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Processamento fonológico em escolares com dislexia do desenvolvimento, TDAH e transtorno do desenvolvimento intelectual

RESUMO

Objetivo:

comparar o desempenho de escolares com de dislexia, transtorno do desenvolvimento intelectual e TDAH nas habilidades de consciência fonológica, acesso fonológico ao léxico mental e memória operacional fonológica.

Métodos:

estudo de caráter descritivo, transversal e quantitativo. A amostra foi composta por 32 escolares, subdivididos nos seguintes grupos: G1 - escolares com dislexia; G2 - escolares com TDAH; G3 - escolares com transtorno do desenvolvimento intelectual. Foram avaliadas as habilidades de consciência fonológica, memória operacional fonológica e acesso fonológico ao léxico mental. Foi realizada análise descritiva e inferencial. Utilizou-se teste não paramétrico de Kruskal-Wallis.

Resultados:

foram observadas diferenças estatisticamente significantes nas habilidades de memória operacional fonológica de pseudopalavras, dígitos ordem direta e dígitos ordem inversa; consciência fonológica no nível de sílaba, fonema, no total da prova e no subteste de dígitos na prova de nomeação automática rápida entre os três grupos. De forma descritiva, observou-se que o G1 obteve os melhores resultados em todas as habilidades avaliadas, seguido do G2 e G3.

Conclusão:

foram encontradas diferenças nas habilidades de memória operacional fonológica e consciência fonológica entre os grupos de estudantes com dislexia, TDAH e deficiência intelectual.

Descritores:
Leitura; Diagnóstico Diferencial; Transtornos do Neurodesenvolvimento; Criança

ABSTRACT

Purpose:

to compare the performance of students with dyslexia, intellectual disability and ADHD on the skills of phonological awareness, phonological access to the mental lexicon, and phonological working memory.

Methods:

this is a descriptive, cross sectional and quantitative study. The sample was composed of 32 students, divided into the following groups: G1 - students with dyslexia; G2 - students with ADHD; G3 - students with intellectual disability. The children were assessed on their skills of phonological awareness, phonological working memory, and phonological access to the mental lexicon. A descriptive and inferential analysis was made, using the non-parametric Kruskal-Wallis test.

Results:

statistically significant differences were observed among the three groups on the phonological working memory skills for pseudowords, forward digit repetition, and backward digit repetition; phonological awareness on syllable level, phoneme level, test total score, and digits subtest of the rapid automatized naming test. Through the descriptive analysis, it was observed that G1 had the best results on all the skills assessed, followed by G2 and G3

Conclusion:

differences were found on the skills of phonological working memory and phonological awareness among the groups of students presented with dyslexia, ADHD and intellectual disability.

Keywords:
Reading; Differential Diagnosis; Neurodevelopmental Disorders; Child

Introdução

O processamento fonológico refere-se ao processo do uso da informação fonológica na utilização da linguagem oral e escrita, com envolvimento das habilidades de consciência fonológica, acesso rápido ao léxico mental e memória de trabalho fonológica. Essas habilidades relacionam-se diretamente ao desenvolvimento da linguagem escrita11. Wagner RK, Torgesen JK. The nature of phonological processing and its causal role in the acquisition of reading skills. Psychol Bull. 1987;101(2):192-212..

A consciência fonológica é a capacidade de compreender e manipular os aspectos sonoros da língua. Esta habilidade facilita a aprendizagem da relação grafema-fonema11. Wagner RK, Torgesen JK. The nature of phonological processing and its causal role in the acquisition of reading skills. Psychol Bull. 1987;101(2):192-212.. O acesso fonológico ao léxico mental é a habilidade de acessar a informação sonora referente a um estímulo visual11. Wagner RK, Torgesen JK. The nature of phonological processing and its causal role in the acquisition of reading skills. Psychol Bull. 1987;101(2):192-212.. É importante na decodificação, fluência e compreensão da leitura. Crianças com dificuldades em leitura tendem a apresentar baixo desempenho em tarefas envolvendo a nomeação automática rápida22. Capellini SA, Ferreira TL, Salgado CA, Ciasca SM. Performance of good readers, students with dyslexia and attention deficit hyperactivity disorder in rapid automatized naming. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2007;12(2):114-9.. Por fim, a memória de trabalho fonológica é a habilidade de armazenar e recuperar informações sonoras. Se relaciona ao desenvolvimento da leitura, especificamente a habilidade de compreensão leitora33. Piccolo LR, Salles JF. Vocabulário e memória de trabalho predizem desempenho em leitura de crianças. Revista Psicologia: Teoria e Prática. 2013;15(2):180-91..

