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Investigação da presença de lesões traumáticas em segmento cefálico em motociclistas vítimas de acidentes de tráfego: Estudo observacional prospectivo

RESUMO

Objetivo:

análise crítica da investigação diagnóstica de lesões em segmento cefálico de motociclistas vítimas de acidentes de tráfego.

Método:

estudo observacional prospectivo incluindo motociclistas adultos vítimas de trauma, sem intoxicação exógena, em um período de 12 meses. A tomografia de crânio (TC) foi indicada de acordo com uma modificação dos “critérios canadenses”. Os pacientes que não foram submetidos a TC de crânio tiveram acompanhamento telefônico por três meses. A presença de lesões foi correlacionada com as varáveis coletadas através dos testes Qui-quadrado, t de Student ou Fisher, considerando p<0,05 como significativo.

Resultados:

dos 208 inicialmente incluídos, 206 (99,0%) estavam usando capacete. Dezessete estavam com sinais de intoxicação exógena e foram excluídos, restando 191 para análise. Noventa pacientes (47,1%) realizaram TC e 12 (6,3%) apresentaram lesões craniencefálicas, que se associaram significativamente a Escala de Coma de Glasgow (ECG) <15 (52,3% vs. 2,8% - p<0,001) e alterações ao exame físico da região cefálica/neurológico (17,1% vs. zero - p<0,05). Quatro pacientes (2,1%) precisaram tratamento cirúrgico de lesões intracranianas. Nenhum dos pacientes admitidos com ECG 15, em uso de capacete e sem alterações no exame físico apresentou TC alterada.

Conclusões:

para pacientes admitidos com ECG 15, que utilizavam o capacete no acidente e não apresentavam quaisquer alterações no exame físico, a realização da TC de crânio não trouxe mudanças no atendimento ao paciente. .

Palavras-chave:
Traumatismos Craniocerebrais; Acidentes de Trânsito; Tomografia; Garantia da Qualidade dos Cuidados de Saúde

ABSTRACT

Objective:

to review the clinical assessment of head injuries in motorcyclists involved in traffic accidents.

Method:

prospective observational study, including adult motorcyclists involved in traffic accidents in a period of 12 months. Patients sustaining signs of intoxication were excluded. A modification of the Canadian Head CT Rules was used to indicate computed tomography (CT). Patients not undergoing CT were followed by phone calls for three months. Collected variables were compared between the group sustaining head injuries and the others. We used chi-square, Fisher, and Student’s t for statistical analysis, considering p<0.05 as significant.

Results:

we included 208 patients, 99.0% were wearing helmets. Seventeen sustained signs of intoxication and were excluded. Ninety (47.1%) underwent CT and 12 (6.3%) sustained head injuries. Head injuries were significantly associated with Glasgow Coma Scale<15 (52.3% vs. 2.8% - p<0,001) and a positive physical exam (17.1% vs. zero - p<0,05). Four (2.1%) patients with intracranial mass lesions needed surgical interventions. None helmet-wearing patients admitted with GCS=15 and normal physical examination sustained head injuries.

Conclusion:

Head CT is not necessary for helmet-wearing motorcyclists admitted with GCS=15 and normal physical examination.

Keywords:
Craniocerebral Trauma; Accidents, Traffic; Tomography; Quality Assurance, Health Care

INTRODUÇÃO

O trauma é uma causa importante de morbimortalidade e perda de anos produtivos de vida no Brasil11 James SL, Abate D, Abate KH, Abay SM, Abbafati C, Abbasi N, et al. Global, regional, and national incidence, prevalence, and years lived with disability for 354 Diseases and Injuries for 195 countries and territories, 1990-2017: A systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2017. Lancet. 2018;392(10159):1789-858. doi: 10.1016/S0140-6736(18)32279-7.
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. Muitos destes casos são de motociclistas envolvidos em acidentes de tráfego22 Chacón-Aponte AA, Durán-Vargas ÉA, Arévalo-Carrillo JA, Agrawal A, Lozada-Martinez ID, Janjua T, et al. Talk and Die Syndrome: A Narrative Review. Panam J Trauma Crit Care Emerg Surg. 2021;10(2):78-81. doi: 10.5005/jp-journals-10030-1322.
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,33 Steinwall D, Befrits F, Naidoo SR, Hardcastle T, Eriksson A, Muckart DJJ. Deaths at a Level 1 Trauma Unit: A clinical finding and post-mortem correlation study. Injury. 2012;43(1):91-5. doi: 10.1016/j.injury.2010.11.004.
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. Há várias razões que explicam este fato, como a dinâmica econômica do país a vulnerabilidade ao mecanismo de trauma44 Moreira MR, Ribeiro JM, Motta CT, Motta JIJ. Mortality by road traffic accidents in adolescents and young people, Brazil, 1996-2015: will we achieve SDG 3.6? Cien Saude Colet. 2018;23(9):2785-96. doi: 10.1590/1413-81232018239.17082018.
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.

