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Linguagem narrativa e fluência na síndrome de down: uma revisão

Resumos

A síndrome de Down é uma condição na qual os indivíduos apresentam comprometimento intelectual e alterações de linguagem oral. A disfluência de fala está presente tanto durante a conversa espontânea como em produções orais de narrativas direcionadas. Este estudo teve como principal objetivo revisar a literatura sobre a disfluência e a narrativa em indivíduos com a síndrome de Down, publicada entre 2002 e 2012, em bases de dados eletrônicos. Foram encontrados 17 artigos e selecionados oito, de acordo com os critérios de inclusão e exclusão. Destes, dois discorriam especificamente sobre a disfluência na síndrome de Down, e seis sobre a narrativa nesta população. A deficiência intelectual é parte do fenótipo dos indivíduos com SD e, em decorrência do comprometimento intelectual, prejuízos na aquisição e no desenvolvimento da linguagem. Estudos específicos, principalmente sobre a fluência/disfluência; e, sobre o desempenho na tarefa da narrativa, ainda são escassos e inconclusivos. A disfluência não aparece na maioria das descrições do fenótipo de linguagem dos indivíduos com esta condição, que mereceria, estudos clínicos adicionais.

Síndrome de Down; Narração; Gagueira


Down’s syndrome is a condition in which individuals have intellectual impairment and oral language disorders. Speech disfluency is present during both spontaneous conversations as in productions of directed oral narratives. This study aimed to review the published literature between 2002 and 2012 in eletronic databases on disfluency and narrative in individuals with Down syndrome. There were 17 articles and eight were selected according to the criteria of inclusion and exclusion. Two of these articles specifically discoursed on dysfluency in Down’s syndrome and the other six on the narrative in this population. Intellectual disability is part of the phenotype of individuals with DS and, as a result of the intellectual impairment, losses occur on the acquisition and development of language. Specific studies about, mainly on fluency/disfluency, and the performance on a task of narrative and, are still scarce and inconclusive. Disfluency doesn’t appear in most descriptions of the language phenotype of individuals with this condition, which would deserve additional clinical studies.

Down Syndrome; Narration; Sttutering


INTRODUÇÃO

A síndrome de Down é considerada uma das mais frequentes anomalias numéricas dos cromossomos autossômicos, afetando aproximadamente um em cada 700 nascidos vivos.Seu fenótipo inclui características típicas de face e membros, podendo apresentar hiperextensão articular, baixa implantação de orelha, hipotonia muscular, cardiopatias congênitas, malformações no trato gastrointestinal, perdas auditivas, alterações oftalmológicas, disfunção da tireóide, anomalias gengivais e periodontais e hipogonadismo1. Silverman W. Down syndrome: cognitive phenotype. Ment Retard Dev Disabil Res Rev. 2007;3(3):228-36..

A deficiência intelectual está sempre presente nos indivíduos com a SD, variando de grau leve a moderado2. Schwartzman, MLC. Aspectos da Linguagem na criança com Síndrome de Down. In: Schwartzman JS. (Org.). Síndrome de Down. São Paulo: Memnon, 1999.e, em decorrência deste déficit, ocorrem as alterações da linguagem, tanto expressiva como receptiva, com a recepção mais preservada, quando comparada com a expressão verbal3. Martin GE, Klusek J, Estigarribia B, Roberts JE. Language characteristics of individuals whith Down Syndrome. Top Lang Disorders. 2009;29(2):112-32..

