artigos não obedeceram aos critérios de inclusão no que tange ao tema. Assim, contou-se com cinco (n=5) artigos para análise. Todo o processo de busca e seleção dos artigos está descrito na Figura 1.

Figura 1:
Fluxograma da seleção dos artigos

Como mencionado, os artigos selecionados (n=5) foram lidos na íntegra, visando identificar as informações de interesse, referentes a dados de autoria (ano de publicação, periódico, país de publicação), características metodológicas (objetivos e delineamento do estudo, amostra, doença gestacional), técnica/intervenção realizada (TAN) e resultados da avaliação auditiva do bebê (TAN). Tais informações foram coletadas por meio de formulários padronizados, pelas duas pesquisadoras, também de forma independente e cega. Para a análise metodológica dos estudos selecionados, utilizou-se o Grau de recomendação e força de evidência da Associação Médica Brasileira¹⁶.

REVISÃO DE LITERATURA

A Tabela 1 apresenta detalhadamente a caracterização dos estudos analisados.

Tabela 1:
Caracterização detalhada dos estudos revisados

Ano de publicação	Periódico	País	Objetivos	Delineamento	Amostra	Doença gestacional	Técnica/ Intervenção (TAN) e idade dos neonatos avaliados	Resultados
1. 201417	Acta Otorrinolarin­gológica Española	Espanha	Conhecer a influência de diversos fatores perinatais nas respostas às EOAs nas primeiras 48 horas de vida.	Transversal Retrospectivo	n total: 8.239 n diabetes: 162 n hipertensão:77	Diabetes Mellitus Hipertensão	Não foi especificado o tipo de EOA Realizada próximo às 48 horas de vida do neonato	Diabetes: p<0,98 Hipertensão: p<0,32 Não houve relação significante em relação à diabetes ou hipertensão e falha nas EOA.
2. 201418	Harefuah	Israel	Verificar o efeito de medicamentos e doenças maternas durante a gestação sobre os resultados do primeiro teste de EOAs.	Transversal Prospectivo	n total: 2306	Diabetes Mellitus Hipertensão	Não foi especificado o tipo de EOA Realizada entre 12 e mais de 48 horas de vida do neonato	Diabetes e parto vaginal: [OR 2.2 (1.0-4.84) p=0.049] Hipertensão/pré-eclâmpsia e parto cesárea: [OR 2.3 (1.22-4.3) p=0.01] Houve relação significante entre diabetes ou hipertensão e falha nas EOA
3. 20089	Otolaryngology - Head and Neck Surgery	Irã	Determinar a provável prevalência de deficiência auditiva em crianças cujas mães tiveram hipertensão induzida na gestação, em comparação com aquelas nascidas de mães saudáveis.	Coorte Prospectivo	n total: 150 n hipertensão: 36 n saudáveis: 114	Hipertensão	EOAET Realizada após o nascimento. Em caso de falha, realizada novamente duas semanas depois do nascimento. PEATE Realizado após falha na segunda testagem de EOAT, até o final do primeiro mês de vida do neonato sendo encaminhado.	Primeira EOAT: (p= 0.001) Segunda EOAT: (p= 0.646) PEATE: (p= 0.573) Este estudo sugere que a pré-eclâmpsia pode ter algum efeito temporário sobre a audição de recém-nascidos.
4. 200510	American Journal of Audiology	Estados Unidos	Comparar o resultado da TAN de recém-nascidos cujas mães tiveram diabetes pré-gestacional com mães controles não-diabéticas.	Caso-controle Retrospectivo	n total: 146 n diabetes: 73 n saudáveis: 73	Diabetes Mellitus	EOA-PD PEATE-A Não especifica o tempo de vida utilizado para a realização da TAN - de acordo com o protocolo	EOA-PD: 5,5% (4/73) para os bebês do grupo controle(não diabéticos), e 11,0% (8/73) para lactentes de mães diabéticas. Não houve relação significante para a falha, comparados os grupos (x2 = 0.82, p = 0.37). PEATE-A: 9,1% (1/11) para o grupo de pacientes diabéticos em comparação com 0% (0/4) para os controles. Apesar de não apresentar o valor de p, o artigo expõe que não houve relação significante.
5. 200219	American Journal of Audiology	Estados Unidos	Identificar potenciais fatores de risco para perda auditiva neonatal que não estão incluídos nas variáveis reconhecidas pelo JCIH.	Caso-Controle Prospectivo	n total: 746 n casos: 110 n controles: 636	Diabetes Mellitus	PEATE Não especifica o tempo de vida utilizado para realização da TAN - de acordo com o protocolo	Diabetes: (p=0.011) Houve relação significante entre presença de diabetes materna e falha do neonato no PEATE.

