A Realidade Virtual como terapia de distração durante cistoscopias: um ensaio clínico

RESUMO

Objetivos:

investigar se a experiência de realidade virtual (RV) está associada à diminuição da dor em pacientes submetidos à cistoscopia rígida sob anestesia local.

Métodos:

foi realizado um estudo prospectivo, randomizado e controlado de 159 pacientes que foram alocados aleatoriamente em dois grupos: RV e controle. A intervenção da experiência de RV consistiu no uso de óculos de realidade virtual com smartphone adaptado e fones de ouvido, onde um vídeo foi reproduzido durante o procedimento. Os principais desfechos analisados foram dor, desconforto, variabilidade da frequência cardíaca, dificuldade e duração da cistoscopia. As análises estatísticas foram realizadas com o teste t de Student, o teste de Mann-Whitney e o teste do qui-quadrado. Um P<0,05 foi considerado como estatisticamente significativo.

Resultados:

entre os 159 pacientes estudados (grupo RV=80; grupo controle=79), a média de idade foi 63,6 anos e 107 (67,3%) eram do sexo masculino. Não houve diferença estatisticamente significativa nas características basais entre os grupos. A RV foi significativamente associada à menor variabilidade da frequência cardíaca (6,29 vs 11,09 bpm, P<0,001) e menor duração do procedimento (5,33 vs 8,65 min, P<0,001). Além disso, quando cistoscopias devido à extração de duplo J foram excluídas, a RV foi associada à redução da dor na escala visual analógica (3,26 vs 4,33cm, P=0,023).

Conclusões:

o uso da RV como terapia de distração durante a realização de cistoscopias ambulatoriais é seguro, não tem efeitos colaterais, está associado a menos dor e desconforto e reduz a duração do procedimento.

Palavras-chave:
Realidade Virtual; Dor; Procedimentos Cirúrgicos Menores; Cistoscopia

ABSTRACT

Objectives:

to investigate whether virtual reality (VR) experience is associated with decreased pain sensation among patients who undergo rigid cystoscopy under local anesthesia.

Methods:

we performed a prospective, randomized, controlled study of 159 patients who were aleatorily enrolled into two groups: VR and control. VR experience intervention consisted of using a headset with a smartphone adapted to a virtual reality glasses where an app-video was played during the procedure. Main outcomes analyzed were pain, discomfort, heart rate variability, difficulty and duration of the cystoscopy. Statistical analyses were performed using a Student’s t test, Mann-Whitney test and Chi-square test. A P<0.05 was considered to be statistically significant.

Results:

among 159 patients studied (VR group=80 patients; control group=79 patients), the mean age was 63,6 years and 107 (67,3%) were male. There was no statistically significant difference in baseline characteristics between the 2 groups. VR was significantly associated to decreased heart rate variability (6,29 vs 11,09 bpm, P<0,001) and lower duration of the procedure (5,33 vs 8,65 min, P<0,001). Also, when cystoscopies due to double-J extraction were excluded, VR experience was associated with reduced pain on the visual analog score of pain (3,26 vs 4,33 cm, P=0,023).

Conclusions:

the use of VR as a distraction therapy while performing outpatient cystoscopies is safe, has no side effects, is associated with less pain and discomfort, and reduces length of procedure.

Keywords:
Virtual Reality; Cystoscopy; Pain; Ambulatory Surgical Procedures

INTRODUÇÃO

A cistoscopia é um procedimento diagnóstico urológico invasivo, usado para avaliar hematúria, distúrbios miccionais ou sintomas urinários irritativos. Consiste na inserção de um tubo (flexível ou rígido) equipado com uma lente e luz, chamado cistoscópio, através da uretra, que permite a visualização do trato urinário inferior. A cistoscopia pode ser realizada em um consultório de urologia ou em um hospital, sob sedação ou anestesia local. No sistema público de saúde brasileiro, são realizadas cerca de 2.500 cistoscopias mensalmente, a maioria ambulatorial e sob anestesia local¹. No entanto, alguns estudos demonstraram que vários pacientes ainda relatam sentir dor de diferentes causas durante o procedimento, embora não em níveis angustiantes^2,3. Cistoscópios rígidos e com bainhas maiores, pacientes do sexo masculino, cistoscopias de primeira vez e cistoscopias com intenção de investigar sintomas do trato urinário inferior têm sido associados a mais dor^2,3.

