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Anatomia da artéria esplênica: o que o cirurgião precisa saber?

RESUMO

Objetivo:

determinar a prevalência e descrever as principais variações morfológicas e métricas da artéria esplênica quanto a sua origem, trajeto e ramos terminais e polares.

Métodos:

estudo transversal, realizado no Hospital de Clínicas entre julho e novembro de 2020. Foram analisadas tomografias computadorizadas com contraste endovenoso dos pacientes atendidos no Serviço de Radiologia e Diagnóstico por Imagem. Os achados foram categorizados quanto à origem, trajeto e ramificações esplênicas.

Resultados:

foram avaliados 1.235 pacientes. Quanto à origem, a artéria esplênica surge no tronco celíaco em 99,11% dos indivíduos. Desses, 5,95% apresentam padrão celíaco bifurcado, 92,17% trifurcado e 1,88% tetrafurcado. O diâmetro arterial médio foi de 5,92mm (±1,2), sendo a maior média em homens brancos. Quanto ao trajeto, a artéria esplênica se apresentou única em toda a amostra. O curso suprapancreático esteve em 75,63% dos indivíduos, com maior ocorrência em mulheres 78,87% (p<0,001). O padrão de divisão terminal da artéria esplênica caracterizou-se pelo tipo bifurcado (95,47%). Os ramos terminais visualizados mais frequentemente foram os com três artérias (34,90%) e a maioria dos indivíduos não apresentou ramos polares.

Conclusão:

a artéria esplênica apresenta padrão de origem altamente variável e seu calibre médio é influenciado por sexo e cor. O trajeto suprapancreático foi o mais característico e predominou no sexo feminino. O padrão bifurcado de divisão final, com três ramos terminais e ausência de artérias polares, ocorre com maior frequência.

Palavras-chave:
Artéria Esplênica; Variação Anatômica; Anatomia; Cirurgia; Tomografia Computadorizada

ABSTRACT

Objective:

to determine the prevalence and describe the main morphological and metric variations of the splenic artery in terms of its origin, path and polar and terminal branches.

Methods:

cross-sectional study, carried out at Hospital de Clínicas between July and November 2020. Computed tomography scans were analyzed with intravenous contrast of the patients seen at the Radiology and Diagnostic Imaging Service. The findings were categorized as to origin, path and splenic ramifications.

Results:

1,235 patients were evaluated. As for the origin, the splenic artery appears in the celiac trunk in 99.11% of the individuals. Of these, 5.95% have a bifurcated celiac pattern, 92.17% trifurcated and 1.88% tetrafurcated. The mean arterial diameter was 5.92mm (±1.2), the highest one being in white men. As for the path, the splenic artery was unique in the entire sample. The suprapancreatic course was found in 75.63% of the individuals, with a higher occurrence in women, 78.87% (p<0.001). The terminal splitting pattern of the splenic artery was characterized by the bifurcated type (95.47%). The terminal branches seen most frequently were those with three arteries (34.90%) and most individuals did not have polar branches.

Conclusion:

the splenic artery presents a highly variable pattern of origin and its average caliber is influenced by sex and color. The suprapancreatic path was the most characteristic and predominant in females. The bifurcated pattern of final division, with three terminal branches and the absence of polar arteries, occurs more frequently.

Keywords:
Splenic Artery; Anatomic Variation; Anatomy; Surgery; Computed Tomography

