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O princípio da autonomia no Brasil: discutir é preciso...

Resumos

O princípio de autonomia do paciente é um dos pilares da bioética. Segundo este conceito, ao paciente deve ser dado o poder de tomar as decisões relacionadas ao seu tratamento. Trata-se de um componente importante da ética médica moderna, que tem recebido bastante interesse na literatura atual. No entanto, o índice de participação dos pacientes e a sua vontade de participar são variáveis de acordo com o meio cultural, social e familiar no qual se encontram inseridos. O objetivo do artigo é promover uma breve revisão descritiva referente à autonomia, às preferências dos pacientes e ao uso do consentimento informado como instrumento para o exercício da autonomia na literatura mundial e situar a carência do debate, bem como, a necessidade premente da discussão desses temas atuais em âmbito nacional.

Autonomia Pessoal; Consentimento Livre e Esclarecido; Ética


The principle of patient autonomy is a cornerstone of bioethics. According to this concept, patients should be given the power to make decisions related to their treatment. It is an important component of modern medical ethics, which has received much interest in current literature. However, the rate of participation of patients and their willingness to participate are variable according to the cultural, social and family environments in which they are inserted. The aim of this paper is to promote a brief descriptive review on autonomy, the preferences of patients and the use of informed consent as an instrument for the exercise of autonomy in literature, and to stress the lack of debate, as well as the pressing need for discussion of these current issues nationwide.

Personal autonomy; Informed consent; Ethics


INTRODUÇÃO

Moralidade é o conceito do que é ou não socialmente aceitável. A moralidade trata das convenções sociais a respeito do que é considerado como certo ou errado, a partir de um consenso implícito entre os membros de uma determinada comunidade. A teoria ética, por sua vez, trata da análise da moralidade, do estudo e da compreensão da natureza, assim como, da função da moralidade11. Beauchamp TL, Childress JF. Principles of biomedical ethics. 4th ed. New York: Oxford; 1994.. A ética médica trata do estudo da moralidade aplicado à prática médica. A análise das questões morais relacionadas ao comportamento profissional levou à criação dos códigos de ética profissional, dentre eles os códigos de ética médica, com o objetivo de orientar e criar normas de conduta para a prática da medicina.

Os termos propostos nos códigos de ética profissional podem variar entre os diversos países, mas, de uma maneira em geral, se apoiam nos princípios do respeito à autonomia, da beneficência, da não maleficência e da justiça. Dos quatro elementos, o princípio da autonomia é talvez o mais discutido na literatura ética, especialmente na literatura referente à relação médico-paciente e à obtenção de consentimento informado22. Faden RR, Beauchamp TL. A history and theory of informed consent. New York: Oxford; 1986.

O termo autonomia significa capacidade de se autogovernar. Para que um indivíduo seja autônomo, ou seja, capaz de realizar escolhas autônomas, é necessário que este indivíduo seja capaz de agir intencionalmente e que tenha liberdade para agir intencionalmente. Menores de idade, indivíduos que padecem de determinadas enfermidades mentais e indivíduos com alterações do nível de consciência são exemplos de agentes que, permanente ou temporariamente, não possuem capacidade de agir intencionalmente. A ausência de capacidade torna impossível a ação autônoma11. Beauchamp TL, Childress JF. Principles of biomedical ethics. 4th ed. New York: Oxford; 1994.

2. Faden RR, Beauchamp TL. A history and theory of informed consent. New York: Oxford; 1986
- 33. Etchells E, Sharpe G, Dykeman MJ, Meslin EM, Singer PA. Bioethics for clinicians: 4. Voluntariness. CMAJ. 1996;155(8):1083-6.. Da mesma maneira, mesmo que um indivíduo seja considerado capaz, quando sua liberdade de agir é restrita, como no caso de prisioneiros, por exemplo, a ação autônoma também não pode existir. Além das condições de capacidade e de liberdade, ninguém pode exercer ação autônoma caso não esteja informado sobre os objetivos da ação e sobre as consequências da ação. Sem compreensão não há autonomia11. Beauchamp TL, Childress JF. Principles of biomedical ethics. 4th ed. New York: Oxford; 1994. , 22. Faden RR, Beauchamp TL. A history and theory of informed consent. New York: Oxford; 1986. Muito já foi discutido sobre o grau de compreensão dos procedimentos médicos que os pacientes podem alcançar. Alguns afirmam que, sendo leigos, os pacientes não possuem compreensão suficiente dos procedimentos propostos para que saibam exatamente o que estão consentindo ao autorizá-los44. Ingelfinger FJ. Arrogance. N Engl J Med. 1980;303(26):1507-11. , 55. Ingelfinger FJ. Informed (but uneducated) consent. N Engl J Med. 1972;287(9):465-6.. Defensores da autonomia dos pacientes acreditam que eles são capazes de compreender os pontos considerados importantes pelo seu médico assistente. Essa compreensão só é possível diante de um ambiente acolhedor, no qual o médico se esforce em conhecer as preocupações de seus pacientes, e no qual o debate seja estimulado.