A dor é uma sensação que alerta o organismo sobre estímulos potencialmente danosos. A mente humana tem uma capacidade limitada e precisa estar atenta à dor para percebê-la⁴. Assim, é possível saturar o cérebro com diversas informações sensoriais e não dolorosas, de forma a diminuir a percepção do estímulo doloroso⁵. Em vista disso, distrações cognitivas durante procedimentos médicos têm sido utilizadas em diversos contextos para reduzir a dor e, em alguns casos, minimizar a necessidade de sedação⁵. A terapia de distração também tem mostrado bons resultados no alívio da dor em populações especiais, como pacientes oncológicos pediátricos, vítimas de queimaduras e crianças submetidas a certos procedimentos^6-8.

A Realidade Virtual (RV) é um tipo de distração cognitiva que cria uma imersão visual e auditiva, diminuindo o ruído e a conexão com o ambiente externo⁴. Os sistemas de RV consistem em um hardware (fone de ouvido, óculos, luvas, computadores ou dispositivos móveis) e um software, que fornece um ambiente de intervenção multicontexto⁹. É uma experiência imersiva e interativa, integrando múltiplos níveis sensoriais e captando maior grau de atenção¹⁰.

Embora a RV seja uma técnica ainda desconhecida por vários médicos, ela vem sendo utilizada com sucesso para minimizar a dor do procedimento em diversas situações, como troca de curativos de queimaduras, punção venosa, procedimentos odontológicos, ressecções de lipomas e pequenas cirurgias^11-13.

Com base na hipótese de que o uso de distrações pode reduzir o desconforto e a ansiedade durante procedimentos médicos, buscou-se analisar se o uso da RV durante a cistoscopia rígida está correlacionado com a diminuição da dor quando comparado a casos em que não se utiliza essa tecnologia.

MATERIAL E MÉTODOS

Amostra

Realizamos um ensaio clínico prospectivo randomizado, que incluiu pacientes submetidos à cistoscopia rígida eletiva sob anestesia local, entre abril de 2019 a setembro de 2019. Foram excluídos do estudo pacientes menores de 18 anos, com limitações cognitivas ou sensoriais (como demência ou cegos) e pacientes que se recusaram a participar ou que foram submetidos a um procedimento agregado (como dilatação uretral ou meatotomia). As cistoscopias foram subdivididas de acordo com suas indicações: diagnósticas (hematúria, sintomas do trato urinário inferior), de seguimento (após ou durante a terapia do câncer de bexiga não músculo-invasivo) ou para extração de cateter duplo-J.

O tamanho da amostra foi calculado com base em um erro alfa de 5% e um erro beta de 20% (com poder do estudo de 80%), com dor média de 4,4 (numa escala de 0 a 10) e um desvio padrão de 214. O estudo foi desenhado para detectar uma diferença de 20% entre os grupos. Assim, a amostra calculada foi de 156 pacientes (78 em cada grupo).

Aplicamos a Escala Visual Analógica (EVA) a cada paciente para avaliar o estado de dor e ansiedade (Figura 1). A diferença entre os grupos quanto à EVA foi analisada em centímetros (cm).

Figura 1
Captura de tela do aplicativo.

Os pacientes foram distribuídos aleatoriamente em dois grupos (experiência em RV e controle). Para evitar a contaminação da amostra, visto que os pacientes permaneciam na mesma sala de espera antes dos procedimentos, foi realizada a alocação aleatória em blocos (por dia): todos os dias, alternadamente, todos os pacientes agendados foram incluídos no grupo controle ou intervenção.

