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Percepções e práticas sobre delirium, sedação e analgesia em pacientes críticos: uma revisão narrativa

Resumos

Durante a última década, foi publicado um número significativo de estudos fundamentais que aumentaram o conhecimento atual sobre a sedação em pacientes criticamente enfermos. Desse modo, muitas das práticas até então consideradas como padrão de cuidado são hoje obsoletas. Foi demonstrado que a sedação excessiva é perigosa, e que protocolos com sedação leve ou sem sedação se associaram a melhores desfechos dos pacientes. O delirium vem sendo cada vez mais reconhecido como uma forma importante de disfunção cerebral associada com mortalidade mais alta, maior duração da ventilação mecânica e maior permanência na unidade de terapia intensiva e no hospital. Apesar de todas as evidências disponíveis, a tradução da pesquisa para o cuidado ao pé do leito é uma tarefa hercúlea. Foi demonstrado, por levantamentos internacionais, que práticas como interrupção e titulação da sedação só são realizadas em uma minoria dos casos. O estabelecimento das melhores práticas é um tremendo desafio que deve também ser contemplado nas novas diretrizes. Nesta revisão, resumimos os achados de estudos a respeito de sedação e delirium nos anos recentes e discutimos a distância entre a evidência e a prática clínica, assim como as formas de estabelecer as melhores práticas ao pé do leito.

Sedação; Delírio; Benzoadepinas; Propofol; Analgésicos opióides; Dexmedetomidina; Estado terminal


A significant number of landmark studies have been published in the last decade that increase the current knowledge on sedation for critically ill patients. Therefore, many practices that were considered standard of care are now outdated. Oversedation has been shown to be hazardous, and light sedation and no-sedation protocols are associated with better patient outcomes. Delirium is increasingly recognized as a major form of acute brain dysfunction that is associated with higher mortality, longer duration of mechanical ventilation and longer lengths of stay in the intensive care unit and hospital. Despite all the available evidence, translating research into bedside care is a daunting task. International surveys have shown that practices such as sedation interruption and titration are performed only in the minority of cases. Implementing best practices is a major challenge that must also be addressed in the new guidelines. In this review, we summarize the findings of sedation and delirium research over the last years. We also discuss the gap between evidence and clinical practice and highlight ways to implement best practices at the bedside.

Sedation; Delirium; Benzodiazepines; Propofol; Analgesics, opioid; Dexmedetomidine; Critical illness


ARTIGO DE REVISÃO

Percepções e práticas sobre delirium, sedação e analgesia em pacientes críticos: uma revisão narrativa

Cassia Righy ShinotsukaI,II; Jorge Ibrain Figueira SalluhI,III

IInstituto D'Or de Pesquisa e Ensino - IDOR - Rio de Janeiro (RJ), Brasil

IIUnidade de Terapia Intensiva, Instituto Nacional de Câncer - INCA - Rio de Janeiro (RJ), Brasil

IIIPrograma de Pós-graduação, Instituto Nacional de Câncer - INCA - Rio de Janeiro (RJ), Brasil

Autor correspondente Autor correspondente: Jorge Ibrain Figueira Salluh Rua Diniz Cordeiro, 30 - Botafogo CEP: 22281-100 - Rio de Janeiro (RJ), Brasil E-mail: jorgesalluh@gmail.com

RESUMO

Durante a última década, foi publicado um número significativo de estudos fundamentais que aumentaram o conhecimento atual sobre a sedação em pacientes criticamente enfermos. Desse modo, muitas das práticas até então consideradas como padrão de cuidado são hoje obsoletas. Foi demonstrado que a sedação excessiva é perigosa, e que protocolos com sedação leve ou sem sedação se associaram a melhores desfechos dos pacientes. O delirium vem sendo cada vez mais reconhecido como uma forma importante de disfunção cerebral associada com mortalidade mais alta, maior duração da ventilação mecânica e maior permanência na unidade de terapia intensiva e no hospital. Apesar de todas as evidências disponíveis, a tradução da pesquisa para o cuidado ao pé do leito é uma tarefa hercúlea. Foi demonstrado, por levantamentos internacionais, que práticas como interrupção e titulação da sedação só são realizadas em uma minoria dos casos. O estabelecimento das melhores práticas é um tremendo desafio que deve também ser contemplado nas novas diretrizes. Nesta revisão, resumimos os achados de estudos a respeito de sedação e delirium nos anos recentes e discutimos a distância entre a evidência e a prática clínica, assim como as formas de estabelecer as melhores práticas ao pé do leito.

