Cirurgia transoral de tireóide e paratireóide no Brasil: onde estamos?

RESUMO

Introdução:

a cirurgia de tireoide por via transoral vestibular é uma realidade em muitos países. Embora várias outras técnicas de acesso remoto tenham sido desenvolvidas nos últimos 20 anos, muitas não eram reprodutíveis. A cirurgia endoscópica cervical transoral (TNS - Transoral Neck Surgery) tem se mostrado reprodutível em diferentes centros ao redor do mundo sendo que, aproximadamente cinco anos após sua descrição, foi adotada de forma relativamente rápida por vários motivos. Até o momento, existem pelo menos 7 estudos brasileiros publicados, incluindo uma série de mais de 400 casos. O objetivo deste trabalho é estudar a evolução da Cirurgia Transoral do Pescoço (TNS) no Brasil e descrever o perfil dos cirurgiões envolvidos nesta nova abordagem.

Métodos:

trata-se de um estudo descritivo. Uma pesquisa online hospedada no REDCap sobre tireoidectomia e paratireoidectomia endoscópica transoral por abordagem vestibular (TOETVA/TOEPVA) foi realizada com 66 cirurgiões brasileiros. Foram levantados dados sobre o perfil do cirurgião, número de casos realizados por região geográfica, que tipo de treinamento foi necessário antes do primeiro caso e comportamento do cirurgião durante o relacionamento com o paciente ao abordar essas novas técnicas.

Resultados:

a taxa de resposta desta pesquisa foi de 53%. Até o momento, 1.275 casos de TOETVA/TOEPVA foram realizados no Brasil, sendo 1.229 tireoidectomias (96,4%), 42 paratireoidectomias (3,3%) e 4 procedimentos combinados (0,3%). A maioria dos casos foi realizada na região sudeste (821, 64,4%), 538 (42,2%) casos no estado de São Paulo e 283 (22,2%) casos no estado do Rio de Janeiro.

Conclusões:

a TOETVA está se popularizando no Brasil. Cirurgiões mais jovens, especialmente aqueles entre 30 e 50 anos, são mais propensos a adotar essa abordagem.

Palavras-chave:
Tireoidectomia; Paratireoidectomia; Neoplasias de Cabeça e Pescoço; Glândulas Endócrinas; Procedimentos Cirúrgicos Endócrinos

ABSTRACT

Introduction:

thyroid surgery through the transoral vestibular approach is a reality in many countries. While several competing remote access techniques have been developed in the last 20 years, many were not reproducible. Transoral Endoscopic Neck Surgery (TNS) has been shown to be reproducible in different centers around the world, and approximately five years after its description it has been adopted relatively quickly for various reasons. To date, there are at least 7 Brazilian studies published, including a series of more than 400 cases. The aim of this work is to study the progression of Transoral Neck Surgery in Brazil and describe the profile of surgeons involved in this new approach.

Methods:

this is a retrospective study with descriptive statistics. A REDCap based survey about transoral endoscopic thyroidectomy and parathyroidectomy vestibular approach (TOETVA/TOEPVA) was done with 66 Brazilian surgeons regarding surgeon profile, numbers of cases performed by geographic region, what kind of training was necessary prior to the first case and behavior of the surgeon proposing these new approaches.

Results:

response rate of this survey was 53%. To date, 1275 TOETVA/TOEPVA cases had been performed in Brazil, 1229 thyroidectomies (96.4%), 42 parathyroidectomies (3.3%) and 4 combined procedures (0.3%). Most of the cases were done in the southeast region (821, 64.4%), 538 (42.2%) cases in the State of São Paulo and 283 (22.2%) cases in the State of Rio de Janeiro.

Conclusions:

TOETVA is becoming popular in Brazil. Younger surgeons, especially those between 30 and 50 years old were more likely to adopt this approach.

Keywords:
TOETVA; Scarless Thyroid; Vestibular Approach; Thyroidectomy; Parathyroidectomy