Técnica do procedimento

A cistoscopia com cistoscópio rígido foi realizada dois minutos após a injeção intrauretral de 20ml de gel de lidocaína a 2%. O procedimento foi executado por um médico de uma equipe de três residentes em Urologia. A decisão de realizar biópsia vesical foi avaliada durante o procedimento. Como parâmetro objetivo da dor, a frequência cardíaca (FC) foi monitorada durante a cistoscopia e registrada como variação sobre a FC basal de pico. A duração do procedimento foi medida desde o momento em que o cistoscópio foi introduzido na uretra até a sua remoção.

Experiência de RV: os pacientes foram instruídos sobre a RV antes do procedimento, no momento da assinatura do consentimento. Usamos um celular Samsung^® A5 adaptado aos óculos de realidade virtual Trust Urban^® Exos 3D e um fone de ouvido. Os pacientes colocavam os óculos no rosto e se posicionavam para a cistoscopia. Na tela, um aplicativo de vídeo era reproduzido, simulando um passeio sobre trilhos (captura de tela na Figura 2) enquanto o procedimento era realizado. O vídeo escolhido tinha informações suficientes para manter os pacientes distraídos, mas sem mudanças bruscas que pudessem assustá-los e aumentar suas frequências cardíacas. Mesmo com o uso de fones de ouvido, a comunicação auditiva foi mantida com os pacientes. Após o procedimento, removiam-se os óculos e aplicavam-se as escalas analógicas.

Figura 2
Escala analógica visual.

Análise estatística

Após o procedimento, foram aplicadas escalas analógicas visuais para avaliação da dor e desconforto (Figura 1). Os efeitos colaterais também foram relatados nesse momento. Após a cistoscopia, o cirurgião (residente em Urologia) descreveu o nível de dificuldade para realizar o exame, em uma escala de 0 a 10.

Os principais desfechos analisados foram dor (EVA de 0 a 10), desconforto (EVA de 0 a 10), variação da frequência cardíaca (em bpm), dificuldade para realizar o exame (EVA de 0 a 10) e duração (em minutos). A diferença entre as taxas nas escalas foi medida em centímetros (cm).

As características basais estudadas foram sexo (masculino/feminino), idade (anos), IMC (kg/m²), tabagismo (sim/não), etnia (branco/preto/outros), número de cistoscopias anteriores, comorbidades, bainha do cistoscópio (número 17/19/20) e biópsia vesical (sim/não) (Tabela 1).

Tabela 1
Características basais.

Variáveis	RV (n=80)	Controle (n=79)	p
Idade, anos (± SD)	62,11 (±13,35)	65,09 (±11,95)	0,141
IMC, kg/m² (±SD)	27,05 (±5,01)	26,72 (±4,86)	0,681
Ansiedade pré-procedimento †, cm (±SD)	4,25 (±3,50)	4,43 (±3,54)	0,743
FC pré-procedimento, bpm (±SD)	76,26 (±11,49)	74,65 (±13,46)	0,455
Sexo masculino, N (%)	57 (71,25%)	50 (63,3%)	0,285
Procedimentos anteriores			0,151
0	26 (32,5%)	22 (28,2%)
1	13 (16,25%)	6 (7,7%)
2+	41 (51,25%)	50 (64,1%)
Etnia, n (%)			0,107
Branca	70 (88,61%)	61 (78,21%)
Preta	7 (13,92%)	9 (11,54%)
Outras	2 (2,53%)	8 (10,27%)
Biópsia de Bexiga, n (%)	9 (11,25%)	13 (16,46%)	0,325
Tipo, n (%)			0,376
Diagnóstico	17 (21,25%)	17 (21,52%)
Seguimento	44 (55%)	50 (63,29%)
Remoção de cateter	19 (23,75%)	12 (15,18%)
Bainha do cistoscópio, n (%)			0,679
17 Fr	13 (16,25%)	15 (18,99%)
19 Fr	34 (42,50%)	36 (45,57%)
20 Fr	33 (41,25%)	27 (34,18%)

• *p<0,05
• †Escala EVA (0-10)

As variáveis quantitativas foram analisadas pelo teste t de Student para variáveis com distribuição normal e pelo teste de Mann-Whitney para distribuição não normal. As variáveis categóricas foram analisadas pelo teste Qui-quadrado. O nível de significância estatística foi estipulado em 5% (p<0,05).

