Acessibilidade / Reportar erro

Impacto do uso do checklist cirúrgico e completude em complicações e mortalidade em cirurgias colorretais de urgência

RESUMO

Objetivo:

verificar o impacto do uso do checklist cirúrgico e a completude em complicações como infecção do sítio cirúrgico (ISC), reoperação, readmissão e mortalidade em pacientes submetidos a procedimentos colorretais de urgência, bem como os motivos para a não adesão a esse instrumento nesse cenário, em hospital universitário de Ottawa, Canadá.

Métodos:

trata-se de estudo epidemiológico retrospectivo. Os dados foram coletados em base de dados eletrônica contendo informações de pacientes submetidos a cirurgias colorretais de urgência, sendo analisada a ocorrência de ISC, reoperação, readmissão e óbito em período de 30 dias, bem como a completude do checklist. Realizou-se análise estatística descritiva e regressão logística.

Resultados:

incluíram-se 5.145 registros, dos quais 5.083 (98,8%) possuíam checklists completos. No que se refere aos desfechos avaliados, identificou-se nos checklists completos comparados aos incompletos, respectivamente, maior taxa das ISC de 9,1% contra 6,5% (p=0,466); menor taxa em reoperações de 5% contra 11,3% (p=0,023); em readmissões de 7,2% contra 11,3% (p=0,209); e também em mortalidade de 3,0% contra 6,5% (p=0,108).

Conclusão:

verificou-se alto nível de completude do checklist e maior número de desfechos no reduzido percentual de checklists incompletos encontrados, demonstrando o impacto da utilização para a segurança do paciente submetido a cirurgias de urgência.

Palavras-chave:
Segurança do Paciente; Cirurgia Colorretal; Lista de Checagem; Emergências; Organização Mundial da Saúde

ABSTRACT

Objective:

to assess the impact of using a surgical checklist and its completion on complications such as surgical site infection (SSI), reoperation, readmission, and mortality in patients subjected to urgent colorectal procedures, as well as the reasons for non adherence to this instrument in this scenario, in a university hospital in Ottawa, Canada.

Methods:

this is a retrospective, epidemiological study. We collected data from an electronic database containing information on patients undergoing urgent colorectal operations, and analyzed the occurrence of SSI, reoperation, readmission, and death in a 30 day period, as well as the completion of the checklist. We conducted a descriptive statistical analysis and logistic regression.

Results:

we included 5,145 records, of which 5,083 (98.8%) had complete checklists. As for the outcomes evaluated, cases with complete checklists displayed higher SSI rate, 9.1% vs. 6.5% (p=0.466), lower reoperation rate, 5% vs.11.3% (p=0.023), lower readmission rates, 7.2% vs. 11.3% (p=0.209), and lower mortality, 3.0% vs. 6.5% (p=0.108) than cases with incomplete ones.

Conclusion:

there was a high level of checklist completion and a larger number of the outcomes in the reduced percentage of incomplete checklists found, demonstrating the impact of its utilization on the safety of patients undergoing urgent operations.

Keywords:
Patient Safety; Colorectal Surgery; Checklist, Emergencies; World Health Organization

INTRODUÇÃO

Em 2009, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou o Segundo Desafio Global de Segurança do Paciente: “Cirurgias Seguras Salvam Vidas”, visando a melhoria do cuidado ao paciente cirúrgico, de forma a ampliar a segurança e reduzir a morbimortalidade decorrente de procedimentos cirúrgicos. O uso de um checklist cirúrgico foi proposto com o intuito de auxiliar as equipes cirúrgicas a se lembrarem de etapas críticas a serem realizadas durante os procedimentos e promover a melhoria da comunicação interdisciplinar11 World Health Organization. WHO guidelines for safe surgery 2009: safe surgery saves lives. Geneva: World Health Organization; 2009. p. 133. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/44185/9789241598552_eng.DA65FD34CBE45206D1E450B3E2?sequence=1. Accessed June 5, 2018..

A implementação do checklist tem demonstrado a redução de complicações e mortalidade pós-operatórias em todo o mundo, especialmente em operações eletivas22 Panda N, Haynes AB. Effective implementation and utilization of checklists in surgical patient safety. Surg Clin N Am. 2021; 101(1):37-48.. Em 2010, a OMS, com o intuito de avaliar o uso do checklist cirúrgico durante operações de urgência, realizou estudo em diferentes realidades socioeconômicas, cujos resultados demonstraram diminuição nas taxas de complicações e óbitos após a introdução do checklist nessas situações, sugerindo a viabilidade nessas circunstâncias33 Weiser TG, Haynes AB, Dziekan G, Berry WR, Lipsitz SR, Gawande AA, et al. Effect of a 19-item surgical safety checklist during urgent operations in a global patient population. Ann Surg. 2010;251(5):976 -80..