O médico não deve, de modo algum, persuadir o paciente a aceitar um tratamento com o qual não concorde, através de ameaças. Do mesmo modo, o profissional não deve tirar proveito de situações nas quais o paciente não esteja em condições de decidir, para convencê-lo, como no caso de indivíduos sob sedação, por exemplo22. Faden RR, Beauchamp TL. A history and theory of informed consent. New York: Oxford; 1986 , 33. Etchells E, Sharpe G, Dykeman MJ, Meslin EM, Singer PA. Bioethics for clinicians: 4. Voluntariness. CMAJ. 1996;155(8):1083-6.. O exercício da autonomia do paciente só é possível caso o médico cumpra com o dever de informar com clareza e com o dever de auxiliar no processo de tomada de decisão. Perguntas devem ser encorajadas quando necessário11. Beauchamp TL, Childress JF. Principles of biomedical ethics. 4th ed. New York: Oxford; 1994. , 22. Faden RR, Beauchamp TL. A history and theory of informed consent. New York: Oxford; 1986 , 33. Etchells E, Sharpe G, Dykeman MJ, Meslin EM, Singer PA. Bioethics for clinicians: 4. Voluntariness. CMAJ. 1996;155(8):1083-6. , 66. Fraenkel L, McGraw S. What are the essencial elements to enable patient participation in medical decision making? J Gen Intern Med. 2007;22(5):614-9.. O respeito à autonomia encontra amparo no Código de Ética Médica Brasileiro (Capítulo V, Artigo 31), segundo o qual é vedado ao médico "Desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte". Com este artigo, o código de ética médica enfatiza a obrigação de respeitar a autonomia do paciente77. Brasil. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM no 1246, de 08 de janeiro de 1988. Código de Ética Médica. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 26 jan. 1988, Seção 1, p. 1574-7.. A prática do respeito à autonomia do paciente encontra-se em oposição ao tradicional modelo de atendimento paternalista. Pelo paternalismo todas as determinações relativas ao tratamento são decididas pelo médico isoladamente. O modelo paternalista impede a atuação do paciente como agente de seu próprio tratamento11. Beauchamp TL, Childress JF. Principles of biomedical ethics. 4th ed. New York: Oxford; 1994. , 22. Faden RR, Beauchamp TL. A history and theory of informed consent. New York: Oxford; 1986. Entre os dois extremos representados pela autonomia total do paciente e pelo modelo paternalista encontra-se o modelo de decisão participativa. O modelo participativo pode ser considerado como o ideal do ponto de vista ético, no qual o médico informa, orienta e aconselha o paciente, através do encorajamento, à tomada de decisões livre e consciente11. Beauchamp TL, Childress JF. Principles of biomedical ethics. 4th ed. New York: Oxford; 1994. , 22. Faden RR, Beauchamp TL. A history and theory of informed consent. New York: Oxford; 1986. Assim, a adoção do modelo participativo requer o envolvimento tanto do médico quanto do paciente, ambos atuando como agentes ativos do processo de decisão. O compartilhamento de informações é premissa básica do relacionamento participativo e a tomada de decisões em conjunto somente pode ocorrer em um meio onde exista sinceridade e confiança. Ambos, paciente e médico, devem estar de acordo com a decisão final11. Beauchamp TL, Childress JF. Principles of biomedical ethics. 4th ed. New York: Oxford; 1994.

2. Faden RR, Beauchamp TL. A history and theory of informed consent. New York: Oxford; 1986
- 33. Etchells E, Sharpe G, Dykeman MJ, Meslin EM, Singer PA. Bioethics for clinicians: 4. Voluntariness. CMAJ. 1996;155(8):1083-6. , 66. Fraenkel L, McGraw S. What are the essencial elements to enable patient participation in medical decision making? J Gen Intern Med. 2007;22(5):614-9.. Estudos apontam diversos benefícios da adesão a este modelo: aumento da satisfação, melhora na qualidade de vida, aumento da confiança no tratamento e maior conhecimento acerca da própria enfermidade66. Fraenkel L, McGraw S. What are the essencial elements to enable patient participation in medical decision making? J Gen Intern Med. 2007;22(5):614-9..