O estudo foi aprovado pelo IRB do Hospital Nossa Senhora da Conceição, sob o número CAAE 08503119.9.0000.5530, e o ensaio clínico foi registrado no Registro Brasileiro de Ensaios Clínicos (ReBEC) sob o Número de Ensaio Universal (UTN) U1111-1235-8825. Todos os pacientes consentiram em participar do estudo.

RESULTADOS

Foram realizadas 175 cistoscopias. Dezesseis pacientes foram excluídos do estudo devido a procedimento agregado (4), demência (3), calcificação do cateter (2), cegueira (1), mau funcionamento do cistoscópio (1), pacientes menores de idade (2), presença de bexiga ortotópica (1) e recusa (2). Dentre os 159 pacientes inscritos, 80 foram alocados no grupo RV e 79 pacientes no grupo controle. Não houve diferença significativa entre os grupos quanto à idade, IMC, ansiedade pré-procedimento, frequência cardíaca pré-procedimento, sexo, etnia, número de procedimentos prévios, biópsia e tipo de procedimento (Tabela 1).

O uso da RV associou-se significativamente a menor frequência cardíaca (p<0,001) e duração do procedimento (p<0,001) (Tabela 2). Os cirurgiões relataram menor dificuldade durante as cistoscopias quando os pacientes estavam em experiência de RV quando comparados aos controles (p=0,002) (Tabela 2). A análise de subgrupos demonstrou que os pacientes do sexo masculino foram os que tiveram mais benefícios no uso da RV (Tabela 3).

Tabela 2
Principais resultados.

	RV (n=80)	Controle (n=79)	p
Dor†, cm	3,58 (± 2,31)	4,24 (± 2,88)	0,109
Desconforto†, cm	4,06 (± 3,01)	4,48 (± 3,06)	0,379
Variação de FC, bpm	6,29 (± 6,66)	11,09 (± 10,17)	<0,001*
Dificuldade†, cm	1,66 (± 1,69)	2,81 (± 2,32)	0,002*
Duração, min.	5,33 (± 3,17)	8,65 (± 5,01)	<0,001*
Infecção	5	2.05%
Hematoma	1	0.41%
Problema na válvula	1	0.41%

• *p<0,05
• †Escala EVA (0-10)

Tabela 3
Resultados subdivididos por sexo.

	Homem			Mulher
	RV (n=57)	Controle (n=50)	p	RV (n=23)	Controle (n=29)	p
Dor †, cm	3,63 (± 2,18)	4,46 (± 2,84)	0,091	3,43 (± 2,64)	3,86 (± 2,96)	0,590
Desconforto †, cm	3,99 (± 2,97)	4,18 (± 2,80)	0,737	4,22 (± 3,18)	5,00 (± 3,45)	0,405
Variação de FC, bpm	6,46 (± 6,10)	12,09 (± 9,11)	<0,001*	5,86 (± 8,03)	9,09 (± 11,99)	0,162
Dificuldade †, cm	1,88 (± 1,79)	3,69 (± 2,25)	<0,001*	1,13 (± 1,29)	1,34 (± 1,59)	0,923
Duração, min.	5,32 (± 2,87)	9,46 (± 5,29)	<0,001*	5,35 (± 3,90)	7,38 (± 4,32)	0,060

• *p<0,05
• †Escala EVA (0-10)

Quando a extração do duplo-J (n=31/19,5%) foi retirada da amostra, o grupo RV descreveu menor dor quando comparado aos controles, com significância estatística (p=0,023) (Tabela 4). Nenhum dos pacientes relatou qualquer efeito colateral associado à experiência de RV.

Tabela 4
Resultados sem as remoções de duplo-J.