INTRODUÇÃO

A artéria esplênica (ES) irriga o baço e é responsável por parte do suprimento sanguíneo gástrico e pancreático11 Moore KL, Dalley AF, Agur AMR. Anatomia orientada para a clínica. 7ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2014.. Sua emergência convencional ocorre na porção abdominal da aorta, ao nível da décima segunda vértebra torácica. Nesse ponto, o tronco celíaco (TC) origina os ramos da artéria gástrica esquerda (GE), ES e da artéria hepática comum (HC). A ES percorre de modo tortuoso a margem superior e posterior do pâncreas até o baço. Entretanto, podem ocorrer variações anatômicas do TC, incluindo apresentação bifurcada, trifurcada diferente do hepatogastroesplênico, tetrafurcada e, a própria ausência de tronco22 Araujo Neto SA, Franca HA, Mello Júnior CF, Silva Neto EJ, Negromonte GRP, Duarte CMA, et al. Variações anatômicas do tronco celíaco e sistema arterial hepático: uma análise pela angiotomografia multidetectores. Radiol Bras. 2015;48(6):358-62. doi: 10.1590/0100-3984.2014.0100.
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. Após sua origem, a ES segue seu trajeto retroperitonealmente ao longo das margens superior e posterior do corpo e da cauda do pâncreas, e o curso horizontal e tortuoso atravessa o ligamento esplenorrenal até o hilo do baço33 Patel SR, Lowe S. Accessory Splenic Artery: A Rare Cause of Upper Gastrointestinal Bleeding. Cardiovasc Intervent Radiol. 2017;40(7):1115-1117. doi: 10.1007/s00270-017-1592-6.
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. Em seu caminho, a artéria emite ramos que levam suprimento sanguíneo ao estômago e ao pâncreas e, por fim, adentra ao ligamento esplenorrenal, perto da cauda do pâncreas, onde se divide em vários ramos, agrupados em superiores e inferiores. Cada ramo terminal emite pequenas artérias que penetram o hilo esplênico. Os ramos que migram para a extremidade superior ou inferior do baço são chamados de polares33 Patel SR, Lowe S. Accessory Splenic Artery: A Rare Cause of Upper Gastrointestinal Bleeding. Cardiovasc Intervent Radiol. 2017;40(7):1115-1117. doi: 10.1007/s00270-017-1592-6.
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4 Wada Y, Aoki T, Murakami M, et al. Individualized procedures for splenic artery dissection during laparoscopic distal pancreatectomy. BMC Surg. 2020;20(32):1-5. doi: 10.1186/s12893-020-00694-y.
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-55 Casado Méndez PR. Variantes anatómicas de la arteria esplénica. Rev Med Electrón. 2018;40(2):346-59..

A apresentação da ES possui variações quanto à origem, curso, ramificações e relações anatômicas, e o conhecimento acerca do padrão vascular sistematiza uma tendência e facilita o reconhecimento de suas anomalias66 Manterola C, Otzen T. Incidental Splenic Injury and Splenectomy: An Overview Based on Available Evidence. Int. J. Morphol. 2016;34(4):1553-60.. A identificação de tais anomalias ganhou importância desde 1590, quando Franciscus Rosetti realizou a primeira esplenectomia parcial. A origem da ES, bem como seus ramos colaterais e terminais, são fatores a serem pensados, uma vez que influenciam a tática cirúrgica a ser utilizada nos procedimentos gástricos, pancreáticos, esplênicos e de hipertensão portal66 Manterola C, Otzen T. Incidental Splenic Injury and Splenectomy: An Overview Based on Available Evidence. Int. J. Morphol. 2016;34(4):1553-60.. Os raros estudos acerca das variações anatômicas e a imprecisão de dados morfológicos e métricos da ES motivaram a realização deste estudo, tendo como objetivo determinar a prevalência e descrever as principais variações morfológicas e métricas da quanto a origem, trajeto e ramos terminais e polares.

MÉTODOS

Obedecendo à Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, o protocolo do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal da Fronteira Sul, com dispensa do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Parecer 3.929.428).

O estudo se caracteriza como transversal e foi realizado no Hospital de Clínicas de Passo Fundo (HCPF), Rio Grande do Sul. A amostra, do tipo não probabilística, foi selecionada por conveniência e composta por pacientes de qualquer idade e de ambos os sexos, atendidos entre 01 de agosto e 31 de dezembro de 2018, no Serviço de Radiologia e Diagnóstico por Imagem do HCPF. Considerando uma prevalência esperada de 10% de alterações na origem da artéria esplênica e intervalo de confiança de 95%, o tamanho amostral estimado seria de 139 participantes. No entanto, visando ampliar a precisão dos resultados, optou-se por estudar um maior número de pacientes definindo o quantitativo a partir de um período de atendimento a pacientes.

Assim, para a composição da amostra, o serviço de radiologia disponibilizou uma lista com 2.000 códigos referentes aos pacientes. A partir dessa lista foram excluídos os códigos repetidos, já que alguns pacientes realizaram mais de uma tomografia no período. Em um segundo momento, foram excluídas as tomografias de pacientes com antecedentes prévios de cirurgia esplênica, além das que não utilizaram contraste endovenoso e das que continham alterações que impossibilitavam a aferição das medidas morfométricas.

