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A ética mudou ou, atualmente, ela não é plenamente exercida?

Escrever sobre moral, ética, e principalmente sobre ética médica nos tempos atuais e, quem sabe, em qualquer tempo, sempre trará à baila discussões sobre a conduta humana, a sua necessidade de codificação entre o bem e o mal e, principalmente, uma tentativa da sociedade padronizar as relações entre as pessoas e os grupos correlacionados.

Vários pensadores e escritores já deixaram os seus conceitos sobre o tema. Eu, pessoalmente, gosto sempre de me valer dos dicionários como divisor de águas e de conceitos. Assim, procurando no Novo Dicionário Aurélio, encontro: ética - "o estudo dos juízos de apreciação referentes à conduta humana suscetível de qualificação do ponto de vista do bem e do mal, seja relativamente a determinada sociedade, seja de modo absoluto". Poder-se-ia confundir com o conceito de Moral cuja definição é: "conjunto de regras de condutas consideradas como válidas, quer de modo absoluto para qualquer tempo ou lugar, quer para grupo ou pessoa determinada". A grande diferença está na codificação da ética e na sua utilidade como balizador de atividades profissionais. Mas, voltando ao tema, se a ética médica já foi tantas vezes definida e codificada, desde os tempos hipocráticos até o nosso atual momento, sob a égide do atual Código de Ética Médica, de 1988, por que este assunto ainda paira sobre nossas cabeças?

Segundo o jurista médico, Professor Genival Veloso de França, um dos grandes pensadores do assunto, não se pode mais acreditar que a Ética Médica seja ainda um instrumento corporativista. Hoje, esse código ganhou espaço e liberdade, atingindo não apenas a relação médico-paciente-sociedade, mas também relações políticas e sociais, o que obriga o médico a tomar posições mais realistas frente ao convívio social atual. Neste sentido, não podemos imaginar mais aquele médico que, de maneira paternalista, tudo sabia, aviava receitas, ordenava o seu cumprimento e exigia o resultado do paciente. Hoje a sociedade questiona cada fato, cada ordenamento e exige provas de que a conduta estabelecida terá o melhor resultado frente aos seus problemas.

Cada vez mais ouvimos, vemos noticiado em todos os meios de informação que médicos estariam realizando, de maneira dolosa, operações desnecessárias, com próteses, órteses e equipamentos extremamente custosos; cesarianas ao invés de partos vaginais, partos vaginais com episiotomias mutilantes, com a finalidade única do ganho financeiro. Será que isso acontece pois não se segue a Ética Médica codificada? Será que os interesses financeiros sobrepujam aqueles esperados aos discípulos de Hipócrates?

À primeira vista, as duas perguntas anteriores têm a afirmação como resposta, mas, será a verdade?

Temos alguns problemas a serem resolvidos e estes começam pela desmistificação da própria Medicina. A arte médica não é a de curar, mas a de encontrar possíveis respostas lastreadas em um formato investigativo. O médico não sabe o que os seus pacientes têm, ele imagina as várias possibilidades após investigação, cuidadosa e metódica, elege aquela hipótese com maior possibilidade de ser a causa dos problemas do paciente. Também não pode ter certeza sobre os resultados que determinados procedimentos ou terapêuticas terão sobre o binômio paciente-doença. Testa as diversas possibilidades e o resultado pode se apresentar de maneira positiva ou negativa. Alguns médicos acham que tudo sabem e, quando os resultados não lhes são favoráveis, só então, tentam explicar as razões da falha. Da mesma maneira, alguns pacientes acreditam que o médico tem obrigação de acertar diagnósticos, remédios, procedimentos, principalmente a baixo custo e, quando isto não acontece, a responsabilidade é exclusiva do médico, do seu espírito ganancioso, da incompetência do sistema educacional ou do sistema controlador que não cumpre com as suas competências.

A informação correta e mais completa possível é que pode dirimir este primeiro conflito. Usar o tempo para explicar como será feita a investigação, qual a necessidade de determinados exames laboratoriais e principalmente explicar mecanismos de ação dos diversos medicamentos, bem como, possíveis resultados adversos não significa uma perda de tempo, mas uma obrigação do médico, pois a decisão final não estará em suas mãos, mas, na grande maioria das vezes, nas mãos do paciente. Também aceitar as exigências dos pacientes frente a resultados, gastos e equipamentos não significa a melhor, a mais fácil, ou ainda a mais cômoda das alternativas para o médico. Por vezes tornam-se as mais dolorosas, pois impõem responsabilidades que não fariam parte do contrato de prestação de serviços e serão, certamente, exigidas posteriormente.

Não devemos nos esquecer que a medicina é uma atividade profissional e, em decorrência disto, os seus profissionais precisam e têm direito à remuneração condizente com a sobrevivência pessoal e familiar, com os gastos para a formação médica e também para a educação continuada. A forma de remuneração, como em qualquer outra atividade profissional, espera-se que aconteça de maneira lícita, dentro dos parâmetros sociais impostos.

A própria empatia na relação médico-paciente, questionada frequentemente, pois os médicos não teriam tempo ou paciência para concretizá-la, não está relacionada com a qualificação profissional ou com a própria ética médica mas com a qualidade humana, social e individual de cada um.

Infelizmente somos também produto da sociedade em que vivemos e em um mundo aonde a publicidade parece ser a forma mais importante e fácil para alcançar o olimpo social, a sua utilização na atividade profissional tem se mostrado cada vez mais deletéria à imagem profissional e, principalmente, por suas repercussões legais pela inversão da responsabilidade civil, de subjetiva para objetiva, e assim caracterizando certos atos como sendo de resultado.

E por que não lembrarmos também a política dos nossos tempos? A sociedade exige responsabilidade administrativa dos nossos políticos, exige menores custos e estes agora, procuram responder aos seus inquisitores, achando fórmulas magistrais para diminuir custos dando um cunho de irresponsabilidade ao médico que não cumpre a sua tarefa sem gastos, esquecendo-se da exigência do melhor aproveitamento e principalmente das eventuais vontades individuais dos cidadãos. Então, cesariana é caro? Ora, não é o melhor procedimento. Mas, pode a paciente exigir? Se for particular, não tem problema, mas se for público, o médico não cumpriu o seu Código de Ética e, assim, a responsabilidade não é mais do administrador, mas daquele que não cumpriu as normas administrativas impostas.

Apesar de a ética ser uma codificação modificável pela própria sociedade, acredito que não houve mudanças recentes e nem mesmo uma diminuição do seu peso no dia a dia do médico e na sua obediência.

Mas, mesmo assim ficamos indignados com as notícias dantescas de implantação de próteses, operações não indicadas e até de atendimentos ocorridos em condições desfavoráveis.

Como dizia Oscar Wilde, "chamamos de ética o conjunto de coisas que as pessoas fazem quando todos estão olhando. O conjunto de coisas que as pessoas fazem quando ninguém está olhando chamamos de caráter", ou seja, continuaremos a encontrar pessoas inescrupulosas, empresas que visam lucro acima de tudo, e governos interessados na perpetuação dos benefícios de seus partícipes.

Devemos lutar em todas as frentes: educar nossos filhos, dar a eles os valores morais que queremos ao nosso ambiente familiar, exigir que as escolas médicas, empenhem-se em reforçar estes valores e a ensinar os conceitos ético-profissionais, questionar medidas que possam denegrir a atividade profissional médica e, fundamentalmente, acreditar nos valores morais do ser humano.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2015
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