O trauma craniencefálico é a causa mais frequênte de mortes em trauma. Há lesões intracranianas que são potencialmente letais e que podem passar despercebidas no exame inicial22 Chacón-Aponte AA, Durán-Vargas ÉA, Arévalo-Carrillo JA, Agrawal A, Lozada-Martinez ID, Janjua T, et al. Talk and Die Syndrome: A Narrative Review. Panam J Trauma Crit Care Emerg Surg. 2021;10(2):78-81. doi: 10.5005/jp-journals-10030-1322.
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. Desta forma, entende-se a indicação liberal de tomografia computadorizada de crânio (TC) para evitar o atraso no diagnóstico55 Haydon NB. Head injury: audit of a clinical guideline to justify head CT. J Med Imaging Radiat Oncol. 2013;57(2):161-8. doi: 10.1111/1754-9485.12007.
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. Contudo, uma vez que a maioria dos casos de trauma são leves, observamos lesões craniencefálicas em menos de 15%66 Bouida W, Marghli S, Souissi S, Ksibi H, Methammem M, Haguiga H, et al. Prediction value of the Canadian CT head rule and the New Orleans criteria for positive head CT scan and acute neurosurgical procedures in minor head trauma: a multicenter external validation study. Ann Emerg Med. 2013;61(5):521-7. doi: 10.1016/j.annemergmed.2012.07.016.
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. Há um número significativo de TC negativas, o que resulta em menor disponibilidade do método e maior custo, além do uso excessivo de radiação ionizante77 Smits M, Dippel DWJ, Nederkoorn PJ, Dekker HM, Vos PE, Kool DR, et al. Minor head injury: CT-based strategies for management--a cost-effectiveness analysis. Radiology. 2010;254(2):532-40. doi: 10.1148/radiol.2541081672.
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8 Schuur JD, Carney DP, Lyn ET, Raja AS, Michael JA, Ross NG, et al. A top-five list for emergency medicine: a pilot project to improve the value of emergency care. JAMA Intern Med. 2014;174(4):509-15. doi: 10.1001/jamainternmed.2013.12688.
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-99 Demb J, Chu P, Nelson T, Hall D, Seibert A, Lamba R, et al. Optimizing Radiation Doses for Computed Tomography Across Institutions: Dose Auditing and Best Practices. JAMA Intern Med. 2017;177(6):810-7. doi: 10.1001/jamainternmed.2017.0445.
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.

Foram desenvolvidos critérios objetivos para a solicitação da TC em vítimas de trauma, como “NEXUS II”, New Orleans e “Canadian Head CT Rules”1010 Mower WR, Hoffman JR, Herbert M, Wolfson AB, Pollack C v., Zucker MI. Developing a decision instrument to guide computed tomographic imaging of blunt head injury patients. J Trauma. 2005;59(4):954-9. doi: 10.1097/01.ta.0000187813.79047.42.
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11 Haydel MJ, Preston CA, Mills TJ, Luber S, Blaudeau E, DeBlieux PMC. Indications for computed tomography in patients with minor head injury. N Engl J Med. 2000;343(2):100-5. doi: 10.1056/NEJM200007133430204.
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-1212 Stiell IG, Lesiuk H, Wells GA, McKnight RD, Brison R, Clement C, et al. The Canadian CT Head Rule Study for patients with minor head injury: rationale, objectives, and methodology for phase I (derivation). Ann Emerg Med. 2001;38(2):160-9. doi: 10.1067/mem.2001.116796.
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. Sua aplicação direciona as TCs aos pacientes com maior chance de lesões. Contudo, estes estudos foram realizados em cenários diferentes ao observado em nosso país. O uso de capacetes, por exemplo, é opcional em alguns estados do EUA, enquanto é obrigatório em nosso meio1313 Khor D, Inaba K, Aiolfi A, Delapena S, Benjamin E, Matsushima K, et al. The impact of helmet use on outcomes after a motorcycle crash. Injury. 2017;48(5):1093-1097. doi: 10.1016/j.injury.2017.02.006.
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. O uso de tais protocolos em outras realidades é possível, mas precisaria ser validado1414 Lamba I, Luthra A, Shinde V, Daniel SS. Using Canadian CT head rule in a developing nation: Validation and comparing utilisation by emergency physicians and neurosurgeons. Am J Emerg Med. 2021;45:112-116. doi: 10.1016/j.ajem.2021.02.064.
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.