Inicialmente, foram consultados os prontuários eletrônicos (Programa PEP, MV2000) para exclusão dos pacientes com histórico de cirurgia esplênica prévia e para acesso das informações demográficas. Após essa triagem, a avaliação tomográfica foi realizada através do Picture Archiving and Communication System (PACS®) Arya Aurora (Pixeon®, 2020). Por meio das tomografias, obteve-se a medida de diâmetro da artéria esplênica em sua origem, o local de origem, trajeto, número de ramificações arteriais esplênicas e de artérias polares. A avaliação foi realizada por dois médicos especialistas em radiologia abdominal e foram duplamente digitados e validados através do programa EpiData® versão 3.1 de distribuição livre.

A análise estatística englobou medidas descritivas e verificação da distribuição da frequência do tipo de trajeto da artéria esplênica de acordo com sexo (qui-quadrado de Pearson, admitindo-se erro α de 5%). Ainda, foram comparadas as médias dos diâmetros na origem da ES conforme sexo e cor da pele dos indivíduos (teste t de Student, erro α de 5%). Todas as análises foram feitas pelo PSPP®, software de distribuição livre.

RESULTADOS

A amostra foi composta por 1.235 participantes, sendo esses, predominantemente, do sexo masculino (50,53%), brancos (93,96%) e com idade entre 60 e 69 anos (24,21%).

Observou-se a origem da ES a partir de alguma conformação do TC em 99,11% da amostra. Nos demais, constatou-se emergência direta da aorta abdominal (AA) em 0,65%, a partir da HC em 0,16% e da artéria mesentérica superior (MS) em 0,08%. Das que se originaram a partir do TC, 5,95% apresentaram padrão celíaco bifurcado, 92,17% trifurcado e 1,88% tetrafurcado (Tabela 1).

Tabela 1
Características da artéria esplênica.

Naqueles com troncos trifurcados, a apresentação clássica, formada pelas artérias hepáticas comum, esplênica e gástrica esquerda (Figura 1), ocorreu em 98,94.

Figura 1
Reconstrução tridimensional demonstrando tronco celíaco com ramificação usual em artérias gástrica esquerda (GE), esplênica (ES) e hepática comum (HC).

O trajeto da ES se apresentou único em toda a amostra e, quanto ao curso, foi classificado em suprapancreática e dorsal (Figura 2), mostrando-se suprapancreático em 75,63% e dorsal em 24,37% indivíduos (Tabela 1).

Figura 2
Reconstruções no plano sagital de tomografia computadorizada demonstrando (A) trajeto dorsal (seta branca) e (B) trajeto suprapancreático (seta branca) da artéria esplênica.

Na Tabela 2 está demostrada a frequência do tipo de trajeto da ES conforme o sexo dos pacientes. Verificou-se predomínio do trajeto suprapancreático em relação ao trajeto dorsal em ambos os sexos, sendo a distribuição suprapancreática mais frequente no sexo feminino em comparação ao masculino (78,87%; 71,47%) e o curso dorsal foi mais predominante nos homens (28,53%; 20,13%), p=0,001.

Tabela 2
Tipo de trajeto e distribuição da artéria esplênica por sexo de pacientes.

Em relação às ramificações esplênicas, as artérias terminais apresentaram-se com uma artéria em 0,16% dos indivíduos, duas em 10,93%, três em 34,90%, quatro em 34,10%, cinco em 14,02%, seis em 3,40%, sete em 0,89% e oito em 0,24%. Os ramos esplênicos polares foram encontrados em 9,88% da amostra. Um único ramo polar foi visualizado em 9,15% dos indivíduos, dois ramos em 0,65% e três ramos em 0,08%. Ou seja, os padrões terminais mais comuns foram aqueles que apresentaram entre duas e cinco artérias e, dentre aqueles que apresentaram os ramos polares a ocorrência de um único ramo foi a mais visualizada (Tabela 1). Na Figura 3 estão apresentadas as imagens dos padrões mais frequentemente observados.

Figura 3
Reconstruções em Maximum Intensity Projection (MIP) no plano axial de tomografia computadorizada demonstrando (A) dois ramos terminais, (B) três ramos terminais, (C) quatro ramos terminais, (D) cinco ramos terminais e (E) ramo polar (seta branca).

