Invisibilidade social do adoecimento de professores da educação básica no Brasil

Pesquisadores de diferentes localidades, linhagens teóricas e metodológicas produziram nas últimas décadas evidências consistentes sobre o adoecimento de professores, como atesta uma publicação 1 dos autores da Carta 2, que temos a honra de responder por este meio. Contudo, não se viram ações para solucionar o problema. Perguntam nossos colegas: quais exemplos ou sugestões de políticas podemos dar? Caberia aos pesquisadores unir forças para sugerir mudanças?

A ausência de programas concretos já foi atribuída a deficiências dos estudos, que seriam raramente preocupados em construir políticas 3. Mas um estudo de caráter interdisciplinar avançou recentemente ao focalizar as políticas públicas nesse âmbito 4. Em outra direção, atribuiu-se o problema ao silêncio social, sendo essa situação responsável por manter fora da agenda institucional a educação básica pública de qualidade 5, que, por sua vez, é considerada articulada à proteção dos professores 6. Argumentou-se também que o descaso com o direito à educação é coerente com o desinteresse em atender às necessidades das classes populares, bem como seria reflexo da desvalorização da profissão docente 4.

Em uma perspectiva mais abrangente, identificamos vários conjuntos de fatores que concorrem para a invisibilidade social do adoecimento no trabalho, de maneira a explicar a posição periférica das políticas de saúde dos trabalhadores. Em primeiro lugar, a tolerância social permite aceitar que o corpo seja afetado, que os acidentes ocorram e que os sujeitos padeçam nos locais em que trabalham. Acidentes no motofrete, insuficiência cardiorrespiratória em razão da silicose, incapacidade provocada por problemas musculoesqueléticos, adoecimento mental no setor de teleatendimento, para ser breve, persistem nas estatísticas oficiais 7.

As mazelas e o sofrimento dos cidadãos, em segundo lugar, não são de pronto encarados pelos agentes públicos. Quanto menor a força de um grupo para “sensibilizar” o andar de cima, menor a chance de impulsionar a atenção daqueles que tomam decisões 8. Seria esse o caso dos professores da educação básica?

Em terceiro lugar, a construção do sistema nacional de educação é um projeto não concluído, porque, entre outros, ainda não alcançou a união dos diferentes entes federativos, conforme postulado, para decidir sobre os serviços educacionais ofertados no território nacional. Vale lembrar que os princípios da política educacional brasileira foram definidos na Constituição Federal de 1988 e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9. O destaque para o espectro da valorização do trabalho docente e dos professores faz parte desses princípios. Há quase uma década, o aparato jurídico-legal regulamentou o piso salarial profissional nacional, a carga horária destinada a tarefas extraclasse e a dedicação exclusiva a uma única escola, mas a garantia de acesso a esses direitos não está assegurada em todo o território nacional 10.

A representação de uma profissão como missão feminina, em quarto lugar, tem a ver com o processo. As mulheres são identificadas pelo instinto maternal e pelas habilidades de cuidar das crianças 11. Nesse prisma, seriam mais afeitas às demandas da docência. Estereótipos de gênero desse tipo justificam também a desigualdade entre os sexos na distribuição das tarefas domésticas e dos cuidados com filhos e familiares. Sim, provavelmente os efeitos das condições de trabalho tenham sido agravados pela carga de trabalho doméstico e vice-versa. Vale destacar o caráter multidimensional dos problemas musculoesqueléticos 12. Além disso, a heterogeneidade dos métodos e do tipo de seleção das amostras é uma barreira reconhecida para comparar resultados. Nosso estudo 12 avaliou a prevalência de ausências ao trabalho em uma amostra probabilística, utilizando autorrelatos, enquanto grande parte dos estudos nessa seara são embasados em registros administrativos.

Quanto à desvalorização, é um fenômeno reconhecido que depende de uma complexa teia de relações na sociedade e no setor específico em que a profissão é exercida. Nesse processo, contam grau e tipo de especialização exigidos do profissional e rendimento por ele auferido 13. Ora, a segregação ocupacional por sexo resulta na desqualificação das profissões claramente femininas com efeitos negativos sobre a remuneração e o prestígio social 11. O Brasil se destacou em 2021 entre aqueles que pior remuneraram seus professores 14, os quais estão em última posição de prestígio social no ranqueamento entre países 15.

A historiografia já confirmou que o acúmulo de conhecimentos não se mostrou suficiente para o Estado agir, apesar dos custos vultosos referentes a afastamento do trabalho, invalidez ou aposentadoria precoce relacionados aos riscos ocupacionais 7. Divulgar nossos resultados e empreender projetos compartilhados, como sugerido 2, são estratégias necessárias para produzir políticas públicas de saúde ocupacional. Vale, contudo, destacar que, até aqui, os fatores acima mencionados confrontam o postulado da primazia das evidências científicas para garantir melhor saúde dos trabalhadores e trabalhadoras 7.

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Editado por

Editor-Chefe:

Eduardo Algranti

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  26 Abr 2024
• Data do Fascículo
  2024

Histórico

• Recebido
  20 Nov 2023
• Aceito
  05 Dez 2023