O objetivo deste estudo é realizar uma análise crítica da investigação diagnóstica de lesões em segmento cefálico em motociclistas vítimas de acidentes de tráfego.

MÉTODOS

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa de nosso hospital (CAAE 59539216.9.0000.5479). Realizamos um estudo observacional prospectivo no período de outubro de 2017 a junho de 2018, incluindo todos os motociclistas com idade superior a 18 anos, vítimas de acidentes de tráfego, admitidos no Pronto Socorro Central e que concordaram com os termos do Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE). Foram excluídos os pacientes com sinais clínicos de intoxicação exógena.

Para o cálculo do tamanho da amostra, utilizamos dados de estudo anterior de nosso serviço1515 Parreira JG, de Campos T, Perlingeiro JAG, Soldá SC, Assef JC, Gonçalves AC, et al. Implementation of the trauma registry as a tool for quality improvement in trauma care in a Brazilian hospital: The first 12 months. Rev Col Bras Cir. 2015;42(4):265-72. doi: 10.1590/0100-69912015004012.
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. Em um período de 12 meses, foram atendidas 1346 vítimas de trauma no Pronto Socorro Central, sendo que 210 (15,6%) foram motociclistas. Em nove meses (período do estudo atual), seriam atendidos proporcionalmente 1009 pacientes, sendo 157 motociclistas. Considerando erro amostral tolerável de 5% e nível de confiança de 95%, uma amostra considerada fidedigna seria aquela com número igual ou superior a 112 casos.

Foram coletados dados sobre dados vitais a admissão, mecanismo de trauma, uso de capacete, realização e resultados da tomografia computadorizada, lesões associadas e tratamento realizado. A indicação de TC crânio para estes pacientes foi feita pelo médico mais graduado, baseado em uma modificação dos “Critérios Canadenses”1212 Stiell IG, Lesiuk H, Wells GA, McKnight RD, Brison R, Clement C, et al. The Canadian CT Head Rule Study for patients with minor head injury: rationale, objectives, and methodology for phase I (derivation). Ann Emerg Med. 2001;38(2):160-9. doi: 10.1067/mem.2001.116796.
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, segundo os protocolos de nosso serviço: pacientes com escala de coma de Glasgow (ECG) menor que 15 após duas horas do trauma, suspeita clínica de fraturas de crânio, sinais de fraturas de base de crânio, mais de 1 episódio de vômito, idade superior a 65 anos, amnésia maior que 30 minutos e mecanismo de trauma “perigoso”, no caso a ejeção do veículo ou atropelamento associado, além dos com convulsões e em uso de anticoagulantes/antiadesivos plaquetários. A gravidade das lesões intracranianas foi estratificada pela Abbreviated Injury Scale (AIS). A frequência, gravidade e seu tratamento também foram analisados.

O acompanhamento remoto foi realizado por até três meses do trauma, via contato telefônico. Os pacientes ou familiares foram questionados sobre sintomas ou intercorrências relacionadas ao TCE, sobretudo sobre a necessidade de nova internação hospitalar. Os que manifestassem sintomas suspeitos, seriam chamados para reavaliação médica.

Os dados obtidos do protocolo de pesquisa foram analisados no Software SPSS 22.0 (IBM), comparando os dados quantitativos através teste t-Student e os dados categóricos através do teste qui-quadrado ou Fisher, quando necessário, adotando-se como estatisticamente significante os valores de p<0,05.

RESULTADOS

Atenderam aos critérios de inclusão 208 pacientes. A maioria era o condutor da motocicleta (204 - 98,1%) e estava em uso regular do capacete (206 - 99,0%), sendo que os 2 pacientes sem uso de capacete apresentaram-se na admissão com rebaixamento do nível de consciência. Houve 17 exclusões pela presença de intoxicação exógena evidente ao exame físico (Figura 1).