Os achados métricos do diâmetro da artéria esplênica em sua origem, apresentaram média de 5,92mm (±1,2), com amplitude de 2,81mm a 10,84mm. Observou-se ainda diferença estatisticamente significante na variação do diâmetro em relação ao sexo e à raça. Verificou-se maior média de diâmetro em indivíduos do sexo masculino (6,16mm ±1,17; p<0,001) e nos brancos (5,93mm ±1,14; p=0,041) (Tabela 3).

Tabela 3
Diâmetro da artéria esplênica em sua origem por sexo e raça.

DISCUSSÃO

Origem

A identificação exata do local de origem da artéria esplênica, assim como suas características métricas, é fundamental não somente para o planejamento cirúrgico, mas também para evitar lesões iatrogênicas no intraoperatório. Assim, o conhecimento da sua origem e do seu diâmetro é fundamental em operações gastrointestinais e, principalmente, na aplicação de stents na cirurgia endovascular77 Panagouli E, Lolis E, Venieratos D. A morphometric study concerning the branching points of the main arteries in humans: relationships and correlations. Ann Anat. 2011;193(2):86-99. doi: 10.1016/j.aanat.2010.10.009.
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. Durante a embriogênese, cada nível metamérico origina três pares de artérias a partir da aorta. As posteriores são parietais, as laterais são urogenitais e as anteriores são intestinais. Segundo Tandler et al., as artérias intestinais são conectadas por uma anastomose longitudinal anterior (laengsanastomose)88 Tandler, J. über die Varietäten der Arteria coeliaca und deren Entwickelung. Anatomische Hefte 25, 473-500 (1904).. Das quatro raízes arteriais, duas desaparecem e as restantes se anastomosam dando origem as artérias HC, ES e GE99 Yi S-Q, Terayama H, Naito M, Hayashi S, Moriyama H, Tsuchida A, et al. A common celiacomesenteric trunk, and a brief review of the literature. Ann Anat. 2007;189(5):482-8. doi: 10.1016/j.aanat.2006.11.013.
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. O crescimento exacerbado ou a regressão desses vasos relacionam-se com a ocorrência de variações no tronco celíaco e na artéria mesentérica superior.

Méndez constatou em seu estudo que a emergência da ES a partir do TC ocorre em 88,46%55 Casado Méndez PR. Variantes anatómicas de la arteria esplénica. Rev Med Electrón. 2018;40(2):346-59.. Clement et al., em pesquisa com cadáveres e exames de imagem, observou 90,5% de ocorrência do padrão clássico de trifurcação1010 Marco-Clement I, Martinez-Barco A, Ahumada N, Simon C, Valderrama JM, Sanudo J, et al. Anatomical variations of the celiac trunk: cadaveric and radiological study. Surg Radiol Anat 2016;38(4):501-10. doi: 10.1007/s00276-015-1542-4.
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. Segundo Song et al., a apresentação clássica do TC ocorre em 89,1%11 Moore KL, Dalley AF, Agur AMR. Anatomia orientada para a clínica. 7ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2014. 11 Moore KL, Dalley AF, Agur AMR. Anatomia orientada para a clínica. 7ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2014.. No presente estudo, a artéria esplênica apresentou origem celíaca em 99,11% dos pacientes e a apresentação clássica do tronco hepatogastroesplênico ocorreu em 91,47% das vezes. A observação de frequências mais elevadas pode ser decorrente das distinções entre as amostras estudadas, especialmente no que se refere ao tamanho amostral e à origem étnica dos participantes, além de particularidades dos métodos empregados na realização do estudos.

A emergência da ES a partir da aorta abdominal ocorreu em apenas 0,65%, da hepática comum em 0,16% e da mesentérica superior em 0,08%. Estes achados são semelhantes aos dos estudos indianos1212 Skandalakis JE. Skandalakis 'Surgical Anatomy: The Embryologic and Anatomic Basis of Modern Surgery. 1 ed. Athens, Greece: PMP; 2004.-1313 Sankar KD, Bhanu PS, Susan PJ. Variant Anatomy of the Celiac Trunk and its Branches. Int. J. Morphol. 2011;29(2):581-4.. O tronco celíaco bifurcado, em diferentes combinações, tem sido observado em até 12% da população11 Moore KL, Dalley AF, Agur AMR. Anatomia orientada para a clínica. 7ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2014. 22 Araujo Neto SA, Franca HA, Mello Júnior CF, Silva Neto EJ, Negromonte GRP, Duarte CMA, et al. Variações anatômicas do tronco celíaco e sistema arterial hepático: uma análise pela angiotomografia multidetectores. Radiol Bras. 2015;48(6):358-62. doi: 10.1590/0100-3984.2014.0100.
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. Neste estudo, foi encontrada a bifurcação do TC em 5,95% da amostra.