Uma das dificuldades da expressão verbal apresentadas pelos indivíduos com síndrome de Down é a de narrar fatos e acontecimentos com precisão4. Rodríguez ER. Programa de educación emocional para niños y jóvenes com síndrome de Down. Revista Síndrome de Down. 2004;21:84-93.. Observa-se que essas crianças, em tarefa de narrativa, apresentam disfluências comuns e gagas. Existe uma prevalência média de gagueira em 3% das crianças com deficiência intelectual em contraste com 1% da população geral. Indivíduos com SD apresentam mais disfluências que indivíduos com deficiência intelectual de outra origem5. Bloodstein O, Grossman N. Early stuttering: some aspects of their form and distribuition. J. Speech Hear. Res. 1981;24:298-302.. Não existe um consenso na literatura quanto as causas das disfluências na SD6. St. Louis KO, Raphael LJ, Myers FL, Bakker K: Cluttering updated. ASHA Leader. 2003;(4–5):20-2.. Alguns autores associam a disfluência ao prejuízo motor; outros, ao comprometimento da linguagem7. Ward D. Stuttering and Cluttering: Frameworks for Understanding and Treatment. Hove, Psychology Press, 2006.. Além disso, a alteração articulatória e o distúrbio de linguagem podem coexistir, até mesmose sobrepor,a outros transtornos8. Preus A. Cluttering and stuttering: related, different or antagonistic disorders?. in Myers FL, St. Louis KO (eds): Cluttering: A Clinical Perspective. San Diego, Singular Publishing Group, 1996. P. 55-70..

Diante do exposto, este estudo teve como objetivo revisar a literatura, no período de 2002 a 2012, sobre a disfluência e o desempenho na tarefa de narrativa e na síndrome de Down.

MÉTODOS

Foi realizada revisão sistemática da literatura a partir de busca nas bases de dados eletrônicos Pubmed, Lilacs e Medline, nos períodos entre 2002 e 2012. Os descritores gagueira, fluência e narrativa foram utilizados, tanto na língua inglesa como na portuguesa combinados com o termo “síndrome de Down”.

O critério de inclusão foi a publicação do trabalho no período entre 2002 e 2012. Foram excluídos os artigos cujos conteúdos dos resumos não se relacionavam diretamente aos objetivos desta pesquisa.

A primeira análise considerou os títulos dos artigos. Posteriormente foram apreciados os resumos, verificando quais preenchiam os critérios de inclusão.

Foram encontradas 17 publicações sobre o tema. Após a seleção considerando os critérios de exclusão, restaram oito trabalhos específicos para serem analisados: dois sobre fluência/ gagueira e seis sobre narrativa na SD.

Os resultados foram apresentados seguindo a ordem cronológica crescente. Foram excluídos os estudos de revisão de literatura na apresentação da tabela.

REVISÃO DE LITERATURA

Aspectos gerais sobre a linguagem na síndrome de Down

A linguagem é a capacidade humana para compreender e usar um sistema complexo e dinâmico de símbolos convencionados, em modalidades diversas para comunicar-se e pensar9. ASHA: American Speech and Hearing Association. Language[Relevant Paper]. Available [cited 2012 outubro 03] from: http://www.asha.org/policy/RP1982-00125.htm
http://www.asha.org/policy/RP1982-00125....
. Representa um dos aspectos mais importantes a ser desenvolvido por qualquer criança para que possa relacionar-se com as demais pessoas e se integrar no meio social. Indivíduos mais hábeis na linguagem podem comunicar melhor seus sentimentos, desejos e pensamentos.

O desenvolvimento das competências linguísticas implica a aquisição de quatro componentes: o fonológico (percepção e produção de sons que formam o código verbal da linguagem); o sintático (conjunto de regras gramaticais que ordenam as palavras nas frases de forma a tornar a linguagem compreensível); o cognitivo (abarca o léxico – conjunto de palavras que constitui um idioma, e a semântica – conhecimento do significado das palavras) e o pragmático (adequação contextualizada da linguagem, servindo a sua função sócio-comunicativa)1010 . Narbona J. El Lenguaje del niño y sus perturbaciones. In: Fejerman e Fernandez Alvarez. Neurologia Pediátrica. 2ª ed. Buenos Aires: Editorial Medica PanAmericana; 1998.p. 683-93..

Nos indivíduos com SD, a linguagem é uma das áreas que se encontra prejudicada. É o domínio mais extensivamente estudado dentro do sistema cognitivo nesta população. É amplamente aceito que a capacidade linguística interfere e é influenciada pelo sistema cognitivo.