• Legenda: OR=odds ratio; EOA= emissões otoacústicas evocadas; EOAET=Emissões Otoacústicas Evocadas por Estímulo Transiente; EOA-PD= emissões otoacústicas evocadas por distorção;PEATE= potencial evocado auditivo de tronco encefálico; PEATE-A= potencial evocado auditivo de tronco encefálico - automático; p= valor de p

No que diz respeito ao período de publicação dos estudos - não limitado nas buscas - foram encontrados registros de janeiro de 1975 a novembro de 2015. Contudo, destaca-se o predomínio de investigações da última década: 2002 (n=1), 2005 (n=1), 2008 (n=1) e 2014 (n=2). Quanto ao país de origem dos estudos, tais investigações foram conduzidas nos EUA (n=2), Irã (n=1), Israel (n=1) e Espanha (n=1). Os autores eram, na sua maioria, médicos pediatras e otorrinolaringologistas, o que é esperado, uma vez que estes profissionais são habilitados para realizar os testes em seus respectivos países. Nesse sentido, as revistas nas quais os artigos foram publicados eram direcionadas para a área médica, especialmente otorrinolaringologia e audiologia, e variaram na classificação QUALIS-CAPES de A2 a B4 (Área Saúde Coletiva: B1 e B2; Medicina I: B1 e B4; Educação Física: A2), conforme os parâmetros dessa avaliação do ano de 2015.

Os objetivos dos artigos analisados mostraram semelhanças, como o foco na atenção à audição neonatal e na busca de possíveis associações entre as doenças gestacionais e prejuízos auditivos dos recém-nascidos, com vistas a promover a atenção precoce à saúde das gestantes, bem como verificar possíveis perdas auditivas nos neonatos. Chama a atenção a ausência de artigos brasileiros que focalizassem esse tema, demonstrando a necessidade de pesquisas dessa natureza no âmbito nacional.

Já quanto às variáveis analisadas nos estudos revisados, observou-se grande diversidade, incluindo fatores perinatais, dados sociodemográficos e doenças neonatais e maternas. Uma avaliação isolada para cada variável traria mais confiabilidade para os resultados encontrados, especialmente a associação entre diabetes mellitus e/ ou hipertensão na gestação e perda auditiva congênita.

Devido à natureza dos objetivos desses estudos, no que tange às características metodológicas, foi observado o predomínio de estudos prospectivos (n=3), com delineamento transversal, caso-controle ou coorte. Estes, conforme os graus de recomendação e força de evidência, analisando delineamento, da Associação Médica Brasileira¹⁶, variaram entre B e C. A ausência de artigos de grau A demonstra que ensaios clínicos randomizados poderiam ser realizados, para diminuir viéses, embora, para se alcançar maior fidedignidade em relação aos desfechos da TAN e suas possíveis associações com hipertensão e/ou diabetes mellitus, entenda-se como mais indicada a realização de estudos de coorte prospectivos.

Já quanto à técnica utilizada para a realização da TAN, predominou, nos estudos revisados, aquela postulada pelo JCIH¹²: as EOAT. Pela ausência de IRDA dentre as doenças que foram foco do presente estudo, as EOA¹ foram empregadas em diferentes modalidades - principalmente EOAT, embora também tenham sido utilizadas as EOA-PD. Além disso, alguns artigos realizaram a sequência de EOA, seguida de PEATE. Cabe salientar que estas formas de avaliação possuem diferenças. Por exemplo, as EOAT e as EOA-PD são utilizadas para o monitoramento da função coclear e têm boa sensibilidade e boa especificidade¹³. As EOAT são um método objetivo, rápido e não invasivo, que não exige colocação de eletrodos, indicadas para a TAN, com espectro amplo que abrange um gama de frequências. Já as EOA-PD caracterizam-se pela estimulação com a apresentação simultânea de dois tons puros, que, por intermodulação, produzem um terceiro produto como resposta.

Além disso, quatro dos cinco artigos selecionados descreveram os equipamentos utilizados para a TAN. Os equipamentos apresentados foram: Otoport Lite, Otodynamics Ltd; GSI Audio Screener, Grason-Stadler; GN Otometrics; Bio-logic AudX II, Natus; ALGO 2 Newborn Hearing Screener, Natus; e Echocheck OAE Screener, Otodynamics Ltd. Pode-se observar uma grande diversidade de equipamentos utilizados. Deste modo, pode ter ocorrido um viés de aferição, que acarretou diferenças nos resultados dos estudos analisados, devido ao emprego de formas diversas de avaliação, com equipamentos distintos.

Nessa direção, quanto aos resultados dos estudos revisados, isto é, os resultados da TAN de neonatos cujas mães apresentaram diabetes mellitus e/ou hipertensão arterial, verificou-se contradições. No estudo que relacionou hipertensão na gestação aos resultados da TAN, em 2008, pesquisadores⁹ expuseram que os sintomas hipertensivos podem adiantar o trabalho de parto, indicando a possibilidade de prematuridade e, consequentemente, de doenças associadas a ela, o que, por sua vez, pode causar perda auditiva sensório-neural. Dentre os seus achados, na primeira avaliação com EOAT, observou-se que 12 dos 36 casos (33,33%) e 12 dos 102 controles (11,76%) apresentaram falha. Houve diferença estatisticamente significante (valor de p=0,001), mas, no reteste com EOAT, seguido da realização do PEATE, duas e quatro semanas depois, respectivamente, não foram observadas diferenças significantes entre os grupos. Em suma, o estudo não relaciona a perda auditiva sensório-neural permanente à presença de hipertensão, a não ser quando esta resultar em prematuridade complicada por hemorragia intracraniana ou anóxia severa, ou outras condições passíveis de associação. No outro estudo¹⁸ que abordou a hipertensão materna foi encontrado associação com a falha nas EOA nos neonatos.