As dificuldades no processo de desenvolvimento da linguagem escrita podem ocorrer devido a diversos fatores, como ambientais ou biológicos44. Azoni CAS. Diagnóstico diferencial dos transtornos da linguagem escrita. In: Lamônica DA, Britto DB (orgs). Tratado de Linguagem: perspectivas contemporâneas. 1.ed.São Paulo: BookToy; 2016. p. 165-73.. De acordo com a literatura, quadros como a dislexia do desenvolvimento55. Navas AL, Ferraz C, Borges JP. Phonological processing deficits as a universal model for dyslexia: evidence from orthographies. CoDAS. 2014;26(6):509-19. o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade - TDAH66. Gonçalves-Guedim TF, Capelatto IV, Salgado-Azoni CA, Ciasca SM, Crenitte PAP. Performance of children with attention deficit hyperactivity disorder in phonological processing, reading and writing. Rev. CEFAC. 2017;19(2):242-52. e o transtorno do desenvolvimento intelectual77. Dessemontet RS, Chambrier EF, Martinet C, Moser U, Bayer N. Exploring phonological awareness skills in children with intellectual disability. Am J Intellect Dev Disabil. 2017;122(6):476-91. podem apresentar dificuldades significantes em habilidades preditoras da leitura.

A dislexia trata-se de um transtorno específico de aprendizagem com prejuízo na leitura88. American Psychiatry Association. Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais. 5ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2014., que envolve déficits em processamento fonológico99. Mendes GG. Processamento fonológico e habilidades de leitura e de escrita em crianças em processo de alfabetização. [Dissertação] Ribeirão Preto (SP): Universidade de São Paulo; 2015., dificuldades e processamento lento em outras habilidades linguísticas1010. Peterson RL, Pennington BF. Developmental dyslexia. Annu Rev Clin Psychol. 2015;11(1):283-307..

O transtorno de déficit de atenção e hiperatividade é caracterizado por padrões persistentes de desatenção, hiperatividade/impulsividade e/ou combinação de ambos88. American Psychiatry Association. Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais. 5ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2014.. Crianças com este quadro podem apresentar dificuldades em leitura como alteração secundária ao diagnóstico de base, atribuídas principalmente ao déficit atencional1111. Cunha VL, Silva C, Lourencetti MD, Padula NA, Capellini SA. Performance of students with attention deficit disorder and hyperactivity in metalinguistic and reading tasks. Rev. CEFAC. 2013;15(1):40-50., demonstrando alterações na demanda atencional, autorregulação e processamento fonológico.

Já o transtorno do desenvolvimento intelectual é definido por dificuldades em funções intelectuais e adaptativas, com início precoce no desenvolvimento88. American Psychiatry Association. Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais. 5ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2014.. As dificuldades em leitura, bem como dificuldades no reconhecimento de letras e fluência da leitura1212. Hill D. Phonics based reading interventions for students with intellectual disability: a sistematic review. Journal of Education and Training Studies. 2016;4(5):205-14.,1313. Merimee SN. Addressing reading fluency of student with intellectual disabilities using a multiple probe design. Kentucky Teacher Educational Journal: The Journal of the Teacher Education Division of the Kentucky Council for Exceptional Children. 2017;4(1):article 3., podem ser consequência de alterações no desenvolvimento da linguagem oral1414. Wingerden E, Segers E, Balkom H, Verhoeven L. Cognitive and linguistic predictors of reading comprehension in children with intellectual disability. Research in Developmental Disabilities. 2014;35(11):3139-47..