Desde então, poucos estudos têm focado nesse cenário44 Haugen AS, Søfteland E, Almeland SK, Sevdalis N, Vonen B, Eide GE, et al. Effect of the World Health Organization checklist on patient outcomes: a stepped wedge cluster randomized controlled trial. Ann Surg 2015; 261(5):821-8

5 Urbach DR, Govindarajan A, Saskin R, Wilton AS, Baxter NN. Introduction of Surgical Safety Checklists in Ontario, Canada. N Engl J Med. 2014;370:1029-38.
-66 van Klei WA, Hoff RG, van Aarnhem EE, Simmermacher RKJ, Regli LPE, Kappen TH, et al. Effects of the introduction of the WHO "Surgical Safety Checklist" on in hospital mortality: a cohort study. Ann Surg. 2012;255(1):44-9.. Apesar dos resultados positivos na redução de morbimortalidade33 Weiser TG, Haynes AB, Dziekan G, Berry WR, Lipsitz SR, Gawande AA, et al. Effect of a 19-item surgical safety checklist during urgent operations in a global patient population. Ann Surg. 2010;251(5):976 -80.,66 van Klei WA, Hoff RG, van Aarnhem EE, Simmermacher RKJ, Regli LPE, Kappen TH, et al. Effects of the introduction of the WHO "Surgical Safety Checklist" on in hospital mortality: a cohort study. Ann Surg. 2012;255(1):44-9. e a recomendação da OMS11 World Health Organization. WHO guidelines for safe surgery 2009: safe surgery saves lives. Geneva: World Health Organization; 2009. p. 133. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/44185/9789241598552_eng.DA65FD34CBE45206D1E450B3E2?sequence=1. Accessed June 5, 2018. para a implementação do checklist em procedimentos de urgência, o uso nessas situações tem sido questionado por alguns profissionais de saúde, justificando que a aplicação poderia levar a outros problemas como atraso do procedimento operatório77 Kearns RJ, Uppal V, Bonner J, Robertson J, Daniel M, McGrady EM. The introduction of a surgical safety checklist in a tertiary referral obstetric centre. BMJ Qual Saf 2011;20(9):818-22.. Embora pacientes submetidos a cirurgias de urgência possam se beneficiar do uso do checklist, uma vez que apresentam maior risco de complicações e mortalidade devido à instabilidade do quadro clínico associado à pressão de atendimento emergencial em curto espaço de tempo33 Weiser TG, Haynes AB, Dziekan G, Berry WR, Lipsitz SR, Gawande AA, et al. Effect of a 19-item surgical safety checklist during urgent operations in a global patient population. Ann Surg. 2010;251(5):976 -80., ainda são escassas as evidências acerca do impacto da completude do checklist nessa população33 Weiser TG, Haynes AB, Dziekan G, Berry WR, Lipsitz SR, Gawande AA, et al. Effect of a 19-item surgical safety checklist during urgent operations in a global patient population. Ann Surg. 2010;251(5):976 -80.,44 Haugen AS, Søfteland E, Almeland SK, Sevdalis N, Vonen B, Eide GE, et al. Effect of the World Health Organization checklist on patient outcomes: a stepped wedge cluster randomized controlled trial. Ann Surg 2015; 261(5):821-8,66 van Klei WA, Hoff RG, van Aarnhem EE, Simmermacher RKJ, Regli LPE, Kappen TH, et al. Effects of the introduction of the WHO "Surgical Safety Checklist" on in hospital mortality: a cohort study. Ann Surg. 2012;255(1):44-9..

No cenário dos procedimentos de urgência, destacam-se as cirurgias colorretais, que estão associadas a altas taxas de morbidade e, consequentemente, maior demanda por recursos hospitalares. Em relação às complicações pós-operatórias decorrentes desses procedimentos estão a infecção do sítio cirúrgico (ISC), o vazamento de anastomose e a obstrução intestinal que, muitas vezes, requerem cuidados intensivos, aumentando o tempo de internação, as reoperações e readmissões, bem como os gastos em saúde88 Rattan R, Parreco J, Lindenmaier LB, Dante D, Zakrison TL, Pust G, et al. Underestimation of unplanned readmission after colorectal surgery: a national analysis. J Am Coll Surg. 2018; 226(4):382-90.,99 Krutsri C, Sumpritpradit P, Singhatas P, Thampongsa T, Phuwapraisirisan S, Gesprasert G, et al. Morbidity, mortality, and risk factors of emergency colorectal surgery among older patients in the acute care surgery service: a retrospective study. Ann Med Surg; 2020; 6(62); 485-9..