Figura 1
Fluxograma dos pacientes, realização de tomografia computadorizada e sua positividade.

Os 191 restantes formaram a nossa amostra, composta por 181 (94,0%) casos do gênero masculino, todos estavam de capacete (Tabela 1). A ECG foi calculada em 15 para 179 (93,7%) pacientes. Vinte e quatro (12,6%) apresentaram perda da consciência, 18 (9,4%) confusão mental, 4 (2,0%) amnésia, 3 (1,6%) vômitos, e 1 (0,5%) tontura. Sinais indiretos de fratura de base de crânio foram observados em 6 doentes (3,1%) e o exame de coluna cervical se mostrou alterado em apenas 1 (0,5%).

Tabela 1
Dados da amostra de 191 motociclistas vítimas de acidente de tráfego.

A tomografia de crânio foi realizada em 90 pacientes (47,1%) (Tabela 1). Destes, 19 tinham ECG<15 e, os demais 71, realizaram a TC por outros critérios. Doze (6,3%) apresentaram alterações na TC, sendo: fratura de face em 6 (3,1%), hematoma subdural em 4 (2,1%), fratura de calota craniana em 3 (1,6%), hematoma epidural em 3 (1,6%), hemorragia subaracnóidea em 3 (1,6%), contusão cerebral em 2 (1,0%) e edema cerebral em 1 (0,5%). Quatro (2,1%) pacientes necessitaram de tratamento cirúrgico, sendo 3 drenagens de hematoma extradural e 1 drenagem de hematoma subdural.

As lesões no segmento cefálico foram significativamente relacionadas a ECG<15 (52,3% vs. 2,8% p<0,001). Todos os pacientes sem capacete apresentaram lesões em segmento cefálico (2/2), em comparação a 11,4% (10/88) dos com capacete (p=0,17) (Figura 2). Nos pacientes com exame físico alterado na região cefálica, a TC identificou lesões em 17,1% (12/70) dos casos, o que não ocorreu em nenhum dos pacientes sem alterações no exame físico (p=0,047). Nenhum dos motociclistas que usavam capacete, admitidos com exame físico normal e ECG 15 apresentou lesões cefálicas (Figura 2).

Figura 2
Comparação dos achados de tomografia computadorizada de acordo com escala de coma de Glasgow e achados de exame físico no segmento cefálico.

Não houve readmissões destes pacientes no período avaliado. Foram contatados por telefone 160 dos 179 (89,4%) pacientes admitidos com ECG 15 (incluindo todos que não realizaram TC de crânio), sendo que nenhum apresentou queixas neurológicas relacionadas ao trauma na evolução.

DISCUSSÃO

Dentre motociclistas envolvidos em acidentes de tráfego, 8,2% apresentavam evidência clínica de intoxicação exógena. Se considerarmos que estes pacientes estão em via pública como condutores, trata-se de um número significativo e preocupante. Dos 191 pacientes acompanhados prospectivamente, a maioria é do gênero masculino, com média etária de 31,7 anos, admitidos estáveis hemodinamicamente e sem alterações na ECG. Cerca de 99% usavam capacete, o que reconhecidamente diminui a frequência e gravidade das lesões intracranianas1616 Hitosugi M, Shigeta A, Takatsu A, Yokoyama T, Tokudome S. Analysis of fatal injuries to motorcyclists by helmet type. Am J Forensic Med Pathol. 2004;25(2):125-8. doi: 10.1097/01.paf.0000127397.67081.f5.
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17 Naumann RB, Marshall SW, Proescholdbell SK, Austin A, Creppage K. Impact of North Carolina's motorcycle helmet law on hospital admissions and charges for care of traumatic brain injuries. N C Med J. 2015;76(2):70-5. doi: 10.18043/ncm.76.2.70.
https://doi.org/10.18043/ncm.76.2.70...

18 Erhardt T, Rice T, Troszak L, Zhu M. Motorcycle helmet type and the risk of head injury and neck injury during motorcycle collisions in California. Accid Anal Prev. 2016;86:23-8. doi: 10.1016/j.aap.2015.10.004.
https://doi.org/10.1016/j.aap.2015.10.00...
-1919 Rice TM, Troszak L, Ouellet J, Erhardt T, Smith GS, Tsai BW. Motorcycle helmet use and the risk of head, neck, and fatal injury: Revisiting the Hurt Study. Accid Anal Prev. 2016;91:200-7. doi: 10.1016/j.aap.2016.03.002.
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. Apenas 12 (6,3%) tinham lesões em segmento cefálico. Contudo, 4 (⅓ dos pacientes com lesões) necessitaram de tratamento operatório. Ou seja, embora pouco frequentes, estas lesões não podem ser subvalorizadas.