INTRODUÇÃO

A cirurgia endoscópica transoral da tireoide e paratireoide por meio da abordagem vestibular é uma realidade em muitos países do mundo^1,2. Várias técnicas de tireoidectomia por acesso remoto foram desenvolvidas nos últimos 20 anos visando melhores resultados estéticos^3,4. Muitas não eram reprodutíveis e, portanto, foram abandonadas⁵. No Brasil, a primeira série de TOETVA foi publicada em 2018 por Tesseroli e cols.⁶. A partir daí, cada vez mais cirurgiões adotaram a técnica e alguns publicaram seus resultados^6-12. Este procedimento é chamado pela maioria dos autores de Tireoidectomia/ Paratireoidectomia Endoscópica Trans Oral Vestibular (TOETVA/TOEPVA), para diferenciá-lo de uma técnica transoral descrita anteriormente que utilizava um ou mais trocartes através do assoalho da boca¹³. Nesta técnica, o acesso cirúrgico é feito com três trocartes inseridos pelo vestíbulo oral (Figura 1). Como tal, a técnica pode ser considerada uma cirurgia endoscópica por orifício natural (NOTES™). As complicações infecciosas são raras, e o resultado pós-operatório é muito semelhante ao da tireoidectomia aberta, porém com ausência de cicatriz na região anterior do pescoço^3,4,7,8.

Figura 1
Imagem do acesso cirúrgico para TOETVA e TOEPVA.

Outras técnicas de cirurgia de tireoide por acesso remoto, como transaxilar, transtorácica e transmamária são conhecidas por aumentarem os tempos de internação e recuperação, requererem o uso sistemático de drenos e podem causar complicações graves não descritas na tireoidectomia aberta⁵. A TOETVA apresenta perfil de segurança semelhante ao da cirurgia aberta em relação às complicações relacionadas aos nervos laríngeos e às glândulas paratireoides⁴. Permite acesso aos dois lobos da tireoide e ao compartimento central. Quando comparada a outras técnicas de acesso remoto, a TOETVA é uma verdadeira cirurgia sem cicatriz, pois não há incisões cutâneas. Dentre as cirurgias por acesso remoto, também representa o caminho mais curto entre a entrada dos trocartes e a tireoide, não requer drenagem de rotina, apresenta curto tempo de permanência e rápida recuperação. Existem algumas evidências de que também pode haver menos dor com esta técnica^14-16. Portanto, a TOETVA é considerada uma abordagem minimamente invasiva por alguns autores, embora possa ser melhor descrita como uma técnica cirúrgica de acesso remoto¹⁷.

A TOETVA foi descrita pela primeira vez por cirurgiões americanos¹⁸ após alguns estudos experimentais em animais e cadáveres^13,18,19, mas ganhou popularidade depois que Anuwong, um cirurgião tailandês, publicou sua primeira série de 60 casos em 2015, descrevendo resultados animadores⁴. A técnica tem se mostrado reprodutível em diferentes centros ao redor do mundo e tem sido adotada rapidamente²⁰, pois requer apenas instrumentos laparoscópicos comuns, sem agregar custos excessivos ou tempo cirúrgico proibitivo. Além disso, demonstrou ter uma curva de aprendizado relativamente curta^8,9. A TOETVA também agrega os benefícios da video cirurgia à tireoidectomia, como a ampliação da imagem e a capacidade de registrar dados e video^3,21. Tais benefícios podem aumentar exponencialmente, pois a inteligência artificial oferece potencial para assistência cirúrgica no futuro. Esteticamente, a TOETVA tem-se mostrado superior quando comparada à tireoidectomia aberta^22,23.

Até o momento, existem pelo menos sete estudos brasileiros publicados sobre TOETVA^6-12, incluindo uma série de mais de 400 casos⁷. Outros autores descreveram uma rápida adoção desta técnica em relação a outras tireoidectomias por acesso remoto²⁴.

Embora a TOETVA tenha sido adotada em outros países da América Latina, como a Argentina²⁵, não há evidências do número de pacientes que se submeteram à TOETVA no Brasil, nem do número de cirurgiões que a realizam. Há também algumas preocupações importantes sobre o treinamento dos cirurgiões antes de realizar a TOETVA.

O objetivo deste trabalho é estudar a evolução da Cirurgia Transoral Cervical no Brasil e descrever o perfil dos cirurgiões envolvidos nesta nova abordagem.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo descritivo.

Uma pesquisa em formato digital foi projetada para descrever as características dos cirurgiões que realizam TOETVA no Brasil. Um questionário eletrônico foi então distribuído para um grupo de 66 cirurgiões familiarizados com a TOETVA no Brasil. Todos os cirurgiões (n=66) faziam parte de um grupo chamado “TOETVA-BRA”, comunicando-se via WhatsApp, um aplicativo de mídia social comum no Brasil. Este grupo foi fundado para compartilhar informações, experiências individuais e conhecimentos sobre TOETVA e cirurgia transoral cervical entre os cirurgiões. No momento da redação deste artigo, ele era composto por 127 cirurgiões brasileiros, de várias equipes diferentes. A pesquisa foi criada no REDCap (Research Electronic Data Capture), plataforma hospedada na web e administrada pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, e foi compartilhada por um link postado no grupo. A pesquisa foi aplicada entre julho e setembro de 2021.