Diante do exposto, objetivou-se verificar o impacto do uso do checklist cirúrgico e a completude em complicações como ISC, reoperação, readmissão e mortalidade em pacientes submetidos a procedimentos colorretais de urgência, bem como os motivos para a não adesão a esse instrumento nesse cenário em hospital universitário de Ottawa, Canadá. O presente estudo visa contribuir com evidências acerca da relação entre a ocorrência dos eventos adversos (EA) - ISC, reoperação, readmissão e óbitos - e a completude do checklist cirúrgico em procedimentos colorretais de urgência a partir do uso em circunstâncias, muitas vezes, sujeitas a pressão do tempo e, consequentemente, falhas.

MÉTODOS

Estudo epidemiológico retrospectivo conduzido em hospital universitário de grande porte em Ottawa, no Canadá, certificado pela Accreditation Canada, no qual o checklist foi introduzido em abril de 2010.

O checklist adotado na instituição se compõe de três fases. A primeira é a “entrada”, que consiste em: verificação de itens de segurança como identificação do paciente, procedimento, sítio cirúrgico e alergias, assinatura do termo de consentimento, avaliação da via aérea do paciente, do risco de hipotermia, da necessidade de precauções especiais, da esterilização dos instrumentais, do funcionamento dos equipamentos anestésicos, reserva de hemoderivados, documentação do exame β HCG, levantamento de problemas com equipamentos, dentre outros, no momento em que o paciente chega à sala operatória. Essa fase envolve toda a equipe perioperatória, incluindo, entre outros, o anestesista, o cirurgião, os médicos auxiliares, o residente, o enfermeiro e o circulante de sala. Preconiza-se que essa etapa seja liderada pelo cirurgião ou médico assistente, podendo ser conduzida pelo residente na presença de um dos dois primeiros, assim como na próxima etapa denominada “pausa cirúrgica”.

Na “pausa cirúrgica”, momento imediatamente após a indução anestésica e antes da incisão cirúrgica, verifica-se novamente a identidade do paciente, o sítio a ser operado e a assinatura do consentimento para o procedimento, a necessidade e presença de exames de imagens, a profilaxia para tromboembolismo, a administração de antibioticoprofilaxia, bem como devem ser descritas as preocupações com potenciais intercorrências previstas pelo cirurgião responsável pelo caso, previamente à cirurgia. Na terceira fase, a “saída”, momento realizado durante a sutura e antes da transferência do paciente para a sala de recuperação anestésica, deve ser conferido: o registro do nome do procedimento realizado, a classificação da ferida operatória, a contagem de instrumentais e compressas, a identificação de espécimes para laboratório de anatomopatologia, a ocorrência de EA e intercorrências intraoperatórias a serem notificadas à unidade de recepção do paciente. Essa última fase deve ser conduzida pelo enfermeiro circulante de sala, na presença do cirurgião, do médico assistente e do anestesista. Ressalta-se que o enfermeiro circulante é o responsável por documentar eletronicamente a conclusão de cada momento do checklist e os motivos da não conclusão (se aplicável).

Os dados foram coletados retrospectivamente no banco de dados eletrônico do hospital, de todos os pacientes maiores de 18 anos, submetidos a cirurgia colorretal de urgência, em que as condições clínicas exigiam acesso ao bloco cirúrgico em até 24 horas após a admissão, no período de 01 de agosto de 2010 a 31 de julho de 2017. Foram incluídas informações sobre ISC, reoperação, readmissão e óbito por 30 dias após o procedimento, bem como sexo, idade, procedimento realizado, classificação American Society of Anesthesiologist (ASA), potencial de contaminação da ferida operatória, duração da cirurgia e completude do checklist ou motivos para não ter sido completado.

Procedimentos colorretais (operações no apêndice, cólon e reto) como: apendicectomia laparoscópica, laparotomia exploradora, ressecção/exploração do intestino delgado, hemicolectomia e colectomia foram selecionados para o estudo devido ao alto volume realizado na instituição no período analisado. Foram excluídos registros de pacientes com classificação ASA 5 devido à diminuição da possibilidade de sobrevida sem cirurgia, ASA 6 por se tratar de paciente em morte cerebral doador de órgãos ou ASA não informado1010 American Society of Anesthesiologists. ASA Physical Status Classification System. 2019. Available from: https://www.asahq.org/standards-and-guidelines/asa-physical-status-classification-system Acessed in: 20 May 2020.
https://www.asahq.org/standards-and-guid...
.

