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Efeito do Checklist de cirurgia segura na incidência de eventos adversos: contribuições de um estudo nacional

RESUMO

Objetivo:

o estudo objetivou avaliar o efeito da utilização do checklist (CL) de cirurgia segura na incidência de eventos adversos (EA).

Método:

pesquisa transversal e retrospectiva com 851 pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos nos anos de 2012 (n=428) e 2015 (n=423), representando os períodos antes e após a implantação do CL. As incidências de EA para cada ano foram estimadas e posteriormente comparadas. Também foi analisada a associação entre a ocorrência do EA e a presença do CL no prontuário.

Resultados:

observou-se uma redução na estimativa pontual de EA de 13,6% (antes do uso do CL) para 11,8% (com a utilização do CL). No entanto, a diferença entre as proporções de EA nos períodos antes e após a utilização do CL não foi significativa (p=0,213). A ocorrência do EA mostrou associação significativa às seguintes características: risco anestésico do paciente, tempo de internação, tempo de cirurgia e classificação do procedimento segundo o potencial de contaminação. Considerando a proporção de óbitos ocorridos nas amostras, observou-se uma redução significativa de mortes (p=0,007) em pacientes cujo CL foi utilizado quando comparados aqueles sem o uso do instrumento. Não foi verificada associação significativa entre a presença do CL no prontuário e a ocorrência do EA de forma geral.

Conclusão:

a presença do CL no prontuário não garantiu uma redução esperada na incidência de EA. No entanto, acredita-se que o uso do instrumento integrado às demais estratégias de segurança do paciente possa melhorar a segurança/qualidade da assistência cirúrgica em longo prazo.

Palavras-chave:
Lista de Checagem; Segurança do Paciente; Procedimentos Cirúrgicos Operatórios

ABSTRACT

Objective:

the study evaluated the effect of using the safe surgery checklist (CL) on the incidence of adverse events (AE).

Methods:

cross-sectional and retrospective research with 851 patients undergoing surgical procedures in 2012 (n=428) and 2015 (n=423), representing the periods before and after CL implantation. The AE incidences for each year were estimated and compared. The association between the occurrence of AE and the presence of CL in the medical record was analyzed.

Results:

a reduction in the point estimate of AE was observed from 13.6% (before using the CL) to 11.8% (with the use of the CL). The difference between the proportions of AE in the periods before and after the use of CL was not significant (p=0.213). The occurrence of AE showed association with the following characteristics: anesthetic risk of the patient, length of stay, surgery time and classification of the procedure according to the potential for contamination. Considering the proportion of deaths, there was a significant reduction in deaths (p=0.007) in patients whose CL was used when compared to those without the use of the instrument. There was no significant association between the presence of CL and the occurrence of AE. It was concluded that the presence of CL in the medical record did not guarantee an expected reduction in the incidence of AE.

Conclusion:

however, it is believed that the use of the instrument integrated with other patient safety strategies can improve the safety/quality of surgical care in the long term.

Keywords:
Checklist; Patient Safety; Surgical Procedures Operative

INTRODUÇÃO

A importância do tratamento cirúrgico é reconhecida mundialmente em virtude dos grandes benefícios proporcionados aos pacientes, como a cura de muitas doenças e a redução da morbimortalidade. Apesar disso, falhas de segurança nos procedimentos cirúrgicos podem causar prejuízos importantes e de grande impacto para a qualidade de vida dos pacientes e de suas famílias11 Weiser TG, Regenbogen SE, Thompson KD, Haynes AB, Lipsitz SR, Berry WR et al. An estimation of the global volume of surgery: a modelling strategy based on available data. Lancet. 2008;372(9633):139-44. doi: 10.1016/S0140-6736(08)60878-8.
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. Informações de pesquisas sobre complicações associadas à assistência cirúrgica evidenciam uma alta frequência desse tipo de dano22 Batista J, Cruz EDA, Alprende FT, Rocha DJM, Brandão MB, Maziero ECS. Prevalência e evitabilidade de eventos adversos cirúrgicos em hospital de ensino do Brasil. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2019;27:e2939. doi: 10.1590/1518-8345.2939.3171.
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,33 Anderson O, Davis R, Hanna GB, Vicent CA. Surgical adverse events: a systematic review. Am J Surg. 2013;206(2):253-62. doi: 10.1016/j.amjsurg.2012.11.009.
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. As consequências desses eventos podem traduzir-se em prejuízos temporários, incapacidades físicas permanentes e até mortes. Além disso, é preciso considerar o aumento dos custos com o tratamento devido à internação prolongada e necessidade de novas terapêuticas/intervenções22 Batista J, Cruz EDA, Alprende FT, Rocha DJM, Brandão MB, Maziero ECS. Prevalência e evitabilidade de eventos adversos cirúrgicos em hospital de ensino do Brasil. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2019;27:e2939. doi: 10.1590/1518-8345.2939.3171.
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3 Anderson O, Davis R, Hanna GB, Vicent CA. Surgical adverse events: a systematic review. Am J Surg. 2013;206(2):253-62. doi: 10.1016/j.amjsurg.2012.11.009.
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4 Moura MLO, Mendes W. Avaliação dos eventos adversos cirúrgicos em hospitais do Rio de Janeiro. Rev Bras Epidemiol. 2012;15(13):523-34. doi: 10.1590/S1415-790X2012000300007.
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-55 Nilsson L, Risberg BM, Montgomery A, Sjodahl R, Schildmeijer K, Rutberg H. Preventable adverse events in surgical care in Sweden - A Nationwide review of patient notes. Medicine (Baltimore). 2016;95(11):e3047. doi: 10.1097 / MD.0000000000003047.
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.