O incentivo à participação do paciente deve ser feito de acordo com suas próprias características individuais. Todo paciente tem o direito de decidir com base em seu próprio sistema de crenças e valores e o direito de ter suas decisões respeitadas. As expectativas e desejos de cada paciente são extremamente peculiares e podem variar muito, de acordo com suas características familiares, culturais, sociais e religiosas88. Weiner SJ. Contextualizing medical decisions to individualize care: lessons from the qualitative sciences. J Gen Intern Med. 2004;19(3):281-5.

9. Levinson W, Kao A, Kuby A, Thisted RA. Not all patients want to participate in decision making. J Gen Intern Med. 2005;20(6):531-5.

10. Robinson A, Thomson R. Variability in patient preferences for participating in medical decision making: implication for the use of decision support tools. Qual Health Care. 2001;10 Suppl 1:i34-8.

11. Huijer M, van Leeuwen E. Personal values and cancer treatment refusal. J Med Ethics. 2000;26(5):358-62.

12. Müller-Engelmann M, Krones T, Keller H, Donner-Banzhoff N. Decision making preferences in the medical encounter-a factorial survey design. BMC Health Serv Res. 2008;8:260.
- 1313. Bruera E, Sweeney C, Calder K, Palmer L, Benisch-Tolley S. Patient preferences versus physician perceptions of treatment decisions in cancer care. J Clin Oncol. 2001;19(11):2883-5.. Outros fatores que influenciam o desejo do paciente de participar são a confiança que possui no seu médico, a existência ou ausência de opções terapêuticas e a natureza do atendimento que recebe, se público ou privado66. Fraenkel L, McGraw S. What are the essencial elements to enable patient participation in medical decision making? J Gen Intern Med. 2007;22(5):614-9.. Alguns indivíduos valorizam o aspecto comercial da relação médico-paciente e associam o direito de participar ao fato de estarem pagando pelo tratamento. Da mesma maneira, pacientes do Sistema Único de Saúde podem sentir-se obrigados a concordar de maneira irrestrita por acreditarem que, ao discordar, perderão o direito ao acompanhamento médico. Experiências de internações anteriores também podem influenciar o relacionamento e alguns pacientes sentem receio de importunar o médico com perguntas ou nem mesmo reconhecem seu direito de participar66. Fraenkel L, McGraw S. What are the essencial elements to enable patient participation in medical decision making? J Gen Intern Med. 2007;22(5):614-9.. A participação dos pacientes precisa, portanto, de estímulo, através do estabelecimento de uma relação de confiança e do incentivo à troca de informações. O bom relacionamento médico-paciente permite a identificação das necessidades de cada paciente e é fundamental para o sucesso de qualquer terapêutica. As expectativas de cada indivíduo devem ser detectadas e respeitadas, inclusive nos casos de recusa do tratamento88. Weiner SJ. Contextualizing medical decisions to individualize care: lessons from the qualitative sciences. J Gen Intern Med. 2004;19(3):281-5.

9. Levinson W, Kao A, Kuby A, Thisted RA. Not all patients want to participate in decision making. J Gen Intern Med. 2005;20(6):531-5.

10. Robinson A, Thomson R. Variability in patient preferences for participating in medical decision making: implication for the use of decision support tools. Qual Health Care. 2001;10 Suppl 1:i34-8.
- 1111. Huijer M, van Leeuwen E. Personal values and cancer treatment refusal. J Med Ethics. 2000;26(5):358-62.. O objetivo máximo do profissional deve ser a beneficência e a preservação dos interesses e do bem-estar do paciente11. Beauchamp TL, Childress JF. Principles of biomedical ethics. 4th ed. New York: Oxford; 1994. , 22. Faden RR, Beauchamp TL. A history and theory of informed consent. New York: Oxford; 1986.

A atitude dos pacientes em relação a este ideal ético de participação varia também entre os diferentes países. Um estudo norte-americano realizado em 1995 com 200 indivíduos de quatro grupos étnicos distintos encontrou diferenças significativas de comportamento entre os grupos. Norte-americanos descendentes de coreanos e de mexicanos apresentaram menor tendência de acreditar que o paciente deve conhecer o diagnóstico quando o prognóstico for negativo, afirmando que a responsabilidade deveria ser delegada a um familiar. O modelo centrado na responsabilidade da família foi defendido pelos descendentes de coreanos e de mexicanos em contraste com os pacientes de origem europeia e africana, que preferiram um modelo mais centrado no próprio paciente. As variações apresentadas no padrão de preferências também foram correlacionadas ao status socioeconômico. Pacientes das mesmas etnias com maior nível de escolaridade e de camadas sociais mais altas apresentavam maior similaridade com os de origem europeia e africana, apresentando preferência pelo modelo calcado na autonomia do paciente1414. Blackhall LJ, Murphy ST, Frank G, Michel V, Azen S. Ethnicity and Attitudes toward patient autonomy. JAMA. 1995;274(10):820-5..