	RV (n= 61)	Controle (n=67)	p
Dor†, cm	3,26 (± 2,28)	4,33 (± 2,89)	0,023*
Desconforto†, cm	3,84 (± 2,96)	4,61 (± 3,08)	0,154
Variação de FC, bpm	6,53 (± 6,26)	11,25 (± 10,72)	0,005*
Dificuldade†, cm	1,64 (± 1,53)	3,03 (± 2,36)	0,001*
Duração, min.	5,72 (± 2,50)	9,28 (± 4,65)	<0,001*

• *p<0,05
• †Escala EVA (0-10)

DISCUSSÃO

Embora vários pacientes submetidos à cistoscopia se queixem frequentemente de dor e desconforto durante o procedimento, existem várias formas de distração, como o uso de uma segunda tela para o paciente, música, bola de estresse ou explicação oral para reduzir a dor^3,15-20. Observamos que a RV reduz a variabilidade da frequência cardíaca, a duração do procedimento e a dor em pacientes submetidos à cistoscopia.

A RV tem sido estudada para aliviar a dor e a ansiedade durante diversos procedimentos médicos. Hua e cols. analisaram o uso da RV como intervenção não farmacológica em um estudo prospectivo randomizado de 65 pacientes pediátricos com feridas crônicas em membros inferiores, que necessitaram de trocas ativas de curativos. Eles demonstraram que pacientes que experimentaram RV apresentaram dor significativamente menor nas escalas EVA e menor tempo de procedimento²¹. Sharar e cols. encontraram resultados semelhantes em vítimas de queimaduras ao longo de exercícios passivos de amplitude de movimento, onde os pacientes relataram não apenas diminuição da dor, mas também redução da ansiedade²². Por outro lado, Glennon e cols., após analisarem escalas de dor em experiência de RV de 97 pacientes durante a biópsia de medula óssea, não observaram qualquer diferença entre os grupos²³. No entanto, os controles experimentaram outro tipo de distração além da RV, como música ou televisão. Além disso, Win e cols. encontraram resultados conflitantes após investigarem as escalas de dor em 30 pacientes submetidos à punção lombar aleatoriamente distribuídos para receberem óculos de RV versus tratamento padrão, que incluía sedativos. Dos 30 pacientes que foram incluídos, 17 foram alocados no grupo intervenção e 13 no grupo controle, e não foi encontrada diferença na EVA de dor entre os grupos²⁴. No entanto, em ambos os estudos poucos pacientes foram incluídos, o tamanho da amostra não foi calculado e diferentes procedimentos foram realizados. Assim, apesar de o uso da RV parecer uma intervenção promissora para aliviar a dor, ainda é motivo de debate, e mais estudos com desenhos e metodologia padronizados são necessários.

Alguns trabalhos relataram o uso de técnicas de distração durante cistoscopias para aliviar a dor, com resultados mistos. Por exemplo, Gupta e cols. verificaram que pacientes ouvindo música e com visualização em tempo real dos procedimentos durante as cistoscopias relataram dor significativamente menor quando comparados aos controles. Os autores também mostraram que, no grupo intervenção, a frequência cardíaca pós-procedimento diminuiu em relação à pré-cistoscopia (p<0,001)¹⁷. Isso está de acordo com nossa análise, já que observamos que os pacientes submetidos a cistoscopias por outras causas que não a extração de duplo-J tiveram incremento significativamente menor na frequência cardíaca e diminuição da dor. Em outro estudo, Walker e cols. avaliaram 45 pacientes aleatoriamente alocados antes da cistoscopia em dois grupos, com a imersão em RV como intervenção, falhando em demonstrar qualquer diferença na melhora da dor¹⁴. No entanto, foi um estudo pequeno e os pacientes foram submetidos à cistoscopia flexível, que está associada a menor dor que a rígida³. Além disso, não foram avaliadas características basais que pudessem influenciar nos resultados, como sexo e procedimento inicial.