Descritores: Sedação; Delírio; Benzoadepinas; Propofol; Analgésicos opióides; Dexmedetomidina; Estado terminal

INTRODUÇÃO

A sedação é utilizada comumente na unidade de terapia intensiva (UTI), principalmente em pacientes submetidos à ventilação mecânica, com a finalidade de promover o conforto, facilitar a interação paciente-ventilador e prevenir autolesões.(1) Além disso, frequentemente se emprega sedação profunda à medida que os médicos objetivam reduzir a ansiedade e promover amnésia nos pacientes submetidos à ventilação mecânica, assim como facilitar os cuidados exercidos na UTI pelos profissionais de saúde. Contudo, a administração irrestrita de sedativos frequentemente se associa com sedação excessiva,(2) fato que demonstrou aumentar o tempo da ventilação mecânica e da permanência na UTI e no hospital.(2-4) Nos últimos anos, foram publicados vários estudos, desafiando a noção da sedação profunda como um padrão de conduta.(2,3,5,6) A sedação excessiva se associa com aumento da duração da ventilação mecânica, maior duração da permanência na UTI, e aumento das taxas de delirium e mortalidade.(7,8)

O delirium é uma forma frequente e grave de disfunção cerebral aguda, além de fonte importante de preocupação no cuidado crítico. Nos últimos dez anos, estudos demonstraram claramente uma associação entre delirium e aumento da mortalidade, da duração da ventilação mecânica e da permanência no hospital.(9) Além do mais, os benzodiazepínicos, que foram os fármacos sedativos usados mais frequentemente em pacientes de UTI, também se associaram a transição para delirium.(10) Apesar de evidências substanciais, existe uma distância significativa na tradução desses resultados para o cuidado habitual.(11-13) Levantamentos realizados em diferentes países já demonstraram resultados conflitantes entre as percepções de cuidado de médicos e enfermagem da UTI e a prática efetiva à beira do leito.(14,15) Neste artigo, apresentamos uma narrativa não sistemática para discutir os principais avanços, nos últimos dez anos, na pesquisa sobre sedação, e seu impacto nos cuidados prestados a pacientes criticamente enfermos.

Diretrizes de sedação

A Society of Critical Care Medicine publicou, em 2002, suas Diretrizes para sedação e analgesia em adultos em terapia intensiva.(16) Entre suas recomendações, as diretrizes de 2002 estabeleceram um alvo de sedação que deveria ser reavaliado regularmente para cada paciente individualmente com o uso sistemático de uma escala validada de sedação. Quanto ao uso de sedativos, ela recomendava o uso de benzodiazepínicos como primeira escolha, especificamente do lorazepam. Segundo as diretrizes, deve ser utilizado midazolam para pacientes com agitação aguda e apenas por período curto de tempo (entre 48 e 72 horas). Após esse período, recomenda-se o uso de lorazepam para sedação endovenosa contínua ou intermitente. Foi sugerido o uso de propofol para pacientes neurocirúrgicos ou em outras situações em que fosse desejável um despertar rápido. A dexmedetomidina só foi rapidamente mencionada sem que se pudesse fazer qualquer recomendação para seu uso em razão de que, nessa ocasião, não havia estudos importantes em pacientes criticamente enfermos. Ao incorporar os achados de Kress et al.(2) e de Kollef et al.,(7) essas diretrizes também recomendaram a titulação da dose do sedativo para atingir um objetivo individualizado, ou uma estratégia de despertar diário e o uso de um protocolo de sedação.

Como a maior parte da literatura sobre delirium em pacientes de UTI é recente,(17) o delirium foi discutido apenas brevemente nas diretrizes de sedação de 2002, que se enfatizaram a necessidade de avaliações rotineiras de delirium e o uso de haloperidol como fármaco de escolha para seu tratamento.