Os dados foram analisados por estatística descritiva, teste X2, e regressão logística para avaliar o impacto da completude do checklist em ISC, reoperação, readmissão e óbito, por meio do programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS®) versão 21.0. Considerou-se o valor de p<0,05 significativo. Para verificação da normalidade dos dados utilizou-se o teste de Kolmogorov-Smirnov. As variáveis que caracterizaram pacientes e procedimentos foram utilizadas para controlar possíveis fatores de confusão. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição (#20170449-01H).

RESULTADOS

O total de 5.145 prontuários foi incluído na análise dos quais a média de idade dos pacientes foi de 48,8 anos (18 - 99 anos) e a média da duração da cirurgia foi de 135 minutos (60 - 584 minutos). Verificou-se que 5.083 (98,8%) checklists estavam completos em todas as três fases (entrada, pausa cirúrgica e saída) e 62 (1,2%) estavam incompletos.

Considerando os checklists incompletos, a distribuição das fases incompletas foi: “saída” (24/38,7%), seguida por “pausa cirúrgica” (15/24,2%), “entrada” e “pausa cirúrgica” simultaneamente (14/22,6%), “entrada” (6/9,7%), “pausa cirúrgica” e “saída” concorrentemente (2/3,2%) e “entrada” e “saída” concomitantemente (1/1,6%). Os motivos mais frequentemente relatados para o checklist incompleto foram “ausência de membro da equipe”, sendo o cirurgião majoritariamente esse membro (76,9%) e “instabilidade clínica do paciente”, conforme descrito na Tabela 1.

Tabela 1
Motivos para a não adesão às diferentes fases do checklist. Ottawa, 2017.

As características dos pacientes e procedimentos por completude do checklist estratificados por sexo, idade, classificação ASA, ferida operatória e duração da cirurgia (calculada a partir da média amostral) estão descritas na Tabela 2.

Tabela 2
Características do paciente e procedimento por completude do checklist. Ottawa, 2017.

Em relação aos desfechos analisados no estudo, identificou-se a ocorrência de 9,1% (468/5145) de ISC, 5% (259/5145) de reoperações, 7,2% de readmissões (370/5145) e 3% de mortalidade (154/5145). A distribuição desses desfechos clínicos por completude do checklist está descrita na Figura 1.

Figura 1
Distribuição dos desfechos clínicos avaliados por completude do checklist. Ottawa, 2017.

A análise de regressão logística foi realizada controlando-se os possíveis fatores de confusão incluindo sexo, idade, classificação ASA e da ferida operatória, duração da cirurgia e completude do checklist, visando a verificação do impacto em ISC, reoperações, readmissões e óbitos. De acordo com a análise, a completude do checklist não influenciou a ocorrência de nenhum dos desfechos avaliados (Tabela 3).

Tabela 3
Resultados da análise de regressão logística dos desfechos avaliados por características do paciente, procedimento e completude do checklist. Ottawa, 2017.