A observação métrica do diâmetro da artéria esplênica em sua origem identificou uma média de 5,92mm (± 1,2), com variação de 2,81mm a 10,84mm. Méndez verificou-se que o comprimento médio da ES foi de 147mm, com um intervalo de 81mm a 306mm e que seu diâmetro médio foi de 8,6cm, com amplitude de 4 a 11mm55 Casado Méndez PR. Variantes anatómicas de la arteria esplénica. Rev Med Electrón. 2018;40(2):346-59.. Neste estudo, indivíduos do sexo masculino apresentaram uma média de diâmetro arterial superior a indivíduos do sexo feminino (6,16 ± 1,17 : 5,67 ± 1,07), bem como indivíduos brancos apresentaram média superior a outras raças (5,93 ± 1,14:5,66 ± 1,05). Não foram encontrados na literatura estudos que avaliaram a relação entre essas variáveis.

Trajeto

O trajeto da ES pode ser classificado como tendo dois tipos principais de padrão: o curso suprapancreático, em que a artéria se curva e corre superiormente ao pâncreas e o curso dorsal, onde segue relativamente reta para o lado dorsal do pâncreas44 Wada Y, Aoki T, Murakami M, et al. Individualized procedures for splenic artery dissection during laparoscopic distal pancreatectomy. BMC Surg. 2020;20(32):1-5. doi: 10.1186/s12893-020-00694-y.
https://doi.org/10.1186/s12893-020-00694...
. No presente estudo, a artéria esplênica foi visualizada em trajeto único em toda a amostra, não sendo encontrada em sua forma duplicada. Quanto ao tipo de trajeto, observou-se curso suprapancreático em 75,63%, e dorsal, em 24,37% dos indivíduos. Tais achados estão em consonância com o estudo realizado em 320 cadáveres, onde o trajeto suprapancreático foi encontrado em 74,1%11 Moore KL, Dalley AF, Agur AMR. Anatomia orientada para a clínica. 7ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2014.. Embora não tenham sido encontrados relatos prévios na literatura sobre o tipo de trajeto em função do sexo, na nossa amostra verificou-se que o trajeto suprapancreático foi mais frequente em ambos os sexos. No entanto, quando comparados os sexos dentro de cada padrão, houve o predomínio nos sexos feminino e masculino, respectivamente no trajeto suprapancreático e dorsal.

O conhecimento do trajeto pode influenciar a técnica cirúrgica abordada. O estudo realizado por Inoko et al. demonstrou que a segurança da pancreatectomia distal com preservação esplênica laparoscópica está associada ao estudo prévio do trajeto e dos ramos terminais da ES1515 Inoko K, Ebihara Y, Sakamoto K, Miyamoto N, Kurashima Y, Tamoto E, et al. Strategic Approach to the Splenic Artery in Laparoscopic Spleen-preserving Distal Pancreatectomy. Surg Laparosc Endosc Percutan Tech. 2015 Aug;25(4):e122-5. doi: 10.1097/SLE.0000000000000182. PMID: 26121549; PMCID: PMC4539197.
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. A técnica cirúrgica utilizada foi decidida conforme o trajeto arterial, sendo que nos casos em que o trajeto foi suprapancreático, a incisão peritonial foi realizada ao longo da borda pancreática. Já nos casos em que o trajeto da artéria esplênica foi dorsal, a artéria foi exposta e protegida pela abordagem inferior1515 Inoko K, Ebihara Y, Sakamoto K, Miyamoto N, Kurashima Y, Tamoto E, et al. Strategic Approach to the Splenic Artery in Laparoscopic Spleen-preserving Distal Pancreatectomy. Surg Laparosc Endosc Percutan Tech. 2015 Aug;25(4):e122-5. doi: 10.1097/SLE.0000000000000182. PMID: 26121549; PMCID: PMC4539197.
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18 Mellemkjaer L, Olsen JH, Linet MS. Risk of cancer following splenectomy. Int J Cancer. 1996 May 29;66(5):611-6. doi: 10.1002/(SICI)1097-0215(19960529)66:5<611::AID-IJC5>3.0.CO;2-W.
https://doi.org/10.1002/(SICI)1097-0215(...
-1919 Fernandez-Cruz L, Martinez I, Gilabert R. Laparoscopic distal pancreatectomy combined with preservation of the spleen for cystic neoplasms of the pancreas. J Gastrointest Surg 8, 493-501 (2004). https://doi.org/10.1016/j.gassur.2003.11.014
https://doi.org/10.1016/j.gassur.2003.11...
.