Os dados coletados no questionário estão pormenorizados na Tabela 1.

Tabela 1
Dados coletados no questionário eletrônico utilizado.

TOETVA E TOETPVA BRASIL - QUESTIONÁRIO
Nome do cirurgião, data de nascimento e idade	Número de casos com os quais o cirurgião se sentiu confortável com a técnica (precisamente)	Como realizou aprendizado se não realizou treinamento específico
Data das respostas	Número de tireoidectomias entre os casos	Observação prévia de casos
Cidade e Estado onde pratica	Número de paratireoidectomias entre os casos	Número de casos observados
Hospital onde fez residência	Número de procedimentos combinados (tireoidectomias com paratireoidectomias)	Participação de um Proctor no começo
Especialidade médica	Número de esvaziamento cervical do nível VI	Número de casos acompanhados por um Proctor
Data do primeiro caso	Treinamento prévio em videocirurgia	Porcentagem de indicação de TOETVA entre os casos de tireoidectomia
Número total de casos	Tipo de treinamento em videocirurgia	Porcentagem de indicação de TOEPVA entre os casos de tireoidectomia
Número de participações em casos	Experiência com cirurgia robótica	Comportamento frente a um paciente que apresenta um bom caso para a técnica - mostra e explica a abordagem convencional e endoscópica ou não?
Participação em casos como Proctor	Prática prévia com videocirurgia	Decisão final sobre a via de acesso cirúrgico (aberta x endoscópica) na situação em que o caso preenche os critérios de indicação para via endoscópica
Número de casos como Proctor (aproximadamente)	Treinamento específico Hands-On (especificar onde)

Todos os dados foram compilados e estatísticas descritivas sobre todos os tópicos da pesquisa foram feitas usando o REDCap.

Este estudo tem aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (Número: 5.000.052 | CAAE: 50536121.2.0000.5479) de acordo com os padrões éticos do comitê de experimentação humana da Declaração de Helsinki de 1975 (revisada em 1983). Todos os participantes forneceram consentimento informado por escrito para participar neste estudo.

RESULTADOS

A taxa de resposta foi de 53%, observando que algumas equipes optaram por responder o questionário após compilar os dados de seus membros em uma única resposta. Isso pode resultar em uma taxa de resposta virtualmente baixa, uma vez que vários membros de uma mesma equipe fazem parte do grupo “TOETVA-BRA”, e registraram apenas uma resposta em conjunto, mas que ainda reflete uma porcentagem alta de participantes.

De acordo com este levantamento, até o momento, 1.275 casos de TOETVA/TOEPVA foram realizados no Brasil. Entre os casos, 1.229 foram tireoidectomias (96,4%), 42 foram paratireoidectomias (3,3%) e 4 casos foram descritos como procedimentos combinados (0,3%). O esvaziamento cervical central foi realizado em 113 casos (8,8%) (Tabela 2). A maioria dos casos foi realizada na região sudeste (821, 64,4%), 538 (42,2%) casos no estado de São Paulo e 283 (22,2%) no estado do Rio de Janeiro (Tabela 2). Cirurgiões de 14 estados brasileiros, incluindo o distrito federal, e 26 cidades diferentes já estão realizando TOETVA/TOEPVA (Figuras 2 e 3).

Tabela 2
Resultados dos casos realizados e perfil dos cirurgiões.

	Resultados
Taxa de reposta	53%
Casos
Número de casos	1275
Tireoidectomias	1229 (96,4%)
Paratireoidectomias	42 (3,3%)
Procedimentos combinados	4 (0,3%)
Esvaziamento central (Nível VI)	113 (8,8%)
Região	Sudeste	821 (64,4%)
	São Paulo	538 (42,2%)
	Rio de Janeiro	283 (22,2%)
Cirurgiões
Número de cirurgiões	66
Média de idade	41
< 50 anos	>75%
Cabeça e Pescoço	63 (95,5%)
Cirurgia oncológica	2 (2,9%)
Cirurgia Endócrina	1 (1,6%)

Figura 2
Número de casos por estados.

Figura 3
Número de cirurgiões por estados.