DISCUSSÃO

A elevada taxa de completude do checklist encontrada no presente estudo demonstra a viabilidade da adoção nesse cenário. No que se refere ao impacto da completude nos desfechos avaliados, chamou a atenção que apesar do reduzido quantitativo de checklists incompletos (1,2%), evidenciou-se maior taxa de desfechos como reoperação, reinternação e óbitos, sendo estatisticamente significativo para o primeiro, nesses formulários incompletos. Esse resultado permite inferir que o uso adequado do checklist cirúrgico em cirurgias de urgência é possível e promissor, podendo implicar na redução de complicações e mortalidade. De maneira semelhante, estudo que avaliou a influência da completude do checklist em procedimentos de urgência, também identificou efeitos positivos na redução das taxas de complicações e mortalidade. Embora essa tenha sido menor do que reportado previamente por outros autores, esse resultado se relacionou significativamente à adesão ao checklist66 van Klei WA, Hoff RG, van Aarnhem EE, Simmermacher RKJ, Regli LPE, Kappen TH, et al. Effects of the introduction of the WHO "Surgical Safety Checklist" on in hospital mortality: a cohort study. Ann Surg. 2012;255(1):44-9.. Por outro lado, convém ressaltar a ausência de impacto da completude do checklist cirúrgico na ISC. De acordo com a literatura, uma possível explicação para esse resultado seria o maior investimento de países desenvolvidos em políticas de prevenção e controle de infecção1111 Allegranzi B, Aiken AM, Zeynep Kubilay N, Nthumba P, Barasa J, Okumu G, et al. A multimodal infection control and patient safety intervention to reduce surgical site infections in Africa: a multicentre, before-after, cohort study. Lancet Infect Dis. 2018; 18(5):507-515. doi: 10.1016/S1473-3099(18)30107-5
https://doi.org/10.1016/S1473-3099(18)30...
,1212 Curcio D, Cane A, Fernández F, Correa J. Surgical site infection in elective clean and clean-contaminated surgeries in developing countries. Int J Infect Dis. 2019; 80:34-45. doi: 10.1016/j.ijid.2018.12.013.
https://doi.org/10.1016/j.ijid.2018.12.0...
, sendo o checklist cirúrgico ferramenta adicional que, dependendo da elaboração/adaptação, pode agregar pouco às medidas de boas práticas já adotadas no processo de trabalho por instituições de saúde nesses cenários1313 De Jager E, Mckenna C, Bartlett L, Gunnarsson R, Ho YH. Postoperative adverse events inconsistently improved by the World Health Organization surgical safety checklist: a systematic literature review of 25 studies. World Journal of Surgery 2016; 40(8):1842-58. doi: 10.1007/s00268-016-3519-9.
https://doi.org/10.1007/s00268-016-3519-...
,1414 Gama CS, Backman C, Oliveira AC. Effect of surgical safety checklist on colorectal surgical site infection rates in 2 countries: Brazil and Canada. Am J Infect Control. 2019; 47(9):1112-7. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/j.ajic.2019.03.002.
http://dx.doi.org/10.1016/j.ajic.2019.03...
.

No que se refere à regressão logística, não foi identificado nenhum impacto da completude do checklist nos desfechos avaliados. Uma possível explicação para esse resultado se pauta no número reduzido de checklists incompletos encontrados, sendo essa uma das limitações do presente estudo. Autores que avaliaram o uso do checklist em cirurgias de urgência com resultados positivos nos desfechos avaliados, reportaram distribuição mais homogênea de dados entre os períodos avaliados, antes e após a implementação do checklist, bem como de checklists completos e incompletos33 Weiser TG, Haynes AB, Dziekan G, Berry WR, Lipsitz SR, Gawande AA, et al. Effect of a 19-item surgical safety checklist during urgent operations in a global patient population. Ann Surg. 2010;251(5):976 -80.,44 Haugen AS, Søfteland E, Almeland SK, Sevdalis N, Vonen B, Eide GE, et al. Effect of the World Health Organization checklist on patient outcomes: a stepped wedge cluster randomized controlled trial. Ann Surg 2015; 261(5):821-8,66 van Klei WA, Hoff RG, van Aarnhem EE, Simmermacher RKJ, Regli LPE, Kappen TH, et al. Effects of the introduction of the WHO "Surgical Safety Checklist" on in hospital mortality: a cohort study. Ann Surg. 2012;255(1):44-9..

Em relação às razões que motivaram o não preenchimento do checklist, destacou-se a “ausência de um membro da equipe”, na maioria das vezes, representada pela figura do cirurgião como o motivo mais relatado, superando a “instabilidade clínica do paciente” que, segundo a literatura, é a principal justificativa para a não adesão ao instrumento em procedimentos de urgência66 van Klei WA, Hoff RG, van Aarnhem EE, Simmermacher RKJ, Regli LPE, Kappen TH, et al. Effects of the introduction of the WHO "Surgical Safety Checklist" on in hospital mortality: a cohort study. Ann Surg. 2012;255(1):44-9.,77 Kearns RJ, Uppal V, Bonner J, Robertson J, Daniel M, McGrady EM. The introduction of a surgical safety checklist in a tertiary referral obstetric centre. BMJ Qual Saf 2011;20(9):818-22.. Esse achado reflete a falha do trabalho em equipe e a presença de cultura hierárquica historicamente implícita nas salas cirúrgicas em todo o mundo, em que os cirurgiões assumem como coordenadores1515 Scott D, Shafi M. The WHO surgical checklist: improving safety in our operating theatres. Obstet Gynaecol Reprod Med. 2018; 28 (9); 295-7.,1616 Singer SJ, Molina G, Li Z, Jiang W, Nurudeen S, Kite JG, et al. Relationship between operating room teamwork, contextual factors, and safety checklist performance. J Am Coll Surg. 2016;223(4):568-580.e2.. Alguns autores apontam que, quando a liderança do checklist é assumida por esse profissional, outros membros da equipe tendem a se concentrar e a fazerem a verificação dos itens juntos. Ademais, o fazem em menor tempo e com maior troca de informações do que quando a responsabilidade de condução do checklist é assumida pela equipe de enfermagem, como geralmente ocorre1616 Singer SJ, Molina G, Li Z, Jiang W, Nurudeen S, Kite JG, et al. Relationship between operating room teamwork, contextual factors, and safety checklist performance. J Am Coll Surg. 2016;223(4):568-580.e2.,1717 Mahmood T, Mylopoulos M, Bagli D, Damignani R, Haji FA. A mixed methods study of challenges in the implementation and use of the surgical safety checklist. Surgery 2019; 165 (4): 832-7. doi: https://doi.org/10.1016/j.surg.2018.09.012
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
.