Ramificações

O conhecimento da divisão intraparenquimatosa da artéria esplênica é fundamental nas esplenectomias parciais. Portanto, a compreensão de como a trama vascular se apresenta, facilita sua rápida identificação e caracteriza um parâmetro importante para a orientação cirúrgica2020 Silva LFA, Silveira LMA, Timbó PS, Pinheiro SR, Barros LV, Silva Filho AR. Estudo morfométrico da divisão arterial do baço comparado ao estudo radiológico. Rev. Col. Bras. Cir. 2011;38(3):181-5. doi: 10.1590/S0100-69912011000300008.
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.

O padrão de divisão terminal da artéria esplênica se caracterizou, majoritariamente, pelo tipo bifurcado (95,47%). A apresentação trifurcada foi verificada em 4,53%. Os achados são semelhantes aos observados em estudo brasileiro com 60 arteriografias, em que o tipo bifurcado apareceu em 93,3% e o trifurcado em 6,7%2020 Silva LFA, Silveira LMA, Timbó PS, Pinheiro SR, Barros LV, Silva Filho AR. Estudo morfométrico da divisão arterial do baço comparado ao estudo radiológico. Rev. Col. Bras. Cir. 2011;38(3):181-5. doi: 10.1590/S0100-69912011000300008.
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. No que se refere às ramificações esplênicas terminais, as mais frequentemente encontradas foram as de três (34,90%) e de quatro artérias (34,10%). A ocorrência de ramo único foi verificada em 0,16% dos casos. Nas observações realizadas em um estudo indiano, a artéria esplênica se dividiu em ramos terminais em 97,2% e, nos demais casos, passou pelo hilo do baço sem se dividir. Ainda no mesmo estudo, os autores identificaram maior frequência de dois (63,1%) e quatro (18,8%) ramos terminais11 Moore KL, Dalley AF, Agur AMR. Anatomia orientada para a clínica. 7ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2014.. A ausência de artérias polares esplênicas predominou na amostra. A ocorrência de uma única artéria foi constatada em 9,15%, de duas em 0,65% e, três ramos polares foram vistos em somente 0,08% dos indivíduos.

Os principais pontos fortes deste estudo abrangem a descrição minuciosa do trajeto anatômico da artéria esplênica, a variação do diâmetro arterial segundo sexo e raça, bem como a diferença observada no tipo de trajeto de acordo com o sexo dos indivíduos. Nesse contexto, é importante ressaltar que a análise do diâmetro arterial, quando realizada, se dá em cadáveres, com número amostral reduzido, ou ainda, em pacientes com artérias acometidas por alguma doença. Neste caso, o nosso estudo contemplou uma amostra com mais de 1200 casos com artérias sem comprometimento clínico. Destaca-se também que é inédita na literatura a observação da maior frequência do trajeto suprapancreático em ambos os sexos e a maior frequência do trajeto dorsal em homens.

CONCLUSÃO

A artéria esplênica apresenta padrão de origem altamente variável e seu calibre médio é influenciado pelo sexo e pela cor da pele dos pacientes. O trajeto é majoritariamente suprapancreático e é ainda mais comum no sexo feminino. O padrão bifurcado de divisão final, com três ramos terminais e ausência de artérias polares, foi o mais frequente.

REFERENCES

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  • Fonte de financiamento:

    nenhuma.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Set 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    03 Fev 2022
  • Aceito
    11 Jul 2022
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