Apesar do caráter heterogêneo dos transtornos do neurodesenvolvimento, o avaliador pode sentir dificuldade em diferenciá-los, visto que os sinais e sintomas podem estar presentes em mais de um diagnóstico. Por exemplo, crianças com TDAH e dislexia podem apresentar sintomas de desatenção por diferentes fatores etiológicos1515. Santos LF, Vasconcelos L. Transtorno de déficit de atenção e hiperatividade em crianças: uma revisão interdisciplinar. Psicologia: Teoria e Prática. 2010;26(4):717-24.,1616. Lima RF, Azoni CAS, Ciasca SM. Attentional performance and executive functions in children with learning difficulties. Psicologia: Teoria e Prática. 2011;24(4):685-91..

Deve-se ter conhecimento acerca das diferentes características do processamento fonológico para o desenvolvimento da leitura nos diversos transtornos do neurodesenvolvimento44. Azoni CAS. Diagnóstico diferencial dos transtornos da linguagem escrita. In: Lamônica DA, Britto DB (orgs). Tratado de Linguagem: perspectivas contemporâneas. 1.ed.São Paulo: BookToy; 2016. p. 165-73., pois o diagnóstico diferencial é essencial para a definição de intervenções efetivas e delineamento de prognósticos. Dessa forma, o objetivo deste trabalho foi comparar o desempenho de escolares com diagnóstico de dislexia, transtorno do desenvolvimento intelectual e TDAH nas habilidades de consciência fonológica, acesso fonológico ao léxico mental e memória operacional fonológica. O presente estudo buscou respostas para o seguinte questionamento: há diferença no desempenho do processamento fonológico entre os quadros de dislexia do desenvolvimento, TDAH e transtorno do desenvolvimento intelectual?

Métodos

Trata-se de um estudo de caráter descritivo, transversal e quantitativo, aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital Universitário Onofre Lopes - Universidade Federal do Rio Grande do Norte sob o nº 1.012.635. Todos os pacientes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e/ou Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE).

Foram incluídos crianças e adolescentes na faixa etária de 6 a 16 anos de idade, ambos os sexos, de escolas públicas e privadas da capital e região metropolitana onde ocorreu o estudo, atendidas em um projeto de pesquisa da universidade em questão. A escolha dos participantes se deu a partir da queixa inicial de dificuldades de aprendizagem e avaliação interdisciplinar dos seguintes profissionais para os diferentes quadros: - as crianças com TDAH do subtipo desatento e combinado foram encaminhadas por neuropediatra ou psiquiatra infantil e realizaram avaliação neuropsicológica; e as crianças com TDI e dislexia do desenvolvimento pela psicologia/neuropsicologia. Assim, além destes profissionais, foi realizada a avaliação fonoaudiológica, descritas neste estudo, juntamente do levantamento dos dados de anamnese e discussão dos casos. Os diagnósticos foram definidos de acordo com os critérios estabelecidos no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V)88. American Psychiatry Association. Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais. 5ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2014..

A amostra foi incluída por conveniência, visto a demanda ser direcionada para o projeto de pesquisa. Participaram 32 crianças, 11 (34,37%) do sexo feminino e 21 (65,63%) do masculino, com média de idade de 9,84 anos (dp=2,42), subdivididos nos seguintes grupos:

  • Grupo 1 - G1: quatorze escolares com dislexia do desenvolvimento sem intervenção fonoaudiológica prévia;

  • Grupo 2 - G2: sete escolares com TDAH, com queixas de dificuldades escolares, sem uso de medicação durante a avaliação;

  • Grupo 3 - G3: onze escolares com transtorno do desenvolvimento intelectual com queixas de dificuldades escolares, sem especificidade de grau de comprometimento.