A maior parte dos casos concentra-se nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, João Pessoa e Florianópolis. O número de casos variou de um a 203 (mediana de seis). O maior número de casos por grupo foi de 203 para uma equipe de São Paulo, 188 para uma do Rio de Janeiro, 125 para outra de São Paulo e 126 para uma equipe de João Pessoa.

Ao todo, 66 cirurgiões responderam à pesquisa (Tabela 2). A idade variou de 30 a 63 anos, com mediana de 41. Mais de 75% tinham menos de 50 anos, e a faixa etária predominante foi entre 36 a 47 anos, representando 50% da amostra. De acordo com a pesquisa, 95,5% (n=63) são cirurgiões de cabeça e pescoço, 2,9% (n=2) são cirurgiões oncológicos e 1,6% (n=1) é cirurgião endócrino (Tabela 2). Quando questionados sobre a participação em casos reais de TOETVA/TOEPVA, 30,3% (n=20) participaram de até 5 casos, 37,9% (n=25) de 5 a 25 casos, 13,6% (n=9) de 25 a 50 casos, 4,5% (n=3) de 50 a 75 casos, 6,1% (n=4) de 75 a 100 casos, 4,5% (n=3) de 100 a 150 casos e 3% (n=2) participaram de mais de 150 casos (Tabela 3). Isso significa que a maioria dos casos, 86% (n=1.101), foi concluída por um cirurgião que participou de mais de 25 casos. É de se notar que 30,3% (n=20) desta amostra participou como tutor em alguns casos. A fim de se entender a percepção individual da curva de aprendizado, os cirurgiões foram solicitados a apontarem o número de casos a partir do qual se sentiram mais confortáveis com a técnica: 28,8% (n=19) disseram 5 casos, 15,2% (n=10) 10 casos, 15,2% (n=10) 15 casos, 3% (n=2) 20 casos, 1,5% (n=1) 25 casos, 1,5% (n=1) 30 casos e 34,8% (n=23) disseram que ainda não se sentem confortáveis com a técnica (Tabela 3).

Tabela 3
Resultados: número de participações em casos de TOETVA/TOEPVA e percepção do cirurgia sobre a curva de aprendizado.

	Resultados
Cirurgiões
Participação em casos reais
Até 5 casos	20 (30,3%)
5 a 25 casos	25 (37,9%)
25 a 50 casos	9 (13,6%)
50 a 75 casos	3 (4,5%)
75 a 100 casos	3 (4,5%)
100 a 150 casos	3 (4,5%)
> 150 casos	2 (3%)
Participação em casos como Proctor	20 (30,3%)
Percepção individual da curva de aprendizado
5 casos	19 (28,8%)
10 casos	10 (15,2%)
15 casos	10 (15,2%)
20 casos	2 (3%)
25 casos	1 (1,5%)
30 casos	1 (1,5%)
Não se sente confortável	23 (34,8%)

Ao todo, 75,8% (n=50) dos cirurgiões afirmaram ter treinamento anterior em video cirurgia antes de iniciar a TOETVA (Tabela 4). A maioria (66%, n=33) teve essa formação apenas durante a residência médica, 1 cirurgião (2%) realizou cursos de curta duração e 32% (n=16), ambos (Tabela 4). Quando questionados se costumavam realizar video cirurgia em sua prática diária, 57,6% (n=38) afirmaram que sim. Dentre todos os cirurgiões, 27,3% (n=18) já eram treinados em cirurgia robótica. A maioria dos cirurgiões (80,3%, n=53) envolvidos nesta amostra teve treinamento específico em TOETVA, alguns em cursos com cadáveres e outros em cursos com animais. Os que não tiveram formação específica foram treinados em cirurgia robótica, e alguns foram para os EUA ou Tailândia para treinamento e observação de casos antes de começarem. A maioria dos cirurgiões (85%, n=56) assistiu casos de um colega mais experiente antes de realizar seu primeiro caso. O número de casos observados antes do início da técnica variou de um a 30 (mediana de cinco). A maioria (63,6%, n=42) teve um Proctor nos primeiros casos e alguns (15%, n=10) tiveram um tutor nos primeiros cinco casos (Tabela 4).

Tabela 4
Resutados: tipo de treinamento dos cirurgiões e partcipação de um proctor nos primeiros casos.