O desenvolvimento de protocolos para identificação de lesões intracranianas em vítimas de trauma é fundamental2020 Turcato G, Cipriano A, Zaboli A, Park N, Riccardi A, Santini M, et al. Risk of delayed intracranial haemorrhage after an initial negative CT in patients on DOACs with mild traumatic brain injury. Am J Emerg Med. 2022;53:185-189. doi: 10.1016/j.ajem.2022.01.018.
https://doi.org/10.1016/j.ajem.2022.01.0...
,2121 Masood S, Woolner V, Yoon JH, Chartier LB. Checklist for Head Injury Management Evaluation Study (CHIMES): a quality improvement initiative to reduce imaging utilisation for head injuries in the emergency department. BMJ Open Qual. 2020;9(1):e000811. doi: 10.1136/bmjoq-2019-000811.
https://doi.org/10.1136/bmjoq-2019-00081...
. Um dos maiores problemas no atendimento ao traumatizado são as lesões despercebidas22 Chacón-Aponte AA, Durán-Vargas ÉA, Arévalo-Carrillo JA, Agrawal A, Lozada-Martinez ID, Janjua T, et al. Talk and Die Syndrome: A Narrative Review. Panam J Trauma Crit Care Emerg Surg. 2021;10(2):78-81. doi: 10.5005/jp-journals-10030-1322.
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. A respeito do TCE, é bem conhecida a situação de vítimas admitidas com nível de consciência normal e que progressivamente deterioram até a morte, se não tratadas de maneira adequada (Talk and die syndrome)22 Chacón-Aponte AA, Durán-Vargas ÉA, Arévalo-Carrillo JA, Agrawal A, Lozada-Martinez ID, Janjua T, et al. Talk and Die Syndrome: A Narrative Review. Panam J Trauma Crit Care Emerg Surg. 2021;10(2):78-81. doi: 10.5005/jp-journals-10030-1322.
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. Devido a disponibilização de TC, esta complicação é cada vez mais rara, porém ainda presente. Por outro lado, o uso exagerado da TC pode comprometer a eficiência do diagnóstico, resultando em muitos exames negativos66 Bouida W, Marghli S, Souissi S, Ksibi H, Methammem M, Haguiga H, et al. Prediction value of the Canadian CT head rule and the New Orleans criteria for positive head CT scan and acute neurosurgical procedures in minor head trauma: a multicenter external validation study. Ann Emerg Med. 2013;61(5):521-7. doi: 10.1016/j.annemergmed.2012.07.016.
https://doi.org/10.1016/j.annemergmed.20...
. Esta é a razão do emprego de critérios objetivos para solicitação de TC de crânio em traumatizados.

Os três grandes protocolos de indicação de tomografia de crânio, Canadian CT Head Rules, Critérios de New Orleans e o protocolo NEXUS II, foram desenvolvidos em países com diferenças significativas em relação ao Brasil44 Moreira MR, Ribeiro JM, Motta CT, Motta JIJ. Mortality by road traffic accidents in adolescents and young people, Brazil, 1996-2015: will we achieve SDG 3.6? Cien Saude Colet. 2018;23(9):2785-96. doi: 10.1590/1413-81232018239.17082018.
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,99 Demb J, Chu P, Nelson T, Hall D, Seibert A, Lamba R, et al. Optimizing Radiation Doses for Computed Tomography Across Institutions: Dose Auditing and Best Practices. JAMA Intern Med. 2017;177(6):810-7. doi: 10.1001/jamainternmed.2017.0445.
https://doi.org/10.1001/jamainternmed.20...
,1111 Haydel MJ, Preston CA, Mills TJ, Luber S, Blaudeau E, DeBlieux PMC. Indications for computed tomography in patients with minor head injury. N Engl J Med. 2000;343(2):100-5. doi: 10.1056/NEJM200007133430204.
https://doi.org/10.1056/NEJM200007133430...
,1616 Hitosugi M, Shigeta A, Takatsu A, Yokoyama T, Tokudome S. Analysis of fatal injuries to motorcyclists by helmet type. Am J Forensic Med Pathol. 2004;25(2):125-8. doi: 10.1097/01.paf.0000127397.67081.f5.
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. A legislação de trânsito, a potência e a velocidade das motocicletas, bem como as vias de trânsito e o sistema de saúde não podem ser comparados. A aplicação cega destas regras em nosso país pode trazer resultados diferentes.