As avaliações foram realizadas em três sessões individuais de sessenta minutos. Embora alguns instrumentos utilizados sejam para a faixa etária de escolares de menor idade, optou-se por estes devido à escassez de instrumentos nacionais para adolescentes, mas principalmente em função da escolaridade, visto que mesmo os participantes com 16 anos estavam estudando o 4º ano ou apresentavam desempenho inferior devido às queixas iniciais. Considerou-se as seguintes habilidades do processamento fonológico, com utilização dos respectivos protocolos:

  • Consciência fonológica - Instrumento de Avaliação Sequencial - CONFIAS1717. Moojen S, Lamprecht R, Santos RM, Freitas GM, Brodacz R, Siqueira M et al. CONFIAS Consciência Fonológica: Instrumento de Avaliação Sequencial. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2003.: avalia a habilidade metalinguística de refletir e manipular acerca dos sons da língua. É dividido em nível silábico e fonêmico, com pontuação máxima de 40 e 30 pontos, respectivamente. São as atividades do Nível da Sílaba (S): síntese, segmentação, identificação de sílaba, identificação de rima, produção de palavra com a sílaba dada, identificação de sílaba medial, produção de rima, exclusão e transposição. Nível do Fonema (F): produção de palavra que inicial com o som dado, identificação de fonema inicial identificação de fonema final, exclusão, síntese, segmentação e transposição.

  • Memória operacional fonológica - Prova de Memória de Trabalho Fonológica - Não Palavras e Dígitos1818. Grivol MA, Hage SRV. Memória de trabalho fonológica: estudo comparativo entre as faixas etárias. J Soc Bras Fonoaudiol. 2011;23(3):245-51.: envolve repetição de pseudopalavras e dígitos em ordem direta e inversa. A prova de não palavras é baseada na estrutura fonológica da língua, sendo 40 palavras inventadas contendo os fonemas do português (fricativos, nasais, oclusivos, líquidos e vogais fechadas) em sequências de 2 a 5 sílabas com pontuação máxima é de 80. A atividade de dígitos é constituída por sequências numéricas de 1 a 9 em ordem direta (sequências de 2 a 8 dígitos), e inversa (sequências de 2 a 7 dígitos), com pontuação máxima de 28 e 24, respectivamente.

  • Acesso fonológico ao léxico mental - Teste de Nomeação Automática Rápida - RAN1919. Ferreira TL, Capellini SA, Ciasca SM, Tonelotto JMF. Desempenho de escolares leitores proficientes no teste de nomeação automatizada rápida - RAN. Temas Sobre Desenvolvimento. 2003;12(69):26-32.: avalia o acesso fonológico ao léxico mental, na qual o indivíduo deve nomear rapidamente e em sequência estímulos visuais nas categorias de objetos, cores, letras e dígitos. Os resultados são expressos em segundos.

Foi realizada análise descritiva e inferencial. Utilizou-se teste não paramétrico de Kruskal-Wallis, considerando-se o intervalo de confiança de 95% e nível de significância de 0,05. Os dados foram tabulados e analisados utilizando-se o programa estatístico IBM® SPSS Statistics versão 23.

Resultados

Os escolares com diagnóstico de dislexia do desenvolvimento obtiveram os melhores resultados nas habilidades de consciência fonológica (Tabelas 1 e 2), nomeação automática rápida (Tabela 3) e memória operacional fonológica (Tabela 4), seguidos pelos estudantes com TDAH e TDI.

Tabela 1:
Desempenho dos grupos nas tarefas de consciência fonológica nível silábico
Tabela 2:
Desempenho dos grupos nas tarefas de consciência fonológica nível fonêmico
Tabela 3:
Desempenho dos grupos nas tarefas de nomeação automática rápida
Tabela 4:
Desempenho dos grupos nas tarefas de memória operacional fonológica

Foram observadas diferenças estatisticamente significantes nas habilidades de memória operacional fonológica de pseudopalavras total (p=0,00), dígitos ordem direta (p=0,01) e dígitos ordem inversa (p=0,01); consciência fonológica no nível da sílaba (p=0,00), fonema (p=0,04) e no total da prova (p=0,00), além do subteste de dígitos na nomeação automática rápida (p=0,05). O grupo com dislexia obteve o melhor desempenho, seguido pelo TDAH e por fim, a deficiência intelectual.

A Tabela 5 apresenta os resultados da comparação em pares de grupos.

Tabela 5:
Comparação dos grupos em forma de pares

Discussão

Este trabalho objetivou comparar o desempenho de indivíduos com dislexia do desenvolvimento, TDAH e TDI em tarefas de consciência fonológica, memória operacional fonológica e acesso fonológico ao léxico mental.