A magnitude dos danos associados ao cuidado em saúde (eventos adversos - EA) despertou a atenção da Organização Mundial de Saúde (OMS) que no ano de 2004 lançou a Aliança Mundial Pela Segurança do Paciente. Um dos desafios propostos pela Aliança teve como lema “Cirurgias Seguras Salvam Vidas”66 Organização Mundial de Saúde. Segundo desafio global para a segurança do paciente: cirurgia segura salvam vidas (orientações para cirurgia segura da OMS). Rio de Janeiro: Organização Pan-Americana da Saúde; Ministério da Saúde; Agência Nacional de Vigilância Sanitária; 2009. 211p. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/seguranca_paciente_cirurgias_seguras_salvam_vidas.pdf; [Acessado 10 Janeiro 2021]
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. Para efetivação desse desafio, a OMS recomendou a adoção de uma Lista de Verificação para a Segurança Cirúrgica (checklist - CL)66 Organização Mundial de Saúde. Segundo desafio global para a segurança do paciente: cirurgia segura salvam vidas (orientações para cirurgia segura da OMS). Rio de Janeiro: Organização Pan-Americana da Saúde; Ministério da Saúde; Agência Nacional de Vigilância Sanitária; 2009. 211p. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/seguranca_paciente_cirurgias_seguras_salvam_vidas.pdf; [Acessado 10 Janeiro 2021]
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. Após a realização de um estudo piloto para validar o instrumento padrão proposto pela OMS77 Haynes AB, Weiser TG, Berry WR, Lipsitz SR, Breizat AHS, Dellinger EP, et al. A surgical safety checklist to reduce morbidity and mortality in a global population. N Engl J Med. 2009;360:491-9. doi: 10.1056 / NEJMsa0810119.
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, a adoção do CL foi fortemente estimulada bem como a sua adaptação conforme a realidade das organizações de saúde.

Com a crescente adesão ao uso do CL, diversas pesquisas internacionais se dedicaram a avaliar o efeito da utilização dessa ferramenta na assistência cirúrgica. Alguns estudos encontraram benefícios atribuídos à adoção do instrumento, identificando uma redução significativa na incidência de EA88 Haugen AS, Softeland E, Almeland SK, Sevdalis N, Vonen BV, Eide GE, et al. Effect of the World Health Organization checklist on patient outcomes: a stepped wedge cluster randomized controlled trial. Ann Surg. 2015;261(5):821-8. doi: 10.1097/SLA.0000000000000716.
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9 Mayer EK, Sevdalis N, Rout S, Caris J, Russ S, Mansell J, et al. Surgical Checklist Implementation Project: the Impacto of Variable WHO Checklist Compliance on Risk-adjusted Clinical Outcomes After National Implementation: A Longitudinal Study. Ann Surg. 2015;263(1):58-63. doi: 0.1097/SLA.0000000000001185.
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10 Rodrigo-Rincon I, Martin-Vizcaino MP, Tirapu-Leon B, Zabalza-Lopez P, Zaballos-Barcala N, Villalgordo-Ortin P, et al. The effects of surgical checklists on morbidity and mortality: a pré- and post-intervention study. Acta Anaesthesiol Scand. 2015;59(2):205-14. doi: 10.1111 / aas.12443.
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-1111 Jager E, Gunnarsson R, Yik-Hong H. Implementation of the World Health Organization Surgical Safety Checklist correlates with reduced surgical mortality and length of hospital admission in a high-income country. World J Surg. 2018; 43(1):117-24. doi: 10.1007 / s00268-018-4703-x.
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. Apesar disso, uma revisão sistemática encontrou resultados inconsistentes, o que foi relacionado à qualidade e às diferenças metodológicas utilizadas pelos estudos. Mesmo revelando a existência de incertezas sobre o efeito do CL, o estudo concluiu que a utilização do instrumento pode estar associada à redução de EA1212 Jager E, McKenna C, Bartlett L, Gunnarsson R, Yik-Hong H. Postoperative adverse events inconsistently improved by the world Health Organization Surgical Safety Checklist: a systematic literature review of 25 studies. World J Surg. 2016;40(8):1842-58. doi: 10.1007 / s00268-016-3519-9.
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.