Estudos randomizados e controlados para diminuição da exposição a sedativos

Desde que as diretrizes de 2002 sobre sedação e analgesia foram publicadas, a pesquisa em sedação teve um aumento substancial, como se pode ver no gráfico de demonstra o crescimento exponencial nas citações feitas na PubMed na última década (Figura 1)(17) e alguns estudos principais se seguiram, conforme salientado na figura 2. Em 2000, Kress et al. demonstraram que a interrupção diária da sedação reduziu a duração da ventilação mecânica (4,9 versus 7,3 dias; p=0,004) e também o tempo de permanência na UTI (6,4 versus 9,9 dias; p=0,02).(2) Os achados impressionantes desse estudo em centro único levaram à introdução de recomendações de "despertar diário" nas diretrizes de 2002.(17) Subsequentemente, Girard et al. realizaram um estudo multicêntrico confirmatório que avaliou o despertar diário pareado à tentativa de respiração espontânea em comparação à sedação usual pareada com tentativa de respiração espontânea. Pacientes que foram submetidos à intervenção tiveram uma diminuição do tempo de permanência na UTI (9,1 versus 12,9 dias; p=0,01) e no hospital (14,9 versus 19,2 dias; p=0,04).(5) No grupo de intervenção, ocorreram mais eventos de autoextubação, mas as taxas de reintubação foram comparáveis. É interessante observar que o grupo de intervenção teve uma melhora na sobrevida em 1 ano (HR=0,68; intervalo de confiança - IC - 95%: 0,50-0,92; p=0,01). Isso representa que é necessário tratar de sete pacientes. Tal fato certamente representa um grande resultado quando comparado a qualquer estudo contemporâneo de intervenção em terapia intensiva. Dados recentes demonstram que pacientes cuidados com estratégias protocolizadas de sedação não se beneficiam da adição de interrupção diária da sedação, já que os tempos de ventilação mecânica e permanência na UTI não se alteram.(18)



Mais recentemente, terapias física e ocupacional, juntamente da interrupção diária da sedação, foram comparadas ao uso isolado de interrupção diária da sedação. Os pacientes no grupo de fisioterapia voltaram mais frequentemente à condição de independência por ocasião da alta hospitalar (59% versus 35%; p=0,02); com odds ratio de 2,7 (IC95%=1,2-6,1), tiveram menor duração do delirium (2,0 dias, IQR 0,0-6,0 versus 4,0 dias, 2,0-8,0; p=0,02) e mais dias sem ventilação (23,5 versus 21,1 dias; p=0,05).(6)

Subsequentemente, Strom et al. avaliaram o impacto do "protocolo sem sedação" nos desfechos de pacientes sob ventilação mecânica. Os pacientes foram randomizados para sem sedação (apenas com administração de morfina em bolo, conforme necessário) ou sedação (propofol por 48 horas e, a seguir, midazolam mais morfina em bolo, conforme necessário), com despertar diário. Nesse estudo realizado em centro único, o grupo de intervenção teve um número significantemente maior de dias sem ventilação (diferença média de 4,2 dias, IC95%=0,3-8,1; p=0,019), menor permanência na UTI (HR=1,86; IC95%=1,05-3,23; p=0,031) e no hospital (HR=3,57; IC95%=1,52-9,09; p=0,004).(3) É interessante observar que o grupo controle foi tratado de acordo com os melhores cuidados baseados em evidência até então disponíveis, o que torna os resultados ainda mais impressionantes. Com relação às controvérsias a respeito da suspensão diária da sedação e da sedação protocolizada, já foi demonstrado que a primeira não apresenta melhoras às estratégias da segunda, desde que os alvos da sedação sejam atingidos.(18)