A valorização e a compreensão da magnitude do trabalho em equipe são fundamentais para o sucesso do checklist. Os resultados positivos após o emprego do checklist encontrados pela OMS e por outros autores que incluíram procedimentos cirúrgicos de urgência na análise33 Weiser TG, Haynes AB, Dziekan G, Berry WR, Lipsitz SR, Gawande AA, et al. Effect of a 19-item surgical safety checklist during urgent operations in a global patient population. Ann Surg. 2010;251(5):976 -80.,44 Haugen AS, Søfteland E, Almeland SK, Sevdalis N, Vonen B, Eide GE, et al. Effect of the World Health Organization checklist on patient outcomes: a stepped wedge cluster randomized controlled trial. Ann Surg 2015; 261(5):821-8,66 van Klei WA, Hoff RG, van Aarnhem EE, Simmermacher RKJ, Regli LPE, Kappen TH, et al. Effects of the introduction of the WHO "Surgical Safety Checklist" on in hospital mortality: a cohort study. Ann Surg. 2012;255(1):44-9. foram influenciados pela mudança de comportamento da equipe cirúrgica e treinamentos extensivos55 Urbach DR, Govindarajan A, Saskin R, Wilton AS, Baxter NN. Introduction of Surgical Safety Checklists in Ontario, Canada. N Engl J Med. 2014;370:1029-38.. Quanto ao treinamento, alguns autores elencam a dificuldade de implementar o checklist descrevendo o desconhecimento dos profissionais sobre o objetivo e a relevância do processo. Muitas vezes, este é visto como mais uma tarefa burocrática sem finalidade prática, como ordem superior para controlar as decisões ou até reduzir a autonomia profissional1616 Singer SJ, Molina G, Li Z, Jiang W, Nurudeen S, Kite JG, et al. Relationship between operating room teamwork, contextual factors, and safety checklist performance. J Am Coll Surg. 2016;223(4):568-580.e2.

17 Mahmood T, Mylopoulos M, Bagli D, Damignani R, Haji FA. A mixed methods study of challenges in the implementation and use of the surgical safety checklist. Surgery 2019; 165 (4): 832-7. doi: https://doi.org/10.1016/j.surg.2018.09.012
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...

18 Hey LA, Turner TC. Using standardized OR checklists and creating extended time-out checklists. AORN J. 2016;104(3):248-53.
-1919 Kasatpibal N, Sirakamon S, Punjasawadwong Y, Chitreecheur J, Chotirosniramit N, Pakvipas P, et al. An exploration of surgical team perceptions toward implementation of surgical safety checklists in a non-native English-speaking country. Am J Infect Control 2018; 46(8):899-905. doi: 10.1016/j.ajic.2017.12.003.
https://doi.org/10.1016/j.ajic.2017.12.0...
. Kearns e cols relataram que a equipe cirúrgica foi menos propensa a acreditar que o checklist seria inconveniente em procedimentos cirúrgicos de urgência após se acostumarem com o emprego em casos eletivos, demonstrando a importância de educar a equipe para o uso com confiança.