A relação das terapias de distração não farmacológicas e redução da dor ao longo dos procedimentos médicos é uma questão interessante, ainda sob investigação. Foi reconhecido que a percepção da dor está intimamente relacionada à atenção¹⁰. Melzack e Wall postularam que a dor é percebida pelo sistema nervoso central enquanto um estímulo doloroso percorre o corpo depois de passar por certas portas nervosas. Isso significa que as vias sensoriais desempenham um papel importante na percepção da dor²⁵. Assim, é plausível cogitar que a experiência de imersão em RV (que satura vários estímulos sensoriais, como visuais e auditivos) pode ser uma importante ferramenta para atenuar a percepção da dor. Além disso, a sensação de dor também está relacionada a experiências anteriores e estado emocional, tornando o limiar doloroso uma experiência muito pessoal.

A dor pode ser modulada por fatores cognitivos, como atenção e distração. Geralmente, a atenção deve ser direcionada ativamente a estímulos não dolorosos, para evitar que os dolorosos prevaleçam. Ademais, outros estímulos dolorosos podem reduzir a dor de estímulos dolorosos anteriores²⁶.

Observamos que a RV durante a cistoscopia está associada a menor dor na análise de subgrupos, redução da duração do procedimento, diminuição da variabilidade da frequência cardíaca e menor dificuldade para realizar o procedimento. As implicações clínicas de nossos achados são múltiplas. Em nosso país, a maioria das cistoscopias são procedimentos ambulatoriais e a implementação da RV pode se tornar uma rotina, por ser de baixo custo e com efeitos colaterais negligenciáveis. Além disso, pode reduzir o uso de analgésicos e narcóticos durante outras intervenções médicas, tornando-se uma experiência não tão desagradável. Além disso, o ambiente de RV é um método de distração múltipla e parece ser tão eficaz quanto o uso de várias abordagens de distração. Outra questão importante é que o paciente em RV parece estar menos inquieto e mais relaxado durante o procedimento, tornando mais fácil e rápido para o urologista realizar a cistoscopia. Consequentemente, a RV pode ser uma intervenção interessante na medicina.

Nosso estudo tem vários pontos fortes, como ser controlado e randomizado e contar com uma amostra considerável. No entanto, existem algumas limitações. Primeiro, a idade média de nossos pacientes é superior a 60 anos e a maioria deles não está familiarizada com a tecnologia de RV. Em segundo lugar, as cistoscopias para extração do duplo-J não foram excluídas e, embora isso possa influenciar na redução da duração do procedimento, também se correlacionou com a menor percepção da dor, porque é mais rápida do que outras cistoscopias, conforme demonstrado na análise de subgrupo. Terceiro, existem outras tecnologias de imersão em RV, com diferentes softwares e hardwares que podem ser comparados em grupos de intervenção, pois experiências anteriores ocasionalmente podem influenciar no limiar doloroso. Vídeos relaxantes em ambientes de RV imersivos e interativos provavelmente são mais eficazes para atenuar a dor do que vídeos de ação. Quarto, todos os procedimentos foram realizados por médicos residentes em Urologia, que estavam em treinamento e em curva de aprendizado.

Portanto, o uso da RV como terapia de distração foi correlacionado com a redução da resposta fisiológica da dor (variabilidade da frequência cardíaca), bem como menor angústia durante a cistoscopia, reduzindo o nível de dificuldade e o tempo necessário para a conclusão do procedimento.

CONCLUSÃO

Nosso estudo demonstra que o uso da RV como terapia de distração durante a realização de cistoscopias ambulatoriais é seguro, não apresenta efeitos colaterais e reduz parâmetros objetivos de dor e desconforto, além de facilitar o procedimento e reduzir sua duração. Os benefícios da RV na redução da dor foram significativos em pacientes submetidos à cistoscopia (excluindo procedimentos para extração do duplo-J). No entanto, tendo em vista que existem vários novos tipos de tecnologia imersiva de distração de RV, mais estudos são necessários para analisar a viabilidade do método com sistemas mais complexos, bem como compará-lo a outras formas de distração durante o procedimento.

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• Fonte de financiamento:

  nenhuma.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  11 Maio 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  28 Jul 2021
• Aceito
  22 Mar 2022