	Resultados
Cirurgiões
Treinamento em videocirurgia
Sim	50 (75,8%)
Não	16 (24,2%)
Apenas durante a residência	33 (66%)
Apenas curso de curta duração	1 (2%)
Ambos	16 (32%)
Treinamento em cirurgia robótica	18 (27,3%)
Treinamento especifico em TOETVA	53 (80,3%)
Observação de casos	56 (85%)
Participação de um Proctor nos primeiros casos	42 (63,6%)

Com relação às indicações cirúrgicas para TOETVA entre os cirurgiões brasileiros, 43,9% (n=29) acreditam que ela é indicada para até 10% dos casos envolvendo a tireoide, 24,2% (n=16) para até 25%, 16,7% (n= 11) para até 50%, 9,1% (n=6) para até 75% e 6,1% (n=4) acreditam que seja indicada para 90% dos casos (Tabela 5). Dentre as cirurgias de paratireoide, 75,4% (n=49) acreditam que ela é indicada para até 10% dos casos, 10,8% (n=7) para até 25%, 7,7% (n=5) para até 50% e 6,2% (n=4) para até 75%. Quando questionados sobre propor cirurgia aberta e endoscópica a um paciente candidato a TOETVA/TOPEVA, a maioria dos cirurgiões (90%, n=60) disse que expõe as duas vias ao paciente, e 95,5% (n=63) deixa que o paciente faça a escolha (Tabela 5).

Tabela 5
Resultados: percepção dos cirurgiões sobre a indicação de TOETVA/TOEPVA e comportamento sobre a proposta e escolha da técnica.

	Resultados
Cirurgiões
Percepção individual de indicação para TOETVA
Indicada para até 10% dos casos	29 (43,9%)
Indicada para até 25% dos casos	16 (24,2%)
Indicada para até 50% dos casos	11 (16,7%)
Indicada para até 75% dos casos	6 (9,1%)
Indicada para até 90% dos casos	4 (6,1%)
	Resultados
Percepção individual de indicação para TOEPVA
Indicada para até 10% dos casos	49 (75,4%)
Indicada para até 25% dos casos	7 (10,8%)
Indicada para até 50% dos casos	5 (7,7%)
Indicada para até 75% dos casos	4 (6,2%)
Expõe sempre ambas as técnicas ao paciente	60 (90%)
Deixa o paciente escolher a técnica quando o seu caso é adequado para via endoscópica	63 (95,5%)

DISCUSSÃO

A cirurgia endoscópica transoral da tireoide e paratireoide é uma técnica nova e está sendo adotada em escala mundial, principalmente na Ásia e nas Américas^1,2,14,15,26. No Brasil, os primeiros casos documentados foram feitos em 2017⁶, mas somente em 2020 um número maior de cirurgiões passou a utilizar a técnica. O aspecto cosmético de evitar uma cicatriz na região anterior do pescoço é uma vantagem. As populações preocupadas com a estética têm maior probabilidade de escolherem uma técnica cosmeticamente superior, como a TOETVA. Até o momento, 1.275 casos foram concluídos em todas as regiões do Brasil e na maioria dos estados, consistente com a rápida adoção citada por Banucchi et al.²⁴.

Inicialmente, muitos cirurgiões acreditavam que esta técnica traria altas taxas de infecção. Até o momento, os dados disponíveis não demonstram maior ocorrência de infecção na TOETVA²⁷. Observou-se aumento do tempo cirúrgico na TOETVA quando comparada à cirurgia convencional. Tal achado é semelhante aos de outras cirurgias endoscópicas em seu início, como a cirurgia endoscópica naso-sinusal e a cirurgia laparoscópica, que se tornaram o padrão de tratamento quando comparadas à abordagem aberta²⁸. Após uma curta curva de aprendizagem de 10 a 15 casos^8,9, o tempo cirúrgico diminui e torna-se apenas um pouco mais longo do que o da tireoidectomia aberta^8,9. Apesar desses achados, uma resistência a técnica ainda existe, mas não parece ser pautada nos dados disponíveis na literatura²⁹.

Todos os 66 cirurgiões que responderam a esta pesquisa são pioneiros na adoção da TOETVA³⁰. Mas este número provavelmente está subestimado, uma vez que a pesquisa foi aplicada apenas a um grupo específico de cirurgiões. No entanto, os pioneiros e aqueles que têm um alto volume de casos de TOETVA no Brasil foram incluídos nesta amostra. Os cirurgiões ainda na curva de aprendizado também foram incluídos, o que significa que a TOETVA/TOEPVA se difundirá ainda mais rapidamente depois que esses cirurgiões concluírem sua curva de aprendizado inicial.