Um estudo realizado na China demonstrou que o modelo preferencial no país é o de proteção do paciente através da omissão de determinadas informações. O paciente deve ser protegido de informações negativas que possam prejudicar seu bem-estar e, por consequência, o seu tratamento. O consentimento para a realização de procedimentos cirúrgicos deve ser obtido dos familiares. A família é quem decide quais informações podem ser passadas ao paciente e quais devem ser omitidas1515. Pang MC. Protective truthfulness: the Chinese way of safeguarding patients in informed treatment decisions. J Med Ethics. 1999;25(3):247-53..

Em 2010, 360 pacientes espanhóis foram submetidos a um questionário por Delgado et al. Os dados revelaram que, ainda que a maioria dos indivíduos entrevistados desejasse ser escutada e informada pelo médico, a participação autônoma do paciente foi vista como um aumento indesejado da sua responsabilidade. Doenças de maior gravidade foram associadas com um desejo ainda menor de participar1616. Delgado A, López-Fernández LA, de Dios Luna J, Saletti Cuesta L, Gil Garrido N, Puga González A. Expectativas de los pacientes sobre la toma de decisiones ante diferentes problemas de salud. Gac Sanit. 2010;24(1):66-71..

Na Europa, um estudo publicado em 2005 entrevistou indivíduos da Alemanha, Itália, Polônia, Eslovênia, Espanha, Suíça, Suécia e do Reino Unido. O desejo de ter um papel ativo nas decisões relacionadas ao tratamento foi maior entre as populações alemã e suíça. A população espanhola apresentou a maior proporção de pacientes que desejavam um papel passivo no relacionamento com o médico1717. Coulter A, Jenkinson C. European patients' views on the responsiveness of health systems and healthcare providers. Eur J Public Health. 2005;15(4):355-60..

No Brasil ainda há carência de estudos que identifiquem o padrão de preferências de nossa população em relação ao papel do paciente no tratamento. Um estudo relativo à compreensão do termo de consentimento informado, do ponto de vista de sua legibilidade, encontrou diferenças entre os diversos níveis de escolaridade e socioeconômicos. Como discutido anteriormente, o termo de consentimento informado (TCI) é uma das ferramentas que garantem o pleno exercício da autonomia. O estudo discute, então, a necessidade de adaptação do texto às características de cada paciente, a fim de facilitar seu entendimento, e desaconselha o uso de formulários padronizados1818. Biondo-Simões MLP, Martynetz J, Ueda FMK, Olandoski M. Compreensão do termo de consentimento informado. Rev Col Bras Cir. 2007;34(3):183-8..

Para que o paciente exerça sua autonomia, nenhum procedimento terapêutico pode ser realizado sem o seu consentimento que, em teoria, pode ser obtido de maneira verbal ou escrita. Como toda decisão deve ser tomada de maneira consciente, o ato de consentir só pode ser considerado válido caso seja precedido de explicações claras sobre os benefícios e os riscos em potencial que cada procedimento oferece. Assim, o dever de informar é condição imprescindível para a validação do consentimento11. Beauchamp TL, Childress JF. Principles of biomedical ethics. 4th ed. New York: Oxford; 1994. , 22. Faden RR, Beauchamp TL. A history and theory of informed consent. New York: Oxford; 1986 , 1818. Biondo-Simões MLP, Martynetz J, Ueda FMK, Olandoski M. Compreensão do termo de consentimento informado. Rev Col Bras Cir. 2007;34(3):183-8.

19. Etchells E, Sharpe G, Walsh P, Williams JR, Singer PA. Bioethics for clinicians: 1. Consent. CMAJ. 1996;155(2):177-80.