Também ocorreu substancial progresso em relação à ocorrência de delirium e à escolha da sedação. Já no início dos anos 2000, o delirium foi reconhecido como prevalente e associado a desfechos piores em pacientes de UTI. Em um importante estudo prospectivo de coortes, Ely et al. demonstraram que o delirium se associa independentemente da mortalidade em 6 meses em pacientes sob ventilação mecânica (HR ajustada=3,2; IC95%=1,4-7,7; p=0,008).(9) Desde então, outros estudos demonstraram a associação de diferentes fármacos sedativos à ocorrência e à gravidade do delirium.(9,10) A exposição a benzodiazepínicos se associou à transição para delirium em diversos estudos. Pandharipande et al. demonstraram que o lorazepam foi um fator de risco independente para transição diária para delirium (odds ratio 1,2; IC95%=1,1-1,4; p=0,003), de forma dependente da dose.(10) Entretanto, não foram identificados achados similares com propofol e fentanil.(9) Outros estudos corroboram esses achados. Salluh et al., em um estudo multicêntrico de prevalência de pontos, que envolveu 104 UTIs em 11 países identificaram que o delirium se associou ao aumento da mortalidade e da permanência e que, entre os sedativos, midazolam se associou ao diagnóstico de delirium.(8)

Em 2007 o estudo MENDS, randomizado e controlado, testou a hipótese de que a sedação com uso limitado de benzodiazepínicos poderia reduzir a ocorrência de disfunção cerebral aguda em pacientes sob ventilação mecânica.(19) Os pacientes no grupo dexmedetomidina permaneceram por mais tempo no nível alvo de sedação (80% versus 67%; p=0,04) e apresentaram mais dias sem delirium ou coma (7,0 versus 3,0 dias; p=0,01), principalmente em razão da menor incidência de coma (63% versus 92%; p<0,001). Dois anos mais tarde, o estudo SEDCOM comparou a eficácia e a segurança de dexmedetomidina em relação a midazolam em pacientes clínicos e cirúrgicos com previsão de permanecer em ventilação mecânica por mais de 24 horas.(20) Os parâmetros secundários foram a prevalência e a duração de delirium. A dexmedetomidina foi comparável ao midazolam na obtenção dos níveis alvo de sedação; entretanto, os pacientes, no grupo dexmedetomidina, tiveram menos delirium (54% versus 76,6%; p<0,001) e menor tempo até a extubação (3,7 versus 5,6 dias; p=0,01), embora o tempo de permanência na UTI tenha sido similar em ambos os grupos. Interessantemente, os estudos MIDEX e PRODEX (estudos de não inferioridade que compararam dexmedetomidina a midazolam e propofol) tiveram como principal desfecho a proporção do tempo sob sedação leve a moderada (Rass entre 0 e -3) e a duração da ventilação mecânica.(21) A dexmedetomidina foi comparável com midazolam e propofol quanto à obtenção de sedação em longo prazo leve a moderada e reduziu a duração da ventilação mecânica em comparação ao midazolam (123 versus 164 horas; p=0,03), mas não em comparação ao propofol (97 versus 118 horas; p=0,24). Em ambos os estudos, não se observaram diferenças com relação ao número de pacientes que necessitaram voltar a sedação em razão de delirium, mas a incidência de delirium só foi avaliada 48 horas após a cessação dos fármacos sedativos.(21) Todos esses estudos combinados sugerem que os benzodiazepínicos se associam com um maior risco de disfunção cerebral aguda e que intervenções voltadas a diminuir a exposição a benzodiazepínicos podem melhorar os desfechos clínicos em pacientes criticamente enfermos submetidos a ventilação mecânica.

Os progressos obtidos na última década na pesquisa sobre sedação foram refletidos nas diretrizes de sedação, analgesia e delirium de 2013, endossadas pela Society of Critical Care Medicine, como mostrado no quadro 1.


Uso atual de sedação: percepção e práticas de profissionais de saúde

Na última década, foram publicados diversos levantamentos com foco na prática de sedação em todo o mundo(12,22,23) (Quadro 2). Embora a maioria desses estudos relatem autopercepção, foram também realizadas algumas auditorias, demonstrando diferenças assombrosas entre as afirmativas dos médicos e da prática clínica.