O histórico de treinamento é um aspecto crítico ao iniciar uma nova técnica cirúrgica. Mesmo com formação anterior em video cirurgia, os pioneiros da TOETVA no Brasil^6-12 buscaram treinamento e observação em outros países. Alguns foram para os EUA e outros viajaram para a Tailândia, os primeiros centros de alto volume de TOETVA no mundo. Esses cirurgiões colaboraram entre si em seus primeiros casos e também desenvolveram os primeiros cursos brasileiros sobre TOETVA, usando animais e cadáveres, que permitiram que outros cirurgiões treinassem sem precisar viajar para o exterior.

A faixa etária predominante entre os cirurgiões foi de 36 a 47 anos, demonstrando que os cirurgiões mais jovens foram mais propensos a adotar a TOETVA. Qualquer novo procedimento cirúrgico apresenta uma resistência inicial por diversos motivos. A maioria dos cirurgiões que adotou a técnica terminou sua residência pelo menos cinco anos antes de iniciá-la. Esses cirurgiões provavelmente adquiriram experiencia suficiente com casos de cirurgia convencional, para aí então avançar para técnicas de acesso remoto, o que está de acordo com as recomendações internacionais⁵.

A maioria dos cirurgiões desta amostra teve alguma experiência em treinamento em video cirurgia durante sua residência (75%, n=50) e outros realizaram cursos de curta duração ou ambos. Os cirurgiões mais antigos não tiveram treinamento em video cirurgia durante a residência, pois ela foi incorporada a partir dos anos 2000. Isso poderia explicar por que os cirurgiões mais velhos foram menos representados em nossa pesquisa. Mais da metade costumava realizar video cirurgia em sua prática diária antes de iniciar a TOETVA. A maioria dos cirurgiões observou alguns casos antes de iniciar o seu próprio, e a grande maioria tinha supervisão de um Proctor para os primeiros casos.

Esses aspectos podem ser diferentes em outros países e devem variar de acordo com o programa de treinamento médico. No brasil, a maioria dos cirurgiões de cabeça e pescoço passa por um programa de cirurgia geral de dois anos antes de se candidatarem à cirurgia de cabeça e pescoço, enquanto um grupo menor vem da otorrinolaringologia. Atualmente, a cirurgia geral oferece alguma prática de laparoscopia, e durante a residência em otorrinolaringologia um bom número de procedimentos envolve instrumentação de vídeo. Independentemente da residência, a cirurgia minimamente invasiva e a video cirurgia são cada vez mais comuns, sugerindo que os futuros cirurgiões provavelmente aprenderão a TOETVA com mais facilidade do que os pioneiros e os primeiros cirurgiões a adotar a técnica.

Em relação à aplicabilidade da TOETVA, 31,9% dos cirurgiões consideram a realização da TOETVA em, pelo menos, 50% de todos os casos de tireoide, o que significa que essa técnica pode ser oferecida a um grande número de pacientes. A seleção do paciente é fundamental e a experiência certamente trará maior segurança para indicar a TOETVA para um espectro mais amplo, porém adequado, de doenças da tireoide.

Entre os entrevistados, quase 90% oferecem procedimentos abertos e transorais quando um paciente é candidato a qualquer abordagem, e 95% deles permitem que o paciente decida qual é o melhor. Essa abordagem respeita as prioridades individuais de cada paciente e destaca a promessa de tomada de decisão individualizada.

As limitações deste estudo incluem o viés de seleção dos cirurgiões entrevistados, uma vez que provavelmente há mais cirurgiões realizando TOETVA que não aderiram ao grupo de WhatsApp TOETVA-BRA. Este grupo representa apenas os primeiros cirurgiões que adotaram a técnica, uma vez que estes estavam fortemente envolvidos com a mesma. É possível que alguns cirurgiões também tenham superestimado ou subestimado o número de casos assim como outros dados apresentados.

CONCLUSÕES

A cirurgia endoscópica transoral da tireoide e paratireoide está se popularizando no Brasil. No presente levantamento, 1.275 casos já foram realizados nas cinco regiões do país e em mais da metade das unidades da federação. Cirurgiões jovens, especialmente aqueles entre 30 e 50 anos, foram mais propensos a adotar essas novas abordagens. O histórico pessoal de experiência com video cirurgia, o treinamento específico da TOETVA, a observação de um cirurgião experiente e a supervisão nos primeiros casos parecem ser os aspectos mais importantes daqueles que adotaram a técnica no Brasil.

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• Fonte de financiamento:

  nenhuma.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  19 Maio 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  23 Ago 2022
• Aceito
  20 Set 2022