Outro aspecto a ser considerado se refere à adaptação local que preconiza a elaboração do checklist com a participação da equipe interdisciplinar evitando-se número excessivo de itens a serem verificados, o que potencialmente pode aumentar a probabilidade de um item específico ser desconsiderado1818 Hey LA, Turner TC. Using standardized OR checklists and creating extended time-out checklists. AORN J. 2016;104(3):248-53.. Nesse sentido, uma alternativa para a adaptação do checklist a situações de emergência, visando a maior completude e adesão ao mesmo, é a redução do número de itens que o compõem, pois a simplicidade e aplicabilidade têm sido fatores favoráveis para a adesão11 World Health Organization. WHO guidelines for safe surgery 2009: safe surgery saves lives. Geneva: World Health Organization; 2009. p. 133. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/44185/9789241598552_eng.DA65FD34CBE45206D1E450B3E2?sequence=1. Accessed June 5, 2018.,33 Weiser TG, Haynes AB, Dziekan G, Berry WR, Lipsitz SR, Gawande AA, et al. Effect of a 19-item surgical safety checklist during urgent operations in a global patient population. Ann Surg. 2010;251(5):976 -80.. No presente estudo, um checklist contendo 45 itens foi utilizado pela instituição para todos os procedimentos, eletivos e de urgência, o que pode ter contribuído para a falha de completude dos últimos. O “não cumprimento de alguns itens específicos do checklist” foi motivo comumente relatado para a não completude total. Em vários casos identificou-se o encurtamento ou a junção de itens, por exemplo, demonstrando tentativa de adesão mesmo em situações críticas. O checklist da OMS é composto por 19 itens e essa organização encoraja a adaptação a cada realidade, porém não recomenda a exclusão de nenhum item da proposta original11 World Health Organization. WHO guidelines for safe surgery 2009: safe surgery saves lives. Geneva: World Health Organization; 2009. p. 133. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/44185/9789241598552_eng.DA65FD34CBE45206D1E450B3E2?sequence=1. Accessed June 5, 2018..

Além da discrepância encontrada entre o quantitativo de checklist completos e incompletos, são também limitações do estudo a coleta retrospectiva dos dados a partir de um banco eletrônico, estando sujeito ao viés de informação e à ausência de dados clínicos e laboratoriais mais específicos e a realização em um único hospital. Apesar dessas limitações os resultados são promissores, fornecendo evidências da importante contribuição do uso do checklist cirúrgico em situações de urgência na redução de EA do paciente cirúrgico, fortalecendo a premissa de que outros estudos nessa perspectiva devam ser realizados.

CONCLUSÃO

A elevada completude do checklist em cirurgias colorretais de urgência verificada demonstrou a viabilidade da utilização em procedimentos de urgência. A maior taxa de reoperações, readmissões e mortalidade em número reduzido de procedimentos cujos checklists estavam incompletos denotou o impacto da utilização para a segurança do paciente submetido a procedimentos de urgência.

A razão mais frequente para o não preenchimento do checklist foi a “ausência de um membro da equipe”. O cirurgião foi, na maioria das vezes, o profissional ausente, indicando nesses casos a falha no trabalho em equipe, capaz de repercutir na falta de comunicação e, consequentemente, na ocorrência de EA colocando a segurança do paciente em risco.

O resultado do presente estudo permite inferir que o uso do checklist cirúrgico em cirurgias de urgência é viável e promissor, podendo implicar na redução de complicações e mortalidade, promovendo assim qualidade do cuidado e a segurança do paciente.

