Tireoidectomia endoscópica transoral por acesso vestibular (TOETVA) e complicações

O artigo de revisão de Menderico Jr e colaboradores¹, revisão sistemática sobre a tireoidectomia endoscópica transoral por acesso vestibular (TOETVA) e suas complicações¹, versa sobre a técnica de tireoidectomia que vem sendo estudada e empregada em vários países da Ásia, Europa e Américas. A TOETVA utiliza instrumentos comuns de videolaparoscopia e três portais através do vestíbulo bucal inferior, espaço compreendido entre a arcada dentária inferior e o lábio. A técnica já se mostrou reprodutível em diversos centros, e tem curva de aprendizado curta, entre 10 e 15 casos². São provas disso, os 11 trabalhos apresentados durante o XXVII Congresso Brasileiro de Cirurgia de Cabeça e Pescoço, em 2019, por seis grupos diferentes do Brasil³, um desses aceito para concorrer ao prêmio Jorge Fairbanks Barbosa^2,3, o mais importante da especialidade.

Lemos o artigo citado com muita atenção, e apesar da estratégia de busca, dita como ampla, entre os anos de 2015 e 2020, nenhum artigo do ano de 2020 foi selecionado pelos autores¹. Como trata-se de técnica recente, muitos artigos certamente trarão taxas de complicações mais elevadas, por estudar o início da casuística de cada grupo e muitas vezes a curva de aprendizado de cada cirurgião. É importante salientar que os autores relatam ter selecionado seis artigos após os critérios adotados pela revisão sistemática, mas apenas cinco estudos compõe as duas tabelas de resultados¹. Destes cinco artigos, quatro têm casuística igual ou inferior a 10 casos¹, ficando evidente de que se tratam de casuísticas iniciais. Revisão sistemática sobre o mesmo tema, publicada em 2018, incluiu 16 artigos (dos quais 14 eram sobre TOETVA) e 785 pacientes⁴. Nos chama atenção o artigo de Menderico Jr e cols., dois anos após, com apenas cinco artigos e 459 pacientes¹, bem como o fato de os autores não terem consultado algum especialista na técnica, prática comum em revisões sistemáticas de cunho cirúrgico⁴.

Em 2019, Bertelli e cols publicaram o artigo sobre o início de sua experiência em hospital escola e relataram as complicações desses 15 primeiros casos, demonstrando 33% de complicações pós-operatórias, sendo uma parestesia do nervo mentoniano, uma paralisia do nervo laríngeo inferior, um hipoparatireoidismo e duas queimaduras de pele². Apesar desse estudo ter avaliado a presença de complicações durante a curva de aprendizado do primeiro autor, não se observaram complicações permanentes: a parestesia do mentoniano aconteceu apenas na primeira paciente da casuística, e se resolveu espontaneamente em quatro meses de pós-operatório, a paralisia de prega vocal perdurou por dois meses, o hipoparatireoidismo transitório necessitou de suplementação de cálcio por 40 dias e ambas as queimaduras de pele foram puntiformes, sem perfuração do retalho e, evoluíram sem sequelas estéticas².

No início de 2020, De Cicco e cols publicaram estudo comparando 31 pacientes submetidos a TOETVA com 30 pacientes submetidos a cirurgia convencional⁵. Os autores também detalharam as complicações pós-operatórias comparando-as entre os grupos e demonstraram que a TOETVA é segura para pacientes selecionados⁵.

Ainda em 2020, Lira e cols publicaram sua série inicial de 56 TOETVAs e estudaram complicações, tempo operatório e curva de aprendizado, comparando-as com grupo controle de 745 operações abertas⁶. Na maior casuística brasileira publicada até o momento, demonstrou-se que não existe diferença significativa nas complicações após TOETVA quando comparada a operação aberta⁶, especialmente quanto ao risco de infecção, ao contrário do que afirmam Menderico Jr e cols na conclusão de seu artigo de revisão¹. No artigo de 2018 por Anuwong e cols, incluído na revisão em questão, com 425 pacientes submetidos a TOETVA, não houve um caso sequer de infecção de sítio cirúrgico⁷. Na Tabela 2 do artigo de Menderico Jr e cols, onde estão listadas as complicações encontradas nos cinco artigos selecionados¹, não conseguimos identificar a informação que levou a essa conclusão equivocada.

Tanto os artigos de Bertelli e cols², de De Cicco e cols⁵, como o de Lira e cols⁶ representam casuísticas brasileiras, e infelizmente nenhum desses foi incluído na revisão sistemática realizada por Menderico Jr e cols¹.

Pelo menos mais duas revisões sistemáticas foram publicadas sobre o assunto, uma em 2018 e outra em 2019^8,9, além da já citada anteriormente, também de 2018⁴. Todas incluiram mais de 10 artigos, com mais de 700 pacientes e, concluem que a TOETVA é técnica segura para pacientes selecionados, sem evidências de que o risco de contaminação ou infecção do sítio cirúrgico seja maior do que na tireoidectomia aberta. Também é importante salientar que as revisões sistemáticas mais recentes excluem séries com menos de dez casos⁶, o que deixaria o estudo analisado somente com o artigo de Anuwong e cols⁷. Embora, no método do artigo de Menderico Jr e cols tenha sido relatado que “artigos de revisão sistemática foram utilizados para discussão dos resultados”¹, não foram citados os três artigos aqui referidos^4,8,9, bem como quaisquer outras revisões sistemáticas entre as referências.