Os critérios canadenses são o método descrito no curso Advanced Trauma Life Support (ATLS 10a ed) para a tomada de decisão em vítimas de trauma com TCE leve (ECG 13-15)2222 Student Course Manual ATLS (r) Advanced Trauma Life Support (r). 2018.. Um dos maiores problemas na adaptação desta regra ao nosso meio é a interpretação do mecanismo “perigoso” (i.e. ejeção do veículo). Em motociclistas vítimas de acidentes de tráfego, a ejeção é frequente44 Moreira MR, Ribeiro JM, Motta CT, Motta JIJ. Mortality by road traffic accidents in adolescents and young people, Brazil, 1996-2015: will we achieve SDG 3.6? Cien Saude Colet. 2018;23(9):2785-96. doi: 10.1590/1413-81232018239.17082018.
https://doi.org/10.1590/1413-81232018239...
. Contudo, a maioria dos casos nas grandes cidades ocorre em vias públicas, em baixa velocidade e com pacientes protegidos por capacete. A realização de TC sistematicamente acaba por resultar em um número significativo de exames negativos, o que traz como consequência uma sobrecarga para o serviço e para o sistema de saúde. Desta forma, desenvolvemos uma modificação dos Critérios Canadenses em nosso serviço, com base em estudos prévios2323 Parreira JG, Gregorut F, Perlingeiro JAG, Solda SC, Assef JC. Comparative analysis of injuries observed in motorcycle riders involved in traffic accidents and victims of other blunt trauma mechanisms. Rev Assoc Med Bras (1992). 2012;58(1):76-81.,2424 Parreira JG, Rondini GZ, Below C, Tanaka GO, Pelluchi JN, Arantes-Perlingeiro J, et al. Trauma mechanism predicts the frequency and the severity of injuries in blunt trauma patients. Rev Col Bras Cir. 2017;44(4):340-7. doi: 10.1590/0100-69912017004007.
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.

Em nossa amostra, observamos uma incidência significativamente maior de lesões nos pacientes com ECG menor que 15 (52,3%), o que ratifica a realização de TC neste grupo. Já nos pacientes com ECG=15, o divisor foi a presença de alteração de anamnese e/ou exame físico, identificando um subgrupo com maior chance de lesão craniencefálica. Nenhum dos pacientes com ECG=15 que utilizava capacete e não apresentava alterações em exame físico e/ou anamnese apresentou alguma lesão interna. O acompanhamento remoto foi importante para assegurar que não houve falhas diagnósticas, mesmo no grupo que não havia sido submetido a TC de crânio.

Dessa forma, o modelo utilizado neste estudo, que associa a avaliação de variáveis clínicas com exame físico e neurológico na sala do trauma, foi capaz de identificar as lesões importantes em todos os casos. Em muitas unidades básicas de saúde que não dispõem de tomógrafo, este modelo pode identificar os casos a serem transferidos para completar sua avaliação diagnóstica. É importante observar que, mesmo com os critérios de seleção adotados, ainda tivemos 78 exames normais (40,8%). Fica a abertura para a avaliação de critérios mais restritos de seleção a TC, sem comprometer a sensibilidade do método.

A limitação mais significativa de nosso estudo é o tamanho da amostra, que ainda é reduzida se considerarmos a frequência das lesões intracranianas. Por outro lado, o acompanhamento horizontal prospectivo, associado aos critérios restritos de inclusão, podem ajudar na credibilidade dos dados. O seguimento por via telefônica foi importante para excluir a possibilidade de complicações posteriores a alta hospitalar.

Os dados deste estudo sugerem que motociclistas vítimas de acidente de tráfego utilizando capacetes, admitidos com ECG 15, sem sintomas no momento da admissão e com exame físico normal não necessitam de TC de crânio em sua avaliação inicial, mesmo se ejetados. Importante ressaltar que o acompanhamento de sintomas e sinais de alerta por 48h é recomendado para estes casos. Se houver alguma suspeita, a TC deve ser realizada.

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  • Fonte de financiamento:

    nenhuma.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    01 Abr 2022
  • Aceito
    09 Maio 2022
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