REFERENCES

  • 1
    World Health Organization. WHO guidelines for safe surgery 2009: safe surgery saves lives. Geneva: World Health Organization; 2009. p. 133. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/44185/9789241598552_eng.DA65FD34CBE45206D1E450B3E2?sequence=1. Accessed June 5, 2018.
  • 2
    Panda N, Haynes AB. Effective implementation and utilization of checklists in surgical patient safety. Surg Clin N Am. 2021; 101(1):37-48.
  • 3
    Weiser TG, Haynes AB, Dziekan G, Berry WR, Lipsitz SR, Gawande AA, et al. Effect of a 19-item surgical safety checklist during urgent operations in a global patient population. Ann Surg. 2010;251(5):976 -80.
  • 4
    Haugen AS, Søfteland E, Almeland SK, Sevdalis N, Vonen B, Eide GE, et al. Effect of the World Health Organization checklist on patient outcomes: a stepped wedge cluster randomized controlled trial. Ann Surg 2015; 261(5):821-8
  • 5
    Urbach DR, Govindarajan A, Saskin R, Wilton AS, Baxter NN. Introduction of Surgical Safety Checklists in Ontario, Canada. N Engl J Med. 2014;370:1029-38.
  • 6
    van Klei WA, Hoff RG, van Aarnhem EE, Simmermacher RKJ, Regli LPE, Kappen TH, et al. Effects of the introduction of the WHO "Surgical Safety Checklist" on in hospital mortality: a cohort study. Ann Surg. 2012;255(1):44-9.
  • 7
    Kearns RJ, Uppal V, Bonner J, Robertson J, Daniel M, McGrady EM. The introduction of a surgical safety checklist in a tertiary referral obstetric centre. BMJ Qual Saf 2011;20(9):818-22.
  • 8
    Rattan R, Parreco J, Lindenmaier LB, Dante D, Zakrison TL, Pust G, et al. Underestimation of unplanned readmission after colorectal surgery: a national analysis. J Am Coll Surg. 2018; 226(4):382-90.
  • 9
    Krutsri C, Sumpritpradit P, Singhatas P, Thampongsa T, Phuwapraisirisan S, Gesprasert G, et al. Morbidity, mortality, and risk factors of emergency colorectal surgery among older patients in the acute care surgery service: a retrospective study. Ann Med Surg; 2020; 6(62); 485-9.
  • 10
    American Society of Anesthesiologists. ASA Physical Status Classification System. 2019. Available from: https://www.asahq.org/standards-and-guidelines/asa-physical-status-classification-system Acessed in: 20 May 2020.
    » https://www.asahq.org/standards-and-guidelines/asa-physical-status-classification-system
  • 11
    Allegranzi B, Aiken AM, Zeynep Kubilay N, Nthumba P, Barasa J, Okumu G, et al. A multimodal infection control and patient safety intervention to reduce surgical site infections in Africa: a multicentre, before-after, cohort study. Lancet Infect Dis. 2018; 18(5):507-515. doi: 10.1016/S1473-3099(18)30107-5
    » https://doi.org/10.1016/S1473-3099(18)30107-5
  • 12
    Curcio D, Cane A, Fernández F, Correa J. Surgical site infection in elective clean and clean-contaminated surgeries in developing countries. Int J Infect Dis. 2019; 80:34-45. doi: 10.1016/j.ijid.2018.12.013.
    » https://doi.org/10.1016/j.ijid.2018.12.013
  • 13
    De Jager E, Mckenna C, Bartlett L, Gunnarsson R, Ho YH. Postoperative adverse events inconsistently improved by the World Health Organization surgical safety checklist: a systematic literature review of 25 studies. World Journal of Surgery 2016; 40(8):1842-58. doi: 10.1007/s00268-016-3519-9.
    » https://doi.org/10.1007/s00268-016-3519-9
  • 14
    Gama CS, Backman C, Oliveira AC. Effect of surgical safety checklist on colorectal surgical site infection rates in 2 countries: Brazil and Canada. Am J Infect Control. 2019; 47(9):1112-7. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/j.ajic.2019.03.002
    » http://dx.doi.org/10.1016/j.ajic.2019.03.002
  • 15
    Scott D, Shafi M. The WHO surgical checklist: improving safety in our operating theatres. Obstet Gynaecol Reprod Med. 2018; 28 (9); 295-7.
  • 16
    Singer SJ, Molina G, Li Z, Jiang W, Nurudeen S, Kite JG, et al. Relationship between operating room teamwork, contextual factors, and safety checklist performance. J Am Coll Surg. 2016;223(4):568-580.e2.
  • 17
    Mahmood T, Mylopoulos M, Bagli D, Damignani R, Haji FA. A mixed methods study of challenges in the implementation and use of the surgical safety checklist. Surgery 2019; 165 (4): 832-7. doi: https://doi.org/10.1016/j.surg.2018.09.012
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1016/j.surg.2018.09.012
  • 18
    Hey LA, Turner TC. Using standardized OR checklists and creating extended time-out checklists. AORN J. 2016;104(3):248-53.
  • 19
    Kasatpibal N, Sirakamon S, Punjasawadwong Y, Chitreecheur J, Chotirosniramit N, Pakvipas P, et al. An exploration of surgical team perceptions toward implementation of surgical safety checklists in a non-native English-speaking country. Am J Infect Control 2018; 46(8):899-905. doi: 10.1016/j.ajic.2017.12.003.
    » https://doi.org/10.1016/j.ajic.2017.12.003
  • Fonte de financiamento:

    sim.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Fev 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    09 Abr 2021
  • Aceito
    24 Jun 2021
Colégio Brasileiro de Cirurgiões Rua Visconde de Silva, 52 - 3º andar, 22271- 090 Rio de Janeiro - RJ, Tel.: +55 21 2138-0659, Fax: (55 21) 2286-2595 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revista@cbc.org.br