Em 2001, Soliman et al. publicaram o maior levantamento de sedação na Europa, com 647 médicos intensivistas distribuídos em 16 países. Eles relataram o uso equivalente de morfina e fentanil para analgesia com base em opióides (33% cada), seguido por sulfentanil (23%). Os fármacos sedativos mais utilizados foram midazolam (63%), seguido por propofol (35%); lorazepam foi usado de forma infrequente (<0,5%).(23) Por outro lado, Tanios et al. realizaram, em 2009, um levantamento nos Estados Unidos, com 904 profissionais intensivistas (60% dos quais médicos, 14% enfermeiros e 12% farmacêuticos) e, de acordo com as diretrizes atuais, os agentes sedativos mais utilizados foram o lorazepam e o midazolam, sendo que o propofol foi selecionado como agente de primeira escolha por apenas 13 a 26% dos que responderam. A morfina foi utilizada primariamente para analgesia.(22) Patel et al. avaliaram 1.384 profissionais de saúde (70% médicos, 23% enfermeiros e 1,6% terapeutas respiratórios) na América do Norte quanto à sedação. Nesse estudo, os benzodiazepínicos (84%) e o propofol (81%) foram os agentes sedativos utilizados mais frequentemente.(24)

Essa situação é amplamente diferente da do levantamento realizado em 2010, na Austrália e Nova Zelândia, envolvendo médicos e enfermeiros intensivistas, mostrando que midazolam e propofol foram usados de forma equivalente (50%) como fármaco de primeira escolha em sedação e, mais uma vez, a morfina foi a primeira escolha para analgesia (67%), seguida por fentanil (13%).(15) Isso pode representar uma diferença cultural com relação à sedação.

Com relação à adesão à prática de interrupção diária da sedação, os resultados também são amplamente variáveis entre os diferentes países, mas, em geral, é baixa. Ela varia de 14% na Malásia,(25) 15% nos países nórdicos,(26) 31% na Dinamarca(27) e 34% na Alemanha.(28) Patel et al. relataram que a maior parte dos que responderam ao levantamento (76%) tinham uma política escrita de tentativas de despertar espontâneo. Contudo, menos de metade dos profissionais de saúde avaliados (446/1.019; 44%) realizou tentativas de despertar espontâneo em mais de metade dos dias na UTI.(24) Recentemente, levantamentos realizados na Austrália e Nova Zelândia,(15) e no Reino Unido(29) demonstraram níveis mais elevados de profissionais informando realizar interrupção da sedação (62% e 78%, respectivamente). Um estudo comparando interrupções da sedação em UTIs na Alemanha mostrou que, entre 2002 e 2006, ocorreu um aumento de 35% (de 23% para 45% das UTIs) na utilização de interrupção da sedação.(30) Lamentavelmente, apesar das evidências referentes aos perigos da sedação contínua e excessiva, a prática de interrupção da sedação ainda não foi introduzida na maioria das UTIs, criando uma grande evidência de deficiência prática.

O uso de protocolos escritos de sedação é enfaticamente encorajado como forma de promover uma abordagem coerente para uma sedação com alvos individualizados. Contudo, o uso de um protocolo de sedação também é heterogêneo entre os diferentes países. Martin et al. relataram 21% de uso em UTIs alemãs,(28) enquanto outros autores mostraram 27% no Reino Unido(31) e 33% na Dinamarca.(27) Patel et al. relataram que 29% dos que responderam aos questionários não tinham um protocolo escrito de sedação.(24) Levantamentos mais antigos relataram tendência crescente de uso de protocolos de sedação, variando de 52%, na Alemanha,(28) a 80%, no Reino Unido.(31) A escala Ramsay parece ser a escala de sedação mais comumente utilizada nos diversos levantamentos.(28-31)

No Brasil, um estudo publicado em 2009 envolvendo 1.015 médicos intensivistas identificou que o midazolam e o fentanil eram os agentes sedativos mais utilizados (97,8% e 91,5%, respectivamente), com o propofol em terceiro lugar (55%).(32) Apenas 52,7% dos que responderam aos questionários relataram a utilização de um protocolo de sedação em sua UTI. Cerca de 62,8% dos médicos relataram não discutir alvos de sedação em suas visitas diárias, e 68,3% não praticavam qualquer interrupção da sedação.