Os transtornos na comunicação do indivíduo com SD podem estar relacionados ao atraso global no desenvolvimento e às habilidades de pensamento, que podem ser fundamentais para a capacidade de desenvolvê-la1111 . Fidler DJ. The emerging Down syndrome behavioral phenotype in early childhood: Implications for practice. Infants and Young Children. 2005;18:86-103..

Estudos sobre desenvolvimento da linguagem em pessoas com Síndrome de Down evidenciam que os prejuízos mais significantes parecem ocorrer principalmente na área da comunicação e de forma especial na expressão verbal 4. Rodríguez ER. Programa de educación emocional para niños y jóvenes com síndrome de Down. Revista Síndrome de Down. 2004;21:84-93..

Vários fatores contribuem para a alteração de linguagem oral que está presente no indivíduo com SD, eles são tanto anatômicos como em nível de sistema nervoso e auditivo1212 . Stoel-Gammon C. Speech acquisition and approaches to intervention. In Rondal J& Buckley S (Eds.). Speech and language intervention in Down syndrome. 2003. P. 49–62.. Ocorre, ainda, um relativo atraso no desenvolvimento de comportamentos não-verbais, no uso de contato com os olhos, gestos ou vocalização para fins instrumentais1313 . Fidler DJ, Hepburn S, Rogers S. Early learning and adaptive behaviour in toddlers with Down syndrome: Evidence for an emerging behavioural phenotype.Downs Syndr Res Pract.2006;9(3):37-44..

As principais causas ou fatores relacionados ao transtorno de linguagem na criança com SD são: comprometimento cognitivo, dificuldade de memória de curto prazo, prejuízo na qualidade da interação criança-mãe, atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, alterações neurológicas, do sistema estomatognático, auditivas e visuais. As habilidades fonológicas, semânticas, sintáticas da linguagem podem apresentar-se alteradas1414 . Porto-Cunha E, Limongi SCO. Modo comunicativo utilizado por crianças com síndrome de Down. Pró-Fono R.Atual. Cient. 2008;20(4):243-8..

Nas crianças com SD, o uso de gestos permanece por mais tempo, no período de aquisição da linguagem oral, do que na criança com desenvolvimento típico, variando conforme o ambiente com o objetivo de serem melhor compreendidas pelo interlocutor1515 . Miles S, Chapman RS. Narrative Content as Described by Individuals With Down Syndrome and Typically Developing Children. J Speech Lang Hear Res. 2002;45: 175-89..

Quanto ao desenvolvimento da linguagem nestes indivíduos, há um prejuízo significante nos aspectos sintáticos e semânticos – tais como comprimento médio da expressão e número de palavras1616 . Price JR, Roberts JE, Hennon EA, Berni MC, Anderson KL, Sideris J. Syntatic complexity during conversation of boys with Fragile X syndrome and Down syndrome. J Speech, Lang, Hear Res. 2008;51:3-15.. Apresentam, ainda, alterações na produção articulatória, que podem persistir até a vida adulta.

A oportunidade de experiência de vida é um fator que influencia as habilidades pragmáticas da linguagem dessas crianças. A ininteligibilidade verbal não limita as tentativas comunicativas e a linguagem interativa social é um dos pontos fortes da comunicação dessas crianças1717 . Abbeduto L, Warren SF, Conners FA. Language development in Down syndrome: from the prelinguistic period to the acquisition of literacy. Ment Retard Dev Disabil Res Rev. 2007;13(3):247-61..

A tarefa de narrativa na síndrome de Down

É forte o esteriótipo do indivíduo com deficiência intelectual. Acredita-se que ele não tenha condições de falar sobre sua vida, opinar e compreender. Em relação a outras crianças com atraso no desenvolvimento, a criança com SD apresenta alterações no ato comunicativo, além de dificuldades para comunicar-se com clareza1818 . Roberts JE, Price J, Malkin C. Language and communication development in Down syndrome. Ment Retard Dev Disabil Res Rev. 2007;13(1):26-35..