Foram observadas diferenças nas provas de memória operacional fonológica e consciência fonológica entre os três grupos. Com isso, observa-se que o processamento fonológico pode diferir nos transtornos do neurodesenvolvimento com etiologias distintas77. Dessemontet RS, Chambrier EF, Martinet C, Moser U, Bayer N. Exploring phonological awareness skills in children with intellectual disability. Am J Intellect Dev Disabil. 2017;122(6):476-91.,1111. Cunha VL, Silva C, Lourencetti MD, Padula NA, Capellini SA. Performance of students with attention deficit disorder and hyperactivity in metalinguistic and reading tasks. Rev. CEFAC. 2013;15(1):40-50.,1919. Ferreira TL, Capellini SA, Ciasca SM, Tonelotto JMF. Desempenho de escolares leitores proficientes no teste de nomeação automatizada rápida - RAN. Temas Sobre Desenvolvimento. 2003;12(69):26-32.,2020. Toledo MM, Lima RF, Simão AP, Ribeiro MV. Atenção. In: Ciasca SM, Rodrigues SD, Azoni CAS, Lima RF (orgs). Transtornos de aprendizagem - neurociência e interdisciplinaridade. São Paulo: Booktoy; 2015. p.53-66.. Isto pode ocorrer devido aos diferentes perfis cognitivos dos quadros, reforçando que se tratam de diferentes transtornos55. Navas AL, Ferraz C, Borges JP. Phonological processing deficits as a universal model for dyslexia: evidence from orthographies. CoDAS. 2014;26(6):509-19.,66. Gonçalves-Guedim TF, Capelatto IV, Salgado-Azoni CA, Ciasca SM, Crenitte PAP. Performance of children with attention deficit hyperactivity disorder in phonological processing, reading and writing. Rev. CEFAC. 2017;19(2):242-52.,1111. Cunha VL, Silva C, Lourencetti MD, Padula NA, Capellini SA. Performance of students with attention deficit disorder and hyperactivity in metalinguistic and reading tasks. Rev. CEFAC. 2013;15(1):40-50.,1414. Wingerden E, Segers E, Balkom H, Verhoeven L. Cognitive and linguistic predictors of reading comprehension in children with intellectual disability. Research in Developmental Disabilities. 2014;35(11):3139-47.. As dificuldades em habilidades componentes do processamento fonológico podem justificar as alterações em leitura destes diferentes quadros, pois a memória operacional fonológica2121. Nicolielo-Carrilho AP, Crenitte PAP, Lopes-Herrera SA, Hage SR de V. Relationship between phonological working memory, metacognitive skills and reading comprehension in children with learning disabilities. Journal of Applied Oral Science. 2018;26. e a consciência fonológica2222. Saiegh-Haddad E, Taha H. The role of morphological and phonological awareness in the early development of word spelling and reading in tipically developing and disabled arabic readers. Dyslexia. 2017;23(4):345-71. interferem significantemente nos processos de aprendizagem da leitura. Estes resultados corroboram os estudos anteriores, demonstrando que crianças com estes quadros apresentam pior desempenho neste tipo de tarefa, quando comparadas a indivíduos tipicamente desenvolvidos66. Gonçalves-Guedim TF, Capelatto IV, Salgado-Azoni CA, Ciasca SM, Crenitte PAP. Performance of children with attention deficit hyperactivity disorder in phonological processing, reading and writing. Rev. CEFAC. 2017;19(2):242-52.,1010. Peterson RL, Pennington BF. Developmental dyslexia. Annu Rev Clin Psychol. 2015;11(1):283-307.,2323. Soltani A, Roslan S. Contributions of phonological awareness, phonological short-term memory, and rapid automated naming, toward decoding ability in students with mild intellectual disability. Res Dev Disabil. 2013;34(3):1090-9..