Mudança nas práticas de sedação e da cultura dos cuidados intensivos: um importante desafio

A introdução de mudanças na rotina clínica é complexa e exige trabalho intenso. Auditorias de sedação em UTI mostram uma realidade diferente da relatada nos levantamentos. Payen et al., em auditoria realizada em 1.381 pacientes adultos admitidos a 44 UTIs da França, relataram que o midazolam foi o agente sedativo mais comumente utilizado (70%), seguido pelo propofol (20%).(11) Analgesia com base em opioides foi realizada principalmente com sulfentanil (40%) e fentanil (35%). Grande proporção dos pacientes estava em sedação profunda (40% a 50%) e a avaliação regular da sedação e da analgesia foi significantemente mais baixa do que o uso de sedativos e opioides. Nenhuma UTI realizava interrupções da sedação, e analgesia para procedimentos era raramente utilizada (menos de 25% dos pacientes). Em um estudo canadense que incluiu 52 UTIs, Burry et al. relataram que a interrupção dos sedativos e da analgesia só foi realizada em 20% e 9% dos dias, respectivamente. Também identificaram que apenas 8% dos pacientes tiveram ajuste da dose de sedação com base em uma escala validada de sedação.(33)

O impacto dos estudos clínicos na prática atual é, em geral, baixo e há muitas explicações plausíveis. São frequentemente citados como grandes barreiras para introdução dessas novas práticas as falhas na disseminação do conhecimento, o ceticismo quanto à custo-efetividade da prática (com o custo sendo percebido como recursos financeiros e esforços), dúvidas a respeito do apoio de equipe e dispositivos, e aplicabilidade nas condições individuais.(34) Tanios et al. relataram que as três razões mais comuns que impediam as equipes multidisciplinares de adotar o uso de escalas de sedação eram falta de ordem médica (35%), falta de suporte da enfermagem (11%) e medo de sedação excessiva (7%). Para interrupção diária da sedação, as principais razões foram a falta de aceitação da enfermagem (22%), preocupação com o risco de remoção dos dispositivos pelo paciente (19%) e indução de outros comprometimentos respiratórios (26%) ou de desconforto para o paciente (13%).(22) Em outro estudo, O'Connor e Bucknall identificaram que a equipe de enfermagem tinha maior probabilidade de crer que a interrupção diária da sedação aumentaria sua carga de trabalho.(15) Nesse estudo, quando interrogados quanto a outros fatores que poderiam influenciar o cuidado da sedação, médicos e enfermeiros afirmaram igualmente nível de experiência e de educação e apoio da equipe. Outros fatores citados por enfermeiros foram o nível da equipe e a pressão por leitos, enquanto os médicos citaram mais frequentemente a cultura da unidade ("um paciente calmo é um bom paciente"). O custo também é uma questão importante na tomada de decisão clínica, sendo citado por 52% dos médicos de UTIs do Reino Unido(27) e por 64% no Magrebe.(35)

Novas diretrizes para sedação e analgesia no cuidado crítico incluirão essas alterações, entretanto a publicação das diretrizes não é suficiente para traduzir uma boa evidência em boa prática ao pé do leito.(34) Carey et al. sugerem que as diretrizes devem focalizar-se não apenas na melhor evidência disponível mas também em estratégias de planejamento para sua melhor implantação e em estudos piloto para avaliar os planos de introdução.(36) Gesme e Wiseman também defendem um papel de liderança e uma cultura organizacional que dê apoio à mudança para ajudar a implantar as melhores práticas.(37) Entretanto, foi demonstrado por certos estudos que mesmo estratégias complexas de melhora da qualidade podem ser implantadas de forma bem-sucedida no ambiente de UTI.(38,39)

CONCLUSÃO

Apesar das evidências disponíveis, as melhores práticas de sedação ainda são heterogêneas e implantadas de forma insuficiente em todo o mundo. É imperativo cuidar dessa evidente distância entre a pesquisa e a prática. São necessários mais dados para melhores estratégias de implantação para ajudar a prover o melhor cuidado a todos os pacientes admitidos a unidades de terapia intensiva.

Submetido em 28 de fevereiro de 2013

Aceito em 13 de junho de 2013

Conflitos de interesse: Cássia Righy Shinotsuka e Jorge Ibrain Figueira Salluh receberam honorários e Jorge Salluh recebeu verbas de pesquisa da Hospira.

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  • Autor correspondente:

    Jorge Ibrain Figueira Salluh
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013

    Histórico

    • Recebido
      28 Fev 2013
    • Aceito
      13 Jun 2013
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