Na narrativa de indivíduos com SD, o uso de figuras favorece a produção de enunciados longos quando comparados a situações de conversação1919 . Miles S, Chapman R, Sindberg H. Sampling context affects MLU in the language of adolescents with Down syndrome. J Speech Lang Hear Res. 2006;49:325-37.. Porém, os fatores inteligibilidade, dificuldade sintática, disfluências gagas e, principalmente, disfluências comuns tendem a ser mais evidentes quando a amostra de fala analisada é obtida por meio de situações que privilegiam a narrativa oral de histórias e relatos pessoais2020 . Giacheti CM, Medina FDD, Rossi NF. Análise comparativa do perfil da fluência da fala de indivíduos com a síndrome de down e com a síndrome de Williams-Beuren In: 17 Congresso Brasileiro de Fonoaudiologia e 1 Congresso Ibero-Americano de Fonoaudiologia, 2009, Salvador, BA. Disponível em: <http://www.sbfa.org.br/portal/anais2009/resumos/R1531-1.pdf>. Acesso em 03 de Julho de 2013.
http://www.sbfa.org.br/portal/anais2009/...
.

Narrativas pessoais são descrições de eventos passados experimentados pelo interlocutor e são uma das formas mais comumente encontrados em crianças para narração. Um estudo investigou as habilidades de narrativas pessoais de 25 crianças com síndrome de Down, entre 5 e 13 anos de idade, classificados como leitores iniciantes. As amostras de narrativas pessoais foram coletadas por fonoaudiólogas utilizando um protocolo padrão em que foram apresentadas 11 fotografias com roteiro introdutório e questionado se algo assim já havia acontecido com eles. Foram analisadas em medidas de comprimento de enunciados no morfemas, a semântica (número de palavras diferentes) e a qualidade da narrativa pessoal. Observou-se aumento no número de palavras com a idade. Apenas quatro participantes apresentaram qualidade na narrativa pessoal, apontando a dificuldade desta população para narrar fatos2121 . Van BAK, Westerveld MF, Gillon G, Foster-Cohen S. Personal narrative skills of school-aged children with Down syndrome. Int J Lang Commun Disord. 2012;47:95-105..

Outra pesquisa avaliou a contagem oral e gráfica de história, analisando um grupo de 20 indivíduos com SD, na faixa etária de 8 a 19 anos de idade e comparando os achados aos do grupo controle. Concluiu que os indivíduos com SD apresentaram alta produtividade verbal, que foi medida pelo número de expressões utilizadas para produzir a narrativa ficcional2222 . Kay-Raining Bird E, Cleave PL, White D, Pike H, Helmkay A. Written and oral narratives of children and adolescents with Down syndrome. J Speech Lang Hear Res. 2008;51:436-50. .

Avaliando a pragmática por meio de situações de brincadeira livre, um grupo de crianças com SD de 7 a 13 anos de idade apresentou as funções comunicativas de comentário e narrativa como mais frequentes na situação2323 . Soares EMF, Pereira MMB, Sampaio TMM. Habilidade pragmática e Síndrome de Down. Rev. CEFAC. 2009;11(4):579-86..

Foram comparadas as narrativas de 33 indivíduos com SD, na faixa etária de 12 a 26 anos, aos resultados obtidos em indivíduos de três outros grupos que foram pareados da seguinte forma: pela idade mental, pela compreensão sintática e pelo comprimento médio do enunciado. Constatou-se que apesar da sintaxe e vocabulário restritos, a narrativa do grupo com SD se assemelhou ao do grupo controle pareado pela compreensão sintática2424 . Miles, S, Chapman, RS. Narrative content as described by individuals with Down syndrome and typically developing children. J Speech Lang Hear Res. 2002;45:175-89..

Um estudo longitudinal avaliou 32 indivíduos com SD realizando três coletas de narrativa oral no período de um ano. Observou-se um crescimento significante na complexidade semântica e na estrutura da narrativa sem evidências de aumento da complexidade sintática ou do comprimento da narrativa2525 . Cleave P, Bird EK, Czutrin R, Smith L. A longitudinal study of narrative development in children and adolescents with down syndrome. Intellect Dev Disabil. 2012;50(4):332-42..