Por se tratar de uma tecnologia de recente implantação, pouco se conhece sobre o efeito da utilização do CL1313 Abbott TEF, Ahmad T, Phull MK, Fowler AJ, Hewson R, Biccard BM, et al. The surgical safety checklist and patient outcomes after surgery: a prospective observational cohort study, sistematic review and meta-analysis. Br J Anaesth. 2018;120(1):146e155. doi: 10.1016/j.bja.2017.08.002.
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, principalmente nos países em desenvolvimento, em especial, no Brasil. Até o momento, estudos nacionais mostram inconformidades no preenchimento e baixa completude dos itens de checagem1414 Ribeiro HCTC, Quites HFO, Bredes AC, Sousa KAS, Alves M. Adesão ao preenchimento do checklist de segurança cirúrgica. Cad. Saúde Pública. 2017;33(10):e00046216. doi: 10.1590/0102-311X00046216.
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15 Campos AL, Santos RP. Use of safe surgery checklist in Brazilian health services: integrative review. Int J Dev Res. 2017;7(8):14485-14489.

16 Leite GR, Martins MA, Maia LG, Garcia-Zapata MTA. Checklist de cirurgia segura: avaliação em uma região neotropical. Rev. Col. Bras. Cir. 2020;48:e20202710. doi: 10.1590/0100-6991e-20202710.
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-1717 Ribeiro L, Fernandes GC, Souza EG, Souto LC, Santos ASP, Bastos RR. Checklist de cirurgia segura: adesão ao preenchimento, inconsistências e desafios. Rev. Col. Bras. Cir. 2019;46(5):e20192311. doi: 10.1590/0100-6991e-20192311.
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.

Nesse contexto, é de grande relevância a produção de informações que possam elucidar o efeito do CL na assistência cirúrgica, discutir sua eficácia clínica e sustentar a sua utilização. Dessa forma, o presente estudo teve o objetivo de avaliar o efeito da utilização do CL de cirurgia segura na incidência de EA em um hospital de referência localizado no interior de Minas Gerais.

MÉTODO

Estudo transversal e retrospectivo realizado por meio de revisão de prontuários de pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos, de todas as especialidades. O cenário foi um hospital geral de referência em alta complexidade, localizado em um Município do interior de Minas Gerais, que realiza em média, 1.500 procedimentos cirúrgicos mensais.

O CL foi implantado na instituição no primeiro semestre do ano de 2013 sendo uma adaptação do instrumento padrão da OMS, contemplando 19 itens de checagem. Inicialmente, todos os pacientes cirúrgicos dos anos de 2012 (antes da utilização do CL) e 2015 (após a utilização do CL) foram considerados elegíveis. Os critérios de exclusão foram: idade inferior a 18 anos, período de internação menor que 24 horas, pacientes que realizaram procedimentos invasivos não cirúrgicos, procedimentos de cardiologia intervencionista e parto normal.

Para o cálculo da amostra, considerou-se: o total de 6.201 pacientes cirúrgicos para o ano de 2012 e 6.158 para o ano de 2015; um poder de teste de 80%, uma diferença padronizada entre as proporções de pacientes com EA nos anos de 2012 e 2015 igual a 0,201818 Machin D; Campbell M, Fayers P, Pinol A. A sample size tables for clinical studies. 2ed. Blackwell Science: 1997., o mesmo tamanho para cada amostra, sendo as variâncias populacionais desconhecidas, mas iguais e as amostras independentes. Assim, o cálculo do tamanho da amostra para α=0,05 indicou a necessidade de se avaliar os prontuários de no mínimo 786 pacientes cirúrgicos. O estudo contabilizou 428 pacientes para o ano de 2012 e 423 para o ano de 2015, totalizando 851 pacientes.

A amostra de prontuários foi extraída de um banco de dados disponibilizado pela instituição. Inicialmente, o banco foi organizado considerando o mês de realização do procedimento cirúrgico. A seguir, os prontuários foram selecionados por amostragem aleatória simples sendo proporcional ao número de cirurgias realizadas a cada mês para permitir o acompanhamento da incidência de EA ao longo do tempo.

O rastreamento e a identificação dos EA foram norteados por uma adaptação do método Global Trigger Tool (GTT) proposto pelo Institute for Healthcare Improvement (IHI) que apresenta critérios/pistas (triggers) objetivos para o rastreamento de prontuários com suspeita de EA1919 Griffin F, Resar R. IHI Global Trigger Tool for Measuring Adverse Events. 2ed. Cambridge: Institute for Healthcare Improvement, 2009.. Como definição para EA, adotou-se aquela descrita pela GTT, como um dano físico não intencional resultante direta ou indiretamente do cuidado em saúde, que requer acompanhamento adicional, tratamento ou hospitalização, ou ainda, que resultou em morte1919 Griffin F, Resar R. IHI Global Trigger Tool for Measuring Adverse Events. 2ed. Cambridge: Institute for Healthcare Improvement, 2009.. A revisão dos prontuários foi realizada no período de janeiro a dezembro de 2019, por uma enfermeira e três alunos de graduação. Adotou-se o procedimento de dupla revisão dos prontuários de forma independente. À equipe de revisores somaram-se dois médicos com expertise acerca do uso do método GTT que atuaram como autenticadores da ocorrência do EA e da classificação da gravidade do dano.