No TDAH, as alterações em funções executivas e atencionais são primárias, as quais geram dificuldades acadêmicas2020. Toledo MM, Lima RF, Simão AP, Ribeiro MV. Atenção. In: Ciasca SM, Rodrigues SD, Azoni CAS, Lima RF (orgs). Transtornos de aprendizagem - neurociência e interdisciplinaridade. São Paulo: Booktoy; 2015. p.53-66.; enquanto no transtorno do desenvolvimento intelectual, estas são originadas por atrasos no desenvolvimento da linguagem oral que acarreta principalmente dificuldades na compreensão leitora1414. Wingerden E, Segers E, Balkom H, Verhoeven L. Cognitive and linguistic predictors of reading comprehension in children with intellectual disability. Research in Developmental Disabilities. 2014;35(11):3139-47.. Por fim, na dislexia, o déficit primário está nas habilidades de processamento fonológico1010. Peterson RL, Pennington BF. Developmental dyslexia. Annu Rev Clin Psychol. 2015;11(1):283-307., embora alguns estudos já descrevam alterações em funções executivas, como secundárias a estas alterações1616. Lima RF, Azoni CAS, Ciasca SM. Attentional performance and executive functions in children with learning difficulties. Psicologia: Teoria e Prática. 2011;24(4):685-91..

É possível observar, a partir das análises descritivas, que os sujeitos com dislexia obtiveram os melhores resultados em todas as provas, embora com pior desempenho no subteste de pseudopalavras se comparado com as crianças com TDAH. Isto pode acontecer, pois apesar dos déficits fonológicos serem persistentes na dislexia, existem diferenças importantes entre este quadro, TDAH e o transtorno do desenvolvimento intelectual. Nota-se que, no TDAH e na deficiência intelectual, há comprometimento de outras funções cognitivas, como as funções executivas2424. Chiang HL, Gau SS. Impact of executive functions on school and peer functions in youths with ADHD. Res Dev Disabil. 2014;35(5):963-72.,2525. Memisevic H, Sinanovic O. Executive function in children with intellectual disability - the effects of sex, level and a etiology of intellectual disability. J Intellect Disabil Res. 2014;58(9):830-7. e raciocínio2626. Greenspan S, Woods G. Intellectual disability as a disorder of reasoning and judgement: the gradual move away from intelligence quotient-ceilings. Curr Opin Psychiatry. 2014;27(2):110-6.,2727. Tamm L, Juranek J. Fluid reasoning deficits in children with ADHD: evidence from fMRI. Brain Res. 2012;1465:48-56. que podem repercutir de forma mais complexa em habilidades específicas, o que não necessariamente é condição em todas as crianças com dislexia2828. Medina GBK, Minetto MFJ, Guimarães SRK. Funções executivas na dislexia do desenvolvimento: revendo evidências de pesquisas. Rev. Bras. Ed. Esp. 2017;23(3):439-54..

Mais especificamente no TDAH, grande parte das crianças com este diagnóstico apresentam desempenho prejudicado em linguagem escrita. A dificuldade em leitura e escrita é causada por problemas de integração visual, coordenação motora, memória de trabalho, organização e planejamento2929. Silva D, Colvin L, Glauert R, Stanley F, Jois RS, Bower C. Literacy and numeracy underachievement in boys and girls with ADHD. J Atten Disord. 2015;pii:1087054715596575..

A diferença no desempenho em consciência fonológica foi observada entre os grupos, com melhor desempenho dos indivíduos com dislexia, seguidos pelo TDAH e deficiência intelectual, respectivamente. Entretanto, a origem dessas dificuldades difere. Na dislexia, o déficit em consciência fonológica é a origem dos problemas de leitura, gerando falhas no processo de relação grafema-fonema3030. Stein J. What is developmental dyslexia? Brain Sciences. 2018;8(2):26.. No TDAH, a falta de atenção impede a retenção das informações importantes para o desenvolvimento de habilidades metalinguísticas66. Gonçalves-Guedim TF, Capelatto IV, Salgado-Azoni CA, Ciasca SM, Crenitte PAP. Performance of children with attention deficit hyperactivity disorder in phonological processing, reading and writing. Rev. CEFAC. 2017;19(2):242-52.. Por fim, no transtorno do desenvolvimento intelectual, a consciência fonológica é uma habilidade significantemente afetada, principalmente na detecção de rima e manipulação fonêmica devido a falhas na memória fonológica de curto prazo3131. Sermier Dessemontet R, de Chambrier AF, Martinet C, Moser U, Bayer N. Exploring phonological awareness skills in children with intellectual disability. Am J Intellect Dev Disabil. 2017;122(6):476-91..

