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Medicina, a "ciência exata" do século XXI

EDITORIAL I

Medicina, a "ciência exata" do século XXI

Luiz Guilherme Romano, TCBC-RJ

Presidente do Colégio Brasileiro de Cirurgiões

A literatura das últimas décadas não exagera quando aposta no avanço exacerbado da informática. Já não estamos muito distantes de uma realidade controlada por programas de computadores. Vivemos, hoje, uma fase de transição para o mundo da tecnologia, que, por sua vez, nos leva a caminhos sem limites. E esse é o ponto mais discutido pelos diversos setores da sociedade.

Na medicina, a situação não é diferente. Até pouco tempo atrás, médicos cuidavam de seus pacientes como se estivessem tratando de seus próprios filhos. Faziam suas consultas num ambiente quase familiar, temperados com grande dose de afetividade. O diagnóstico só era fornecido após minuciosa verificação dos olhos, da garganta, dos ouvidos. Enfim, as observações das respostas do organismo humano eram valorizadas e estudadas com atenção pelo médico-assistente; e, somente a partir dessa verificação, é que o paciente se sentia verdadeiramente atendido.

Atualmente, porém, junto desse modelo de profissional, está o médico integrado à informática e conhecedor profundo dos benefícios que ela pode proporcionar à profissão e aos clientes.

Os mais jovens na medicina já realizam seus atendimentos clínicos com olhos fixos em microcomputadores, onde digitam todas as informações que o doente fornece - sintomas, reações do corpo, remédios ingeridos. O médico informatizado registra os dados e espera de um programa as possíveis soluções para a doença diagnosticada. Nesse tipo de relação, não há mais o elo afetivo.

Não há como afirmar o que é certo ou errado. Apenas deve-se alertar que muitos médicos e pacientes ainda não estão adaptados a essa realidade fria e objetiva. Até porque ainda se supõe que as relações humanas devam se basear em sentimentos, afinidades.

Mas não há dúvida, aos poucos, como todos os profissionais liberais, os médicos terão que se acostumar com a proliferação da informática. Cirurgias, atualmente, já são feitas por vídeo. Quando, há algum tempo atrás, imaginaríamos essa possibilidade cirúrgica? Não há como negar os benefícios decorrentes dessa atividade.

A utilização da robótica também não vai demorar muito a chegar. Operar através de um robô, comandar um processo cirúrgico ou atender um paciente dentro de sua própria casa, através de um computador, já não são idéias absurdas. Nos países mais desenvolvidos, como o Canadá, por exemplo, já existem protótipos. Definitivamente, não se pode dizer, muito menos em medicina, que algo é inatingível!

Uma gama de programas de informática específicos para cada tipo de cirurgia vem sendo criada. Substituições de órgãos vitais por próteses já são realizadas e não cansam de ser notícia nos principais veículos de comunicação. O coração, que se imaginava ser o "portador de sentimentos", hoje é tratado como mais uma peça do organismo humano; uma simples bomba, que impulsiona o sangue da periferia para o pulmão e para o corpo. Em breve, sem susto, teremos produzida em laboratório a primeira bomba cardíaca realmente eficaz. Os órgãos que ainda não imaginamos substituídos, certamente poderão se regenerar a partir dos inúmeros estudos de clonagem de células e tecidos nervosos.

Porém, para os filhos de uma geração acostumada a ver, no médico, um amigo, e ainda resistente à informatização total de tarefas, a afetividade e a identificação ainda são fundamentais para se gerar confiança e credibilidade.

Para a geração atual e futura, talvez, essa "intimidade" não seja tão necessária. Afinal, a medicina preventiva será, cada vez mais, estimulada pelos meios de comunicação, e o indivíduo poderá aplicá-la em sua vida sem maior participação médica. Além disso, o paciente só procurará um médico se necessitar de uma informação mais consistente, ou seja, se necessitar de um diagnóstico mais preciso, que, através dos dados fornecidos por um computador, será capaz de apresentar e fornecer soluções.

No futuro, nem mesmo o paciente reivindicará o tato ou a sensibilidade do médico diante de sua dor. Este acreditará, indiscutivelmente, na capacidade de acerto dos programas médicos desenvolvidos pelos experts da informática.

Aos poucos, a medicina vai deixando de ser humana para ser uma ciência exata, onde o profissional será um executor de tarefas programadas, um tecnocrata, e o paciente, um expectador de soluções.

A relação médico-paciente cada vez mais passará a ser de prestador de serviços e consumidor. E, como todo processo de transição, alguns problemas já se apresentam, tais como a conceituação do erro médico. Não é raro, ao se julgarem casos clínicos, juízes terem em mãos o Código de Defesa do Consumidor. Isso é uma prova de que os valores da relação mudaram.

Já está claro, o excesso de tecnologia interferirá em todas as relações, inclusive, médico-paciente, médico-hospital, hospital-seguradoras e planos de saúde. Estamos saindo de um modelo interpessoal para um totalmente tecnológico. E é certo que a medicina se beneficiará demais com a informática; porém, se isso será vantajoso para todas as pessoas é uma questão que só o tempo e o comportamento da sociedade poderão responder. É mais um desafio para o novo milênio.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Nov 2009
  • Data do Fascículo
    Dez 1999
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