Em relação à classificação da gravidade do dano, o IHI recomenda que seja realizada da seguinte forma: E) dano temporário ao paciente e que necessitou de intervenção; F) dano temporário ao paciente e que necessitou de intervenção adicional ou prolongou a hospitalização; G) dano permanente ao paciente; H) dano que necessitou de intervenção imediata para salvar a vida do paciente e I) morte1919 Griffin F, Resar R. IHI Global Trigger Tool for Measuring Adverse Events. 2ed. Cambridge: Institute for Healthcare Improvement, 2009..

As incidências de EA correspondentes a cada ano pesquisado foram estimadas e comparadas. O desfecho primário escolhido foi a ocorrência do EA. A escolha desse desfecho justifica-se pelo entendimento de que a utilização do CL pode promover melhora na segurança cirúrgica de forma direta (considerando a checagem de itens pontuais presentes no instrumento, como por exemplo, a identificação do paciente e do sítio cirúrgico correto) e indireta (aumento da cultura de segurança do paciente na organização de saúde, contribuindo para a redução de qualquer tipo de EA). Além disso, a incidência de EA foi o desfecho primário escolhido na maioria dos estudos sobre a temática em questão2020 Haynes AB, Weiser TG, Berry WR, Lipsitz SR, Breizat AS, Dellinger EP, et al. Changes in safety attitude and relationship to decreased postoperative morbidity and mortality following implementation of a checklist-based surgical safety intervention. BMJ Qual Saf. 2011;20:102-7. doi: 10.1136/bmjqs.2009.040022.
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21 Rodella S, Mall S, Marino M, Turci G, Gambale G, Montella MT, et al. Effects on clinical outcomes of a 5-year surgical safety checklist implementation experience: a large-scale population-based difference-in-differences study. Health Serv Insights. 2018;11:11786329118785127. doi: 10.1177%2F1178632918785127.
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-2222 Collins SJ, Newhouse R, Porter J, Talsma A. Effectiveness of the Surgical Safety Checklist in correcting errors: a literatura review applying reason's swiss cheese model. AORN Journal. 2014;100(1):65-79. doi: 10.1016/j.aorn.2013.07.024.
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.

As variáveis independentes investigadas foram: 1) características do paciente: sexo, idade, pontuação segundo Índice de Comorbidade de Charlson (ICC) com correção para idade2323 Martins, M. Uso de medidas de comorbidades para predição de risco de óbito em pacientes hospitalizados. Rev Saúde Pública. 2010,44(3):448-56. doi: 10.1590/S0034-89102010005000003.
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, risco anestésico segundo classificação da American Society of Anesthesiology (ASA); 2) características da internação: tipo de atendimento, caráter da internação, tempo de internação, motivo de saída; 3) características do procedimento cirúrgico: especialidade, turno da cirurgia, tempo de cirurgia, classificação da cirurgia quanto à urgência e quanto ao potencial de contaminação; 4) característica do CL: presença do instrumento no prontuário.

A análise inicial incluiu uma descrição das variáveis do estudo por meio de estatísticas descritivas e análise exploratória dos dados. A análise bivariada investigou a associação do desfecho com as variáveis independentes, utilizando o teste do Qui-quadrado de Pearson ao nível de significância de 5%. A diferença entre as proporções de EA nas amostras de prontuários referentes aos períodos antes e após a utilização do CL foi verificada utilizando o teste T de Student para amostras independentes. A magnitude da associação entre o desfecho e as variáveis independentes foi verificada através da estimação de parâmetros de modelos de Regressão Logística multivariada, no pacote estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS, versão 20.0 for Windows).

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Município sob o parecer de nº 2.046.497.

RESULTADOS

A amostra do estudo incluiu um total de 851 prontuários de pacientes cirúrgicos. Considerando apenas a amostra de prontuários pertencentes ao período com a utilização do CL (n=423), a presença do instrumento foi verificada em 95% dos prontuários analisados. A completude do instrumento (todos os itens checados) foi encontrada em 67,4% desses prontuários.

O perfil da amostra referente às características dos pacientes (Tabela 1) nos dois períodos estudados mostrou-se semelhante em relação à faixa etária, à pontuação segundo o ICC e, ao risco anestésico segundo a classificação da ASA: a maioria encontrava-se na faixa etária de até 59 anos e teve pontuação no ICC até 1 indicando que as comorbidades, quando presentes, eram leves e não causavam limitações. Em relação ao risco anestésico, a maior parte foi classificada como P1 e P2, refletindo as mesmas condições clínicas evidenciadas pelo ICC, ou seja, pacientes saudáveis ou com doenças leves e controladas.