Também no que se refere à diabetes mellitus, os resultados dos estudos revisados mostraram-se inconclusivos. Por exemplo, um estudo de 2005¹⁰ propôs que crianças nascidas de mães diabéticas merecem atenção, pois outras doenças decorrentes dessa condição, como a hipóxia, a hiperbilirrubinemia e as deficiências de ferro, tem mecanismos específicos que aumentam o risco de desordens do desenvolvimento neurológico e disfunção do sistema auditivo. Entretanto, neste estudo não foi possível identificar diferença da falha nas EOA-PD em função da presença de diabetes mellitus gestacional. Desse modo, os autores destacaram a necessidade de avaliar as alterações metabólicas causadas pelo diabetes, bem como diferenciar a diabetes gestacional da pré-gestacional. De modo contrário, pesquisadores, no ano de 2002¹⁹, identificaram uma relação estatisticamente significante entre alteração na TAN e presença de diabetes materna como possível indicador de risco para a deficiência auditiva, concluindo que existem fatores potenciais que não constam como IRDA, mas que podem afetar a audição da população infantil. Diante desse achado, sugeriram estudos para que seja determinada tal influência.

Foram ainda localizados estudos que analisaram conjuntamente a presença de diabetes mellitus e hipertensão e sua associação com as respostas auditivas neonatais. Nesse sentido, estudo realizado no ano de 2014¹⁷ não encontrou a associação entre estas doenças e falha na TAN, sem justificar ou discutir tais achados, embora os autores tenham analisado diversas outras doenças maternas.

A partir do exposto, constata-se que os resultados da TAN de recém-nascidos cujas mães apresentaram diabetes mellitus e/ou hipertensão na gestação tanto mostraram-se alterados como não alterados, verificando-se inconclusiva a associação entre essas condições clínicas e prejuízos auditivos neonatais. Enquanto alguns estudos encontraram associação entre essas doenças gestacionais e alterações nos resultados da TAN, outros estudos não demonstraram tal relação. Essa discrepância entre os achados pode ser derivada de diferenças no número amostral, da variabilidade existente entre os grupos pesquisados, ou mesmo da técnica empregada para a avaliação auditiva neonatal, comentada anteriormente. Nesse sentido, estudos comparativos, empregando a mesma metodologia de avaliação, deveriam ser conduzidos, considerando as diferentes doenças, no intuito de possibilitar melhor identificação de eventual associação entre as variáveis aqui destacadas.

CONCLUSÕES

Considerando o objetivo do presente estudo, qual seja, investigar os resultados da TAN de recém-nascidos cujas mães apresentaram hipertensão e/ou diabetes mellitus durante a gestação, os achados dos estudos revisados não permitiram confirmar a expectativa inicial, pautada na descrição fisiopatológica dessas doenças, expostas na literatura, de que existiriam evidências de perda auditiva em recém-nascidos cujas mães apresentaram tais quadros clínicos na gestação.

Assim, a partir desta revisão sistemática da literatura, ficou explícita a necessidade de estudos empíricos que investiguem de forma individualizada cada um desses quadros clínicos gestacionais, relacionando-os com eventuais comprometimentos do desenvolvimento auditivo fetal. Futuros estudos prospectivos deverão ser planejados para examinar a relação entre as perturbações metabólicas durante a gestação e o funcionamento do sistema auditivo de recém-nascidos, especialmente no contexto brasileiro, devido à escassez de publicações sobre o tema no país.

Também é relevante a realização de estudos com delineamento de coorte prospectivo, que comparem crianças nascidas de mães que apresentaram diabetes ou hipertensão pré-gestacional e crianças nascidas de mães que apresentaram esses quadros clínicos apenas na gestação. Em tais estudos, seria recomendável mensurar a gravidade desses quadros clínicos, controlar os medicamentos administrados às mulheres e realizar padronização na avaliação auditiva neonatal. Ainda, o controle amostral destaca-se como relevante, para que se possa considerar a variabilidade entre a população. Entende-se que essas medidas poderiam reduzir ou mesmo evitar fatores de confusão e permitiriam responder com maior fidedignidade a questão que guiou o presente estudo.

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  Trabalho realizado na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre - UFCSPA, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  15 Ago 2019
• Data do Fascículo
  2019

Histórico

• Recebido
  11 Set 2018
• Aceito
  19 Dez 2018