Em um breve levantamento realizado somente na base de dados PubMed, identificamos 14 artigos publicados anteriormente à data de aceite da revisão de Menderico Jr e cols. Todos têm dados sobre complicações, com mais de 10 casos, somando 858 pacientes, conforme registrado na Tabela 1. Onze desses sequer foram citados, três foram mencionados, mas os dados não foram incluídos, deixando evidente que a revisão sistemática de Menderico Jr e cols não revisou toda a literatura relevante.

Tabela 1
Artigos sobre TOETVA que incluem dados sobre complicações publicados antes da data de aceite da revisão sistemática de Menderico Jr e cols. (Fonte: Pubmed).

Autor	Periódico	Ano	Volume	n°
Park e cols.	Surg Endosc.	2019	33(9):3034-3039	15	Não citado
Luna-Ortiz e cols.	Ann Surg Oncol.	2020	27(5):1356-1360	46	Não citado
Jitpratoom e cols.	Gland Surg.	2016	5(6):546-552	46	Não incluído na análise
Russel e cols.	Laryngoscope Investig Otolaryngol.	2018	24;3(5):409-414	20	Não incluído na análise
Pérez-Soto e cols.	J Laparoendosc Adv Surg Tech A.	2019	29(12):1526-1531	20	Não incluído na análise
Sun e cols.	Surg Endosc.	2020	34(1):268-274	100	Não citado
Fernandez Ranvier e cols.	J Laparoendosc Adv Surg Tech A.	2020	30(3):278-283	152	Não citado
Kim e cols.	Surg Endosc.	2020	34(12):5414-5420	132	Não citado
Yi e cols.	Ann Surg Treat Res.	2018	95(2):73-79	20	Não citado
Luo e cols.	J Laparoendosc Adv Surg Tech A.	2020	30(2):163-169	204	Não citado
Chen e cols.8	Eur Arch Otorhinolaryngol.	2019	276(2):297-304	RS* (864)	Não citado
Razavi e cols.	Head Neck.	2018	40(10):2246-2253	27	Não citado
Park e cols.	Surg Endosc.	2019	33(7):2104-2113	65	Não citado
Sivakumar e cols	J Minim Access Surg.	2018	14(2):118-123	11	Não citado
Total**				858
	*revisão sistemática
	** excluindo a revisão sistemática

Portanto, nos parece que a revisão sistemática de Menderico Jr e cols apresenta série inaceitável de vieses metodológicos, desde a seleção dos artigos, até interpretações com vieses em opiniões pessoais, o que culmina com conclusão equivocada de que existe maior risco de infecção relacionado à TOETVA. Como a tireoidectomia transoral é uma técnica nova e muitos dados sobre o assunto estão sendo publicados, incluindo nacionais, recomendamos cautela na interpretação do estudo publicado por Menderico Jr e cols, por evidente falha na inclusão e interpretação dos trabalhos publicados.

REFERENCES

• ¹
  Menderico GM Jr, Weissenberg AL, Borba CM, Sallani GM, Poy JO. Complications of transoral endoscopic thyroidectomy vestibular approach (TOETVA). Rev Col Bras Cir. 2021;48:e20202557. doi: 10.1590/0100-6991e-20202557. PMID: 33503138.
  » https://doi.org/10.1590/0100-6991e-20202557
• ²
  Bertelli AAT, Rangel LG, Araujo GA, Monteiro RC, Massarollo LCB, Russell JO, et al. Transoral endoscopic thyroidectomy by vestibular approach (TOETVA): initial experience in an academic hospital. Arch Head Neck Surg. 2019;48(3):e00262019. doi: 10.4322/ahns.2019.0016.
  » https://doi.org/10.4322/ahns.2019.0016
• ³
  Anais do XVII Congresso Brasileiro de Cirurgia de Cabeça; XII Congresso Brasileiro de Fonoaudiologia em Cirurgia de Cabeça e Pescoço. 2019, Gramado/RS. Arch Head Neck Surg. 2019;48(Suppl).
• ⁴
  Camenzuli C, Schembri Wismayer P, Calleja Agius J. Transoral Endoscopic Thyroidectomy: A Systematic Review of the Practice So Far. JSLS. 2018;22(3):e2018.00026.
• ⁵
  De Cicco R, Souza RP, Guerra FLB. Transoral endoscopic thyroidectomy vestibular approach: initial experience and comparison with conventional thyroid surgery. Arch Head Neck Surg. 2020; 49:e00592019.
• ⁶
  Lira RB, Ramos AT, Nogueira RMB, Carvalho GB, Russell JO, Tufano RP, et al. Transoral thyroidectomy (TOETVA): Complications, surgical time and learning curve. Oral Oncol. 2020;110:104871. doi: 10.1016/j.oraloncology.2020.104871.
  » https://doi.org/10.1016/j.oraloncology.2020.104871
• ⁷
  Anuwong A, Ketwong K, Jitpratoom P, Sasanakietkul T, Duh QY. Safety and outcomes of the transoral endoscopic thyroidectomy vestibular approach. JAMA Surg. 2018;153(1):21-7. doi: 10.1001/jamasurg.2017.3366.
  » https://doi.org/10.1001/jamasurg.2017.3366
• ⁸
  Chen S, Zhao M, Qiu J. Transoral vestibule approach for thyroid disease: a systematic review. Eur Arch Otorhinolaryngol. 2019;276(2):297-304. doi: 10.1007/s00405-018-5206-y.
  » https://doi.org/10.1007/s00405-018-5206-y
• ⁹
  Tartaglia F, Maturo A, Di Matteo FM, De Anna L, Karpathiotakis M, Pelle F, et al. Transoral video assisted thyroidectomy: a systematic review. G Chir. 2018;39(5):276-83.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  30 Ago 2021
• Data do Fascículo
  2021

Histórico

• Recebido
  02 Jun 2021
• Aceito
  07 Jun 2021