Tabela 1
Caracterização das amostras quanto às características dos pacientes, da internação e do procedimento cirúrgico, antes e após a utilização do Checklist de cirurgia segura.

Em relação às características da internação (Tabela 1), o tempo de internação foi semelhante nos dois grupos, com a maior parcela de pacientes apresentando tempo de internação inferior a dois dias (41,8% e 41,4%, respectivamente). Considerando as características relacionadas ao procedimento cirúrgico, observou-se que ambos os grupos apresentaram uma maior parcela de pacientes submetidos à cirurgia com período de duração de até 60 minutos (p<0,001) utilizando anestesia regional (p=0,033).

Depois de concluída a etapa de rastreamento e identificação de EA, conforme descrito na Figura 1, comparou-se os grupos referentes aos períodos antes e após a utilização do CL. Dessa forma, observou-se uma redução na estimativa pontual da incidência de EA de 13,6% para 11,8%, sem, no entanto, apresentar diferenças significativas entre as proporções (p=0,438). Em relação à gravidade do dano, observou-se que o percentual daqueles classificados como leves e temporários (categoria E), apresentaram aumento entre os períodos analisados (2,5% e 18,2%, respectivamente), enquanto que os percentuais de danos incluídos nas categorias F (54,5% em ambas amostras) e G (3,8% e 4,5% respectivamente) permaneceram estáveis. Considerando a ocorrência de óbito (categoria I), verificou-se uma redução no percentual de 27,8% antes da utilização do CL, para 19,7% no período com o uso do CL.

Figura 1
Fluxograma do rastreamento de eventos adversos na amostra de pacientes cirúrgicos referentes aos períodos antes e após a utilização do CL.

A descrição dos EA identificados na amostra (Tabela 2) revelou que os danos relacionados ao local da cirurgia foram os mais frequentes em ambos os períodos, com destaque para a ocorrência de infecção do sítio cirúrgico (ISC) e sangramento com repercussão hemodinâmica. Considerando os EA não relacionados à ferida cirúrgica, observou-se que as infecções de foco pulmonar representaram o tipo de EA mais frequente nos períodos estudados. Destaca-se que o percentual de EA relacionado ao local da cirurgia apresentou aumento entre os períodos antes e após a utilização do CL (43,1% para 60,6%, respectivamente), enquanto que as infecções não relacionadas à ferida cirúrgica e as complicações cardiovasculares apresentaram queda (26,6% para 24,2% e 12,7% para 7,5%, respectivamente).

Tabela 2
Proporção de eventos adversos na amostra de pacientes cirúrgicos antes e após a utilização do CL.

Em um recorte adicional, onde os pacientes da amostra global foram separados pela presença ou ausência do CL no prontuário, verificou-se que a proporção de óbitos entre os pacientes cujo CL foi utilizado foi menor do que entre os pacientes que não foram expostos ao CL (p=0,007), conforme apresentado na Tabela 3.

Tabela 3
Diferença entre as proporções de eventos adversos e óbitos com e sem a presença do Checklist no prontuário da amostra global de pacientes cirúrgicos.

A análise multivariada mostrou que a presença do CL no prontuário do paciente cirúrgico não apresentou associação significativa com a ocorrência do EA (p=0,622), sugerindo que o EA está mais associado às características da cirurgia, uma vez que essas variáveis também se mantiveram significativas quando controladas pela presença do CL (Tabela 4).

Tabela 4
Análise multivariável do desfecho ocorrência de evento adverso na amostra global de pacientes cirúrgicos, dos anos de 2012 e 2015.

DISCUSSÃO

A utilização do CL de cirurgia segura tem sido uma estratégia fortemente recomendada pela OMS por ser considerada como uma intervenção efetiva, de aplicação relativamente fácil, de baixo custo e com potencial para redução de complicações e mortes associadas à assistência cirúrgica66 Organização Mundial de Saúde. Segundo desafio global para a segurança do paciente: cirurgia segura salvam vidas (orientações para cirurgia segura da OMS). Rio de Janeiro: Organização Pan-Americana da Saúde; Ministério da Saúde; Agência Nacional de Vigilância Sanitária; 2009. 211p. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/seguranca_paciente_cirurgias_seguras_salvam_vidas.pdf; [Acessado 10 Janeiro 2021]
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. Além disso, estudos acerca da utilização do instrumento mostraram que a adesão à checagem de segurança contribui para o desenvolvimento da cultura de segurança nas organizações de saúde, valorizando o trabalho interdisciplinar e melhorando a comunicação entre os profissionais da equipe99 Mayer EK, Sevdalis N, Rout S, Caris J, Russ S, Mansell J, et al. Surgical Checklist Implementation Project: the Impacto of Variable WHO Checklist Compliance on Risk-adjusted Clinical Outcomes After National Implementation: A Longitudinal Study. Ann Surg. 2015;263(1):58-63. doi: 0.1097/SLA.0000000000001185.
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,1212 Jager E, McKenna C, Bartlett L, Gunnarsson R, Yik-Hong H. Postoperative adverse events inconsistently improved by the world Health Organization Surgical Safety Checklist: a systematic literature review of 25 studies. World J Surg. 2016;40(8):1842-58. doi: 10.1007 / s00268-016-3519-9.
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.