20. Minossi JG. O consentimento informado. Qual o seu real valor na prática médica? Rev Col Bras Cir. 2011;83(3):198-201.
- 2121. del Carmen MG, Joffe S. Informed consent for medical treatment and research: a review. Oncologist. 2005;10(8):636-41.. A definição de consentimento informado pode ser dividida filosoficamente em cinco componentes analíticos, a saber: competência ou capacidade do paciente, informação, compreensão, voluntariedade e consentimento. Ou seja, o consentimento deve ser dado por um indivíduo capaz, que tenha recebido e entendido as informações necessárias e que, de maneira voluntária, autorize o procedimento11. Beauchamp TL, Childress JF. Principles of biomedical ethics. 4th ed. New York: Oxford; 1994. , 22. Faden RR, Beauchamp TL. A history and theory of informed consent. New York: Oxford; 1986 , 2222. Schmitz D, Reinacher PC. Informed consent in neurosurgery-translating ethical theory into action. J Med Ethics. 2006;32(9):497-8.. É necessário que o paciente seja capaz de entender e decidir, que a decisão seja voluntária e que a informação tenha sido fornecida de maneira clara e adequada.

O consentimento por si mesmo, não ocorre em um momento específico do tempo, é um processo progressivo construído através do relacionamento médico-paciente. A assinatura do TCI formaliza essa relação11. Beauchamp TL, Childress JF. Principles of biomedical ethics. 4th ed. New York: Oxford; 1994. , 22. Faden RR, Beauchamp TL. A history and theory of informed consent. New York: Oxford; 1986 , 2121. del Carmen MG, Joffe S. Informed consent for medical treatment and research: a review. Oncologist. 2005;10(8):636-41.. A apresentação de um formulário de consentimento informado ao paciente deve ser encarada como uma oportunidade de diálogo e de incentivo às perguntas, permitindo ao médico conhecer melhor seu paciente e o ambiente sociocultural no qual se encontra incluído2222. Schmitz D, Reinacher PC. Informed consent in neurosurgery-translating ethical theory into action. J Med Ethics. 2006;32(9):497-8.. O uso institucional de TCI é cada vez mais comum1818. Biondo-Simões MLP, Martynetz J, Ueda FMK, Olandoski M. Compreensão do termo de consentimento informado. Rev Col Bras Cir. 2007;34(3):183-8. , 2020. Minossi JG. O consentimento informado. Qual o seu real valor na prática médica? Rev Col Bras Cir. 2011;83(3):198-201..

O TCI deve conter a identificação do paciente e de seu responsável legal, quando for o caso, o nome do procedimento, a descrição do procedimento em linguagem clara e acessível, a descrição dos riscos mais comuns e das possíveis complicações, explicações referentes à possibilidade de mudança de conduta devido a eventos inesperados durante sua realização, uma declaração de que as informações foram compreendidas, confirmação da autorização, do local e da data do procedimento. A assinatura de testemunhas e a apresentação de um modelo para revogação do consentimento também são desejáveis2020. Minossi JG. O consentimento informado. Qual o seu real valor na prática médica? Rev Col Bras Cir. 2011;83(3):198-201..

Apesar de originalmente criado dentro dos princípios éticos de respeito ao paciente, o TCI adquiriu com o tempo um valor legal, de caráter defensivo. A interpretação do TCI como um instrumento de defesa jurídica pode levar o médico ao exagero nas informações referentes aos riscos e ao desvirtuamento do bom relacionamento médico-paciente. O direito do paciente à informação não deve ser encarado como mera proteção contra possíveis processos2020. Minossi JG. O consentimento informado. Qual o seu real valor na prática médica? Rev Col Bras Cir. 2011;83(3):198-201. , 2222. Schmitz D, Reinacher PC. Informed consent in neurosurgery-translating ethical theory into action. J Med Ethics. 2006;32(9):497-8..

Os benefícios trazidos ao relacionamento médico-paciente pela adoção do modelo participativo são incontestáveis. A oportunidade de participar das decisões aumenta os índices de satisfação do paciente com o tratamento, e a sua confiança no médico. Dentro deste contexto, o TCI é um instrumento útil, que pode garantir o exercício do direito à autonomia quando bem aplicado, e não deve ser visto apenas como uma ferramenta de defesa legal. Observamos uma discussão muito incipiente, refletida pela carência significativa de estudos sobre o tema na literatura nacional, que, face à disparidade com a literatura internacional, revela a necessidade premente do debate com a sociedade. O modelo de saúde brasileiro, baseado no sistema público, sugere uma atitude paternalista por parte dos médicos e dos pacientes. São necessários estudos das expectativas e das preferências dos pacientes brasileiros para que possam ser criados modelos de atendimento que correspondam às nossas próprias características culturais. A adoção de políticas de saúde que cumpram com os princípios básicos da bioética depende deste debate.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2014

Histórico

  • Recebido
    15 Dez 2013
  • Aceito
    06 Maio 2014
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