Na prova de memória de trabalho, em que se avalia memória operacional fonológica envolvendo pseudopalavras e dígitos, o grupo de crianças com TDI (G3) apresentou o pior desempenho entre os três, sendo condizente com as características do quadro. Embora em crianças com TDAH haja comprometimento nesta habilidade, o transtorno do desenvolvimento intelectual possui a compreensão verbal, raciocínio quantitativo e eficiência cognitiva também afetadas88. American Psychiatry Association. Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais. 5ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2014., influenciando em seus resultados, pois o teste exige também estas habilidades, uma vez que a criança deve repetir verbalmente o que é dito pelo avaliador. Dentre as alterações cognitivas dos indivíduos com transtorno do desenvolvimento intelectual estão planejamento, raciocínio, compreensão verbal, solução de problemas, memória de trabalho, raciocínio quantitativo e eficiência cognitiva88. American Psychiatry Association. Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais. 5ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2014..

O G2 obteve pior desempenho na prova de dígitos se comparado com a prova de pseudopalavras. Este subteste exige recursos cognitivos como planejamento estratégico e tomada de decisões, os quais estão diretamente relacionados com o controle de atenção cuja habilidade encontra-se com déficits nas crianças com o TDAH66. Gonçalves-Guedim TF, Capelatto IV, Salgado-Azoni CA, Ciasca SM, Crenitte PAP. Performance of children with attention deficit hyperactivity disorder in phonological processing, reading and writing. Rev. CEFAC. 2017;19(2):242-52.,3232. Messina LF, Tiedemann KB. Avaliação da memória de trabalho em crianças com transtornos do déficit de atenção e hiperatividade. Psicologia USP. 2009;20(2):209-28..

Não foi observada diferença entre os grupos nos subtestes de letras, cores e objetos da nomeação automática rápida. Este resultado entra em acordo com uma pesquisa em crianças brasileiras com dislexia e TDAH. A dificuldade em acesso fonológico ao léxico mental compromete a relação entre nomeação e automatização de estímulos, afetando o desenvolvimento da leitura e escrita3333. Alves LM, Siqueira CM, Ferreira MCM, Alves JFM, Lodi DF, Bicalho L et al. Rapid naming in Brazilian students with dyslexia and attention deficit hyperactivity disorder. Frontiers in Psychology. 2016;7:21..

Este estudo traz contribuições relevantes ao cenário científico e clínico brasileiro, visto que apresenta as diferenças em habilidades preditoras da leitura em grupos com diagnósticos nos quais a Fonoaudiologia possui atuação relevante. Destaca-se a necessidade do conhecimento acerca das diferentes manifestações do processamento fonológico nos transtornos do neurodesenvolvimento, para melhores delineamentos terapêuticos e prognósticos. Além disso, é evidenciada a necessidade de atuação interdisciplinar para diagnóstico de alterações no desenvolvimento da linguagem escrita, bem como um número maior de sujeitos com as diferentes condições para delineamento de perfis linguísticos dos mesmos.

O presente estudo limita-se em relação a utilização de protocolos não específicos para a faixa etária de até dezesseis anos, dado o fato de que há número reduzido de instrumentos para a avaliação de habilidades inerentes à leitura no Brasil.

Conclusão

Foram encontradas diferenças entre os grupos com dislexia, TDAH e transtorno do desenvolvimento intelectual nas habilidades de memória operacional fonológica, consciência fonológica e no subteste de dígitos da nomeação automática rápida, com melhor desempenho para aqueles com dislexia, seguido de TDAH e transtorno do desenvolvimento intelectual.

Agradecimentos

Ao Instituto ABCD, pelo apoio concedido ao Laboratório de Linguagem Escrita, Interdisciplinaridade e Aprendizagem (Laboratório LEIA).

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    Trabalho realizado no Departamento de Fonoaudiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN, Natal, Rio Grande do Norte.
  • Fontes de auxílio à pesquisa: Instituto ABCD

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Nov 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    15 Abr 2019
  • Aceito
    30 Set 2019
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