Considerando a frequência crescente e gravidade do dano produzido pelos EA relacionados à assistência cirúrgica, somado aos resultados promissores revelados pelo estudo pioneiro sobre os benefícios trazidos pela utilização do CL77 Haynes AB, Weiser TG, Berry WR, Lipsitz SR, Breizat AHS, Dellinger EP, et al. A surgical safety checklist to reduce morbidity and mortality in a global population. N Engl J Med. 2009;360:491-9. doi: 10.1056 / NEJMsa0810119.
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, observa-se um esforço contínuo em todo o mundo no sentido de adotar o instrumento na assistência cirúrgica e melhorar progressivamente a adesão. No Brasil, a partir da publicação da RDC Nº36/201324, as organizações de saúde também têm caminhado no sentido de inserir a checagem de segurança cirúrgica como estratégia para melhorar os níveis de segurança e elevar os padrões de qualidade da assistência à saúde.

Frente às fortes recomendações da OMS para a utilização do CL de cirurgia segura seguiu-se a necessidade de buscar resultados sobre a eficácia da utilização dessa ferramenta. Nessa perspectiva, muitos estudos encontraram benefícios pontuais atribuídos à utilização do CL em países desenvolvidos, demonstrando uma redução significativa na incidência de EA, como na Noruega (19,9% para 11,5%; p=0,001)88 Haugen AS, Softeland E, Almeland SK, Sevdalis N, Vonen BV, Eide GE, et al. Effect of the World Health Organization checklist on patient outcomes: a stepped wedge cluster randomized controlled trial. Ann Surg. 2015;261(5):821-8. doi: 10.1097/SLA.0000000000000716.
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e na Inglaterra (16,9% para 11,2%; p=0,01)99 Mayer EK, Sevdalis N, Rout S, Caris J, Russ S, Mansell J, et al. Surgical Checklist Implementation Project: the Impacto of Variable WHO Checklist Compliance on Risk-adjusted Clinical Outcomes After National Implementation: A Longitudinal Study. Ann Surg. 2015;263(1):58-63. doi: 0.1097/SLA.0000000000001185.
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. No entanto, outros estudos mostraram resultados diferentes, evidenciando que a utilização do CL não contribuiu para uma redução significativa de complicações associadas à assistência cirúrgica, como no Canada (3,86% - 3,82%; p=0,53)2525 Urbach DR, Govindarajan A, Saskin R, Wilton AS, Baxter NN. Introduction of surgical safety checklists in Ontario, Canada. N Engl J Med. 2014;370(11):1029-38. doi: 10.1056/NEJMsa1308261.
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e na Espanha (18,1% - 16,2%; p=0,35)1010 Rodrigo-Rincon I, Martin-Vizcaino MP, Tirapu-Leon B, Zabalza-Lopez P, Zaballos-Barcala N, Villalgordo-Ortin P, et al. The effects of surgical checklists on morbidity and mortality: a pré- and post-intervention study. Acta Anaesthesiol Scand. 2015;59(2):205-14. doi: 10.1111 / aas.12443.
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. Ainda nesse contexto, estudos retrospectivos conduzidos em hospitais americanos encontraram resultados controversos. Enquanto um deles mostrou uma redução significativa na incidência de EA de 23,6% para 8.2% (p=0.000)2626 Biskup N, Workman AD, Kutzner E, Adetayo OA, Gupta SC. Perioperative safety in plastic surgery: is the World Health Organization Checklist useful in a broad practice? Ann Plast Surg. 2016;76(5):550-5. doi: 10.1097/SAP.0000000000000427.
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, o outro, evidenciou que a introdução do CL não contribuiu para redução das complicações na assistência cirúrgica (p=0.799)2727 Bliss LA, Ross-Richardson CB, Sanzari LJ, Shapiro DS, Lukianoff AE, Bernstein BA, et al. Thirty-day outcomes support implementations of a surgical safety checklist. J AM Coll Surg. 2012;215(6):766-76. doi: 10.1016/j.jamcollsurg.2012.07.015.
https://doi.org/10.1016/j.jamcollsurg.20...
. Mesmo considerando as diferentes abordagens metodológicas, é possível perceber que os benefícios trazidos pela utilização do CL ainda não estão bem elucidados pelos estudos disponíveis, indicando a necessidade de monitorar continuamente o impacto da utilização do instrumento na assistência cirúrgica1313 Abbott TEF, Ahmad T, Phull MK, Fowler AJ, Hewson R, Biccard BM, et al. The surgical safety checklist and patient outcomes after surgery: a prospective observational cohort study, sistematic review and meta-analysis. Br J Anaesth. 2018;120(1):146e155. doi: 10.1016/j.bja.2017.08.002.
https://doi.org/10.1016/j.bja.2017.08.00...
.