Comparando três grupos de adolescentes e jovens adultos – sendo, 24 com SD, 12 com a síndrome do cromossomo X-frágil e 21 no grupo controle – com relação a macroestrutura de narrativas, não foram observadas diferenças entre os grupos com SD e X-frágil, tendo esses dois grupos, num número limitado de narrativas, superado o grupo controle2626 . Finestack LH, Palmer M, Abbeduto L. Macrostructural narrative language of adolescents and young adults with Down syndrome or fragile X syndrome. Am J Speech Lang Pathol. 2012;21(1):29-46..

A fluência na síndrome de Down

A fluência da fala é um parâmetro que fornece dados importantes quanto à maturidade linguística do individuo2727 . Andrade CRF, Romano MVR, Sepulcre AS, Juste F, Sassi FC. Escala das características comportamentais dos pais de crianças fluentes e gagas. Fono atual. 2004;7(27):11-20. e, sua produção, é uma das habilidades mais complexas adquiridas pelos seres humanos. É aprendida gradualmente com a prática e requer, necessariamente, o desenvolvimento de mecanismos linguísticos que diminuam a carga de processamento da informação, originando enunciados mais longos e complexos2828 . Borsel VJ, Tetnowski JA. Fluency disorders in genetic syndromes. J Fluency Disord. 2007;32(4):279-96..

O falante fluente é aquele que pode produzir longas sequências de sílabas, sem esforço, combinando emissões rápidas e contínuas, permitindo que sua emissão seja o reflexo próximo de sua intenção, ou seja, de sua habilidade e maturidade linguística2727 . Andrade CRF, Romano MVR, Sepulcre AS, Juste F, Sassi FC. Escala das características comportamentais dos pais de crianças fluentes e gagas. Fono atual. 2004;7(27):11-20..

Ruptura é uma interrupção no fluxo da fala causando uma descontinuidade no discurso. É comum a todos os falantes e reflete fundamentalmente as incertezas e imprecisões linguísticas; visam ampliar a compreensão da mensagem. As rupturas do tipo comum são: hesitação – pausa curta de um ou dois segundos enquanto a pessoa procura a palavra; interjeição – inclusão de palavras irrelevantes no contexto da mensagem; revisão – mudança na pronúncia, conteúdo ou forma gramatical da mensagem; palavra incompleta; palavra abandonada e repetição de segmento, palavra ou frase2727 . Andrade CRF, Romano MVR, Sepulcre AS, Juste F, Sassi FC. Escala das características comportamentais dos pais de crianças fluentes e gagas. Fono atual. 2004;7(27):11-20..

A disfluência é uma alteração da fluência de fala que pode ou não prejudicar o conteúdo da mensagem. As rupturasdefala fluenteestão associadas ao o aumento das exigências da linguagem.

O nível de comprometimento cognitivo pode justificar a dificuldade na realização de estudos sobre a fluência em populações com síndromes genéticas, uma vez que muitas destas apresentam a deficiência intelectual como parte do fenótipo. O grave comprometimento intelectual restringe a possibilidade do indivíduo em apresentar uma amostra de fala substancial, passível de ser analisada quanto aos aspectos específicos da fluência. São escassos os estudos sobre fluência em populações com síndromes genéticas, se comparados ao número de estudos com outros tipos de distúrbios da comunicação nesta população.

O comprometimento intelectual presente nos indivíduos com SD contribui para uma maior prevalência média de gagueira quando comparado à população em geral. Para qualquer condição genética em que os indivíduos apresentem deficiência intelectual e distúrbios da fluência é necessário considerar que esses casos não correspondem a uma gagueira propriamente dita, mas vários aspectos, incluindo a análise de habilidades de linguagem, devem ser estudados e melhor delineados para esta população. Apesar de ser considerada um sintoma primário em várias síndromes genéticas, os dadossobre a fluência ainda não são claros, o que impedeadiferenciaçãodegagueira do desenvolvimentodagagueiraassociada a esta anomalia 2828 . Borsel VJ, Tetnowski JA. Fluency disorders in genetic syndromes. J Fluency Disord. 2007;32(4):279-96..