No nosso estudo, a análise por ajuste de modelo de regressão logística revelou que a presença do CL no prontuário não apresentou associação significativa com a ocorrência do EA (p=0,622), apesar das quedas nas estimativas pontuais encontradas tanto na incidência quanto na gravidade do dano, considerando os períodos antes e após a utilização do CL. Revisões sistemáticas que buscaram avaliar o efeito do CL na ocorrência de complicações cirúrgicas mostraram que nos países em desenvolvimento os resultados positivos são menores do que os observados em países desenvolvidos, demonstrando que nesses cenários, a utilização do instrumento não tem ainda proporcionado o efeito esperado na segurança do paciente1212 Jager E, McKenna C, Bartlett L, Gunnarsson R, Yik-Hong H. Postoperative adverse events inconsistently improved by the world Health Organization Surgical Safety Checklist: a systematic literature review of 25 studies. World J Surg. 2016;40(8):1842-58. doi: 10.1007 / s00268-016-3519-9.
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,2828 Vivekanantham S, Ravindran RP, Shanmugarajah K, Maruthappu M, Shalhoub J. Surgical safety checklists in developing countries. Int J Surg. 2014;12(5):2-6. doi: 10.1097/SAP.0000000000000427.
https://doi.org/10.1097/SAP.000000000000...

29 Prakash P, Baduni N, Sanwall MK, Sinha SR, Shekhar C. Effect of World Health Organization surgical safety Checklist on patient outcomes in a Tertiary Care Hospital of Delhi. Int Med J. 2014;21(4):376-8. doi: 10.1097/ALN.0000000000002674.
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-3030 Gama CS, Backman C, Oliveira AC. Effect of surgical checklist on colorectal surgical site infection rates in 2 countries: Brazil and Canada. Am J Infect Control. 2019;47(9):1112-7. doi: 10.1016/j.ajic.2019.03.002.
https://doi.org/10.1016/j.ajic.2019.03.0...
.

É importante ressaltar que nesse estudo o CL esteve presente em 95% da amostra de prontuários analisados. No entanto, a existência do instrumento com todos os itens de checagem preenchidos foi verificada em apenas 67,4% dos prontuários1717 Ribeiro L, Fernandes GC, Souza EG, Souto LC, Santos ASP, Bastos RR. Checklist de cirurgia segura: adesão ao preenchimento, inconsistências e desafios. Rev. Col. Bras. Cir. 2019;46(5):e20192311. doi: 10.1590/0100-6991e-20192311.
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. Dessa forma, impacto da utilização do CL na assistência cirúrgica pode estar comprometido pela incompletude do instrumento, sinalizando a necessidade de melhoria no desenvolvimento da cultura de segurança do paciente na instituição. Entende-se que a introdução de um documento na assistência ao paciente cirúrgico por si, não seja suficiente para garantir uma redução nas complicações relacionadas à cirurgia. É essencial que a organização de saúde priorize uma gestão pautada em valores, competências e comportamentos que estimulem o comprometimento de todos os colaboradores com a segurança na assistência à saúde. Além disso, o efeito imediato da utilização do CL pode não ser o mesmo para todas as realidades conforme sugerido pela OMS, considerando os diferentes contextos políticos, socioeconômicos e culturais1212 Jager E, McKenna C, Bartlett L, Gunnarsson R, Yik-Hong H. Postoperative adverse events inconsistently improved by the world Health Organization Surgical Safety Checklist: a systematic literature review of 25 studies. World J Surg. 2016;40(8):1842-58. doi: 10.1007 / s00268-016-3519-9.
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,2222 Collins SJ, Newhouse R, Porter J, Talsma A. Effectiveness of the Surgical Safety Checklist in correcting errors: a literatura review applying reason's swiss cheese model. AORN Journal. 2014;100(1):65-79. doi: 10.1016/j.aorn.2013.07.024.
https://doi.org/10.1016/j.aorn.2013.07.0...
,3030 Gama CS, Backman C, Oliveira AC. Effect of surgical checklist on colorectal surgical site infection rates in 2 countries: Brazil and Canada. Am J Infect Control. 2019;47(9):1112-7. doi: 10.1016/j.ajic.2019.03.002.
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.