A proposta inicial era analisar a disfluência na síndrome de Down. Correlacionando os descritores síndrome de Down com gagueira e/ou fluência, foram encontrados na literatura, por meio da pesquisa em banco de dados eletrônico, apenas dois artigos sobre o tema 2828 . Borsel VJ, Tetnowski JA. Fluency disorders in genetic syndromes. J Fluency Disord. 2007;32(4):279-96.,2929 . Borsel VJ, Vandermeulen A. Cluttering in Down Syndrome. Folia Phoniatr Logop. 2008;60:312-7. ampliando-se a revisão para o estudo da narrativa.

Em um dos artigos os autores compararam a disfluência de fala entre várias síndromes genéticas concluindo que antes de afirmações definitivas sobre sua ocorrência muitas pesquisas ainda precisam ser realizadas2828 . Borsel VJ, Tetnowski JA. Fluency disorders in genetic syndromes. J Fluency Disord. 2007;32(4):279-96..

Em outro estudo, cuja realização foi justificada pela grande variedade de sintomas que podem ser encontrados em indivíduos com disfluência de fala, observamos os seguintes dados: participaram 76 indivíduos com síndrome de Down, com idades entre3,8 e57,3 anos, que reponderam ao inventário “Predictive Cluttering Inventory” para sua terapeuta Fonoaudióloga. Como resultado, 78,9% obtiveram uma pontuação que os classificou comoum disfluente e 17,1% foramqualificadoscomo gagos. Os resultadosmostrarama necessidade de umconsenso sobre ossintomas da disfluência,que são essenciais parao diagnóstico, indicando, também, que o instrumento utilizado pode não ser adequadoparatodapopulação clínica2929 . Borsel VJ, Vandermeulen A. Cluttering in Down Syndrome. Folia Phoniatr Logop. 2008;60:312-7..

Os resumos dos estudos encontrados na literatura sobre fluência e narrativa em indivíduos com síndrome de Down estão apresentados na figura 1.

Figura 1
– Resultados de estudos sobre narrativa e fluência na Síndrome de Down (SD)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O tema pesquisado neste estudo é bastante complexo. Estudar a fluência em tarefa de narrativa oral de histórias na SD envolve muitos aspectos. Nesta população a cognição está alterada e a linguagem, em nível expressivo, é muito comprometida, dificultando a análise dos dados.

São escassos os estudos sobre fluência na síndrome de Down. Nos últimos dez anos, apenas dois artigos abordaram este aspecto, ambos discorrendo em suas conclusões sobre a dificuldade de analisar os dados obtidos nesta população.

Com relação à tarefa de narrativa oral na SD foram encontrados seis estudos. As coletas utilizaram situações dirigidas de fala espontânea ou apoio visual de figuras. Observa-se a diversidade de metodologia utilizada pelos autores. Dois artigos analisaram somente indivíduos com SD. Uma pesquisa comparou o grupo de indivíduos com SD a grupos controles. Outro estudo comparou os indivíduos com síndrome de Down a três grupos controles diferentes. Um único estudo foi longitudinal e; outro, ainda, comparou três grupos: SD, X-frágil e controle.

A deficiência intelectual é parte do fenótipo dos indivíduos com SD e, em decorrência do comprometimento intelectual, os prejuízos na aquisição e no desenvolvimento da linguagem.

Estudos específicos, principalmente sobre a fluência/disfluência, e sobre o desempenho na tarefa da narrativa ainda são escassos e inconclusivos. A disfluência não aparece na maioria das descrições do fenótipo de linguagem dos indivíduos com esta condição, que mereceria, estudos clínicos adicionais.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2014

Histórico

  • Recebido
    15 Out 2012
  • Aceito
    02 Jul 2013
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