Em relação a redução significativa (p=0,007) na proporção de óbitos ocorridos considerando os dois períodos estudados, considera-se o resultado como indicativo de uma possível melhora na qualidade da assistência cirúrgica, uma vez que essa diferença reflete uma redução na proporção de danos com a maior gravidade possível. Reduções significativas na ocorrência de óbitos antes e após a implantação do CL também foram encontradas tanto em países desenvolvidos como na Austrália (1,2% para 0,92%; p=0,038)1111 Jager E, Gunnarsson R, Yik-Hong H. Implementation of the World Health Organization Surgical Safety Checklist correlates with reduced surgical mortality and length of hospital admission in a high-income country. World J Surg. 2018; 43(1):117-24. doi: 10.1007 / s00268-018-4703-x.
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quanto em países em desenvolvimento, como na Índia (10% para 5,7%; p=0,004)2929 Prakash P, Baduni N, Sanwall MK, Sinha SR, Shekhar C. Effect of World Health Organization surgical safety Checklist on patient outcomes in a Tertiary Care Hospital of Delhi. Int Med J. 2014;21(4):376-8. doi: 10.1097/ALN.0000000000002674.
https://doi.org/10.1097/ALN.000000000000...
. No presente estudo, é importante destacar que a maioria dos pacientes que compuseram a amostra nos grupos antes e após a implantação do CL encontravam-se na faixa etária de até 59 anos e possuíam comorbidades leves, quando presentes. Portando, acredita-se que o perfil dos pacientes quanto ao risco de óbito não tenha influenciado no resultado encontrado.

Algumas questões importantes relacionadas ao processo de implantação e utilização do CL no cenário do estudo podem estar relacionadas aos resultados encontrados. A implantação do protocolo de cirurgia segura foi uma iniciativa do Núcleo de Segurança do Paciente, contando com a participação dos enfermeiros do Centro Cirúrgico, responsáveis pela adaptação do CL. Em relação aos treinamentos sobre a importância e utilização adequada do instrumento, apenas a equipe de enfermagem foi envolvida, não havendo capacitação da equipe médica (cirurgiões, anestesiologistas e residentes). Outra questão que precisa ser pontuada refere-se à adaptação do instrumento que excluiu alguns dos itens de checagem do CL padrão proposto pela OMS. A adaptação é recomendada para melhorar a adesão ao instrumento devido à existência de diferenças culturais. No entanto, a exclusão de itens de checagem previamente validados não é encorajada66 Organização Mundial de Saúde. Segundo desafio global para a segurança do paciente: cirurgia segura salvam vidas (orientações para cirurgia segura da OMS). Rio de Janeiro: Organização Pan-Americana da Saúde; Ministério da Saúde; Agência Nacional de Vigilância Sanitária; 2009. 211p. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/seguranca_paciente_cirurgias_seguras_salvam_vidas.pdf; [Acessado 10 Janeiro 2021]
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. Todas essas questões podem refletir no modo como o instrumento vem sendo utilizado na prática: apesar de estar presente na maioria dos prontuários, a completude está abaixo do ideal, demonstrando fragilidades na sua utilização1717 Ribeiro L, Fernandes GC, Souza EG, Souto LC, Santos ASP, Bastos RR. Checklist de cirurgia segura: adesão ao preenchimento, inconsistências e desafios. Rev. Col. Bras. Cir. 2019;46(5):e20192311. doi: 10.1590/0100-6991e-20192311.
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.

O estudo também apresenta limitações inerentes ao seu delineamento. A identificação do EA a partir da revisão retrospectiva de prontuários depende diretamente da qualidade dos registros, o que pode contribuir para subestimação dos casos. Além disso, a utilização do julgamento clínico para a definição da ocorrência do EA e classificação da gravidade do dano pode sofrer influência da subjetividade dos médicos autenticadores que participaram dessa fase do estudo. No entanto, esse tem sido o método mais utilizado na maioria das pesquisas acerca da mesma temática, não havendo outro considerado como a melhor evidência disponível para a identificação de EA. Adicionalmente, a análise do efeito do CL após dois anos de sua implantação pode não ter contemplado o tempo necessário para avaliar a consolidação do instrumento na prática cirúrgica.

CONCLUSÃO

O presente estudo oferece uma importante contribuição por se tratar de uma avaliação nacional sobre o efeito da utilização do CL de cirurgia segura, uma vez que o conhecimento sobre o tema é bastante incipiente. A avaliação aqui realizada tem importante valor por mostrar evidências sobre a utilização do CL no contexto de um país em desenvolvimento, onde os recursos humanos, materiais e estruturais, junto ao avanço tecnológico estão aquém daqueles encontrados nos países desenvolvidos.

Os resultados aqui encontradas mostraram que a presença do CL no prontuário dos pacientes cirúrgicos não esteve associada à redução da ocorrência de EA de forma geral. Dessa forma, os benefícios esperados pela introdução do instrumento não puderam ainda ser confirmados pelas evidências aqui apresentadas. No entanto, a redução significativa na proporção de óbitos observada após a implantação do CL sugere que a utilização do instrumento na prática cirúrgica pode estar contribuindo para a redução de EA de maior gravidade. Entende-se que as mudanças positivas na assistência cirúrgica não devem ser atribuídas apenas à adoção do CL, apesar da implantação do instrumento na rotina de uma organização de saúde já representar uma iniciativa para o desenvolvimento da cultura de segurança do paciente.

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  • Fonte de financiamento:

    nenhuma.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    26 Jan 2022
  • Aceito
    27 Mar 2022
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